Apoteose Fantasma Brasileira

Autor(a): Alexandre Henrique


Volume 1

Capítulo 17: Confronto(1).

Aidan retornou à casa onde passou boa parte de sua infância. A chuva permanecia forte, e as gotas caindo faziam lembranças de dias passados ecoarem. Ele observou o jardim que tanto gostava de passar o tempo com sua irmã. Olhou para as rosas-vermelhas que ainda estavam tentando sobreviver. Caminhou até a porta da casa e, antes de tocar a campainha, ela se abriu e uma mulher apareceu. Aidan sorriu.

— Olá, mãe, finalmente te encontrei — disse Aidan enquanto olhava profundamente para a mulher à sua frente.

A mulher olhou para seu filho desaparecido e quase não o reconheceu. Para ela, havia passado muito tempo, o que fez lágrimas escorrerem de seus olhos. Ela saiu da frente da porta, deixando Aidan entrar. O cheiro familiar do tapete e a imagem da lareira acesa trouxeram de volta momentos felizes em sua mente. Ele se dirigiu para a cozinha onde sua mãe estava preparando algo. A mesa, rodeada de cadeiras desgastadas pelo tempo, faziam-no lembrar de quando todos se sentavam ali para ter uma boa refeição. Lembrava-se dos lugares exatamente, e quando se sentou no seu, sua mãe soltou um grunhido.

Ela colocou na mesa um copo de café e um pouco de açúcar. Aidan não tinha vontade de tomar nada; apenas observava sua mãe fazer os mesmos movimentos desde sua infância. Ele olhou nos olhos dela e viu como estavam vazios, como se ela tivesse perdido a esperança.

— Como você está? — a mulher perguntou apreensiva.

— Estou bem, mãe, e Emi está bem também, mesmo que ela não saiba da nossa existência — respondeu Aidan com um sorriso no rosto.

— O que quer dizer?

Aidan percebeu a mão de sua mãe tremer.

— Ela esqueceu tudo, lembra-se apenas de algumas coisas.

— Entendo.

Era desconfortável. Aidan não sabia o que falar, apenas pensava em seu plano. Ele não sabia exatamente o que fazer, e o silêncio ficou entre eles por um tempo até a mulher falar algo.

— Sei que minhas ações causaram muita dor em vocês, meu filho. Lamento profundamente por fazer aquela escolha. No momento, parecia ser a única opção viável, mas agora percebo o quão errado foi.

Aidan sorriu. Estava esperando aquilo acontecer.

— Mãe, não se preocupe. Ainda tenho muitas perguntas para fazer, mas por enquanto, entendo sua decisão. Não sinto nenhum ressentimento, apenas dúvidas, é claro, mas isso terá que esperar um pouco.

— Certo. Sei que não posso mudar o passado, mas posso tentar fazer algo por você? — ela perguntou com gentileza, mas com certa apreensão.

— É claro! Preciso que você me siga para um lugar, mas não precisa ser agora. Quero olhar a casa um pouco. Faz tempo que não a visito — Aidan tinha um olhar nostálgico sobre o lugar.

A mulher balançou a cabeça em afirmação. Aidan se levantou e voltou para a sala de estar. Ouvia-se o barulho da lareira, parecido com quando ele quase morreu no fogo, o que o fez arrepiar.

— Então, esta foi a casa onde você viveu — disse uma voz cavernosa saindo das sombras.

Celina estava à sua frente. Aidan suspirou fundo e confirmou. Começou a andar pela sala; quase tudo estava lá, como algumas fotografias da família. Olhou para o tapete no chão e teve lembranças de sua irmã e ele brincando. Lembrava-se constantemente de como era feliz com ela naquele dia, lembrava-se exclusivamente quando foi abraçado em dia de tempestade.

Aidan continuou para as escadas. O quarto dele e o de sua irmã ficavam no segundo andar. Lembrava-se deles correndo com biscoitos escondidos de sua mãe e dos dias em que o pai chegava transtornado.

— Você tinha um lugar seguro? — perguntou Celina.

— Sim, geralmente era no sótão, mas primeiro quero ver os quartos — respondeu Aidan, sem saber que expressão estava fazendo no momento.

Aidan entrou em seu quarto primeiro. Observou que não havia mais nada, mas sua lembrança o fez recordar algumas coisas: uma cama pequena e velha, um tapete no chão cheio de brinquedos de madeira, uma mesa perto da janela, com livros e fotos. Lembrava-se do boneco que ficava em cima da cama. As lembranças pareciam vividas, tanto que o fizeram sorrir de felicidade.

Ele continuou para o outro quarto ao lado do dele, o quarto de sua irmã. Era próximo de uma árvore, que continuava viva, ou talvez fosse outra, ele não sabia. Lembrava-se que o quarto dela era parecido com o dele, com a diferença de que tinha uma estante de livros, cheia de conteúdo sobre outros países e contos fantasiosos. Aidan ainda lembrava do dia em que quase derrubou a estante; em vez de um sorriso, tinha lágrimas.

Ele continuou andando, e Celina o acompanhava. Caminhou até o sótão, um local que era seu porto seguro, um ambiente que seu pai não gostava de entrar, o que fez Aidan cair de joelhos. Lembrou-se daquele dia. Um dia como qualquer outro, um dia normal, o dia em que ele sentiu pela primeira vez como é a morte.

— O que aconteceu? — perguntou Celina.

— Bem, o pai chegou furioso do trabalho. Ele estava frustrado. A gente correu para o sótão, e depois de tudo acabar e a poeira abaixar, descemos, mas ele estava esperando. Naquele dia, tive uma surra, mas minha irmã estava mais frágil que eu, o que fez ela quebrar o braço. A dor que ela sentiu, eu nunca poderia esquecer. Isso me fez sentir algo dentro de mim e me fez atacar o meu pai, mas eu não tinha força. Não sei o que ele pensou. Talvez tenha ficado surpreso comigo o atacando e por isso parou e foi para o quarto dele.

Aidan se levantou e enxugou as lágrimas de seus olhos. Desceu do sótão e continuou até a cozinha novamente. Sua mãe ainda parecia um pouco surpresa. Encostou no ombro dela; era hora de ir embora. Ela se levantou e seguiu Aidan para fora da casa.

Ele olhou para o horizonte e a chuva havia passado, fazendo o sol transmitir um fraco calor em sua face. Aidan olhou uma última vez para a casa que o criou e o abrigou. Novamente pensou se tudo que estava fazendo fazia sentido. Lembrou-se que tudo havia sido levado para aquele momento. E agora ele estava de frente à sua irmã; um confronto iria começar.

Todos estavam tensos naquele momento. Eles não sabiam quanto tempo havia passado, mas agora todos sabiam o motivo de acharem tantos corpos que pareciam ter sido resultado de suicídios. Era estranho demais. Luís finalmente conseguiu dizer algo ao irmão daquele homem à sua frente.

Emily estava completamente paralisada. Ela achava que seu irmão ainda tinha esperança, que poderia voltar a ser o menino que a tentava proteger e brincava alegremente com os bonecos de madeira. Mas, olhando para o homem à sua frente, ela começou a perder essa esperança, o que fez Aidan sorrir.

— Irmã, o que houve? — perguntou Aidan com ironia em sua voz.

Ela virou o rosto. Não queria encarar aquele monstro com o rosto de seu irmão, mas que escolha tinha?

— Irmã, você se lembra de quando éramos crianças? Você se lembra de tudo até agora?

Ela olhou para Aidan novamente, aproximou-se do vidro e o encarou. Percebeu aqueles olhos vazios, mas ainda havia algo. Notou algo pequeno, algo que poucos iriam perceber se não o conhecessem bem. Ela percebeu que o seu irmão estava com medo. Sabia que aquele olhar turvo escondia o medo, e por isso ela teve esperança novamente.

— Sim, eu me lembro. Então me diga, por que você está assim? — respondeu Emily enquanto encarava Aidan. Ele arregalou os olhos e fechou os punhos. Sabia que algo estava errado. Olhava para aqueles olhos parecidos com os dele. Sentiu algo em sua espinha, algo diferente em seu sangue vibrou. Agarrou as roupas em cima de seu coração, confuso. O que era aquele sentimento?

— Você ainda não sabe, irmã? Então você não se lembra de tudo — disse Aidan tentando testar sua teoria. Sabia que sua irmã era algo diferente e por isso queria saber o que era.

— Não, eu me lembro, mas isso não muda nada. Você não é uma pessoa desse tipo. Você sempre teve esperança, mesmo quando estávamos na fronteira. Você agarrava minha mão e falava que iria ficar tudo bem! Então me diga, como você pode me dizer que eu não me lembro? — respondeu Emily com certa apreensão. Olhava para aquele homem que estava perdido e queria ajudar, algo completamente contra sua natureza. Sentiu-se como uma hipócrita, já que foi ela quem o transformou naquilo. Apertou os punhos — eu mudei, tive péssimas lembranças, mesmo assim, segui em frente. O passado não vai conseguir me atrapalhar. Você deveria me ouvir, irmão. Você pode parar essa sua missão sem sentido!

— Não é sem sentido — interrompeu Aidan, sorrindo gentilmente. Sabia que já era o seu fim. Não havia volta para o que ele fez.

Luís olhou para Emily com dúvida, mas ela parecia confiante. Ele continuava a apontar a arma para Aidan, mesmo que já tivesse abaixado a sua.

— Vamos recapitular um pouco? — Aidan parou de encarar sua irmã e agora se direcionou para sua mãe — Eu trouxe a mãe aqui para ela falar a verdade. Eu a trouxe aqui para ela dizer o que realmente aconteceu naquele dia.

— Aidan, não preciso ouvir isso…

— Não! Você tem que ouvir, irmã, assim como descobri a verdade.

Emily não sabia o que Aidan estava falando. Tinha poucas lembranças daquele dia, mas tinha certeza de que a mãe deles os entregou para terem boas vidas.

— Certo, mãe, me diga quem é você? — perguntou Aidan com nojo.

A mulher tremeu um pouco, mas respirou fundo e olhou para a sua filha. Emily pôde reconhecer aquele olhar.

— Sou um espécime da fabricação da décima geração de fantasmas. Fui designada para vigiar outro fantasma, no caso o pai de vocês, Jhonatan Albrecht — respondeu à mulher com receio, mas seus olhos estavam frios.

— Certo, e o que aconteceu com a missão?

— Ela foi interrompida quando descobriram que eu estava me perdendo no personagem — a mulher tinha uma certa ansiedade em seu rosto sério.

— Quando você se perdeu?

— Quando duas crianças nasceram — seus olhos encheram de lágrimas, mas elas não desceram.

Emily não sabia o que falar, não sabia o que pensar. Sentiu raiva por todo o tempo que achava que era apenas uma família um pouco desconcertada, mas agora, não sentia amor, apenas nojo. Afinal, sua mãe era como ela.

— Sim, isso mesmo, então, o que aconteceu? — perguntou Aidan novamente com mais empolgação.

— Fui designada para acabar com o alvo quando ele perdesse o controle.

— E o que você sentiu?

A mulher ficou quieta e as lágrimas que estavam contidas começaram a descer de seu rosto, e toda a ansiedade em seu corpo fez ela agarrar suas mãos em seu vestido branco.

— Eu sinto nojo de mim mesma. Eu sabia o que tinha que fazer. Eu tinha que salvar vocês dois pelo bem da missão e pelo bem de vocês. Mas eu não conseguia realmente matar alguém que amava. Por isso, eu me senti perdida e liguei para a organização para sair da missão.

A mulher chorava enquanto expressava um rosto estoico. Por mais que Aidan tentasse segurar, lágrimas também saíram de seus olhos. Por mais que seu rosto mostrasse ódio perante aquela pessoa à sua frente, ele se segurou por tempo demais. Quando olhou para sua irmã, percebeu o porquê o médico havia dito que ela era diferente dele.

— Mãe, eu não me importo se a gente era apenas uma experiência ou algo do tipo. Eu perdoo você. Eu sei como pode ser essa sensação. Também sei que não teve escolha, ainda mais após ter perdido alguém que amava pelas próprias mãos. Não foi sua culpa — disse Emily enquanto colocava sua mão no vidro. Sua feição era de entendimento e tristeza — o que importa é que você nos amou mesmo não tendo a obrigação.

A mulher parecia desesperada. Caiu no chão e continuou a chorar em silêncio, apenas vendo suas lágrimas caírem. Aidan olhou para sua mãe e ficou sério. Olhou para sua irmã surpreso. Havia cometido um erro. Julgara errado alguém que era mais forte que um fantasma. Esqueceu que quem havia se tornado um fantasma de verdade não era ele, e sim sua irmã. Encarou o fato e começou a rir. A risada ecoou por toda a sala, uma risada histérica e falsa, como uma criança chorando, um grito de desespero. Olhou para sua irmã com um sorriso distorcido no rosto e, logo em seguida, para o delegado. Decidiu provocar um pouco aquele que estava parado como um soldado.

— Me diga, senhor delegado, meu irmão está bem? — perguntou Aidan.

Luís engoliu em seco e balançou a cabeça.

— Sim, ele está sempre te procurando.

Emily se levantou da cadeira e bateu no vidro.

— Já chega desse papinho! Você simplesmente nos chamou aqui para revelar a verdade? O que você está planejando? — exclamou Emily com raiva e estresse em seu rosto.

Aidan olhou para sua irmã. Por mais que seus olhos estivessem sem emoção, seu rosto mostrava um sorriso assustador.

— Destruição de tudo relacionado ao meu passado. Assim como revivi com as chamas, eu irei levar tudo ao pó!

— Então está dizendo que irá atacar a organização? — perguntou Luís com pressa e surpresa.

Emily ficou surpresa com a pergunta do detetive, mas Aidan soltou uma risada irônica.

— O quê? Você não sabe? Você não contou para ela? — perguntou Aidan para Emily e Luís.

— Contar o quê? — exclamou Emily com dúvida.

— Haha, então você realmente não sabe? Todos que estão relacionados a essa maldita cidade estão na organização, desde um pequeno homem no bar até o prefeito, desde apenas um irmão, até um delegado de polícia — disse Aidan com deboche, enquanto apontava para Luís.

Emily olhou para o delegado com descrença, mas o homem apenas estalou a língua. Em um movimento rápido, ele apontou a arma para o vidro e disparou.

O barulho do vidro quase quebrando ecoou pelo local. Emily rapidamente tentou impedir o delegado. Segurou sua mão com a arma e deu uma joelhada em seu estômago, mas não foi o bastante para derrubá-lo. Ele segurou Emily, mas ela usou seu peso para derrubá-lo subindo em cima dele e, consequentemente, conseguiu tirar a arma de sua mão, pegando-a para si e atirando perto da cabeça do delegado.

— Eu não vou matar você. É um assunto de família. Você não vai se envolver — disse Emily, apontando a arma na cabeça de Luís.

— Tenho que completar a minha missão! — exclamou Luís, quase como um robô.

— Por que você é um fantasma também?

— Sim, exatamente! Mesmo sendo um quebrado, tenho que completar a missão de levar o irmão do chefe para ele, mesmo que seja morto! — exclamou Luís, lembrando do acordo feito. Sabia que tinha que fazer aquilo para ficar livre.

Emily olhou para Luís, que estava sendo pressionado no chão pelo seu pescoço. Olhou para seu irmão e viu o vidro se quebrar. Aidan estava agora ao seu alcance, mas não era uma boa oportunidade, já que uma fumaça começou a entrar no local, e o cheiro de queimado se alastrou. O ambiente ficou quente, mostrando que algo havia pegado fogo.

De frente a frente, os dois irmãos novamente se encarando, um segurando uma arma e outro apenas esperando pelo disparo.

— Me diga, você irá me matar, novamente? Assim como daquele dia? — perguntou Aidan com tristeza em sua face.

Emily mordeu seus lábios. Aquela situação não era o que ela queria. Ela não esperava aquilo. Queria apenas ver seu irmão novamente. Fraquejou, o que deu uma chance para Luís agir.

Ele pegou a arma da mão de Emily e mirou em Aidan. Luís olhou profundamente naqueles olhos vazios e puxou o gatilho. O disparo não acertou Aidan, mas sim uma pessoa que não tinha nada com a situação. Aidan olhou para o corpo de sua mãe receber uma bala em seu peito.

Ele correu para segurar seu corpo. Desesperado, ele se ajoelhou e olhou para o ferimento. Não tinha mais saída, não importava o que ele fizesse.

— Por quê? Por que não me deixou morrer? — perguntou Aidan, desesperado, para sua mãe.

— Porque, mesmo que você me odeie como mãe, eu te amo, filho.

Aidan segurou o corpo de sua mãe e olhou para a saída, uma única porta que seria aberta caso precisasse fugir. Ele abriu uma escotilha no teto, fazendo a fumaça seguir, deixando difícil enxergar. Luís aproveitou a oportunidade e disparou novamente, dessa vez acertando a perna de Aidan. Emily seguiu seu irmão e Luís logo atrás. Todos eles escaparam do fogo.

Todos estavam ofegantes, mas Aidan estava desesperado. Ele segurava a sua mãe em seus braços como uma pequena criança. Lágrimas caíram de Aidan. Luís percebeu que ele estava indefeso e bateu na cabeça de Aidan, nocauteando-o. Emily tentou intervir, mas não conseguiu pará-lo.

— O que você está fazendo?

— É para o seu próprio bem, Emily. Eu não tenho nada contra você, só preciso do seu irmão.

Emily ficou em silêncio, mas seus olhos podiam transmitir o ódio que ela sentia por aquele mentiroso à sua frente. Ela percebeu que várias outras pessoas apareceram no local, todos com máscaras e ternos pretos. Eles pegaram Aidan e o levaram para um carro. Apenas Emily ficou naquele lugar, ela e sua mãe.



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