Volume 1
Capítulo 16: Destino(3).
O carro havia parado um pouco antes do trajeto que Aidan havia pedido; uma pequena chuva começou a cair. Aidan caminhou lentamente pelas ruas molhadas. Ele olhava para frente, sentindo os pingos caírem em seu terno. O som das gotas caindo criava uma sinfonia triste ao seu redor, ou talvez ele se sentisse assim conforme se aproximava de seu destino.
Seus passos pesados ecoavam pelas calçadas vazias enquanto ele se aproximava da casa. Ela estava separada das demais com uma cerca pequena e branca. A fachada tinha uma longa grama verde e uma passarela. Ele caminhou até chegar à porta, parando em frente a ela.
Observou as gotas de chuva escorrendo pelo telhado. Uma aura de melancolia o envolvia, refletindo na expressão em seu rosto, mostrando o seu cansaço. Ele respirou fundo antes de tocar a campainha, pensando duas vezes sobre o que iria fazer. Percebeu não ter conseguido controlar suas emoções.
Notou o tapete em seus pés e sorriu. Apertou a campainha e, depois de alguns segundos, alguém abriu a porta. A luz de dentro da casa acabou ofuscando seus olhos um pouco, mas percebeu a silhueta de um homem velho de cabelos grisalhos rasos, seu rosto enrugado e carrancudo, suas roupas formais e na sua mão direita uma bengala.
Aidan encarou o homem nos olhos, e por alguns segundos, parecia que o tempo havia parado. O velho homem ficou surpreso, arregalando seus olhos, mas assim que voltou à realidade, disse apenas uma palavra:
— Entre — disse o homem sem qualquer emoção em sua voz, sem qualquer saudação ou palavra a mais.
Aidan entrou na casa. A sala que ele se encontrou o trouxe uma certa nostalgia, os móveis gastos e velhos, os quadros de artes estrangeiras nas paredes, e até mesmo fotografias, o faziam lembrar de seu passado. Era como se ele estivesse vivendo uma lembrança.
— Irei preparar um chá, sente-se na cadeira, parece que temos muito a conversar.
O homem se encaminhou para a cozinha. Aidan se sentou na antiga cadeira, o estofado dela sendo de couro e um pouco gasto. Sentiu o cheiro forte de livros da estante às suas costas. O homem logo voltou e se sentou ao seu lado, em uma poltrona. Aidan observou os seus jeitos e suspirou, talvez de alívio, que o homem que ele se lembrava continuava o mesmo.
— Então, o que está fazendo aqui, Aidan? O que quer saber? — perguntou o homem com receio.
Aidan respirou fundo.
— Como está minha irmã? Ouvi falar que ela tem uma família feliz agora — respondeu Aidan.
O homem engoliu um pouco do chá.
— Sim, ela está vivendo em uma família que arranjei. Eles são também fantasmas que conseguiram escapar, então eles provavelmente estão bem.
— Ha! Como eles podem estar bem, se são fantasmas? — exclamou Aidan irritado.
— Me diga, então, como você viveu com sua mãe e seu pai, sendo ele um fantasma? — respondeu o homem com seriedade.
Aidan não teve resposta. O homem olhou a atitude de Aidan e tomou outro gole do chá, ele decidiu dizer tudo naquele momento.
— Depois daquele dia, eu percebi que minha pesquisa era falha, e o dono do laboratório era apenas um louco, mesmo que não mereça perdão, eu tentei consertar pelo menos as coisas com a família do meu amigo — disse o homem com tristeza em sua voz e um pouco de esperança, aquilo irritou ainda mais Aidan.
— Consertar as coisas? Como você acha que isso iria ser consertado? É apenas um tapa-buraco. Eventualmente, ela vai se lembrar de tudo e irá possivelmente ficar igual a mim! — exclamou Aidan, ele olhava para o rosto esperançoso do homem mudar.
— NÃO! — gritou o homem, batendo na mesa — Não, ela é diferente — o homem se acalmou — você sempre foi um fantasma perfeito, Aidan, mas sua irmã, não. Ela é diferente, ela vê o mundo de uma maneira diferente, ela ainda tem esperança.
Aidan tomou um gole do chá, o fazendo ter uma lembrança do laboratório e de como todas às vezes que o Doutor os entrevistava ou treinava, ele dava um pouco do chá de sua garrafa. Surpreendentemente, era tudo o mesmo, a textura, o aroma, até mesmo o gosto amargo que restava em sua boca.
— Quero saber de uma coisa, doutor. Como meu pai era em seu auge? — perguntou Aidan.
— Um ótimo homem, e um péssimo fantasma. Ele era muito bondoso com todos a sua volta, mas isso prejudicava ele ser um fantasma, a coisa mais importante para aquela época. E por isso ele ficou louco — o homem dizia com orgulho em sua voz e um pouco de nostalgia.
Um leve silêncio predominou na sala, e apenas a chuva poderia ser escutada ao fundo. O velho homem olhou para o relógio e suspirou. Olhou para Aidan e teve um pequeno arrepio. Ele viu os olhos mortos daquele menino que um dia ele foi pessoalmente buscar. Ele se surpreendeu quando Aidan lhe perguntou mais uma coisa.
— O senhor está feliz?
O homem pensou e respondeu sem olhar para Aidan.
— Sim, eu estou.
— Então, por que sente tanta culpa?
O homem sentiu algo caindo em sua mão, estava quente e molhado, seus olhos ficaram embaçados. Ele percebeu que estava chorando, ele olhou para Aidan e ele não tinha emoção em seus olhos, nem em seu rosto, aquilo assustou o doutor, ele viu a face de um fantasma, ele começou a falar sem querer.
— Eu não consigo me desculpar o suficiente pelas coisas que fiz. Irei lhe dizer a verdade. Eu nunca fui um fantasma, por mais que eu quisesse ver e transformar outros, eu nunca pude esquecer o grito daquelas crianças e dos soldados naquela noite. Eu nunca consegui dormir direito, e toda vez que eu me lembro de vocês, eu acabo sentindo essas emoções, Aidan — ele olhou para baixo e sentiu algo estranho em seu peito — eu realmente sinto muito, por mais que nunca pude fazer nada para lhe ajudar, tentei fazer o melhor pelos dois, mas acabei fracassando novamente, o que lhe fez sofrer novamente — ele olhou para Aidan — eu tentei esquecer tudo e viver tranquilamente. Por isso, eu te peço, esqueça sobre os fantasmas, esqueça de tudo, abandone esse mundo cinza.
O homem ficou parado olhando para Aidan, que agora tinha um sorriso no rosto. Ele não se importava, não havia motivo para Aidan desistir agora. Ele tinha um objetivo, e tudo estava levando para esse final. Por isso, Aidan pegou o copo de chá e bebeu mais um pouco. A bebida quente acabou contrastando com o ambiente frio, o fazendo perceber a ironia do destino, uma verdadeira comédia.
— Não adianta tentar esquecer, doutor. Você sabia o que estava fazendo, e por isso, você está cada vez mais apodrecendo. Eu não irei lhe perdoar, não somente por mim, mas também por todas as crianças que sacrificou. Elas não irão desaparecer. Você sempre vai lembrar do sangue e o rastro de morte que fez pelas próprias mãos.
Aidan se levantou e retirou de sua calça a arma que havia pegado da "fazenda". Colocou-a na mesa, sorrindo enquanto o homem estava paralisado observando o objeto.
— Aqui tem duas balas, doutor. Eu quero que o senhor escolha, a vida da pessoa que está vindo ou a sua própria — Aidan olhou nos olhos desesperados do homem, uma última vez ele encarou aquele homem, ele não sabia que tipo de face tinha.
Aidan se retirou da sala, enquanto podia ouvir o barulho do homem pegando a arma. Ele escutou os suspiros e os soluços. Caminhou para a porta, e pegou um dos guarda-chuvas que estava secando. Abriu-o e saiu da casa, encontrando-se com uma mulher de cabelos loiros e olhos azuis-escuros. Aidan colocou propositalmente o guarda-chuva para tampar o seu rosto. A mulher encarou Aidan com dúvida, mas continuou caminhando para a casa, até poder ouvir um disparo.
— AVÔ! — ela gritou em desespero enquanto corria para a casa.
Aidan entrou no carro, e agora ele tinha somente mais um destino antes do final da peça começar. Ele precisava ver sua mãe.