Volume 1 – Arco 1

Capitulo 6: Olhos de Predador

Porra, tava tudo indo tão bem. Sério. Tava rolando aquela vibe boa, sabe? Todo mundo ali. Falando coisas legais, rindo. Parecia que, talvez essa escola fosse menos um inferno do que eu pensava.

Mas aí, claro, os filhos da puta chegaram.

Eu já estudei em lugar com grêmio, líder de sala, medalha de participação.

Aqui? Aqui eles têm os Caçadores.

Os malditos caçadores, donos do pedaço que fazem o que querem, fodendo geral sem dó.

E eu? 

Eu devia recuar, né? Fazer a boa menina, cabeça baixa e sorriso neutro. Mas também, porra, queria arrancar a cabeça de um deles só pra mostrar que não tô aqui pra brincar. 

Vai saber quantas já tentaram. E foram esmagadas.

Mas eu não vou ser uma dessas.

Eu ainda não sou tão burra.

Quem sabe um dia eu talvez tropece — com a mão fechada — bem na fuça de um deles.

O relógio marcava nove horas e meia. O refeitório estava lotado, com mesas ocupadas por vozes ansiosas, bandejas tilintando, e uma névoa preguiçosa de vapor e cheiro de café parando no ar nublado que entrava pelas janelas embaçadas.

E então o tempo parou.

Foi como se a respiração do ambiente tivesse sido contida num único suspiro coletivo — os passos dos alunos diminuíram, as conversas cessaram, até as colheradas pareceram hesitar no ar. Uma tensão elétrica varreu o lugar enquanto as portas duplas do refeitório se abriram com um rangido quase dramático.

Eles haviam chegado.

Os Caçadores.

À frente, vinha Quinn, desfilando como se o chão de mármore tivesse sido colocado ali só pra exaltar sua figura. Ele caminhava com os ombros ampliados, o queixo sempre erguido, passos medidos. O cabelo perfeitamente penteado, o olhar preguiçoso de quem já sabia que todo mundo o desejava e o temia. 

Ao seu lado, marchando com o mesmo ar de superioridade, vinha Icegren. Diferente do brilho teatral de Quinn, ela era elegância contida. Os olhar penetrante avaliando o refeitório como quem avaliava fraquezas. As sapatilhas batiam ritmados no chão, ecoando como sentença. Nada nela era fora do lugar — nem uma dobra errada, nem uma respiração mais alta que o necessário.

A poucos passos, saltitando como num bailado próprio, Ahelys. Ela segurava a bolsa minúscula de Icegren com as duas mãos, sem reclamar, sorrindo quase automaticamente, os olhos sempre buscando a aprovação da líder. A saia curta rodopiava com cada passo, revelando mais do que escondia, e o fato de ela não usar nada por baixo era algo que ninguém ali duvidava — e ela também não fazia questão de negar. Caminhava como se soubesse que todos a observavam. E sabiam. As pernas longas, o andar mole e o olhar constante para Quinn deixavam claro o papel que havia escolhido para si, como se fosse dele a permissão para existir.

Misha ao lado, caminhava como se o mundo estivesse abaixo dela. Cada fio de cabelo parecia estrategicamente encaixado. Ela não suava, não arfava, não franzia a testa. O gloss cintilante refletia a luz, e as unhas batiam no celular que ela mal tirava do rosto. Segurava com a outra mão a alça dourada de sua bolsa como quem segura uma taça de cristal.

Makkolb e Tiruli fechavam a formação. Makkolb mascava chiclete barulhento, sorrisinho sujo, piscando para qualquer garota que olhasse mais de dois segundos. Tiruli, por outro lado, mantinha uma postura baixa, quase apagada, de braços cruzados e um semblante de tédio cuidadosamente fabricado. Ele estava onde precisava estar. Nem mais, nem menos.

Todos cruzaram o salão em linha reta, como se seguissem um tapete invisível que o mundo abrira só para eles. O barulho do refeitório diminuía à medida que passavam. Gente saía da frente, puxava a cadeira, abaixava os olhos. Era automático, aprendido na marra.

Quinn passava devagar pelos bancos, olhando os rostos por cima — analisando o ambiente, julgando, esquecendo. Até parar diante da mesa principal.

O centro do salão, uma das maiores mesas. Quase um altar no meio do refeitório inteiro. E, como sempre, estava vazia — reservada por costume, medo e instinto.

Ele apenas ergueu uma sobrancelha e assentiu. Sentou-se, com um movimento fluido e preciso, como se o assento tivesse sido feito sob medida. Os cotovelos repousaram preguiçosamente sobre a mesa. O olhar dele agora vagava, meio preguiçoso, meio predador, como quem escolhe onde morder primeiro.

Icegren sentou do outro lado da mesa, com calma, ajeitando a calça enquanto sentava. Um único gesto com os dedos para alinhar a costura no joelho. Ela cruzou as pernas com lentidão, os olhos fixos em um ponto invisível à frente, e depois baixou o olhar para os calouros da outra mesa.

— Mexam-se — sua voz era firme, carregada de uma autoridade sutil.

Vários deles levantaram como se tivessem levado um choque e tropeçaram para fora da mesa, sem olhar pra trás. 

Makkolb deu um tapinha na cabeça de um dos calouros que passava por perto.

— Ô, campeão. Vamo agilizar aí. Dois pães de queijo bem no ponto, banana madura hein? Se vier verde eu enfio na tua guela. E um café com leite morno. Se queimar minha língua, vou ter que testar em você — deu mais dois tapinhas no ombro do menino e se distanciou sorrindo. — Valeu, fera. 

O calouro hesitou, mas depois assentiu com um sorriso amarelo.

Tiruli, ao lado dele, apenas olhou para uma menina com tranças longas, segurando uma jarra d'água.

— Serve pra gente? 

A garota, paralisada, só assentiu e se apressou para servir os copos do predadores com as mãos trêmulas. Ele agradeceu com um leve movimento de cabeça. Foi o mais educado entre todos ali. Sacou um pequeno lenço do bolso da calça e limpou com precisão milimétrica o assento da própria cadeira antes de se acomodar ao lado de Makkolb. A postura dele era ereta, fechada, as mãos entrelaçadas sobre a mesa.

Misha chegou depois, nem olhou para os calouros. Passou direto entre as mesas, bufando. Sentou-se de pernas cruzadas ao lado de Icegren e tirou um espelhinho da bolsa. Arregalou os olhos quando viu a ponta do nariz brilhando.

— Ai, meu Deus. Isso aqui é suor? De verdade? Que tipo de escola é essa? — murmurou, tirando um lenço da bolsa e passando no rosto. — Que tipo de lugar deixa uma garota transpirar? Isso devia ser ilegal. I-le-gal. 

Makkolb já estava se esticando na cadeira ao lado, os braços atrás da cabeça, relaxado.

Ahelys veio por último, com um sorriso calmo, quase manso. Sentou-se do lado de Quinn e ajeitou o colarinho dele sem que ele pedisse.

— Quer o de sempre? — perguntou baixinho.

— Café preto. Com açúcar. E aquele bolinho de canela. Se não tiver... foda-se. Traz o que tiver mais próximo. — disse Quinn, apoiando o queixo na mão e olhando em volta com um ar entediado.

Ahelys se levantou, já indo buscar, como se fosse normal.

Outros alunos, vendo a movimentação, começaram a se levantar por vontade própria e trazer comida. Uns queriam impressionar, outros só não queriam virar alvo. Em poucos minutos, a mesa estava cheia de bandejas, frutas cortadas, copos fumegantes, e ninguém ali tinha levantado um dedo.

E ali estavam eles: sentados, servidos, adorados e temidos. O refeitório inteiro parecia funcionar ao redor da mesa dos Caçadores.

O refeitório fervia de vida, vozes e passos ecoando entre mesas lotadas, mas a presença dos Caçadores era um peso denso que todos sentiam. Ártemis cruzou os braços, encostada na cadeira, os olhos faiscando em direção à mesa dos predadores — seu sorriso era torto, carregado de sarcasmo.

— Sério, isso é tudo o que eles têm? — resmungou, meio zombeteira, jogando a cabeça pra trás como se aquilo fosse uma piada ruim. — Eu tava esperando um espetáculo de fodões, mas, só vejo um bando de cuzões da nossa idade se achando os donos do mundo. Um circo ambulante — deu um risinho curto, jogando os cabelos para trás com desdém.

Trrira, ao lado, não se mexeu de imediato. O olhar dela permaneceu firme, parado nos Caçadores. Parecia que observava cada gesto, cada respiração. Mas quando respondeu, foi em um tom baixo, carregado de análise e cuidado — o tipo de fala que parece ter sido testada dez vezes antes de sair.

— Dá pra sentir que eles sabem exatamente o que estão fazendo — ela respirou fundo, os dedos tamborilando lentamente na beirada da mesa. —  Você sente, sabe? Mesmo sem querer. É como se o ar ficasse mais denso quando eles passam. Como se a gente tivesse que pedir permissão pra existir. Tem algo ali. Um poder que não precisa gritar. Só respirar. 

A tensão se instalava de novo, agora sobre a própria mesa deles. Ártemis abriu a boca pra responder, mas Gumer chegou antes. Jogado na cadeira como se aquele clima todo não passasse de um incômodo no sapato, ele lançou um olhar rápido pros Caçadores e depois virou o rosto pros colegas. O sorriso dele era de escárnio puro, mas os olhos estavam alertas, ferozes, como de quem já tinha batido de frente com gente assim antes.

— Esses filhos da puta? — ele deu uma risada seca, sem desviar o olhar. — São só uns arrogantes que gostam de esmagar quem tá embaixo. Fazem pose, humilham quem não pode reagir, e fingem que isso é poder. Não aguentam um desafio de verdade — ele apoiou os cotovelos na mesa, inclinando-se pra frente como quem tá prestes a contar um segredo perigoso. — Só brilham porque o resto do mundo abaixou a cabeça. Não existe honra ali, só violência e exibicionismo barato.

Do lado de Gumer, Firefy apertava o copo com tanta força que os dedos estavam ficando vermelhos. As asas dela — sempre discretas — vibravam levemente, denunciando o nervosismo que ela tentava esconder. O olhar estava travado nos Caçadores, mas era como se ela enxergasse lembranças no lugar deles. 

— Eles... eles não fazem só ameaças. Eles destroem vidas. Sorrindo. E ninguém ousa tocar neles. Ninguém. Isso é o que dói.

Glomme, sentado ao lado, parecia quase imóvel — mas não de calma. Os dedos mexiam nervosos no canudo do suco, e os olhos, mesmo por trás dos óculos, tremiam ligeiramente. Ele pigarreou antes de falar, como se cada palavra fosse uma pedra empurrada garganta abaixo. 

— Não é só força... É o silêncio que eles impõem. A certeza que a gente tem que ficar quieto. Sem chamar atenção. Sem tentar desafiar. A gente prende a ser invisível. A fingir que não existe. Só pra sobreviver. 

A mão de Ártemis estalou contra a mesa — não forte o suficiente pra fazer barulho de verdade, mas o suficiente pra chamar atenção. 

— Puta merda... Pelo amor, gente. Vocês tão tratando eles como se fossem monstros místicos. Parece que todo mundo esqueceu que são só uns adolescentes com ego de vilão da Marvel — ela escorou o queixo na mão, os olhos faiscando. — Eu procurei algum motivo pra cagar de medo. Juro. Mas só achei um monte de corpo bonito com trauma de abandono, cheiro de ego inflado e aquela vibe de “ninguém me supera porque eu passo pomada na sobrancelha e me masturbo no espelho".

Trrira virou o rosto em direção a ela com uma expressão que misturava reprovação e empatia. Os olhos dela não julgaram — só pesaram. 

— Não é tão simples, Ártemis. Pra algumas pessoas, isso aqui... é sufoco real. Tem gente que não consegue nem olhar na cara deles sem travar. Não é sobre coragem. É sobre cicatriz — ela cruzou os braços, o corpo mais fechado agora, como se estivesse protegendo algo dentro de si. — Não aguentamos o impacto. 

Gumer sorriu. Aquele sorriso que misturava desafio e promessas não ditas. Ele se ajeitou na cadeira, olhou pro grupo, e sua voz saiu mais baixa — mas mais intensa que nunca. 

— É por isso que eu tô aqui. Pra mostrar que dá pra não se ajoelhar pra esses merdas. É por isso que a gente tem que estar junto. Dá pra fazer barulho e não deixar eles nós esmagarem.

Ele encarou o grupo, o desafio evidente, e por um momento, parecia que ali, naquela mesa, havia uma pequena resistência — um fogo aceso contra o medo que dominava todo o lugar.

E ali, por um momento que ninguém ousou medir, aquela mesa — mesmo no meio do medo — pareceu mais viva que todas as outras.

Pois é.

Até que o dia foi legal pra caralho. Não tô dizendo que virei fã da escola — longe disso — mas as aulas até que foram de boa, os intervalos, o grupo do Gumer... até que me fizeram pensar que dá pra aguentar.

Agora, já tava de noite, tarde pra caralho na verdade. E eu tava de pé, molhada do banho, já me preparando pra voltar pro dormitório.

Vocês sabem como é. Dormitório? Tipo cela compartilhada com ego inflado, máscara de skincare e TPM coletiva. Aquele lugar onde a porra daquela garota vai transformar tudo num circo.

Então, bora lá, que o show tá só começando.

...

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