Volume 1 – Arco 1

Capitulo 4: Furacões em Formação

E é isso. Minha nova vida começa com um galo na cabeça, uma estranha armada no canto da sala, e um ogro de sorriso fácil jogado no chão.

Talvez isso seja... o começo de alguma coisa. Ou só mais um desastre coletivo.

Mas ainda assim — é melhor do que estar invisível.

Trrira continuava parada no canto da sala, a postura firme, mas com um leve sorriso no canto da boca que só Ártemis percebeu. Os braços dela ainda cruzados, o olhar fixo nos dois, mas havia algo no jeito que mostrava que ela gostava daquele caos — só não era do tipo que se joga de cabeça. Era a espectadora que aprecia a tempestade sem se molhar.

O cheiro de sabão velho misturado ao silêncio tímido deles criava uma estranha sensação de refúgio naquele caos.

Gumer ajeitou o colarinho da blusa meio torta, deu um passo à frente e olhou pra Trrira com um meio sorriso de quem já viu merda demais.

— Eu sou o Gumer — disse, a voz rouca, firme. — Mas se quiser me chamar de “o maluco do porta”, também serve.

Trrira arregalou os olhos só um pouquinho, surpresa pela aproximação repentina. Ártemis se sentou novamente, os braços cruzados e o olhar já escaneando Gumer de cima a baixo.

— Aquela ali é a Trrira — ela falou, apontando com o queixo, sem paciência pra formalidade. — E eu sou a Ártemis. A gente chegou agora...

Gumer deu uma risada breve, e assentiu como se aquilo fizesse sentido demais.

Ela finalmente falou, a voz baixa, calma, mas com uma autoridade natural.

— Vocês dois parecem uma cópia um do outro, só que em corpos e sexos diferentes — disse, com um tom que misturava ironia e um interesse genuíno. — Furacões que não sabem parar quietos, mas que a gente até gosta de ver em ação.

Ártemis passou a mão pelos próprios cabelos, e olhou para Trrira meio confusa.

Furacões? Tornados? Meteoro? Puta que pariu.

— Eu diria que ela é o furacão — desviou o olhar de Ártemis e mirou em Gumer. — E você é o tornado. Ou vice-versa. — Ela sorriu levemente para Gumer, que respondeu com um sorriso de lado, claramente adorando a comparação. — Mas, sério, vocês dois têm que parar de causar esse pandemônio quando eu tô tentando me esconder em paz.

Gumer recostou-se na parede, apoiando um ombro, o sorriso ainda ali, meio fácil demais, como quem está gostando da conversa e querendo manter o clima leve. Os olhos dele nunca deixavam Trrira, e por um instante ele pareceu tentar decifrar o mistério por trás daquele jeito mais fechado, aquele silêncio confortável dela.

— Sabe, Trrira, eu sempre achei que tem gente que não precisa falar muito pra dizer tudo — começou, a voz calma, quase um convite a prestar atenção. — É como se... quando você tá ali, a gente sente. Mas se você some, sente mais ainda. Isso faz sentido? Acho que não, né? Mas enfim, é raro. E eu curto isso. Acho que é uma habilidade rara. É, sério, é algo que eu respeito pra caramba.

Show de horrores.

Trrira desviou o olhar, um leve brilho cruzando seus olhos. Ela não disse nada, mas a expressão mudou sutilmente — os lábios se entreabriram, mas ela pareceu decidir guardar o que sentia, preferindo o silêncio que só os confidentes conhecem.

Ártemis, encostada na porta, mexia distraída no cabelo, apertando a gola da blusa com uma mão enquanto os olhos dela pulavam entre os dois. A boca aberta num sorriso meio torto, meio forçado, como se quisesse dizer alguma coisa, mas o desconforto pesava demais. Respirou fundo, soltou o ar num suspiro curto e voltou a cruzar os braços, tentando se fazer pequena, invisível. Não gostava de ficar de lado — mas também não queria estragar o clima. Melhor esperar.

Gumer deu um passo para frente, equilibrando o peso nos dois pés. As mãos no bolso da calça, mas os dedos se moviam, inquietos. Ele olhou para Ártemis por um segundo — um olhar rápido, quase cúmplice — antes de voltar para Trrira.

— Eu tenho uma amiga que é exatamente como você. Calma, observadora, meio que guarda as cartas até o momento certo. Queria muito que vocês duas se conhecessem. Tenho certeza que ia rolar uma boa conexão. — Ele sorriu, com aquele jeito de quem tá falando sério, mas sem perder o tom descontraído.

Ah vá, "boa conexão". Que merda hein.

Trrira levantou uma sobrancelha, o canto da boca se curvando num sorriso discreto, quase desafiador.

— Você sempre apresenta sua turma pra qualquer um, Gumer? — perguntou, o tom com um fio de sarcasmo, mas não era agressivo.

Gumer riu, sem perder o ritmo.

— Não, não. Só quando acho que vai valer a pena — Gumer falou, estalando os dedos com um gesto amplo, convidativo, enquanto fixava o olhar em Trrira. — E, sinceramente, acho que você ia gostar do grupo. Um lugar pra sair do casulo, sabe? Pra finalmente não precisar carregar tudo sozinha.

Trrira cruzou os braços, e então soltou um sorriso pequeno, quase um convite silencioso. A tensão no ambiente mudou, como se aquela simples aceitação tivesse aberto uma fresta.

Ela respondeu com um leve arqueamento de sobrancelha, meio desconfiada, meio rendida, mexendo uma mecha do cabelo atrás da orelha — um gesto nervoso que não passou despercebido.

Gumer sorriu, agora mais aberto, foi quase como um segredo entre eles.

Eu queria vomitar na cara desses dois. Tão fazendo showzinho de casal, como se eu fosse a bosta que não merece nem um "você vem também". Que merda de grupo é esse? Que merda de gente é essa? Eu devia tacar fogo nessa sala também. Foda-se se a gente vai ser amiga ou não. Se eles me deixarem aqui, sozinha, eu juro que vou xingar até a alma deles. Que caralho é esse de me ignorar? Não sou invisível, seus merdas.

Trrira lançou um rápido olhar de lado para Ártemis — foi só um segundo, mas carregava algo próximo de... desconforto? Ou culpa? Era difícil de decifrar. Mas era impossível não notar que ela sentiu a exclusão sendo servida na mesa.

Gumer então virou o rosto lentamente para Ártemis, os olhos brilhando com uma mistura de desafio e sinceridade. Ele permaneceu em silêncio por alguns segundos, estudando a reação dela, enquanto Ártemis sentia o peso daquele olhar pousar sobre si.

— E você, Ártemis... acho que também vai se divertir com a gente. Não é só um grupo, é um lugar pra ser você mesma, sem máscaras.

Ártemis revirou os olhos, mas não disse nada. O sorriso dela se alargou, meio sem jeito, meio genuíno, ela levantou e deu um passo na direção deles, soltando um suspiro como quem se rende ao inevitável.

Ártemis passou a mão nos cabelos de novo, ajeitando uma mecha atrás da orelha, com um ar leve de quem finalmente se permitia.

— Olha... eu não sei no que tô me metendo — disse com um riso abafado — mas acho que isso faz parte da graça, né? Tô dentro. Só não esperem que eu aceite tudo quieta. Mas vou tentar.

Gumer e Trrira se olharam rapidamente, trocando um riso discreto, antes de virarem o rosto e sorrirem para Ártemis. Ela, por sua vez, mirou neles com um brilho nos olhos que logo se transformou numa mistura confusa de ofegância e euforia — um bi-panic silencioso.

Senti o estômago virar uma lavadora no ciclo rápido. Ótimo. Tava surtando — e nem dava pra culpar só o Gumer. Eu tô suando? Eu tô suando. Foco, Ártemis. Eles são só dois idiotas sorrindo. E você? Uma idiota piscando igual uma lâmpada falhando.

Seu peito subia e descia rápido, e a mão trêmula foi parar na cintura, meio para se apoiar, meio para parecer despreocupada. Ela soltou uma risadinha nervosa, desviando o olhar antes que ele entregasse demais.

O som estridente dos alto-falantes da escola explodiu pelo corredor, chamando para o auditório. Ártemis deu um pequeno pulo, como se tivesse levado um susto de leve.

— Putz... — murmurou, meio para si mesma, fechando um dos olhos como quem levou uma pancada sonora na cabeça.

As vozes se espalhavam, ecoando pelos corredores já impregnados pelo burburinho apressado dos estudantes se dispersando. Gumer esticou o pescoço pelo vidro da porta para acompanhar o movimento da multidão e girou o ombro com uma expressão mansa, como quem quer se mostrar à vontade, mas está claramente atento demais. Trrira ajeitou a gola da blusa com os dedos finos e se virou para os dois com um sorrisinho enviesado.

— Vamos, antes que sobrem os piores lugares — disse com uma piscadinha leve, os quadris balançando num caminhar elegante e firme.

Os três saíram da sala juntos, andando lado a lado. Os passos soavam quase em sincronia, sem que percebessem. Havia algo ali, invisível, como um fio puxando-os para o mesmo eixo. Quem cruzava o caminho dava uma olhada — havia uma energia estranha e magnética naquele trio. Um contraste de personalidades colidindo e orbitando, impossível de ignorar. 

Um grupo de garotas encostadas perto dos armários cochichou com sorrisos cúmplices nos lábios, trocando olhares sugestivos.

— Gente, um trisal — uma delas sussurrou, segurando o riso.

— Eles têm cara de que brigam e depois se beijam, certeza — respondeu outra, rindo de canto.

As vozes de Ártemis, Trrira e Gumer se misturavam aos sons que ainda ecoavam pelo corredor. A conversa fluía de forma surpreendentemente leve, com provocações discretas, olhares de canto e risadinhas curtas. Mesmo que cada um tentasse disfarçar, havia um receio delicado ali — o medo de parecer fora de lugar, de ser só mais um em meio à maré de gente.

E aí tem ela. Claro. Trrira com aquele andar de quem controla o clima. A blusa dela tinha um botão solto. Isso me incomodou. Não sei por quê. Talvez porque tudo nela parece tão calculado, e aquilo… não.

Ao chegarem ao auditório, o espaço já se enchia com pressa. Estudantes se acomodavam em fileiras organizadas, olhos atentos e corações acelerados, ávidos para descobrir com quem dividiriam quartos e rotinas. Os assentos rangiam sob o peso de ansiedade mal escondida, e sussurros se espalhavam em ondas — como um murmúrio vivo, pulsando com expectativas, segredos e apostas internas.

Quando o nome de Ártemis foi chamado, junto com o de Trrira e mais duas garotas, ela arregalou um pouco os olhos e soltou o ar pela boca, um sopro de alívio. A mão encostou no peito, sentindo a própria pulsação aliviada. Estar com alguém conhecido, mesmo que a conexão ainda fosse tênue, dava um respiro no meio do caos.

— Ártemis... — sussurrou Trrira ao lado dela, os olhos brilhando. Ela vibrou, levantando o punho como se tivesse vencido uma aposta consigo mesma. — Você vai falar até eu dormir, né? 

Ártemis riu, meio sem jeito, mas com o coração derretendo. Era gostoso ouvir isso. Trrira tinha essa maneira escancarada de dizer as coisas que desarmava os muros antes mesmo de você perceber.

Ai, meu Deus. Ela vai dormir comigo. Tipo, dividir o quarto. Não surta, Ártemis. Ela só tá feliz. Ela não tá te dando em cima. Ou tá? Não tá. Acho. Foco. Vai ser só um quarto. Só um quarto. Só que com ela. Tá, parei.

Gumer, ainda sentado algumas cadeiras ao lado, observava a cena. Seu sorriso veio fraco e breve, um reflexo automático de quem finge que está tudo bem. Quando seu próprio nome foi chamado, e ele ouviu que dividiria o quarto com desconhecidos pelo segundo ano consecutivo, a mandíbula dele se travou por um segundo. Quase imperceptível, mas real. Sentiu os dentes se tocarem forte demais.

Porra... de novo com desconhecidos? Por que essa merda nunca muda?

Tentou parecer indiferente. Jogou o corpo para trás no encosto da cadeira, cruzou os braços e soltou um suspiro quase cômico, como se estivesse apenas entediado. Mas o sorriso escorregou. Nem chegou a se formar. No fundo, o incômodo estava ali, latejando como algo antigo.

Seus olhos buscaram Ártemis e Trrira mais uma vez. Elas riam agora, inclinadas uma na direção da outra, compartilhando algo em sussurros. Pareciam se reconhecer, se encaixar de um jeito que ele não conseguia ainda. Como se estivessem construindo uma ponte sem ele.

Gumer passou a língua pelos dentes de baixo. A mandíbula travada — não dava pra ver, mas dava pra sentir. Tava tentando engolir alguma coisa: frustração, talvez.

Seus amigos — aqueles que ele tanto queria apresentar, os que faziam o mundo parecer mais estável — ainda não tinham dado as caras. A cada novo aluno que entrava, ele virava o rosto, os olhos cheios de expectativa. Nada. Nenhum deles.

Cadê vocês, desgraçados? Era hoje, eu falei. Se não aparecerem, vou ter que ser o elo entre dois furacões femininos. E, honestamente, parece divertido... e perigoso. Tô dentro.

Mesmo assim, se agarrou ao que tinha. Duas novas amizades — ou ao menos uma. Trrira. Ela era calorosa, direta, falava como se tivesse te conhecido desde sempre. Ártemis... era mais difícil. Um campo minado de sarcasmo e olhares defensivos. Ainda parecia com um pé fora do círculo. Mas estava ali. De algum jeito, já fazia parte do cenário. E talvez isso fosse o bastante, por enquanto.

Ok. Respira. A Trrira é legal. A Ártemis é... um desafio. Acho que dá pra fazer funcionar. É só manter o carisma e não surtar. Ainda.

Eles ainda não chegaram.

São o contraponto do nosso caos.

Vocês vão conhecê‑los em breve.

Por agora, somos nós três.

A gente segue. 

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