Volume 1 – Arco 1

Capitulo 4: A Máscara do Inimigo

No outro lado do refeitório, o grupo dos Caçadores dominava o ambiente como predadores à espreita. Misha, Ahelys, Makkolb, Tiruli, Icegren e Quinn, conversando na mesa, observavam os novatos com olhares gélidos e sorrisos maldosos.

— Olha lá... — disse Misha, sem disfarçar o sorriso irônico. — Mais duas pro grupo dos Bambis.

Makkolb deu uma risadinha, sem tirar os olhos do telefone.

— Dou dois dias até pedirem pra ir embora — disse ele, balançando a cabeça.

— Aquela com o cabelo preso... — comentou Icegren, olhando Trrira de relance. — Parece que já tá quase chorando.

— Será que aguentam? — Tiruli levantou a sobrancelha, meio entediado, mexendo no copo.

Quinn deu de ombros, recostando-se na cadeira.

— Sinceramente, nem vale a pena perder tempo com essas aí. Vão meter o pé mesmo antes da gente precisar fazer alguma coisa.

— Menos problema pra gente então, né? — Misha riu, casual, antes de dar mais uma ajeitada no cabelo.

Makkolb deu mais uma olhada rápida para as novatas e virou de volta para Quinn.

— Aposto que a de cabelo longo não aguenta até o intervalo amanhã. Vai correr pra coordenação pedindo pra ir pra casa — disse ele, apontando com o queixo

— Vão sumir rapidinho — Tiruli completou, encolhendo os ombros. — Nem sei por que estão falando delas.

O grupo concordou, mudando de assunto sem dar muita importância. Era só mais um dia normal pra eles, condenando silenciosamente todos que pisam naquela escola.

Enquanto isso, Vanpriks e Leonarda estavam em seu próprio mundo, indiferentes ao caos do refeitório. Leonarda, de olhos fechados, parecia perdida em seus pensamentos.

— Você viu a nova turma? — perguntou Vanpriks — Algum potencial?

— Para mim, tanto faz — respondeu Leonarda, sem abrir os olhos. — Contanto que não me incomodem enquanto durmo, estou de boa.

— Ninguém chamou atenção?

— Não vi nada de especial — murmurou Leonarda. — Até agora, só parecem perdidos.

Vanpriks deu de ombros e deixou o assunto morrer, sem insistir mais.

A noite caía lentamente sobre a escola de magia, e Ártemis e Trrira se dirigiam para seus dormitórios após se despedirem de Gumer, Firefy e Glomme. O ambiente estava silencioso, com o som suave dos passos ecoando no corredor. 

Ao abrirem a porta do quarto, risadas sarcásticas de Leonarda e Misha ecoaram pelo ambiente.

Leonarda, reclinada em sua cama, levantou a cabeça, seus olhos curiosos se fixando em Ártemis e Trrira. Misha, em pé, pranchando seu cabelo com uma chapinha, virou-se abruptamente. Seu olhar de desprezo parecia cortar o ar entre elas, avaliando-as com desdém enquanto se aproximavam lentamente de suas camas.

— O que vocês estão fazendo aqui? — Misha disparou, cheia de sarcasmo. —  No mesmo quarto que eu?

Trrira se encolheu de medo, mas Ártemis, nervosa, respondeu:

— Ée... este quarto também é nosso.

Misha deu um passo à frente, com um sorriso provocador.

— Nosso? Enquanto eu estiver aqui, vocês não são nada — ela disse, se exibindo com desdém.

Leonarda, tensa em sua beliche, tentou intervir.

— Misha, só vamos descansar, está bem? Deixe isso pra lá.

— Não, querida. Isso não vai acontecer enquanto eu estiver aqui.— Misha respondeu, focada em Ártemis.

Trrira segurou o braço de Ártemis, preocupada, mas Ártemis percebendo que enfrentar Misha não era uma opção viável naquele momento. Com um suspiro resignado, as duas deixaram de lado a provocação.

— Vamos nos deitar, Trrira — sugeriu Ártemis, a voz baixa e hesitante, olhando fixamente nos olhos de Misha.

Trrira assentiu com a cabeça, e juntas, caminharam até suas camas. Enquanto se acomodavam, Misha as observava com deboche.

As duas se deitaram, o silêncio do quarto agora preenchido apenas pelo som suave do cabelo de Misha sendo pranchado. Embora a tensão ainda estivesse presente, uma sensação de alívio começou a se instalar.

Na manhã seguinte, Gumer acordou em seu dormitório, o ambiente ainda silencioso. Ele dividia o quarto com outros três garotos que, para seu desgosto, eram insuportáveis. Revirando os olhos ao ouvir o ronco de um deles, Gumer se levantou, tentando não fazer barulho. Foi até sua mala, pegou a toalha e suas roupas, e seguiu para o lavatório.

A água quente no banho parecia aliviar a tensão que carregava, especialmente depois dos acontecimentos do ano passado. Ele lavou o cabelo com calma, tentando clarear os pensamentos. Sentia-se mais leve ao sair do banheiro, as gotículas de água ainda escorrendo pelo rosto.

Após se trocar, Gumer decidiu explorar mais da enorme escola, que lembrava um castelo com suas torres e corredores largos. O clima nublado envolvia a escola, trazendo uma sensação de paz. Uma paz que contrastava com os desafios enfrentados no ano anterior.

Enquanto caminhava distraído pelo pátio principal, ele esbarrou em Leonarda. O choque foi inesperado, e os dois se olharam por um breve momento, um misto de surpresa e constrangimento.

— Desculpa! — Gumer disse rapidamente, dando um passo para trás.

— Foi mal, eu também não vi você — respondeu Leonarda, um sorriso de desculpas surgindo em seus lábios.

Sem mais palavras, eles seguiram seus caminhos, cada um imerso em seus próprios pensamentos. O dia nublado, o silêncio e a tranquilidade da escola traziam uma sensação de normalidade e calma, uma paz que Gumer não havia sentido desde os tempos difíceis do ano anterior.

O dia passou devagar, com o céu pesado e o vento soprando frio no enorme internato. As luzes da escola se apagaram tarde, como de costume, e a noite chegou sem grandes eventos. No segundo dia, o clima continuava o mesmo, e as rotinas já começavam a se misturar. Pouco mudou desde a manhã anterior, exceto o leve cansaço que se instalava nos rostos, como se o tempo tivesse esticado além do necessário. As horas seguiram seu curso, e agora, dois dias depois, era difícil distinguir uma manhã da outra.

21 de Fevereiro de 2019 - Quinta-Feira

Enquanto a nave dos Therianos entravam na atmosfera de Alfhenia, os sensores das bases de vigilância planetária detectaram a movimentação rapidamente. Operadores e analistas se reuniram, suas telas preenchidas com os dados de uma nave aparentemente antiga, datada da década de 60. O fato de ser uma nave local de outra era despertou imediatamente suspeitas. Apesar de sua idade, as autoridades não hesitaram em acionar os heróis responsáveis pela defesa da região. O protocolo exigia que qualquer ameaça fosse avaliada e, se necessário, eliminada antes de causar danos.

Dois heróis foram convocados: Briaaron—um homem de pele negra, olhos verdes e cabelo curto e moreno. Voava com facilidade e podia se tornar invisível, o que o tornava um mestre da furtividade. Vestia uma traje prateado, com um manto preto que desaparecia junto com ele, e carregava uma espada larga nas costas.

E Eldaly—uma mulher de pele clara, olhos azuis brilhantes e longos cabelos prateados, também voava e possuía super força. Ela vestia trajes leves em azul escuro, com uma mini-capa prateada que esvoaçava ao vento, combinando poder e agilidade em combate.

Briaaron chegou primeiro, invisível, e rapidamente sobrevoou a nave. Seu olhar atento na cúpula de vidro viu, pela primeira vez, o que havia dentro: alienígenas debilitados, magros, e claramente não ameaçadores. Ele comunicou-se de imediato com os operadores pelo rádio, com uma voz calma:

— São alienígenas, mas... parecem fracos. Não vão resistir a um ataque. Não há nenhum perigo visível.

Eldaly, porém, foi chamada para eliminar a ameaça. Não havia espaço para negociações. Como um trovão, ela surgiu do céu, quebrando o silêncio com um soco devastador na nave. O impacto foi brutal. O metal cedeu instantaneamente à sua força sobre-humana, e a nave se partiu em dois. O caos se instalou. Gritos desesperados ecoavam dos Therianos enquanto alguns caíam, arremessados para fora dos destroços.

Dentro da nave, Khelos, o líder dos alienígenas, assistia horrorizado enquanto se segurava. Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto o último resquício de sua civilização desmoronava diante dele.

Na'zyn! Vraxon, na'zyn! — ele gritou, a voz engasgada pelo desespero, quase em um clamor desesperado.

Do lado de fora, Eldaly continuava sua ofensiva. Ela atacava rapidamente, eliminando os Therianos um a um, com eficiência fria. Briaaron observava de longe, invisível, sem interferir, vendo o fim inevitável daquele povo enquanto a nave caía em espiral em direção ao solo.

A nave, já em pedaços, começou sua queda livre, rasgando o céu em direção a um campo próximo de uma escola. Dentro da nave, Khelos sabia que o fim estava próximo. Enquanto os destroços queimavam com a reentrada, ele tomou sua decisão. Prestes a se tornar o último Theriano vivo, Khelos se preparou para saltar, mesmo sabendo que não tinha mais esperança de vitória. Suas lágrimas corriam livremente, não por medo da morte, mas pela realização de que nem sequer tiveram uma chance.

Quando a nave passou pelas nuvens, pouco depois ele saltou. Seu corpo atravessou o ar em direção ao telhado de uma escola,  quebrando-o com um impacto colossal. Ele continuou sua queda pelos andares, quebrando lajes, até que finalmente, após atravessar quatro andares, seu corpo chegou ao solo. Mas antes de seu corpo tocar o chão, Khelos, o último Theriano vivo, teve um segundo de reconhecimento de sua condição — o último de sua espécie.

Ao colidir com o solo, seu corpo não se despedaçou como esperado. Em vez disso, ele se transformou em uma névoa mágica vermelha, que se espalhou rapidamente por toda a escola. A essência de Khelos se diluiu no ar, se infiltrando em cada canto, penetrando nas sombras e nos segredos daquele lugar, um lembrete silencioso e sombrio do fim de uma raça. O que restava agora era uma força misteriosa, um legado que se misturaria à história daquele local, de maneira invisível e imprevisível.

Horas se passaram desde que uma misteriosa cratera apareceu nos quatro andares da escola. O diretor, preocupado e intrigado, convocou investigadores para descobrir o que havia ocorrido pela manhã. O boato dizia que alguém havia caído do céu e causado isso, mas, curiosamente, a pessoa parecia ter desaparecido ao atingir o chão, como se tivesse se desvanecido no ar.

Enquanto isso, as aulas continuavam normalmente. Os alunos, alheios ao mistério que se desenrolava, dirigiam-se para suas salas, concentrados em seus estudos. A escola, com sua atmosfera tranquila, contrastava fortemente com o que acontecia acima.

Na sala de aula onde Ártemis e Trrira estavam, as duas garotas estavam completamente envolvidas nas explicações do professor. Ambas eram estudiosas e se dedicavam intensamente às aulas, frequentemente trocando olhares de aprovação ao entenderem os conceitos apresentados. Elas planejavam estudar juntas após a aula para se prepararem ainda melhor para as próximas provas.

Em outra sala, Gumer, Firefy e Glomme também mantinham o foco nas explicações do professor. Os três estavam determinados a absorver todo o conteúdo, sem se deixar levar pelos rumores sobre a cratera. 

Enquanto a rotina escolar seguia, o mistério da cratera permanecia em segundo plano.

À medida que as horas se arrastavam, a calma reinava na escola. O suave som da chuva batendo nas janelas preenchia o ambiente, enquanto os alunos se concentravam em suas aulas, trocando sussurros e risadas contidas. Quando o sinal do intervalo finalmente soou, a tranquilidade foi quebrada por um murmúrio alegre. Os estudantes se levantaram lentamente, como se despertassem, dispersando-se pelo pátio coberto de gotas de chuva. O ar fresco e a luz difusa criavam uma atmosfera acolhedora, permitindo que todos aproveitassem aquele momento tranquilo.

Ártemis e seus amigos estavam sentados nas arquibancadas do pátio, cercados pelo barulho animado dos outros alunos. Risadas e sussurros criavam uma atmosfera de camaradagem.

— Vocês conhecem uma garota, de laço amarelo? — perguntou Ártemis, com a voz hesitante.

Firefy, soltando um suspiro pesado, balançou a cabeça em afirmação.

— Sim? a Misha? Ela faz parte dos 'Caçadores'. Eles... eles não são muito legais. Éé... Misha jogou comida no meu cabelo uma vez e disse que eu sou feia igual a uma cenoura.

Trrira, ouvindo a descrição, não conseguiu conter sua indignação.

— Isso é horrível! Por que alguém falaria isso?

Glomme, observando nervosamente a conversa, interveio.

— É melhor não se meter com eles. Especialmente com o Quinn, um garoto de cabelo azul. Ele... bem, ele não é uma boa pessoa. Adora fazer piadas sobre os outros. — Glomme falou, meio hesitante, lembrando de todas as vezes que foi alvo do bullying de Quinn.

A determinação começou a surgir em Ártemis.

— Ninguém deveria passar por isso. Temos que nos apoiar.

— Concordo. Se eles tentarem alguma coisa, estaremos juntos nisso — acrescentou Trrira.

Conforme o dia se transformava em noite, a escola foi se esvaziando lentamente. As vozes animadas dos alunos diminuíram, e o eco de portas se fechando preencheu os corredores. Com o último sinal, os estudantes se dispersaram, deixando o pátio em um silêncio profundo.

Na sala de aula, apenas a luz suave de um abajur iluminava o espaço, onde uma professora organizava seus papéis com calma.

De repente, uma fumaça vermelha apareceu na porta da sala da professora. O alienígena Khelos observava em silêncio.

Ao ouvir uma respiração na porta, a professora se aproximou e perguntou quem estava ali. Quando Khelos abriu a porta, ela recuou, tentando usar seus poderes, mas foi devorada viva.

Khelos não assumiu apenas a aparência da professora, mas também seu lugar na escola. Sentou-se à mesa e começou a folhear as atividades, como se nada tivesse acontecido. A escola continuava em paz, alheia ao perigo que se escondia em seu próprio lar.



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