Volume 1 – Arco 1

Capitulo 3: Amizades no Corredor

A sala era estranha, cheia de sombras e com uma atmosfera opressiva. Ártemis esfregou os olhos e tentou entender onde estava. O chão de pedra reverberava o som de seus sapatos enquanto ela se levantava, sentindo-se ligeiramente desorientada.

De repente, uma figura se destacou no fundo da sala—a silhueta de uma garota sentada, de pele negra, cabelos cacheados amarrados em um coque, que parecia estar tão surpresa quanto ela. 

A garota, que vestia o uniforme escolar ficou paralisada por um segundo ao ver Ártemis invadir seu espaço. Seus olhos arregalaram-se de susto.

Num movimento rápido, a garota se levantou deixando cair o livro que estava lendo, seus pés deslizaram pelo chão, assumindo uma postura de combate. As mãos firmes erguidas, como se estivesse pronta para lutar, os pés plantados com firmeza no chão. Seus olhos se estreitaram, e o ar na pequena sala ficou ainda mais denso.

Ártemis, atônita, deu um passo para trás, levantando as mãos no ar, tentando mostrar que não era uma ameaça. O coração dela batia acelerado, mas não de medo—de pura adrenalina.

— Ei, eu juro, eu não sou uma ameaça. Só... caí aqui dentro sem querer — disse Ártemis, meio assustada, se afastando para trás.

A garota à sua frente, de pele negra, coque e uniforme, hesitou. Seus olhos a mediam, avaliando, enquanto seu corpo relaxava aos poucos. Ela abaixou as mãos e, com um suspiro, pegou o livro que havia derrubado no chão.

— Me desculpe, eu me assustei — disse a garota, meio nervosa, voltando a se sentar, enquanto ajeitava o livro em suas mãos.

Ártemis soltou o ar, sentindo o alívio percorrer seu corpo, mas ainda um pouco nervosa.

— Tudo bem... Você se importaria se eu ficasse aqui por um tempo? Só até a multidão lá fora diminuir?

A garota deu de ombros, ainda visivelmente desconfortável, mas assentiu, voltando a ler em silêncio.

Ártemis se encostou contra a porta, observando as pessoas no corredor, apressadas e se empurrando. O contraste entre o tumulto do lado de fora e a calmaria da pequena sala era gritante. A garota, encostada na parede, estava imersa em seu livro, folheando as páginas lentamente.

Depois de alguns minutos, a curiosidade de Ártemis falou mais alto. Ela se virou para a garota.

— Qual é o seu nome? — perguntou, tentando puxar conversa.

A garota ergueu os olhos, sem sair do lugar.

— Trrira.

Ártemis franziu a testa.

— Como se pronuncia mesmo?

Trrira sorriu levemente, como se já estivesse acostumada com a pergunta.

— É Trrira, com o som forte no início, como um rosnado.

Ártemis fez uma careta, tentando repetir o som.

— Trrira... trr...rira? — forçou a pronúncia, enrolando a língua de forma exagerada.

Trrira, que ainda segurava o livro, não conseguiu conter uma risada.

— Não, assim não! É mais suave no final, mas o começo... — ela tentou explicar entre risos, — O "t" é forte, e depois é como se você estivesse rosnando um pouco no final.

— Trrrr...rirra? — Ártemis tentou de novo, desta vez exagerando ainda mais o "r", soando quase como um motor engasgando.

Trrira começou a rir mais alto, a mão cobrindo a boca enquanto seus olhos se fechavam de tanto rir.

— Pareceu um motor velho! — disse ela, tentando recuperar o fôlego.

Ártemis também começou a rir, o constrangimento transformando-se em uma leve diversão.

— Ei, não é tão fácil quanto parece! Seu nome deveria vir com um manual de instruções!

As duas se entreolharam, o ambiente descontraído quebrando o gelo de antes, enquanto Ártemis tentava mais algumas vezes, falhando acidentalmente, o que só fazia Trrira rir ainda mais.

— Trrr... ahh... eu desisto! — Ártemis jogou as mãos para o alto, rindo com a amiga.

— Sem preocupações, você vai pegar o jeito — respondeu Trrira, ainda rindo, seus olhos brilhando de diversão.

Ártemis se aproximou de Trrira, olhando curiosa para o livro em suas mãos, prestes a perguntar sobre o que ela estava lendo. Mas, antes que Trrira pudesse responder, a porta da sala se abriu com um estrondo. Um garoto foi empurrado para dentro, tropeçando e caindo no chão, enquanto a porta se fechava com um riso abafado do lado de fora.

Ártemis e Trrira se viraram assustadas, observando a cena com olhos arregalados. O garoto, meio desorientado, olhou ao redor e, ao notar as duas meninas na penumbra, ficou visivelmente desconfortável. Ele se levantou rapidamente, batendo a poeira do uniforme.

Ele ajeitou seu cabelo cacheado e volumoso, que reluzia como se tivesse sido finalizado com extremo cuidado.

— Quem são vocês? — ele perguntou com uma voz hesitante.

Ártemis e Trrira, ainda atordoadas pela cena, se entreolharam por um momento antes de responderem. Elas perguntaram o nome dele, e o garoto respondeu ainda confuso.

— Meu nome é Gumer. — Ele fez uma pausa, observando as duas, antes de perguntar de forma inesperada, — Vocês duas são namoradas? Estou atrapalhando alguma coisa?

Ambas ficaram visivelmente nervosas com a pergunta abrupta, suas faces corando ligeiramente.

— Não, NÃO... — responderam rapidamente, quase ao mesmo tempo.

Gumer levantou as mãos em um gesto de desculpas, interrompendo qualquer tentativa de explicação.

— Calma! Ee- eu só perguntei. — Ele deu um sorriso de canto, e rapidamente ergueu uma sobrancelha e interrompeu antes que pudessem dizer mais.

— Vocês têm amigos? Querem ser parte do meu grupo?

Ártemis hesitou por um momento, pensando na proposta. Já Trrira respondeu imediatamente, sem pensar duas vezes.

— Sim! — disse ela, com um sorriso decidido.

Ártemis olhou para ela, surpresa com a resposta rápida, ela não podia negar o entusiasmo de Trrira, que já parecia ter se conectado com Gumer. Por fim, ela entrou na onda também, relaxando um pouco. Gumer apenas sorriu, satisfeito com a adesão imediata de Trrira. 

— E você? Quer se juntar ao nosso grupo? — Gumer perguntou para Ártemis, notando que ela estava mais quieta.

— Claro, por que não? — respondeu ela, sorrindo, começando a se animar com a ideia.

Eles se aproximaram da porta, observando o corredor ainda lotado. Trrira começou a contar para Gumer como quase ninguém conseguia pronunciar seu nome direito.

— Ah, sério? — ele riu. — Eu até que acertei, né? Tipo... Trira... T-rrira... parece nome de jogo de língua.

— Quase, mas eu te dou um desconto — Trrira disse rindo.

— E o seu nome é...? — perguntou Gumer, voltando o olhar para Ártemis.

— Ártemis — ela respondeu, meio séria.

— Bonito nome, forte — comentou ele sorrindo.

— Obrigada — respondeu ela, envergonhada.

Gumer ajeitou o uniforme uma última vez e olhou para as duas.

— Tenho mais dois amigos que quero apresentar pra vocês. Eles ainda não chegaram, mas tenho certeza que vão gostar deles — comentou com um sorriso confiante.

Trrira, já animada com a ideia, ajustou sua mochila nas costas, seus olhos brilhando de entusiasmo.

Ártemis, ao ver a energia contagiante de Trrira e a forma como ela e Gumer pareciam se dar bem, decidiu entrar na onda. Afinal, parecia que o primeiro dia de aula seria bem mais divertido do que ela imaginava.

O som dos passos e conversas altas ecoava pelas paredes, enquanto os alto-falantes do corredor ressoavam a mesma mensagem: "Dirijam-se aos auditórios para as divisões das turmas!".

Quando a multidão começou a diminuir, Gumer deu um aceno para seguir em frente. Os três saíram da sala, caminhando lado a lado pelos longos corredores da escola, suas vozes se misturando ao barulho ao redor, enquanto se preparavam para enfrentar o primeiro dia juntos.

No auditório, os estudantes se acomodaram em fileiras organizadas, todos ansiosos para descobrir onde ficariam. A cada chamada de nome, sussurros e olhares nervosos preenchiam o ambiente.

Quando Ártemis ouviu seu nome ser mencionado, junto com Trrira e mais duas garotas do segundo ano, ela sorriu, aliviada por estar com alguém que já conhecia. Trrira, ao lado dela, praticamente pulou de empolgação.

Enquanto isso, Gumer observava de longe. Ele tentou disfarçar a frustração ao ouvir que ficaria em um quarto separado, com ninguém que conhecia. Ele forçou um sorriso, fingindo estar feliz enquanto trocava olhares com Ártemis e Trrira, que agora riam e faziam planos para o dormitório.

No entanto, algo dentro dele o deixava inquieto. Seus amigos, que ele tanto queria apresentar, ainda não haviam chegado, e isso o deixava visivelmente tenso. Ele desviava o olhar para a porta do auditório a cada minuto, esperando que a qualquer momento eles aparecessem.

Mesmo assim, Gumer tentou manter a postura, não querendo estragar o momento. Afinal, ele tinha duas novas amigas agora.

Horas depois

Ártemis e Trrira finalmente chegaram ao dormitório. O quarto era simples, com dois beliches dispostos em cada canto. A luz suave das lâmpadas criava um ambiente acolhedor, mas algo naquela atmosfera parecia deslocado.

Uma das outras garotas, deitada no topo de um dos beliches, observava-as com um olhar penetrante; Chamada Leonarda, vestida no uniforme clássico da escola que parecia simples nela, mas seu olhar... aquele olhar predatório fazia Ártemis e Trrira se sentirem pequenas.

As duas trocaram olhares rápidos, tensas e desconfortáveis. A sensação de serem observadas como presas era inegável. Leonarda, sem dizer uma palavra, continuava a encará-las, como se estivesse analisando cada movimento, cada respiração.

Ártemis tentou quebrar o silêncio, mas sua voz falhou ao sentir o peso do olhar da garota felina. Trrira, igualmente desconfortável, evitou o contato visual, tentando focar em qualquer outra coisa no quarto. 

O tempo passou, e a manhã no internato se desenrolou com rapidez. Quando o horário do almoço chegou, Ártemis e Trrira, ainda tentando se adaptar ao novo ambiente, caminharam em direção ao refeitório. 

O lugar estava lotado, cheio de vozes, risadas e o tilintar de talheres. O cheiro de comida quente misturado ao som caótico da multidão tornava o espaço ainda mais esmagador para as duas, que procuravam um lugar para sentar.

Foi então que elas avistaram Gumer de longe, acenando animadamente para elas. Ártemis e Trrira trocaram um sorriso aliviado. 

As duas se apressaram até a mesa onde Gumer estava sentado, sentindo-se um pouco mais confortáveis ao se juntarem a alguém familiar.

Quando Ártemis e Trrira se aproximaram da mesa de Gumer no refeitório, notaram que ele não estava sozinho. Ao lado dele, um garoto e uma menina , ambos de aparência tímida, pareciam deslocados no meio de tanta agitação.

O garoto, chamado Glomme, mantinha os olhos fixos no prato, claramente evitando contato visual. A postura encolhida e o jeito desajeitado de mexer na comida deixavam evidente o nervosismo que sentia.

Já a garota, chamada Firefy, parecia atenta, mas reservada, mantendo uma expressão fechada, como se estivesse se protegendo da energia caótica ao seu redor.

Sentados em uma mesa na cantina, o grupo recém-formado tentava criar uma conexão. Ártemis e Gumer falavam animadamente, mantendo a conversa fluida enquanto os outros dois, Firefy e Glomme, permaneciam em silêncio, quase retraídos em seus próprios mundos.

Trrira observava os dois, percebendo a timidez deles, algo que a fazia sentir uma conexão imediata, como se pudesse ver um pouco de si mesma neles.

Ártemis, com sua energia natural, estava liderando a conversa, rindo e fazendo comentários espontâneos que mantinham o clima leve.

Gumer olhava para Ártemis com um leve desconforto. Ela estava conduzindo tudo de forma tão desinibida que ele começou a se sentir um pouco ofuscado. Normalmente, ele era o mais extrovertido entre seus amigos, mas agora, com Ártemis tomando a dianteira, ele não sabia bem como se posicionar.

Enquanto isso, Trrira, embora mais reservada, observava atenta e se sentia confortável ao lado de Ártemis. À medida que o tempo passava, a dinâmica do grupo se transformava. O ambiente se tornava acolhedor, e a timidez inicial se dissipava, dando lugar a laços de amizade que começavam a se fortalecer

 



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