Volume 1 – Arco 1
Capitulo 28: No Coração da Maldição - Parte 5
Firefy abriu os olhos novamente, suando e ofegante, com os cabelos bagunçados e o rosto pálido. Ela mal conseguia processar o que acabara de ver. As imagens ainda estavam frescas em sua mente, pesadas demais para acreditar, como se fossem uma realidade distante, mas também inevitável.
Gumer, vendo o pânico e a confusão em seu rosto, tentou acalmá-la. Ele estava visivelmente angustiado, seus olhos se encontrando com os dela, transmitindo uma desesperada urgência.
— Fye, você viu, não viu? — ele perguntou, sua voz trêmula, mas firme. — Não podemos deixar isso acontecer. Eu... Eu não vou deixar isso acontecer. Vamos atrasar o despertar. Dividimos a maldição... Isso vai mudar o futuro, vai dar uma chance de salvar todos. Precisamos impedir. Precisamos encontrar o receptáculo. O monstro que está amaldiçoando a escola, alimentando tudo isso.
Firefy respirou fundo, ainda assustada, mas com uma nova determinação tomando conta de seu corpo. Ela se afastou um pouco para limpar as lágrimas dos olhos e bagunçou os cabelos com as mãos, tentando organizar os pensamentos.
— Não tô mais com medo — ela disse, sua voz agora mais firme, com a convicção de alguém que não podia mais voltar atrás. — A gente vai até o fim com isso.
Gumer sorriu, um sorriso cheio de alívio e esperança. Ele sabia que, com a ajuda de Firefy, poderiam mudar o curso da história. Eles precisavam impedir que mais lâminas surgissem. Precisavam encontrar aquele que estava espalhando a maldição pela escola, e impedi-lo antes que fosse tarde demais.
— Avise os outros — Gumer falou, ainda segurando as mãos dela com força, como se isso fosse sua âncora. — Vamos impedir que mais laminas cresçam. Isso vai dar certo. Eu sei que vai.
Eles se abraçaram novamente, com mais força desta vez, ambos sabendo que aquilo não era apenas sobre a batalha contra a maldição de Gumer, mas contra algo muito maior. Firefy, embora aterrorizada pelo que havia visto, sentia uma onda de determinação crescer dentro de si. Ela ainda estava em choque, mas sabia que não podia manter aquilo para si mesma. A realidade era maior, e ela teria que carregar o peso daquilo tudo. Ela tinha uma missão agora. Salvar seus amigos. Salvar o mundo. Impedir que a Era Carmesim começasse.
Poderia, talvez, clamar por ajuda aos grandes heróis — àqueles cujos nomes ecoavam nas lendas, cujos feitos haviam moldado reinos e derrotado monstros colossais. Poderia buscar os sábios, os deuses ocultos, as armas celestes. Afinal, era o fim. O verdadeiro fim. O mundo estava se curvando diante da ruína, e cada batida do tempo parecia um tambor de guerra anunciando a queda definitiva.
Mas não.
Ela seguiria com seus amigos. Seguiria com aqueles mesmos adolescentes que ainda se perguntavam sobre quem eram, que tropeçavam em suas próprias dúvidas, que mal sabiam o peso de uma escolha. Eles, inexperientes, frágeis, teimosos, leais. Eles eram tudo o que ela tinha.
E, mesmo diante do apocalipse, mesmo quando o céu escorria sangue e a terra tremia com as promessas de um horror ancestral, era com eles que ela iria. Porque às vezes, salvar o mundo não é sobre poder. É sobre não desistir — mesmo quando tudo já parece perdido.
De volta às terras abandonadas, a atmosfera parecia vibrar com uma energia estranha. O sol mal tocava o chão encharcado de folhas mortas e galhos quebrados. Quinn e Misha estavam parados no terreiro, em volta de um símbolo tortuoso de bruxaria desenhado na terra — linhas entrelaçadas formando espirais e runas inventadas, no centro uma taça de vidro com glitter dentro e três pedrinhas encantadas repousando próximas. Era o tipo de lugar onde até o vento hesitava em passar. Misha, como sempre, parecia em casa. Mesmo sem ser uma bruxa de verdade — e jamais podendo se tornar uma — amava cada detalhe daquele universo místico como se tivesse nascido em um grimório antigo. Sabia mais do que deveria, e amava mais do que admitia.
Ela se posicionou perto do símbolo, alongando os dedos. Nunca havia tentado um ritual de invocação antes, mas o brilho em seus olhos denunciava um certo prazer pela tentativa. Quinn, um tanto mais perdido, se abaixou ao lado dos três baldes gigantes de glitter colorido. Olhou para Misha com uma sobrancelha arqueada, esperando instruções. Nada. Misha não dissera absolutamente nada sobre o plano. Ela queria o impacto. Queria que ele visse com os próprios olhos o que ela podia fazer. Sabia que ele surtaria — e era exatamente isso que queria.
— Misha, só me responde uma coisinha — disse Quinn, abrindo os baldes com um rangido alto e desconfiado, olhando o brilho do pó subir com o vento seco. — A gente vai fazer o quê, exatamente? Você tá muito silenciosa, e quando você fica assim, geralmente envolve loucura, polícia ou o inferno em algum nível.
Ela sequer respondeu. Apenas levantou os braços de forma lenta e teatral, e naquele momento seus olhos explodiram em um tom amarelo intenso, como duas lanternas espirituais alimentadas por algo que nem ela mesma compreendia. O glitter nos baldes começou a vibrar, depois subir, como se puxado por uma força invisível que seguia o movimento de suas mãos. Ela dançava com os braços, e o pó colorido dançava com ela — uma coreografia de partículas em êxtase.
Quinn ficou boquiaberto por um instante. Sabia que Misha controlava areia, poeira, sujeira... mas glitter? E daquela forma tão precisa? Aquilo era novo. Era poderoso. Era bizarro.
— Pega as pedras, Quinn — murmurou Misha sem nem virar o rosto. — Coloca uma por uma na taça, com cuidado. Elas são as âncoras da alma. Isso que estamos fazendo é magia de alma temporária, eu mesma criei. Se quebrar a taça, ele desaparece. Então foca, por favor.
Ele engoliu seco, pegou a primeira pedrinha e depositou dentro da taça com um cuidado quase exagerado. Ao tocar o fundo de vidro, a pedra brilhou com intensidade. As outras duas seguiram o mesmo destino, e no exato instante em que a última caiu, Misha abaixou os braços em sincronia. O glitter seguiu o movimento, descendo em cascatas douradas sobre o símbolo, que agora queimava em tons de amarelo vivo — a assinatura mágica de Misha.
Ela se aproximou com passos lentos, os braços ainda em movimento, mas mais pesados, como se o ar ao redor estivesse se tornando sólido. Moldava o glitter como barro, girando partículas com precisão dolorosa, dando forma a algo que ainda não fazia sentido. Quinn apenas observava, gelado, como se estivesse vendo um espírito surgir do nada. E era quase isso.
O pó se condensou no centro do símbolo. Um torso. Um rosto. Braços. Pernas. Pele. Uma figura nua emergia do brilho dourado como uma escultura viva. Quando os contornos se completaram e o brilho cessou, havia um garoto em carne e osso deitado no centro do ritual. Quinn arregalou os olhos.
— Misha... é o Veyron?
— A própria encarnação do babaca, sim — respondeu ela, limpando o suor da testa e sorrindo com um ar vitorioso. — Inteiro.
Quinn se aproximou, visivelmente perturbado, encarando o corpo no chão. Era Veyron. O mesmo rosto, mesmo cabelo, mesmas expressões idiotas. Só que coberto de glitter. Veyron se mexia devagar, como se tivesse saído de um coma. Olhou para os dois sem entender nada, com o olhar de quem desperta de um sonho estranho e já caiu num pesadelo.
— O plano é simples — continuou Misha, ajeitando o cabelo com o braço trêmulo. — A gente leva ele pra Michilli, joga ele no meio da praça central, cheio de gente, TV, polícia, o escambau. Todo mundo vai ver que ele tá vivo. A culpa da sua família evapora. Depois ele desaparece de novo. Show.
— Uau... Isso é... genial. E completamente idiota. Meu Deus, somos só dois surtados com glitter e um morto-vivo pelado no meio de um símbolo satânico — Quinn riu, mas era um riso nervoso, enfiado entre dentes apertados, enquanto olhava Veyron com um misto de vergonha e fascínio.
Veyron se sentou, nu e coberto de purpurina dourada, os olhos apertados contra o sol como se estivesse acordando de uma ressaca cósmica. Olhou ao redor, depois para si mesmo, e então fixou os olhos em Quinn e Misha com nojo mal disfarçado.
— Mas que porra é essa? — cuspiu ele, a voz rouca como se tivesse fumado uma floresta. — Por que eu tô pelado em cima de um símbolo demoníaco? E por que vocês dois — ele apontou de forma acusatória com um dedo cheio de glitter. — Parecem dois lunáticos saídos de um clipe da Lady Handel?
— Ah, ele voltou com a língua afiada — comentou Misha, cruzando os braços. — Que surpresa. Nem parece que tava morto há um minuto atrás. Podia, no mínimo, agradecer.
— Morto? — Veyron franziu o cenho, se levantando com dificuldade. — Eu não tava morto, porra nenhuma. Eu... eu tava... eu lembro de uma festa, depois um apagão. Agora tô com o saco congelado e cercado por dois idiotas — ele olhou irritado para Quinn. — E para de olhar pro meu pau, caralho! Não vou te comer, porra! Olha pra minha cara quando eu falo contigo!
Quinn deu um passo pra trás como se tivesse tomado um tapa. O rosto corou na hora, e ele virou o olhar para qualquer lugar que não fosse o corpo reluzente de Veyron.
— Cala a boca — rosnou Quinn, o rosto já avermelhado — você não faz ideia do que tá acontecendo. E para de falar merda, seu porra! Só porque uma vez eu... — ele travou por um segundo, os olhos desviando — Isso não te dá o direito de ficar jogando na cara dos outros. Vai se foder!
— Não, mas você faz, né? — Veyron respondeu, deslizando a língua pelos lábios num gesto lento, o olhar cravado em Quinn. — Com esse olhar de cachorro babando? Tô vendo sua cara, grandão — ele se levantava mais pra perto, a voz baixa e maliciosa. — Tenta esconder melhor da próxima vez, vai. Tá quase implorando de novo.
Misha revirou os olhos, bufando.
— De novo? Ai, Quinn... sinceramente, como é que você ainda tem coragem de se fazer de hétero na frente dos outros? Depois de ter transado com o merda do Veyron? — ela virou os olhos, com um expressão estranha. — Todo mundo já sacou, querido. Até sua bunda confirma. E olha que eu não tô nem julgando, viu? Só acho graça de você fingindo ser hétero com essa pose toda, enquanto até o Veyron já carimbou seu passaporte.
— Quê? Eu não tô... eu não sou... — Quinn gaguejou, mas as palavras se perderam. O rubor não saía do rosto, e ele tentava desesperadamente parecer indignado, mas o constrangimento o traía de novo e de novo.
— Relaxa, querido — disse Misha, sarcástica — a gente te aceita. Só para de fingir que é o pegador da escola quando passa metade da aula babando nos braços do professor de treinamento físico.
Veyron soltou uma gargalhada curta, irônica, e sacudiu um pouco o corpo como se quisesse livrar-se do glitter que agora parecia parte de sua epiderme. Ele encarou Quinn com um brilho zombeteiro no olhar, e mesmo sem lembrar da própria morte, sentia que aquilo tudo era culpa deles.
— Pera aí? Então vocês me derrubaram no meio da festa, me arrastaram até aqui e tão bancando ritual de glitter? — Veyron disse, rindo com desdém. — Deve ser só ressaca... Vocês vieram fazer xixi ou transar a três aqui?
Misha suspirou fundo, cansada da palhaçada.
— Fica quieto, Veyron. A gente te trouxe de volta por meia hora só pra limpar a imagem da família do Quinn. Depois você some, desaparece, volta a ser poeira cósmica ou sei lá o que. Ninguém tá aqui pra ser seu fã, sua diva, ou seu psicólogo.
O silêncio caiu como um trovão entre eles.
Veyron ficou assustado.
Os olhos dele, antes zombeteiros, agora estavam atentos. Arregalados. Ele encarou Quinn, depois Misha, depois o símbolo no chão. A forma como eles desviaram o olhar. A forma como Misha falou em "meia hora". A forma como Quinn apertava os punhos como quem já tinha se arrependido de algo que não podia desfazer.
— Espera aí... — sussurrou Veyron, a voz trêmula — Que porra vocês fizeram comigo?
Ninguém respondeu.
Veyron se ergueu em um salto, rápido demais, como um animal encurralado. Seus pés bateram no chão ainda escorregando com o glitter, mas ele nem ligou. O coração disparado, os olhos girando, a boca seca.
— Eu tô vivo...!? ou eu sou tipo um boneco que vai cair duro no chão quando esse brilho de unicórnio acabar?!
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