Volume 1 – Arco 1
Capítulo 18: Três Mentes - Parte 2
A biblioteca estava quieta, o ambiente pesado e silencioso, exceto pelo farfalhar das páginas viradas e o som suave das prateleiras sendo reorganizadas. A seção de mistérios, como sempre, parecia um labirinto de livros empilhados de forma caótica, com cada canto da sala recheado de papéis amarelados e livros encadernados em couro gasto. O cheiro de poeira e de história antiga preenchia o ar, criando uma sensação de mistério que combinava com o ambiente.
Glomme estava sentado no chão, rodeado de uma desordem de livros e cadernos, seus dedos nervosos tocando nas páginas de um livro grosso, de capa preta, marcado por desenhos e símbolos enigmáticos. Seus olhos estavam fixos, mas sua mente parecia distante, como se estivesse tentando entender algo impossível. Ele não percebeu imediatamente a aproximação de Naala e Tiruli até o som suave de livros sendo recolocados de volta na prateleira.
— O que estão fazendo aqui? — a voz de Glomme saiu hesitante, quase como um sussurro. Ele levantou a cabeça devagar, seus olhos um pouco confusos. A frustração estava visível em seus ombros tensionados e no franzir da testa. O lugar em que ele se encontrava parecia ser o único que importava para ele naquele momento.
Naala, com uma expressão decidida e um brilho determinado nos olhos, começou a arrumar os livros ao seu redor. Seus dedos ágeis moviam-se com precisão, pegando os volumes e os alinhando nas prateleiras com uma rapidez impressionante.
— Estamos ajudando, Glomme. Você está levando isso a um nível completamente... caótico — ela não olhou para ele enquanto falava, mas sua voz era clara e firme. Ela tinha o controle da situação, e isso ficava evidente na maneira como ela se movia pela ambiente.
Tiruli estava em silêncio, observando o ambiente e a reação de Glomme. Seu olhar se deteve brevemente em Naala, sua expressão intrigada, antes de se voltar para Glomme. Ele se aproximou com cautela, tentando não invadir o espaço pessoal dele. Havia algo em Glomme que o fascinava, algo mais além da irritação e do mistério, e ele sentia uma curiosidade crescente.
— Glomme, você realmente vai fazer tudo isso sozinho? — a voz de Tiruli saiu baixa, quase como uma sugestão, mais do que uma pergunta. Ele observava as mãos de Glomme, que tremiam levemente sobre as páginas do livro. — Você sabe que isso não vai dar certo se continuar assim.
Glomme olhava fixamente nos olhos de Tiruli, um olhar profundo e vulnerável por trás da fachada de arrogância. Ele franziu a testa e olhou para baixo, como se não soubesse o que fazer com as palavras que estava ouvindo. Sua voz tremia ligeiramente quando ele respondeu, claramente desconfortável com a presença de Tiruli ali.
— Eu... eu não preciso de ajuda. Eu estou fazendo tudo certo — Glomme se levantou de repente, quase soltando os livros que tinha em mãos. Ele parecia estar tentando se convencer, mas a insegurança era evidente em seus gestos. Seu rosto corava levemente, e ele não sabia exatamente como lidar com a proximidade de Tiruli, algo nele estava desconfortável, mas ao mesmo tempo, ele não queria afastá-lo.
Naala olhou para Glomme, sua expressão suavizando, mas ainda cheia de determinação. Ela cruzou os braços, observando-o de forma ponderada.
— Glomme, você está se isolando, e isso não vai ajudar. Eu sei o que você está tentando fazer, e sei que esses livros... eles significam mais do que eu imagino — ela olhou para Tiruli, o tom de sua voz mudando um pouco. Ela parecia perceber a tensão crescente entre os dois e não podia deixar de notar a química sutil que surgia entre eles. Tiruli estava se aproximando mais de Glomme, e a forma como ele o observava não passava despercebida. — Nós podemos te ajudar.
Glomme piscou, claramente surpreso com a assertividade de Naala. Ele ficou em silêncio por um momento, a mente correndo para entender se poderia confiar nela, mas a maneira como ela estava tão segura o fez questionar suas próprias certezas. Ele olhou para Tiruli com uma expressão desconfortável, a ansiedade tomando conta de seu corpo.
— Eu não sei se posso confiar em... em você, Tiruli. Você é... você é um caçador. E caçadores só sabem humilhar as pessoas — a voz de Glomme saiu baixinha, como se estivesse revelando algo íntimo. Seu rosto estava vermelho, e ele não queria olhar diretamente para Tiruli, mas sentia seus olhos o observando. Era como se Tiruli fosse capaz de enxergar além da fachada que ele tentava manter.
Tiruli sentiu o calor subir para seu rosto, mas de uma maneira mais leve, quase como se estivesse sendo tocado por um vento suave. A tensão estava ali, sim, mas ele não queria que Glomme sentisse que estava sendo pressionado. Ele deu um passo à frente, baixando um pouco a cabeça, como se estivesse tentando suavizar a situação.
— Olha, eu sei que eu ando com os... caçadores, e talvez eu seja, mas não sou como você pensa. Eu não sou frio, não sou... cruel — ele fez uma pausa, sua voz suave, mas cheia de sinceridade. — Não sou como Icegren, Makkolb ou Quinn. Eu só estou tentando entender o que você está fazendo aqui. E, se você me deixar, posso ajudar. — Tiruli olhou para Glomme por um instante mais longo, seus olhos suavizando de maneira inesperada. Ele estava tentando mostrar algo mais do que um simples caçador, algo mais humano, mais próximo.
Glomme ficou em silêncio, seus olhos se fixando nos de Tiruli, procurando algum indício de mentira. Mas o que ele viu foi uma sinceridade que o deixou desconcertado. Algo dentro dele se desfez um pouco. Ele não sabia bem o que estava sentindo, mas um calor estranho subiu pela sua face. Ele tentou manter o controle, mas não conseguiu.
— Eu... não sei — a voz de Glomme soou fraca, e ele olhou rapidamente para Naala, buscando alguma ajuda, algum apoio. — Eu estou apenas tentando entender. Esses símbolos, eles... têm algo a ver com a Lua de Sangue. Eu não sei como, mas eu preciso encontrar mais informações sobre eles.
Naala observou a troca entre os dois, notando a dinâmica sutil e quase palpável que se formava. Ela não sabia se aquilo era apenas uma tensão passageira ou se havia algo mais ali, mas ela sabia que tinha que agir.
— Eu sei o que esses símbolos são, Glomme — ela falou com mais calma. — E posso te ajudar a entender. Eu já vi isso antes — ela fez uma pausa, olhando para Tiruli com uma expressão quase desafiadora, como se ela soubesse algo que ele não sabia, algo que ela não queria revelar ainda. — Juntos, podemos descobrir tudo o que você está procurando. E, quanto a Tiruli... Ele não vai te julgar. Você pode confiar nele.
Tiruli deu um sorriso leve, tentando aliviar a tensão no ar. Ele não era o tipo de pessoa que se importava com o que os outros pensavam, mas sabia que sua presença ali poderia ser desconfortável para Glomme.
Glomme, ainda sem saber como reagir completamente, olhou para os dois, a ansiedade em seus olhos começando a desaparecer. Ele não estava mais tão sozinho. O peso em seus ombros parecia um pouco mais leve.
— Obrigado — ele murmurou, olhando para Tiruli com um leve sorriso sem graça. — Eu... eu não sei como agradecer. Talvez, vocês tenham razão.
Naala, sorrindo com uma mistura de confiança e satisfação, se levantou para buscar mais livros. Ela sabia que aquilo era apenas o começo, e os próximos passos seriam ainda mais desafiadores. Mas, por agora, ela estava disposta a ajudar, e havia algo em Tiruli e Glomme que tornava tudo isso ainda mais interessante.
Ela caminhava lentamente pelo fim da biblioteca, as mãos pressionadas contra as têmporas, os olhos completamente brancos como se sua mente estivesse imersa em outro plano. O silêncio ao seu redor parecia se distorcer enquanto ela forçava seus poderes de telepatia ao máximo, algo que nunca dominara bem. Sua telepatia era extremamente limitada, e tentar acessar memórias antigas exigia um esforço avassalador. Mas ela sabia que já tinha visto aqueles símbolos em algum lugar. Ela só precisava se lembrar.
Do outro lado da biblioteca, Tiruli e Glomme andavam juntos entre as prateleiras abarrotadas de livros, folheando volumes antigos, analisando capas e sinopses. O cheiro forte que exalava de Glomme não incomodava Tiruli, que estava mais interessado na conversa sobre a Lua de Sangue e a descoberta recente de Glomme e seus amigos: uma possível magia oculta que poderia estar ligada à maldição de Gumer. A busca por respostas os deixava cada vez mais próximos de algo que poderia mudar tudo.
Cada livro que pegavam parecia ser apenas mais um amontoado de palavras sem sentido, nenhuma pista concreta, apenas teorias vagas e histórias perdidas no tempo. Mas então, no meio da busca, algo dentro de Naala despertou.
Ela parou de andar bruscamente. Seu corpo enrijeceu por um momento, e seus olhos voltaram ao normal, arregalados pela epifania. Os símbolos! Ela se lembrou onde os tinha visto: em museus clandestinos, escondidos debaixo da cidade, lugares proibidos onde artefatos de magia esquecida eram mantidos fora do alcance do público. E ali, diante dela, repousava um livro com um símbolo enorme na capa, exatamente parecido ao que ela tentava recordar. Mas o mais estranho era que o livro não tinha título, nem uma única palavra dentro ou fora.
No mesmo instante, Tiruli também encontrou um livro similar. Ele segurou o volume pesado, virando-o de um lado para o outro, percebendo que, assim como o de Naala, esse também era completamente vazio.
Os três correram de volta para o ponto de encontro, segurando os livros com urgência. Quando finalmente se encontraram, olharam uns para os outros, confusos e excitados.
— Isso não pode ser coincidência... — murmurou Tiruli, analisando o livro em suas mãos.
— Esses livros não deveriam estar aqui — a voz de Naala saiu hesitante, ainda assimilando o que descobrira. — Se existem outros volumes iguais a esses, significa que alguém os espalhou ou está tentando escondê-los.
Glomme passou os dedos pela capa do livro, sentindo os símbolos gravados em relevo. Ele respirou fundo antes de falar:
— Acho que alguém mais também está tentando encontrar esses livros.
Os três trocaram olhares. A busca por respostas estava longe de terminar, mas agora tinham algo real em mãos. Algo que poderia levá-los diretamente ao coração do mistério da Lua de Sangue.
Os livros foram colocados cuidadosamente no chão, e Naala, franzindo o cenho, agachou-se para analisá-los melhor. Seus dedos deslizavam pelas capas, traçando os símbolos desgastados pelo tempo. Algo lhe parecia familiar. De repente, seus olhos se arregalaram, e um sorriso triunfante surgiu em seu rosto.
— Eles se conectam! — murmurou, deslizando os volumes até que suas bordas se alinhassem perfeitamente.
Tiruli e Glomme se aproximaram, os joelhos dobrados enquanto observavam com atenção. Conforme os livros se uniam, as gravuras formavam uma única palavra, escrita em um idioma arcaico e incomum. O coração de Naala disparou, e ela olhou para os dois, compartilhando sua empolgação.
— Isso significa que existem mais! Acho que é uma palavra — Tiruli concluiu, os olhos brilhando de curiosidade.
Glomme assentiu lentamente, seu rosto um misto de surpresa e receio. Ele nunca tinha contado com ajuda de estranhos antes, e agora, ali estavam Naala e Tiruli, comprometidos com sua missão. Por um momento, ele se permitiu sentir algo que evitava há muito tempo: alívio. Mas, tão rápido quanto veio, o sentimento se dissipou, substituído pelo constrangimento de estar tão perto de Tiruli, que, mesmo sem parecer se importar com seu cheiro, fazia com que Glomme quisesse enfiar a cabeça em um buraco.
Naala se levantou num salto, determinada.
— Precisamos achar os outros antes do próximo sinal! — decretou.
Não havia tempo a perder. Os três se separaram, correndo por corredores diferentes, passando pelas prateleiras empoeiradas e desviando dos poucos estudantes que ainda vagavam pela biblioteca. A cada livro retirado das estantes, o tempo parecia escorrer por entre os dedos.
O som abafado de passos apressados ecoava entre os corredores altos, e Tiruli, embora determinado, não podia deixar de notar o jeito atrapalhado de Glomme enquanto ele puxava livros com uma mistura de desespero e esperança. De vez em quando, o garoto verde lançava olhares rápidos para Tiruli, como se temesse que, a qualquer momento, ele zombasse dele. Mas Tiruli estava focado, e isso o deixava ainda mais desconcertado.
Os minutos passavam. Quinze... dez... cinco minutos para o sinal tocar.
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