Volume 1 – Arco 1

Capítulo 14: Frustações e Objetivos a Caça

Dias se passaram desde a perturbadora experiência de Trrira no cemitério. Em casa, o peso dos acontecimentos ainda pairava sobre ela. Os artefatos que encontrou estavam agora guardados em uma caixa de vidro reforçada, cuidadosamente escondidos sob sua cama. A cada vez que entrava no quarto, sentia como se a energia mágica daqueles objetos emanasse uma presença, silenciosa, mas constante, intocados, mas nunca esquecidos. Ela sabia que aqueles objetos guardavam segredos e histórias que poderiam ser cruciais para entender o que havia de errado — não apenas com Rowena, mas talvez com o próprio mundo ao seu redor.

As visões que teve no ponto de ônibus ainda a assombravam. Imagens de Rowena tão jovem, a lua de sangue e a sensação terrível de estar presa no corpo dela faziam sua mente trabalhar incansavelmente. Ela sabia que qualquer uso irresponsável poderia ter consequências irreversíveis. 

Trrira tinha compartilhado algumas informações com seus amigos por telefone. Contou sobre a caixa de vidro e como acreditava ser a melhor forma de proteger os artefatos — tanto deles mesmos quanto dela. Apesar de ainda estar profundamente curiosa sobre a verdadeira natureza daqueles itens, sabia que era melhor não mexer neles sem mais informações.

Mesmo assim, a conversa com seus amigos foi marcada por sua inquietação. Ela explicou como seus pais, furiosos após descobrirem sua mentira, haviam imposto severas restrições. Trrira estava proibida de sair, mas Trrira, obstinada, não conseguia aceitar isso. Apesar das proibições, ela descobriu algo importante durante a aventura no cemitério: ela não era tão fraca quanto pensava. A experiência, por mais aterrorizante que tenha sido, mostrou a ela que era capaz de enfrentar desafios maiores do que imaginava.

Mas para Trrira, o fardo era particularmente esmagador. Ela se sentia pressionada por ser a responsável por guardar itens tão valiosos, que poderiam ser a chave para ajudar Gumer. A conexão com ele, mesmo à distância, era algo que Trrira levava a sério. Ela queria mostrar que era uma boa amiga, algo que parecia tão raro em sua vida. Desde muito jovem, Trrira havia enfrentado o sentimento de abandono. Ela fazia amigos com facilidade, mas mantê-los era uma batalha perdida. Muitos vinham e iam, deixando-a com uma sensação de descartabilidade que moldava suas interações futuras. Ela sempre se perguntava se era boa o suficiente, se dizia algo errado, se sua presença era simplesmente suportada, e não apreciada. Esses pensamentos a consumiam, e com o tempo, ela preferiu o silêncio às possíveis rejeições.

Essa necessidade de provar seu valor fazia com que Trrira estivesse disposta a passar por cima das regras rígidas de seus pais. Eles a aprisionavam em uma vida que ela não escolheu, cercada por expectativas irreais e controle. Por mais que temesse as consequências, estava decidida a desafiar as ordens familiares para proteger os artefatos e, mais importante, mostrar a Gumer e aos Bambis que eles podiam contar com ela.


24 de março de 2019 - Domingo

Ártemis, Vanpriks e Leonarda conversaram sobre os artefatos que Trrira havia encontrado, trocando impressões e teorias. Era impossível ignorar o impacto que a busca por esses itens e a procura pela maldição que os cercava estavam deixando marcas profundas em suas vidas.

Ártemis, embora de maneira diferente. Ela sabia que a caça à maldição da Lua de Sangue era perigosa, algo que provavelmente deveria evitar. Mas a ideia de ajudar Glomme e Firefy, que tanto se importavam com Gumer, era suficiente para motivá-la. Ártemis não conseguia ignorar o esforço dos dois, a dedicação que tinham para descobrir uma forma de ajudar o amigo. Com o tempo, ela também começou a se importar com Gumer, mesmo que eles tivessem poucas interações e ele estivesse distante.

Havia algo nos Bambis que tocava Ártemis profundamente. Apesar de todas as dificuldades e confusões que enfrentavam, ela enxergava neles um coração bom, uma genuína vontade de fazer o bem, mesmo quando isso exigia sacrifícios. Essa pureza a inspirava, lembrando-a de que, por mais confusa e perigosa que a situação fosse, havia algo maior em jogo: a chance de salvar alguém, de fazer a diferença. Ártemis, que inicialmente esperava que a escola fosse apenas uma rotina de estudos, agora se via envolvida em uma aventura que, apesar de aterrorizante, despertava nela um senso de propósito que nunca havia experimentado antes.

Ela conversava com seus pais todos os dias, mas mesmo assim não aguentava mais esperar que as semanas passassem para revê-los. O sentimento de saudade e a ansiedade de estar longe da segurança e do conforto de casa a consumiam, mas, ao mesmo tempo, algo em sua nova rotina despertava uma chama em seu peito.

Ela sabia que se metera em um grupo de amigos um tanto problemático, mas gostava deles. Era um conjunto de personalidades e histórias que não se encaixavam no que ela imaginava quando chegou à escola, mas havia algo irresistível na imprevisibilidade do grupo. Ártemis mesmo insegura ela adorava a adrenalina, e a ideia de estar envolvida em uma espécie de "caça a maldições" parecia fascinante, mesmo sendo perigosa. Não era o tipo de aventura que ela tinha sonhado, mas, de certa forma, era exatamente o que precisava para se sentir viva, para experimentar algo além da monotonia que esperava enfrentar.


E Vanpriks, por outro lado, tinha objetivos bem diferentes em mente. A aparência calma e o jeito calculado escondiam uma mente que já estava muito além dos dilemas adolescentes. Embora seu corpo estivesse preso na aparência de uma jovem de 18 anos, a verdade era bem diferente: Vanpriks tinha 48 anos, mas, como era metade vampira, sua longevidade a impedia de envelhecer até quase os 200 anos. Ela já não suportava fingir ser uma adolescente, nem o tédio das aulas ou a superficialidade das conversas escolares. Sua maturidade fazia com que cada interação parecesse uma peça de teatro cansativa. No entanto, sua familia insistia para que continuasse estudando e permanecesse no anonimato. Embora não entendesse completamente os motivos por trás dessa orientação, Vanpriks acatava, acreditando que um propósito maior a aguardava no futuro.

Apesar de sua confiança e inteligência, havia lacunas em sua história que a deixavam inquieta. Criada sem a presença do pai, ela sabia muito sobre si mesma, mas nunca soube quem ele era ou por que ele havia desaparecido. Essas perguntas ecoavam em sua mente, especialmente quando olhava para suas asas pequenas e disfuncionais, que a impediam de voar. Para ela, essas asas eram um símbolo de um mistério maior, um pedaço faltante de sua identidade que ansiava desvendar.

No entanto, havia uma urgência que a mantinha focada: sua avó, Krazirin, uma figura central em sua vida, uma mulher sábia e imponente que carregava séculos de história em seus olhos cansados. Sendo vampira, ela tinha desfrutado de uma longevidade extraordinária, mas mesmo com sua linhagem sobrenatural, o tempo começava a cobrar seu preço. Já com 447 anos, seu envelhecimento havia se acelerado nos últimos anos, e Vanpriks sabia que os 450 anos seriam um limite que ela dificilmente ultrapassaria.

A situação pesava nos ombros de Vanpriks, que via sua avó definhar a cada dia. Para Vanpriks, essa mulher não era apenas uma parente, mas também uma mentora e a única constante em sua existência fragmentada. Ela havia aprendido tudo com a avó: sobre seus próprios poderes, sobre sobreviver no mundo dominado por humanos, sobre caçar, estava enraizado no que sua avó lhe ensinou.

Ver sua avó tão fragilizada era como assistir a uma fortaleza desmoronar lentamente. Cada ruga nova, cada suspiro pesado, parecia roubar um pedaço da vitalidade que antes definia aquela mulher tão admirável. Vanpriks sabia que o jarro que Trrira havia encontrado poderia conter algo que ajudasse a prolongar a vida de sua avó, ou ao menos aliviar seu sofrimento. Essa esperança, por mais remota que fosse, tornou-se uma obsessão silenciosa.

Ainda assim, Vanpriks não podia ignorar o peso emocional dos artefatos. Ela os queria, precisava deles, mas sabia que Trrira e Ártemis eram obstáculos em seu caminho. Ela confiava apenas em Leonarda para ajudá-la nessa missão, enxergando na garota uma ferramenta útil e leal.


E para Leonarda, que desde jovem, sempre enfrentou rejeições e julgamentos que a moldaram de forma profunda. Sua sensibilidade, frequentemente vista como fraqueza, a tornou alvo de crueldades e exclusões. Isso a levou a construir uma fachada de arrogância e desinteresse, que escondia uma garota insegura e ansiosa por pertencimento. Participar da caça a maldição e entrar para os Bambis sempre foi por propósito muito mais profundo: ajudar Vanpriks. Leonarda sabia que, se conseguisse ajudar Vanpriks a obter o jarro, traria felicidade para ela, e isso a faria feliz também. Esse desejo de agradar a Vanpriks era enraizado pela sua dependência emocional, alimentada pela busca de validação, que a deixava vulnerável, sempre esperando que alguém ficasse, alguém que não a deixasse para trás. Mas, com Vanpriks, ela finalmente encontrou uma exceção.

A caça ao Jarro, portanto, não era apenas uma missão física, mas uma forma de Leonarda tentar superar suas próprias inseguranças. A ideia de poder ajudar Vanpriks, que nunca a julgava, dava a ela um motivo para se esforçar. Ela não participava da missão por pura diversão ou desejo de aventura. Para Leonarda, a felicidade de Vanpriks era diretamente ligada à sua própria felicidade. A vampira a entendia de uma maneira que ninguém mais conseguia, e isso criou um vínculo muito mais forte do que qualquer outro relacionamento que ela tivesse conhecido. Vanpriks não a criticava pelas suas escolhas ou pelo jeito peculiar de expressar suas emoções; ela aceitava Leonarda como era, e isso fazia com que Leonarda se sentisse especial, algo que raramente experimentava.

Leonarda nunca foi do tipo que expunha suas emoções facilmente. Seu comportamento externo, muitas vezes desinteressado, era uma forma de proteger a fragilidade interna que ela tentava esconder. No fundo, ela sentia uma necessidade genuína de contribuir para algo maior do que ela mesma. A missão com Vanpriks foi uma chance de fazer isso sem precisar abrir mão de sua proteção emocional. Mesmo que Leonarda parecesse desinteressada ou até relaxada na superfície, sua motivação era bem mais profunda: fazer Vanpriks feliz e, ao fazer isso, encontrar seu próprio valor.


As quatro, apesar de tão diferentes, estavam conectadas de maneira inusitada pelos mistérios que envolviam os artefatos e os segredos que ainda precisavam desvendar. Cada uma carregava seus próprios demônios, seus próprios desejos e medos, mas seguiam adiante, mesmo sem saber o que o destino reservava. 

Para Trrira, a missão representava a chance de superar a imagem da garota tímida e obediente que seus pais esperavam. Ela queria provar a si mesma que podia ser mais, conquistar seu próprio caminho e se libertar da pressão familiar, buscando uma forma de se redimir e ganhar autonomia.

Para Ártemis, a busca pelos artefatos era, acima de tudo, uma forma de ajudar seus amigos. Contudo, ela frequentemente se questionava até onde essa jornada os levaria e se, no final, valeria a pena enfrentar todos os riscos. A sensação de que sua vida estava se transformando irrevogavelmente a fazia refletir sobre as consequências de seus atos.

Para Vanpriks, a caça aos artefatos era uma fuga das expectativas que a aprisionavam, uma maneira de recuperar o controle da sua vida e escapar da pressão externa. Ela sentia que, ao buscar o jarro, poderia salvar a única pessoa que realmente a apoiava e, ao mesmo tempo, resgatar algo de si mesma que estava se perdendo.

Para Leonarda, a missão era uma maneira de retribuir o apoio que sempre recebeu de Vanpriks. Ao mesmo tempo, ela via nela uma oportunidade de se libertar das amarras que a prendiam, de se descobrir e criar seu próprio destino. A busca por algo maior lhe oferecia uma chance de se encontrar no futuro, longe das expectativas que limitavam suas ações.

 



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