Volume 1 – Arco 1
Capítulo 12: Noite de Segredos
A porta se abriu com um estrondo, e a enfermeira entrou correndo. Mas eu não vi ela direito. Eu só via a Icegren indo embora, ajeitando o cabelo como se não tivesse anunciado minha morte segundos antes. A porta bateu tão forte que o batente tremeu. Eu fiquei no chão, com as mãos tremendo, o peito subindo e descendo rápido demais e o sangue latejando no ouvido.
A enfermeira me segurou pela cintura e me empurrou pra cama, usando o corpo inteiro pra me manter deitada. Eu fiquei ali, afundada nos braços dela, a cabeça virada pro lado, cuspindo sangue pelo canto da boca. Meus olhos estavam secos, mas tremiam. Não era medo. Era ódio. Raiva. E uma certeza que queimava mais que qualquer ferida: eu não esqueceria aquilo.
E a partir daquele dia, eu comecei a contar. Não os meus dias... mas os dela.
E é isso. Anaru ficou lá, na enfermaria, guardando aquele ódio como quem afia uma faca no escuro.
Os corredores estavam quase vazios, apenas o eco de passos dispersos e portas se fechando ao longe. As últimas aulas tinham acabado há pouco. Lá fora, a lua surgia pelas janelas altas, fria e curiosa, iluminando os cantos do internato.
Lá em cima, na sala de treinamento ao terraço da academia, Kevin fechava o zíper da mochila com calma, como quem guarda não só o material, mas também o peso do dia. O vento frio da noite passava pelo espaço aberto, carregando consigo os últimos ecos dos alunos que saíam apressados.
E ali, no topo, ele ficou por um instante, só observando os planetas no céu, as estrelas, as luas — como se esperasse alguma coisa, ou alguém, antes de finalmente ir embora.
No instante em que Kevin se aproximava da saída, Delal perdeu o equilíbrio no tapete. O garoto encolhia-se, os olhos desviados, vermelho de vergonha. Kevin percebeu o pedido de desculpas implícito no gesto tímido, quase impossível de ignorar.
— Relaxa, garoto — disse Kevin, inclinando-se um pouco e estendendo a mão, com um sorriso breve que tentava aliviar a tensão — Todo mundo tropeça de vez em quando, não é.
Delal aceitou a ajuda, evitando encarar diretamente, mas a vermelhidão no rosto o entregava; mesmo assim, depois de soltar um “não foi nada” tão baixo e quase automático, ergueu o olhar como se tivesse reunido coragem para algo maior, e a pergunta saiu com um peso ensaiado, mas com uma voz suave demais para soar acusatória.
— Você… tem alguma coisa com a Anaru? — o jeito que ele disse “alguma coisa” fez Kevin parar no ato, franzindo a testa e estudando aquele olhar que parecia carregar uma curiosidade genuína, mas também uma observação que ele não esperava ouvir de alguém tão novo.
— O que é que você quer dizer com isso? — questionou Kevin, mas percebeu que Delal não queria encerrar o assunto. O garoto passava os dedos pelo próprio pulso, inquieto. Ele sem conseguir mascarar o leve desconforto continuou. — Se está falando sobre hoje, eu me importo com meus alunos, e isso não tem nada de especial; é literalmente por causa desses treinamentos que eu tenho o meu emprego aqui, e se alguém se machuca… ou pior… a responsabilidade cai inteira sobre mim.
Delal hesitou, mordendo o lábio inferior, antes de erguer o queixo de volta — como se cada palavra estivesse sendo escolhida com cuidado.
— É que… eu achei diferente. Quando ela perdeu, parecia que realmente importava pra você, é diferente de qualquer outro professor que eu já vi, e olha que nem meus pais ligam muito quando eu me machuco ou passo por alguma coisa ruim.
Kevin respirou fundo, sentindo a frase se alojar num canto desconfortável da mente, e respondeu com uma firmeza que talvez fosse mais pra si mesmo do que pro garoto.
— Claro que eu me importo — disse ele, inclinando ligeiramente a cabeça e prendendo o olhar de Delal no seu. — Você é meu aluno, e isso já te torna importante, não tem muito mais mistério do que isso.
O menino deu um passo mais perto, os olhos fixos como se quisesse atravessar qualquer fachada que Kevin tentasse erguer.
— Então... éh... será que você poderia se importar um pouco mais comigo? — perguntou, com aquela voz que parecia tímida, mas carregava uma carência tão exposta que era impossível ignorar. — Eu sempre fico de reserva nos treinos, nunca consigo uma dupla, e às vezes nem parece que eu faço parte de nada.
Kevin passou a mão pela nuca, olhando para o lado como se precisasse de um segundo para processar o pedido — havia algo ali que ia além da simples reclamação de um aluno esquecido.
— Olha Delal... posso te incluir nos treinos — Kevin respirou fundo, tentando manter o tom neutro. — E vou tentar dar um jeito de você não ficar de lado, pode confiar nisso.
Delal deixou escapar um sopro de descrença, mas um brilho leve apareceu no olhar, e então, num movimento rápido que Kevin não previu, ele avançou e o abraçou pela cintura — o corpo pequeno se encaixando no dele de um jeito que o obrigou a travar a respiração por um segundo, sentindo a pressão firme e a cabeça do garoto encostada no seu abdômen.
Kevin ficou parado, surpreso com a proximidade inesperada de Delal. Por um instante, sentiu o peso daquele gesto e o que significava — um pedido silencioso de reconhecimento, de cuidado. Ele respondeu sem palavras, até que, quase por instinto, ergueu os braços e o envolveu também, consciente de que aquele contato carregava mais significado do que deveria, e que ambos sabiam disso.
— Obrigado, professor... — saiu abafado, baixo demais para ser ouvido por qualquer um além dele, carregando mais do que gratidão, como se fosse um segredo que só os dois podiam compartilhar.
Separaram-se devagar, e Delal foi embora sem se virar, os passos leves ecoando no corredor vazio. Kevin ficou ali, sentindo o toque dele ainda na pele, e soube que aquela conexão não iria se dissolver facilmente. O próximo treino seria diferente… e ele não sabia se estava pronto para isso.
Antes de sair, Kevin varreu o local com o olhar, o corpo ainda preso à tensão do momento. O medo de alguém ter visto latejava — especialmente se fossem Hanvasa ou Marla. No terraço, lá estavam elas, sentadas na mureta, cigarro na mão, a fumaça subindo junto da brisa fria. Pareciam distraídas... por um instante Kevin se perguntou se, por acaso, tinham visto mais do que deviam. Mas a brisa fria da noite apenas balançava levemente os cabelos delas.
Hanvasa soltava a fumaça devagar, enquanto comentava num tom que misturava curiosidade e surpresa.
— Você vai dormir aqui de novo, Ma? — perguntou, virando o rosto para encarar a colega com um meio sorriso cético. — Pensei que hoje ia voltar pra casa, ver as crianças.
Marla, que estava tragando no momento, quase tossiu, como se a pergunta tivesse pegado num ponto sensível. Ainda assim, manteve a postura, soltando a fumaça pelo canto da boca antes de responder.
— O maridão tá cuidando de tudo lá — disse, girando o cigarro entre os dedos, sem encarar diretamente Hanvasa. — É melhor eu passar mais uns dias aqui, dar um tempo... você sabe, sair um pouco do peso da maternidade. Vou ter muitos outros dias com eles, e... — deu um meio sorriso cansado, que tentava mascarar o desconforto. — Com ele desempregado, é o meu salário que tá segurando as contas.
Hanvasa observou a colega por alguns segundos, inclinando a cabeça com aquele jeito prático que sempre tinha.
— Entendo… não é fácil mesmo — murmurou, apertando o cigarro entre os dedos antes de levar à boca novamente. — Eu não tenho filhos, então não vou fingir que sei o que você sente, mas sei que é um peso enorme. Eu mesma tô juntando grana pra ir pra Neblin, começar de novo… mas não saio dessa escola sem descobrir quem diabos fez aqueles buracos aqui.
O tom dela mudou, ganhando firmeza, e os olhos se estreitaram como se já tivessem um culpado em mente.
— É muito estranho, Marla. Aquilo não me engana — disse ela, erguendo o queixo na direção do pátio lá embaixo. — Tenho certeza que não foi o Briaaron... ele encenou alguma coisa pra esse internato engolir a história.
Marla tragou fundo e manteve o silêncio, os olhos subindo para o céu como se buscassem um refúgio que não estava ali. Soltou a fumaça devagar, deixando que o ar frio levasse embora um assunto que ela preferia não tocar. Quando falou, a voz veio mais baixa, densa, como se carregasse algo que ela não queria revelar.
— Você sempre tão certa das coisas... tomara, por Deus, que esteja errada agora.
Hanvasa soltou uma risada curta, quase provocativa, como se errar fosse só mais um jogo pra ela. Marla não respondeu, tragou outra vez e apenas assentiu, o silêncio denunciando mais do que queria, e a rigidez nos ombros entregando o peso que tentava esconder.
Quando terminaram, atiraram as bitucas para o escuro, vendo a brasa se apagar antes de sumir de vista. Voltaram para dentro em silêncio, cada passo pesado ecoando no terraço vazio. Apagaram as luzes até restar apenas a escuridão, fechando a porta da sala com um cuidado quase ritual — como se precisassem trancar o mundo lá fora para finalmente respirar e encarar, sozinhas, as merdas que ainda viriam.
Enquanto isso, nos corredores quase desérticos, Gumer, Firefy e Glomme saíam da sala de poções, caminhavam rindo baixo e conversando calmamente, desviando dos poucos alunos que ainda estavam por ali, até que, de repente, pararam e perceberam que a passagem estava completamente bloqueada por Makkolb, Tiruli e várias garotas coladas neles, aceitando a atenção com naturalidade. Makkolb exibia aquele sorriso arrogante de sempre, enquanto Tiruli parecia cada vez mais confortável no papel de galã improvisado. Mais à frente, Quinn observava tudo com um olhar duro — repulsa misturada a algo que queimava por dentro, um ciúme disfarçado de confusão, sem nome e sem freio, cada gesto de Tiruli parecendo tocar algo que ele ainda não conseguia nomear.
— Mano, tu precisava ver o Tiruli hoje — disse Makkolb, rindo com aquela mania de dono do pedaço. — O moleque tá pegando geral igual a gente, tá aprendendo, mano, quase que eu fico com inveja dele, se exibindo igual idiota na frente de todo mundo, e eu não aguento ver essas coisas, caralho.
Tiruli retribuiu a provocação com um sorriso, abraçando duas garotas de uma vez, a pose ensaiada entre charme e nervosismo. Os dentes cerrados num sorriso que escondia o nervosismo e a satisfação ao mesmo tempo, completamente alheio ao que Quinn sentia por dentro, enquanto Quinn não tirava os olhos dele, e o incômodo crescia até virar náusea. Num impulso bruto, empurrou Makkolb e Tiruli com as mãos e abriu caminho, passando por eles com o corpo rígido e a respiração descompassada. Os dentes cerrados, tentando não admitir o que aquela cena tinha mexido com ele. Makkolb xingou baixinho, irritado; Tiruli só piscou, sem entender nada do que tinha acontecido.
Mais atrás, Gumer e Firefy quase se engasgavam para não rir, cúmplices no deboche da cena. Já Glomme ficou parado, olhos arregalados e a mão grudada nos bolsos, como se tivesse presenciado algo que não deveria. Para ele, aquilo parecia mais espetáculo obsceno do que simples briga de corredor — uma mistura de ciúme, provocação e um jogo estranho de poder que deixava o ar pesado demais para ignorar. Enquanto aquele grupo de alunos tarados continuavam passando pelo corredor, sem a menor vergonha ou controle, rindo e cochichando entre si.
— Eu juro pra você, Gumer, esse Quinn é muito gay ou pelo menos bi, velho — Firefy disse, inclinando o corpo para frente, os dedos girando nervosamente o cigarro que nem existia, a voz baixa, mas carregada de certeza e diversão ao mesmo tempo, tentando provocar o amigo e rir da situação.
Gumer, ainda boquiaberto com tudo o que tinha acabado de testemunhar, respondeu, sem conseguir disfarçar o choque misturado com curiosidade:
— Sério, será que ele é mesmo? Tipo… Todo mundo fala dele como se ele fosse perfeito, mas acho que ninguém sabe direito como ele realmente é.
Glomme, sentindo o celular vibrar no bolso, olhou a mensagem que piscava na tela: era Ártemis pedindo que eles se encontrassem com ela e Trrira no banheiro. Mostrando a mensagem para Gumer e Firefy, os três trocaram olhares rápidos, sorrindo baixinho, e retomaram o caminho pelos corredores, tentando não tropeçar nas próprias pernas ou rir demais, mantendo o coração acelerado e o cérebro rodando, pensando em tudo o que tinham acabado de ver e no que ainda estava por vir.
Fim do capítulo. Fecha essa página, respira fundo e se prepara. Porque se você achou que essa noite terminou… não terminou nem de longe.
...
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