Volume 1
Capítulo 14: Emboscada
A mudança no semblante dos Assaltantes era clara. E toda a atenção se voltava para aquela única mulher cega, que não só quebrou a flecha, como também a segurou na parte ainda atravessada com a outra mão, a arrancando de uma só vez, sem nem mesmo um esboço de dor.
Esse ato, por si só, já fez com que aqueles homens se calassem por completo. Mas o que os aterrorizou de verdade foi o que ocorreu logo após.
O buraco de onde a flecha foi retirada simplesmente se fechou, quase que instantâneamente.
– Mas que bosta foi essa!? – Sussurrou o homem de arco para seu companheiro ao lado.
– Merda!! Eu não se... – Tentou responder o homem questionado pelo arqueiro. Porém foi bruscamente interrompido por uma adaga que empalou o pescoço justamente de seu questionador, o fazendo cair no chão em agonia.
– CACETE!! DE ONDE VEIO ISSO!? – Gritou em desespero o outro homem também próximo ao arqueiro.
– ESSA DESGRAÇADA É UMA BRUXA!! – Exclama o homem que surgiu de trás de Shiem e Novah. – A FACA APARECEU DO NADA NA MÃO DELA!!
Shiem muito confuso, também viu uma adaga, feita de um material idêntico a um cristal rosado, se materializar na mão de Novah, alguns poucos milésimos antes que ela as lançasse no pescoço do arqueiro.
Visão essa que o fez entender finalmente o porquê Paragor tinha tanta confiança nessa mulher, que parecia ser tão indefesa e frágil.
Novah se posicionou pronta para atacar, ao mesmo tempo que materializava duas espadas feitas do mesmo cristal rosado da adaga lançada anteriormente. E vendo o medo que se instaurou nos olhos daqueles homens, ela grita com tom sarcástico.
– UÉ!? PORQUE NÃO ESTÃO RINDO? AGORA QUE VAMOS NOS DIVERTIR DE VERDADE VOCÊS JÁ QUEREM IR EMBORA?!... HUM… JÁ QUE É ASSIM… ENTÃO VAMOS JOGAR UM JOGO! EU VOU ARRANCAR O BRAÇO DE QUEM SE MEXER PRIMEIRO!!
Após ouvirem a proposta de Novah, dois dos homens que os cercavam começam a sentir um frio que lhes subia a espinha. Além de suarem frio de tal maneira que instintivamente nenhum músculo dos seus corpos eram capazes de se mexer plenamente. Mas o terceiro que conversava com o falecido arqueiro se inflamou de fúria e respondeu a Novah, já sem medo.
– DESGRAÇADA!! EU NÃO COMPRO ESSA MARRA TODA!! Vou fazer um sorriso no seu pescoço de orelha a orelha!! há! há! há!.
Sem vacilar, o homem empunhou sua espada com as duas mãos e foi em direção a Novah, com a intenção de atacar diretamente.
Novah continuou a sorrir de forma debochada e falou para Shiem.
– O de traz é pra você!
– O QUE?? – Perguntou Shiem apavorado.
Porém Novah não o respondeu, e começou a correr em direção ao seu desafiante.
Já ao alcance da espada, o único corajoso o suficiente para pôr as habilidades de Novah a prova, começou desferindo uma estocada em direção ao estômago dela. Porém, com um movimento sutil de uma de suas espadas, ela facilmente desviou a lâmina de sua direção, ao mesmo tempo em que o cortava em seu rosto com um ataque rápido utilizando a segunda espada que ela portava.
– Há! há! há! Sua noção de distância é ridícula! – Falou Novah, fazendo pouco de seu inimigo.
Tomando um grande susto com a facilidade que seu rosto foi atingido, o homem que atacava pula recuando para trás de forma desengonçada e grita para seus companheiros.
– SEUS IDIOTAS! MATA ELA!
O outro homem que também estava próximo à Novah, se deixou tomar pelo medo e ficou inerte diante do perigo iminente. Conseguindo somente andar para trás, passo a passo no intuito de recuar do campo de batalha assim que tivesse a oportunidade.
Após poucos passos de recuo, o homem apavorado se virou para começar sua fuga. Logo, o outro assaltante que pediu ajuda contra Novah percebeu a intenção covarde de seu aliado e gritou olhando para o mesmo.
– SEU BOSTA! EU MESMO VOU TE MATAR QUAND...
Porém, antes que terminasse a frase, ele viu no canto de seus olhos um vulto veloz que veio da mulher que o enfrentava. Quase no mesmo instante, o homem que fugia cai ao chão morto, com uma das espadas de Novah atravessada em seu coração.
– Então, onde estávamos!? Há é… Seu braço!. – Falou Novah enquanto criava outra espada para substituir a arremessada.
Completamente desesperado, o adversário de Novah gritou para o único companheiro que lhe restava.
– MAS QUE DROGA! FAZ ALGUMA COISA SEU IDIOTA!... PEGA O CACHORRO!
O homem próximo a Shiem, ainda apavorado, ouviu o que seu cúmplice disse, e logo começou a atacar Shiem de maneira desesperada.
– HÁAA!! NOVAAH! O QUE EU FAÇO!? – Perguntou Shiem, aterrorizado.
– COOOORREE!!! – Gritou Novah com um sorriso sarcástico no rosto.
Shiem tentou seguir o conselho de Novah, porém seu adversário foi mais rápido, e investiu sobre ele com um golpe lateral de sua espada.
Sem reação, Shiem não acreditava que era capaz de se defender desse simples ataque. Então simplesmente fechou seus olhos, tentando se encolher para minimizar o dano inevitável que iria receber. Mas apesar de que em sua mente apavorada ele estava se protegendo em um ato simples de auto preservação instintiva, seu corpo acabou reagindo de forma diferente.
Em um movimento firme e razoavelmente cadenciado, Shiem defendeu o golpe com a bainha de sua espada.
A defesa seca e firme deixou o assaltante desacreditado, já que era idêntica a de um adulto que segurava o soco de uma criança pequena.
Novah, ao longe, já estava com sua mão pronta para lançar outra adaga velada, contudo ela se contém, ficando surpresa com a reação de defesa feita por Shiem.
"A espada do ladrão quicou como se tivesse atingido uma rocha!" Pensa Novah intrigada com a aparente força que Shiem acabara de mostrar.
O homem que enfrentava Novah tenta se aproveitar da distração, e se aproxima furtivamente até o ponto de conseguir atacá-la sem que a mesma tenha chance de defesa.
Chegando a posição desejada, o homem se lança em outra estocada contra Novah, que estava a distância de um passo largo de seu inimigo. Porém com um simples jogo de pernas Novah se desvia da investida, deixando o ladrão completamente vulnerável a sua frente.
Não desperdiçando a oportunidade, Novah chutou o estômago de seu adversário com força o suficiente para que ele se encolhesse e urrasse de dor enquanto caíam lágrimas de seus olhos.
Ela então, ainda prestando atenção na luta de Shiem, falou para seu adversário.
– Espera aí!! Primeiro a promessa que fiz pra ele. Depois a que fiz pra você!
E animada com a chance de ver do que seu companheiro era capaz, ela grita para Shiem
– NÃO FICA PARADO SHIEM!! ACERTA ELE!!
Intimidado após ver seu ataque aparado com tamanha facilidade, o homem que enfrentava Shiem se viu encurralado, e sem alternativas, ele começou a atacar continuamente sem se preocupar com mais nada além de matar.
Apavorado com a investida de seu adversário, Shiem só conseguia fugir recuando passo a passo, sempre evitando o alcance da espada inimiga.
O Ladrão, por ter mais experiência em combate, atacou esperando a oportunidade em que Shiem não conseguiria mais se afastar. E chegando a uma parte do campo onde algumas árvores impediam seu recuo, Shiem grita.
– NOVAAHH!!!
Novah se preparou novamente para lançar sua adaga de cristal no adversário de Shiem. Mas ela ainda queria ver as habilidades de seu companheiro. Então ela focou sua atenção em Shiem, para prever as reações de defesa dele e assim impedir o pior.
Ao ver que seu inimigo não podia mais fugir, o ladrão se lançou em um grande ataque lateral de sua espada, visando à região da cintura de Shiem que, quase sem querer, conseguiu se desviar saltando de forma que seu corpo ficasse na horizontal o suficiente para que não fosse atingido pelo golpe. Ao mesmo tempo do salto, Shiem desferiu um ataque rápido e forte com sua espada diretamente ao rosto do assaltante que o enfrentava.
O homem, sentindo duramente o golpe que recebeu, cambaleou e caiu ao chão próximo de Shiem, que vê uma oportunidade de escapar e se levanta correndo para próximo de Novah falando.
– Mas que droga!! Quase que eu morro!! Vocês num falaram que eu não iria lutar!?
– Acredite… Isso não foi uma luta! – Falou Novah. – E não precisa chorar! Está tudo sob controle.
– Eu não estou chorando… Só estou me mijando mesmo!! – Respondeu Shiem de maneira sarcástica.
– Isso eu vi! – Respondeu Novah, também com sarcasmo. – Mas agora treme pra lá! Essa brincadeira já demorou demais!
E assim Shiem seguiu o conselho de sua companheira, correndo para se proteger em uma árvore próxima.
O homem que Novah chutou ainda lutava para recuperar o ar que escapou de seus pulmões, esse esforço indiretamente o fez retomar seu foco no embate atual em que se encontrava, percebendo assim a ausência do “vira-latas” que servia de apoio para a mulher cega e o forçando a se recuperar mais rapidamente para não perder a vantagem que acabara de surgir.
E com muita urgência o assaltante começou a atacar mais uma vez.
Ele ameaçava com pequenas investidas, esperando chegar o momento em que pudesse enganar Novah para conseguir atingi-la. No entanto, em um movimento seco, ela o perfurou em seu ombro esquerdo, o deixando perplexo.
Seu ego não poderia aceitar uma diferença tão grande de habilidades, essa mulher cega e franzina não poderia ter matado dois de seus aliados tão facilmente, sua mente mergulhava em um estado de pura negação da realidade a sua frente.
Negação essa que logo se desfez quando a dor, que chegara atrasada devido a tamanha velocidade do golpe, o lembrou que sua morte poderia estar bem a sua frente, e apavorado, o homem atingido se afastou dela o mais rápido de desengonçado possível.
Focada e levantando sua guarda para continuar sua luta, Novah ignorou por completo o inimigo que enfrentava Shiem anteriormente, o deixando à sua retaguarda, onde o mesmo já se recuperando, percebeu o ligeiro descuido de sua outra inimiga, aproveitando tal oportunidade para iniciar um ataque furtivo e decisivo em seu alvo.
Ele corre em direção a ela de maneira estranhamente silenciosa, onde cada passo que bate ao chão tenha o efeito de silêncio profundo, impedindo que qualquer um o pudesse localizar somente através do som emitido.
Próximo a Novah, o assaltante furtivo inicia seu ataque com um golpe descendente direto na cabeça de seu alvo.
Ainda de costas, Novah facilmente defendeu o ataque e imediatamente girou em seu eixo, acertando um golpe direto no corpo de seu novo inimigo, que caiu ao chão gritando em desespero e dor.
O assaltante que estava abaixado a frente de Novah não conseguia entender como uma mulher cega havia reagido tão precisamente sem ouvir o seu companheiro se aproximar. E logo ele pergunta.
– Desgraçada! Como você sabia?
E Novah, sempre a tratar com deboche os seus adversários, refletiu a luz do sol nos olhos do questionador enquanto falava.
– Uma arma bem polida não é só bonita! E vocês se acharem mais espertos do que são também ajuda. Mas agora olhe nos meus olhos e responda sem enrolar! Como vocês se movem de maneira tão desleixada e mesmo assim não fazem nenhum barulho?
– Mas que filha da... Você enxerga! – Falou o ladrão surpreso – Hé! Hé! Hé! Mas como eu sou tão burro!
E já sem opções o assaltante tenta barganhar pela sua vida.
Quer que eu te mostre!? Então que tal um acordo? Me da sua palavra que vai me deixar vivo e eu te falo o nosso segredinho.
– Huumm... Não sei... – Falou Novah – Vocês são famosos por aqui. Assaltos, assassinatos, estupros, e outras coisas mais que contam na cidade. Todos atribuídos a fantasmas silenciosos que ninguém consegue pegar. Se eu deixar você ir. Quem garante que não vai se vingar mais tarde?!
– Hé! Hé! Ora senhorita… Eu te dou minha palavra de que isso não vai acontecer. Hé! Hé!
Novah estava prestes a responder seu adversário, no entanto o outro assaltante que sofreu o corte no peito, apesar de ferido, estava atento a conversa, e furioso ao entender que seria deixado para morrer pelo seu cúmplice, se levantou e investiu novamente sobre Novah tentando atingi-la com a ponta de sua espada.
Para seu azar, ela ainda estava bem atenta ao seu redor, e simplesmente saindo do caminho da investida, Novah vê seu atacante ficar completamente vulnerável a sua frente, segurando em sua nuca e o levantando no ar para logo após afundar seu rosto no solo do campo de batalha.
O homem não deu mais nenhum sinal de vida além de espasmos involuntários, e satisfeita com todo o ocorrido nesse pequeno embate, Novah responde ao último assaltante ainda vivo.
– Mas que coisa! Vocês gostam mesmo desses ataques covardes não é mesmo! Pois muito bem então. Se você me falar seu "segredinho", como você falou, eu vou deixar você vivo. Mas vai direto ao assunto! não gosto de enrolação!!
O ladrão, ainda em choque por ter visto seu companheiro ser esmagado com tanta facilidade, respondeu apavorado.
–... Si… sim… Claro!... São nossas… nossas botas… são botas… botas da umbra.
Shiem, aproveitando o aparente fim do embate, se aproximou um pouco mais de Novah, que olhava profundamente para os olhos de seu adversário, esperando algum resultado desconhecido para aqueles que só a observavam.
Com esse ato ela consegue ver através de sua visão periférica uma aura de coloração marrom claro saindo da bota que ele usava.
E entendendo o que estava acontecendo, Novah falou.
– Shiem se afasta mais por favor!
Shiem, ainda receoso, simplesmente se afastou como Novah o havia pedido.
E então ela falou para o ladrão.
– Tira essas botas e joga pra cá!
O ladrão rapidamente fez o que lhe foi mandado e tirou suas botas, as jogando próximo a Novah.
Sem suas botas, tanto Novah quanto Shiem, veem algo que os deixam atônitos.
– Mas que droga é essa!? – Perguntou Shiem espantado.
As botas que cobriam toda a panturrilha do assaltante, quando foram retiradas, deixaram exposto um conjunto de buracos escuros espalhados por aproximadamente toda parte antes coberta.
Porém, o perturbador da visão não eram os estranhos buracos em si, mas sim o fato de existirem pseudo dentes dentro de cada um deles, se movendo como se estivessem em uma respiração contínua.
Novah logo criou uma de suas adagas e a lançou na espada do ladrão, localizada junto a ele, que ao ser atingida iniciou um conjunto de movimentos feitos pelas aberturas dentadas, causando de alguma forma uma zona de silêncio que impedia a propagação do som provocado pelo impacto
– Hum! Vocês se prestam a essas deformações só pra poder matar e roubar melhor!? – Perguntou Novah, inconformada.
– Hé! Hé! O que é isso, senhorita!? Minhas pernas estão ótimas! – Respondeu o ladrão.
– Você não vê os buracos? – Questionou Novah.
– Hã? Mas que buracos!? – Perguntou o ladrão.
Novah e Shiem se olham compreendendo que a maldição nas botas não mexeram somente com os corpos, mas também com suas mentes.
Assim, Novah pegou as botas do assaltante e falou.
– Que seja então. Agora é hora de cumprir as duas promessas que fiz pra você.
– Hã!? Duas!? – Perguntou o ladrão.
Novah então, com um único golpe de sua espada, arranca o braço esquerdo na altura do ombro de seu adversário.
O ataque foi tão inesperado que o homem olha para seu membro decepado sem acreditar que no que acabara de ocorrer, mas logo após o baque a dor toma conta de todos os seus sentidos, o fazendo urrar de dor e desespero.
– HÁÁAAAAAA!!!! BOOOSSTAAAA!! HÁÁAAAAAA!! DESGRAÇAAADAAA!!! VOCÊ PROMETEEEUUU!!!HÁÁAAAAAA!!! VOCÊ DISSE QUE IA ME DEIXAR VIIVOOOO!!! HÁAAAAAAA!! – Gritava o ladrão.
– E é exatamente o que vou fazer!! – Respondeu Novah. – Vou deixar você aqui vivo e sem braço! Como prometi.
E se virando para Shiem, Novah falou.
– Enquanto eu estiver com essas botas fique uns 5 passos de distância por favor!
Shiem estava impressionado com tudo. Desde a batalha, até seu desfecho violentamente estranho, por isso seu semblante era de um espectador pensativo e distante.
Com tudo, mesmo nesse estado, ele obedeceu Novah mais uma vez sem falar uma palavra.
Dessa forma, ela vai atrás de cada bota em cada pé alí, no que acabou de ser um pequeno campo de batalha, e juntando todos os calçados em uma pilha, Novah materializa uma pedra redonda, alaranjada e cheia de estrias com pequenas rachaduras, a lançando por cima das botas.
Nada aconteceu. E Shiem vendo isso, estranhou a atividade de sua companheira, que logo materializa outra pedra igual, e a arremessa por cima da anterior.
Ao se chocarem, uma labareda de fogo se espalhou quase como se fosse uma explosão, assustando Shiem, que não esperava algo tão dramático ocorrendo somente com um choque de duas pedras. Queimando, dessa forma, todos os calçados reunidos ali.
– Se não quiser ficar igual a perna daqueles idiotas, evite ficar perto de qualquer coisa que seja da umbra!
– ... Tá… tá bom... – Respondeu Shiem.
– Então vamos! – Falou Novah.
Enquanto Novah recomeçava seu caminho, Shiem ainda olhava perplexo para aquela chama amarela e intensa deixada pelas botas da umbra.
O que deixou Novah intrigada o suficiente para criar coragem e puxar assunto com seu companheiro tão sonhado.
– O que foi?
– Há!? – Perguntou Shiem.
– Porque está aí parado e quieto? – Insistiu Novah.
– … Eu… eu não sei… se você vai gostar de saber... – Respondeu Shiem.
– Tenta a sorte!! E torça pra ter sorte!! – Falou Novah em um tom sarcástico e intimidador.
– … Bom... Você esmagou a cara de um e arrancou o braço de outro… isso foi… isso foi… brutal!!
– Hum... Obrigada! Aquele seu golpe também foi legal! – Respondeu Novah dando um tapinha no ombro de Shiem para conseguir resistir à vontade de abraçá-lo após esse elogio.
– Mas eu num estava falando que era uma coisa boa… sabe… será que fazer aquilo com eles era necessário!? – Questiona Shiem.
– Há tá! – Respondeu Novah, um pouco decepcionada. – Bom... Você deve lembrar da mansão onde eu morava com Paragor não é mesmo!?
– Hããã… Sim.
– Então... praticamente todas as camas que tinham lá estavam ocupadas… e metade por mulheres… dessas mulheres, quase todas estava com doenças causadas por estupros feitos pelos fantasmas silenciosos, que também as roubavam e espancavam… em muitos casos matavam também… isso a mais de um ano! Agora… Sabendo que eu cuidei daquelas mulheres por quase um ano ,você ainda acha que eu peguei pesado com aqueles pobres coitados?!
– Bom... Não… eu… eu entendo você! – Fala Shiem. – Mas ainda assim tudo é muito triste!!
– … É… com certeza é sim... - Respondeu Novah.
– Bom… me desculpa duvidar de você Novah! – Falou Shiem. – Você deve estar achando muito chato andar com alguém que nem eu né!? Hé! Hé! E… eu… eu sei que você tem nojo de mim por eu ser um animal estranho e não um humano...
– HÃÃÃ!? AI QUE NOJO!! – Respondeu Novah, saindo completamente de sua personagem de guerreira. – VOCÊ ACHOU QUE EU ACREDITAVA QUE VOCÊ ERA UM ANIMAL!? QUE NOJENTO!! COMO EU IRIA ME APAIXO… quer dizer… me… me… ME RELACIONAR, de maneira completamente não conjugal, sem nenhuma chance de relacionamento sério, ou casamento de longo prazo... COM UM ANIMAL.
– Heim?! Não entendi! você não acha que eu sou um animal? – Perguntou Shiem bastante intrigado.
– CLARO QUE NÃO!! Ai não gosto nem de pensar!! Eu tenho certeza de que você é humano!! Ou pelo menos já foi humano.
– Mas… Mas como assim?! – Perguntou Shiem.
Logo após a pergunta, Novah o encarou, se recompondo enquanto lembrava que seu companheiro tem um conhecimento limitado das regras básicas desse mundo. Condição essa que a obrigaria a lhe explicar vários conceitos elementais dessa existência.
– Olhando nos seus olhos eu sei…
– Heim!? – Questionou Shiem, ainda mais confuso.
– Os olhos são a janela da alma! E a morada da alma fica no Não-Mundo que vejo no fundo dos seus olhos! Através deles conseguimos ver o reino do Não-Mundo. Mas a lente para tal feito é a alma que vejo em seus olhos. – Explica Novah.
– ... Hã!? Não entendi nada!! – Respondeu Shiem.
– AFF!! – Resmungou Novah. – Por isso que é o Paragor que tem que explicar essas coisas... Bom… olhando nos seus olhos eu vejo algo que se assemelha a um conjunto de incontáveis estrelas, planetas e galáxias. Todas próximas umas às outras. Essa proximidade impossível no mundo real ocorre porque eu não estou vendo o universo diretamente. Mas através de sua alma! Que está no Não-Mundo. E o Não-Mundo funciona como uma lente que aumenta ou diminui de acordo com o tipo da alma que é utilizada para ver o mesmo. Então se eu olhasse o Não-Mundo através da alma de um animal, eu veria somente algumas estrelas bem ao longe igual a um céu noturno comum. Mas ao olhar através da alma de um humano eu veria o que eu já te falei antes. Várias galáxias cheias de estrelas e planetas. Entendeu agora?
– … Hum… Acho que sim… – Confirmou Shiem. – Mas… esse negócio é confiável?
– Até onde eu sei, é uma das poucas coisas que podemos confiar no mundo. – respondeu Novah.
Após as explicações, Shiem finalmente se permitiu relaxar, demonstrando uma expressão de alívio e satisfação em seu rosto.
– Ufa!! Então pelo menos se eu for curado num vou virar um cachorro de rua ou coisa parecida.
– Há sim! É verdade! – Respondeu Novah. – Se você for curado não vai virar um cachorro de rua, mas sim um humano de rua.
– É isso aí!!...Hã?! Quer diser... Não!! bom… éh… mais ou menos isso…
– Que bom que suas perspectivas melhoraram. Porque só estamos começando. – Falou Novah, com seu pragmatismo habitual.
– Mas foi um começo ótimo! A gente não tinha nada, mas agora eu não estou mais andando sem rumo e você pode buscar o sonho que você queria!!
– Eu estou indo pro meu destino!! – Enfatizou Novah. – Já meu sonho… para em um monte de pelos e pulgas!
– … Mais heim!? – Perguntou Shiem, completamente confuso com a resposta de Novah.
Ela suspira em desânimo e responde Shiem com voz baixa.
– AFF! Esquece gatinho...
– Esquecer o que!? – Questiona Shiem, entendendo menos do que antes.
– EU DISSE ESQUECE CHATINHO!! VOCÊ PERGUNTA DEMAIS!! – Gritou Novah, já cansada de pensar em seus sonhos impossíveis
– Eita! Foi mau! Desculpa! Foi sem querer!! Desculpa!! - Respondeu Shiem, um pouco assustado.
– Hum… Bom... As botas já queimaram! Vamos embora! – Falou Novah.
E assim, após esse confronto que trouxe à tona aspectos intrigantes e até perturbadores desse mundo, Shiem e Novah recomeçam seu caminho rumo ao país do norte. País esse que ainda se localizava muito distante. E onde o destino, tão repetido pelos companheiros de Shiem, aguardava sua consumação.