Volume 1

Capítulo 13: Itens Convenientes

Chegando à região central da cidade, onde os mercadores exóticos vendiam seus itens chamativos, Shiem resolveu lembrar a Novah o que Paragor havia recomendado antes de saírem em público.

– Novah! Agora a gente tem que fazer o que o Paragor falou.

– Hã!? Do que você está falando? 

– Você tem que andar com a mão no meu ombro, lembra!? – Insistiu Shiem, com um pouco de timidez.

Novah raramente se esquecia das instruções que seu tutor e amigo Paragor costumava lhe passar. Mas, sem que Shiem percebesse, ela constantemente tentava disfarçar a euforia que sentia quando estava perto de seu gêmeo de alma. 

A todo tempo desejava em seu âmago encarar novamente nos olhos o seu prometido pelo universo, e sentir aquela leveza que a deixou tão feliz após tantos anos de tristeza e dor. 

Ao mesmo tempo, finalmente iniciava seu caminho de retomada, ansiando recuperar o que lhe foi tomado a sete anos atrás. 

Novah não queria de forma nenhuma admitir, mas ela realmente estava, nesse momento, feliz ao lado de Shiem. E isso, de uma maneira sem precedentes, tomou um grande espaço de seus  pensamentos, a fazendo esquecer até mesmo de sua preocupação referente aos tremores sentidos anteriormente. 

Quanto mais perto de Shiem, mais difícil era de se manter a compostura diante a euforia latente em seu coração assustado. Contudo, mesmo cheia de sentimentos conflitantes, Novah falou para Shiem com o rosto corado de vergonha.

– HÁÁÁ!! TÁ BOM!! MAS NÃO VAI SE APROVEITANDO NÃO HEIM!!

– HÃÃÃ!? EU NÃO!! Eu não quero fazer isso não! – Respondeu Shiem, também envergonhado com a situação.

– É O QUE!? COMO ASSIM NÃO QUER!?! TÁ COM NOJINHO DE MIM SEU ZÉ RUELA!? EU  VOU COLOCAR UMA MÃO NO SEU OMBRO E A OUTRA NA SUA FUÇA ATÉ VOCÊ RETIRAR O QUE DISSE!! – Esbravejou Novah, com seus olhos de cristal arregalados.

– HÃÃÃ!? MAIS O QUE QUE EU FALEI!? - Respondeu Shiem confuso e com medo do olhar de Novah.

– NÃO VAI PEDIR DESCULPAS NÃO É!? 

– DESCULPA!! DESCULPA!! FOI SEM QUERER!! VOCÊ É BONITA E EU ME APROVEITARIA DE VOCÊ… NÃO!! ESPERA AÍ!! NÃO FOI ISSO QUE EU QUIS DIZER!!… EU NÃO ME APROVEITARIA NÃO!! Mas se eu fosse sem vergonha... HÃ, CALMA AÍ!!... QUER DIZER!! NÃO!! NÃO!! Aí Caramba!!  – Gaguejou Shiem, ainda com medo e agora confuso.

– … Hum...Tá ok!! Pode parar!! – Falou Novah mais calma. – Agora para de dar chilique porque temos que fazer o que Paragor falou. 

– Hã?... Ué?!... Mas!?... Eu!?... Mas!?... Foi!?... Num entendi foi nada!!

Assim, após recuperar seu foco, Novah respirou fundo e colocou a mão no ombro de Shiem, enquanto falava.

– Temos que agir naturalmente! Então não olhe para trás!

– Há é mesmo! Bem lembrado! – Respondeu Shiem, entrando no personagem.

Novah ficou aliviada por ele ter concordado sem questionar, já que ela estava vermelha como uma maçã e lutando contra um sorriso largo que teimava em aparecer no seu rosto, dando a ela uma aparência de alguém que convulsionava e revirava os olhos sem motivo aparente.

Após alguns minutos andando pelos comércios exóticos dali, Novah consegue se recompor e faz um pedido para Shiem.

– Vamos naquela Barraca!!

– Hum?!...Tá legal! – Respondeu Shiem.

Chegando até a barraca apontada, Shiem e Novah logo são notados pelo mercador que vendia, de maneira empolgada, seus produtos tão peculiares. 

– Hora!! Hora!! Finalmente uma visão que faz valer a pena vir até essa cidade monótona!! – Falou o mercador.

Shiem, sem entender, olhou para os lados tentando encontrar com quem o mercador estava falando daquele jeito, no entanto, Novah logo tirou sua dúvida enquanto empurrava seu companheiro para mais próximo da barraca.

– É com agente!!

– Sério!? – Respondeu Shiem, não acreditando ser verdade.

– Venham! – Falou o mercador – Venham meus amigos! Tudo que vocês precisam em produtos de sobrevivência estará aqui mesmo ao alcance de seus olhos!

– Mas nós já pegamos tudo que precisamos! Porque a gente vai vir aqui? – Perguntou Shiem.

Ouvindo atentamente a dúvida de seus futuros clientes o mercador  toma a frente da resposta de Novah.

– Hora meu caro Lycan desnutrido! Se tem algo que aprendi em tantos anos de viagens pelo mundo, é que nunca conseguimos ter tudo o que geralmente precisamos!... Mas não se preocupe meu pequeno amigo! Em minha loja você vai chegar bem perto!!

– Hum! É o que todo vendedor diz! – Respondeu Novah. –  E ainda temos que comprar medicamentos.

– E é exatamente o que tenho a lhes oferecer –  Responde o sempre atento mercador. – Todos os tipos de fortificantes, suplementos e remédios que vocês podem imaginar estão bem aqui! Sua generosidade e seu dinheiro são os únicos limites, meus caros amigos! He!he!he!.

– Cara! Eu odeio conversa afiada! – Reclamou Novah. – Me vê logo quatro seráficas, E quatro unguentos azuis.

– Ótima escolha minha cara! – Responde o mercador. – O seráfica fica por 50 peças de bronze cada… E o unguento fica… vamos ver… por 20 peças de bronze cada... Então fica… huumm… 280 peças de bronze senhorita!

Novah entregou ao mercador três peças de prata que ela tinha em sua mão. Shiem ficou surpreso, já que ele não havia visto nada em sua mão enquanto eles chegavam perto da barraca.

O mercador, satisfeito com a transação, deu um sorriso e pegou os produtos pedidos em suas prateleiras, e logo os entregou a seus clientes. 

Eram líquidos de cores diferentes. Quatro verdes e quatro azuis, além de terem uma luz própria bem fraca.

– Pra que que isso? – Perguntou Shiem.

– Heim!? Há! ha! ha! – Exclama o mercador. – Você esteve em uma caverna desde que nasceu minúsculo lycan!!

– Eeii!! Do que que você tá falando? – Retrucou Shiem, um pouco ofendido.

– Ele pertence aos nobres desde sempre! – Falou Novah. – E já tô perdendo tempo! Me dê o troco de uma vez!

O mercador fica contrariado, mas logo aceita e entende Novah, já que todos os comerciantes sabem que tempo é dinheiro. Ele entrega 20 peças de bronze para ela, e faz uma reverência falando.

– Voltem sempre caros amigos estranhos!

E os dois tomam seu caminho em direção a parte Leste da cidade. 

Ainda muito curioso com a utilidade dos novos itens adquiridos, Shiem perguntou novamente.

– Mas afinal… o que que isso?

Novah, seguindo o conselho de seu mentor e andando com a mão no ombro de Shiem, começou a explicar sobre os itens de cura que acabaram de comprar.

– Esses frascos são remédios para curar os ferimentos que, com certeza, vamos ter no meio do caminho. A Seráfica é pra mim e o unguento é pra você. 

– Huumm!! Então como funciona? – Perguntou Shiem. – É só beber e pronto?

– O seráfica sim! Mas o unguento tem que passar no ferimento.

– Ué!? mas então porque não compramos logo 8 ceraficas!? – Retruca Shiem.

– Porque o cerafica não funciona em você! 

– Mas porque não?! – Perguntou Shiem.

– Você é normal! Quer dizer… Normal no sentido de não ter uma semente em você.

– Não ter o que!? – Perguntou Shiem, bem confuso. – Mas o que que isso de semente? É ruim num ter isso? Como que agente consegue esse negócio?

– Nossa!! Você pergunta demais!! – Reclama Novah!

Shiem, novamente sem graça, falou para Novah.

– Desculpa... Mas é que… sair por aí sem saber nada… é bem assustador.

Novah, apesar de ter se irritado com as seguidas perguntas de Shiem, também ficou incomodada com sua própria maneira de falar. 

Suas reações antipáticas de autodefesa começavam a surgir com mais frequência que o natural. Afinal, ela não conseguia deixar de sentir aquela imensa variedade de borboletas voando em seu estomago. Sensação que representava a possível paixão contida dentro de si.  

Tudo de mais importante acontecia ao mesmo tempo em sua vida. E sem saber como agir, ela simplismente respirou fundo, fechou seus olhos e respondeu com o máximo de passividade que conseguia.

– Tudo bem! Mas vamos andando para a saída leste da cidade. Quanto mais cedo sairmos… mais cedo chegamos.

– É verdade! Mas… lá fora não é perigoso? – Perguntou Shiem.

– Quase tanto quanto aqui! – Respondeu Novah. – Mas as piores criaturas estão confinadas naquele lugar! 

Completa a frase apontando para o grande castelo que era o centro oficial daquela cidade. 

Logo Shiem entendeu que o pior que se pode encontrar não está escondido nas florestas nem nos rios de fora, mas sim dentro dos castelos e casarões que rodeiam as cidades.

Chegando próximo ao portão leste da cidade, Novah e Shiem continuavam andando da forma que Paragor sugeriu. Porém, a tática para não chamar atenção falha próxima a saída, visto que quatro indivíduos escondidos entre os becos próximos começavam a prestar mais atenção naqueles dois indivíduos peculiares que almejavam sair da cidade.

– Ih! Olha ali! – Apontou um dos homens que se escondiam no beco.

Os outros três olharam para onde lhes foi apontado, e logo um falou.

– He! He! Tô vendo! É uma cega levando o "Vira-lata" pra passear! He!He!. 

Os três riram com o comentário, mas o primeiro que falou continua seu raciocínio.

– Exatamente! Uma gatinha cega com seu cachorro raquítico se aventurando fora da cidade sozinhos! He! He! É bom demais pra ser verdade!

O que já havia respondido com sarcasmo falou novamente.

– Hum… Essa noite foi bem fraca… e  ninguém aqui está com sono não é mesmo!!

– NÃO!! – Respondem os outros homens.

– Então vamos ser rápidos! O cachorro é o guarda-costas dela. Então ele tem que morrer primeiro! Vamos começar com uma flecha na cabeça do cachorro. E depois vamos terminar com outra flecha por debaixo da saia dela, se é que vocês me entendem!! Há! Há! Há!

Finalizando seus planos com gargalhadas, os quatro homens começam a seguir os viajantes desavisados a distância.

Alguns metros após passarem pelo portão da cidade, Shiem notou que Novah ainda não havia retirado a mão de seu ombro. Como eles haviam saído da cidade, e também já estavam em uma área praticamente desabitada, Shiem imaginou que não tinham mais motivos para disfarçar a cura da cegueira. Então, como sempre sem jeito, ele resolveu falar com sua companheira.

– Hããã... Se você quiser já pode tirar a mão do meu ombro...

– PORQUE!? ESTOU TE INCOMODANDO É?! O QUE FOI!? TÁ COM NOJO DE MIM AINDA É!? – Esbravejou na defensiva, já que não queria admitir sua vontade de continuar com a mão no ombro de Shiem.

– O QUE!? NÃO!! NÃO É ISSO!! COMO EU VOU SENTIR NOJO DE VOCÊ!? VOCÊ É TÃO BONITA!! QUER DIZER!! VOCÊ NÃO É FEIA!! AI! NÃO É ISSO!!! É QUE VOCÊ É MUITO BONITA E NÃO TEM COMO SENTIR NOJO DE VOCÊ!!! MAS EU NUM TO FALANDO ISSO COM FALTA DE RESPEITO NÃO!! – Aí caramba!! Será que existe resposta certa para isso!?

Apesar de todo o embaraço da resposta de Shiem, Novah entendeu o elogio velado feito a ela, e ficou imediatamente corada de vergonha e de felicidade. Então ela virou seu rosto sorridente para o lado escondendo sua alegria enquanto respondia .

– Hum! Tá tudo bem! Mas para de dar esses chiliques!

Sem entender direito o que tinha feito, e muito menos como iria evitar que acontecesse de novo, Shiem somente respondeu balançando a cabeça ainda envergonhado.

Porém, exatamente ao fim dessa discussão descontraída, Novah ouviu um som incomum vindo em direção aos dois de forma bem veloz. Shiem percebeu o repentino olhar estático de sua aliada, e quando iria perguntar a ela o que estava acontecendo, Novah rapidamente ergueu sua mão, que estava sobre o ombro de Shiem, a posicionando na direção da nuca do mesmo. 

De imediato, uma flecha vinda de suas costas a atingiu, ficando atravessada na palma da mão que Novah havia erguido, impedindo que a mesma acertasse seu companheiro de viagem.

– MAS QUE BOSTA! – Gritou Novah para resistir a dor que o ferimento havia causado.

– CARAMBA!! – Exclamou Shiem apavorado com o que acabou de acontecer. – NOVAH VOCÊ TÁ LEGAL?

– FICA PERTO DE MIM! – Gritou Novah para Shiem.

Shiem logo a obedece e pega sua única arma, a segurando de forma trêmula devido seu completo terror mediante tão terrível situação.

" De onde veio isso!?" Pensou Novah. " Não ouvi barulho nenhum de pessoas nos seguindo! E só ouvi essa flecha quando já estava em cima da gente! Eu me recuso a acreditar que estou tão enferrujada assim!" 

Em total alerta, Novah se virou para a direção que antes era suas costas e observou a região que acabara de se tornar um campo de batalha. 

Era um local plano de grama curta, com árvores suficientes para tornar uma emboscada bem mais efetiva. 

Entendendo melhor o que estava ao seu redor Novah se afasta lentamente de costas, sem tirar os olhos da direção de onde a flecha veio. 

"Não ouço nada!!" Pensou Novah um pouco confusa. "Não tem movimento… Nem respiração… Sei que não estou destreinada porque eu conseguia ouvir um movimento a metros mesmo depois de voltar a enxergar... Então… o que tá acontecendo!?"

Se afastando cada vez mais, Novah saiu do alcance de um arco comum. E como ela não deixava de olhar na direção de onde foi atacada, três homens saem por de trás das árvores focadas por ela e falam.

– Cachorro sortudo do caramba!! – Reclama o homem que estava com o arco. – Mas a próxima é certeira!

– A próxima não vai acertar porcaria nenhuma seu idiota!! – Retrucou o outro homem que já puxa uma espada de sua bainha. – A surpresa acabou!! Agora é cara a cara gatinha!! 

– Hééé!! – Falou o outro homem que também desembainha sua espada. 

– Aposto que ela vai gostar mais de mim!! He!He! – Fala o outro homem que surge de repente atrás, uns 6 metros, de Novah e Shiem.

Shiem tomou um grande susto com o homem que surgiu sem aviso logo atrás dos dois. Com tudo, Novah deu um grande sorriso sarcástico, levantou sua mão, com a flecha atravessada, até a altura de seu rosto e rapidamente ela fechou seu punho, quebrando a flecha atravessada na palma de sua mão. Isso fez com que a ponta da mesma caia no chão, enquanto a parte de trás continuava atravessada.

Os homens que estavam sorrindo e se divertindo com todo aquele terror que causavam, agora se calavam com o sorriso daquela mulher mediante tamanha dor. 

"Será que ela não era só uma riquinha cega?" Proferiu a voz do instinto de cada um dos homens que os cercavam. 

Mas não havia motivo para ansiedade entre eles. Já que logo iriam conhecer Novah de uma forma que nem mesmo Shiem ainda a conhecia.



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