Volume 1

Capítulo 1: Três a Três

No início da tarde, o céu azul começava a dar lugar ao vermelho alaranjado que brotava do horizonte. E o sol caminhava tranquilo em direção aos montes verdejantes do país de Turel, deixando uma suave brisa no ar. E é neste momento contemplativo, que vemos ao longe três indivíduos a caminhar entre trilhas de uma floresta com árvores altas e robustas.

O primeiro, um homem alto, que mais se aparentava com um bárbaro de aparência rústica e pele marcada por batalhas sem nome, dizia.

– Mas e então "príncipe fresco"? Quanto tempo essa procissão vai durar?! Faz um mês que estamos fazendo turismo por essas bandas, e a coisa mais perigosa que eu vi por aqui foi a comida amaldiçoada da vila em que dormimos!! Podem acreditar!! A própria morte era cozinheira naquele lugar!!

O segundo, um homem loiro, de olhos tão azuis quanto o metal incomum de sua armadura, respondia com o sarcasmo e impaciência de um nobre.

– O nome é "príncipe Freyzzer"!! E eu agradeço seu pai por ceder você pra me escoltar! E agradeceria ainda mais se ele tivesse costurado sua boca antes de você vir!!

Então o bárbaro responde ao príncipe com ironia.

– Há! Há! Há! Ora! Mas o nosso papo agradável faz parte do seu aprendizado nesse exílio "príncipe Deise".

O príncipe ainda impaciente respondeu novamente.

– Há sim claro! Mas o que era pra aprender mesmo!? Áh sim! Devo aprender empatia, honra e discernimento… Mas toda vez que conversamos só consigo pensar em raiva, tortura e morte!!

A terceira, uma mulher de cabelos verdes escuros, olhos carmesim tão profundos que mergulham na alma de quem os encaram, e pele branca envolta em um pólen dourado como o próprio ouro. Respondia aos dois de forma calma, porém contrariada.

– Para aprender, primeiro tem que se querer, príncipe Freyzer! Mas é claro que com todo esse papo agradável fica difícil até de pensar! No entanto, assim que vocês aprenderem a ouvir mais a sabedoria do todo, e menos as besteiras que saem da boca dos homens, talvez essa excursão acabe antes que eu fique maluca!!

– Há! Há! Há!! Acho que a "menina planta" não foi regada hoje! – falava o bárbaro em tom de zombaria.

– Ouvir a sabedoria ao redor não é isso? – Respondeu o príncipe. – Hum! Acho difícil!! Eu ouvi você por cinco segundos e já me deu sono! O que eu preciso é matar criaturas e defender os servos dessa região para fazer renome. Aí posso voltar como pessoa honrada, empática e qualquer outra coisa que eu esqueci!!

E então a mulher, estando prestes a responder o príncipe, é interrompida pela visão de três seres ao longe que estavam parados no meio da estrada. E então ela falou.

– Acredito que vamos testar sua teoria logo à frente!

Logo o príncipe e o bárbaro se atentam a sua frente, e também avistam esses seres, que aparentavam estar esperando alguma coisa na estrada. Não era possível ver quem, ou o que eram, mas os instintos experientes dos três logo se alarmaram perante tal situação incomum.

– He! He! He! Sinto cheiro de sangue daqui! – falou o bárbaro com um sorriso no rosto.

– Hum! Melhor Aproveitarem bem, porque não teremos sorte igual por um bom tempo nesse caminho! – disse o príncipe.

Andando mais lentamente, a mulher, o bárbaro e o príncipe se aproximam cada vez mais para o que eles tinham certeza de ser o confronto tão esperado desde que chegaram ao continente de Accesis. Porém, ao chegarem mais perto, os detalhes distintos dos possíveis inimigos se tornavam bem mais claros. Eram seres de aparência humanoide com características semelhantes a de animais, formando assim o legítimo exemplo do híbrido entre o homem e uma fera. 

À esquerda de quem via, estava um ser híbrido com aparência de águia. Era uma fêmea de armadura simples e portava uma lança prateada que ostentava força e mobilidade.

A direita estava um cão humanoide de pelos negros e desgrenhados, com um topete acinzentado que se espalhava pelas suas costas. Ele era o menor dos três e tinha orelhas pontudas, apesar de conseguir manter somente uma de pé. Também usava uma espécie de calça comprida de couro como única vestimenta.

E no centro estava o leão. De pelo dourado e juba imponente, ele era o mais intimidador dos três. Sua força condizia com a grande espada de duas mãos que ele guardava nas costas.

Vendo as características dos três indivíduos como um todo, o bárbaro exclamou com voz de surpresa e descrença.

– Ora quem diria!? São Lycans!!!

O príncipe e a mulher, também vendo tais criaturas com mais detalhes, chegam à mesma conclusão do bárbaro. Todavia, a mulher olha com mais atenção e descobre certas especificidades que seus dois companheiros não haviam percebido.

– Tem algo errado com esses Lycans! – afirma a mulher.

– Errado!? – pergunta o príncipe – A descrição de aberrações metade animal metade humana bate perfeitamente com nossos amigos à nossa frente!

A mulher, ainda intrigada, foca seu olhar diretamente dentro dos olhos das criaturas, a ponto de parecer olhar dentro da alma de cada um deles. E então essa ação, de alguma forma, traz a confirmação do que seus instintos já a alertavam sobre tais criaturas.

– Eles não são lycans – conclui a mulher.

– Sério!? Que interessante! – fala o príncipe. – Então vamos lá perguntar o que eles são afinal!! – completa o príncipe olhando para mulher com um sorriso debochado.

Contudo, no exato momento em que o príncipe se vira para mulher, a águia arremessa sua lança em direção ao príncipe, que aparentava estar distraído com seu comentário sarcástico.

A velocidade da lança era impressionante, difícil até mesmo de vê-la em seu traçado. E já próxima ao príncipe, era óbvia a intenção da águia em empalar sua arma através da cabeça de seu declarado inimigo. Porém, no momento derradeiro, o príncipe se desvia com um movimento ainda mais veloz que a própria lança. E assim se torna visível que, apesar de parecer distraído, o príncipe ainda tem grande habilidade e sagacidade que o mantém alerta, mesmo sem dedicar sua total atenção aos inimigos que estavam à sua frente. Com isso, a lança passa direto pelo seu alvo, o que no primeiro momento trouxe uma diminuição na tensão que se criara até o momento. No entanto, dura somente poucos segundos, já que, logo após a passagem da lança, uma explosão de ar, semelhante à que ocorre quando se ultrapassa a velocidade do som, se irrompe quebrando galhos grossos das árvores ao redor e forçando os três a esconderem seus rostos, dando um passo de recuo na direção contrária ao ocorrido.

E então o Bárbaro fala.

– He! He! Esse passarinho tem presença… Vou matar ele primeiro!

– Não! – exclama o príncipe – O desafio foi pra mim! E não vou ser mal educado com nossa amiga! – conclui o príncipe com tom de sarcasmo.

Então ele pega um grande escudo azul em suas costas junto de sua espada, também azulada, e fala para seus supostos companheiros.

– Eu preciso de um momento a sós!! Não venham me distrair!! — afirma o príncipe quase como uma ordem.

Assim, ele aponta sua espada em direção a mulher águia e corre para dentro da floresta à sua esquerda.

Ela entende o convite do príncipe, e o segue sozinha para dentro da floresta para o duelo.

– Se ele morrer, a gente vai ser castigado? – pergunta o bárbaro.

– Só me falaram pra acompanhar ele! – responde a mulher.

– Então é isso!! Cada um com seu par!! – afirma o bárbaro. – E esse Leão vai dar um casaco legal! Então o vira-latas é seu "garota-árvore"!!

Logo ao terminar de falar o bárbaro pega seu machado de guerra, com cabo metálico escuro e lâmina feita de um material idêntico ao marfim, e corre na direção do Leão girando essa terrível arma sobre sua cabeça, forçando assim uma resposta a altura. Brandindo sua Espada, o Leão não se intimida e vai em direção do bárbaro rugindo com fúria e força extremamente selvagem. 

O homem-cão também inicia uma investida na direção do bárbaro a fim de se intrometer no duelo entre os dois. Porém, antes mesmo do homem-cão dar seu segundo passo em direção ao confronto, a mulher lança um pequeno graveto em sua direção. E com um movimento de puro reflexo, o homem-cão salta, recuando em uma ação defensiva, e fazendo com que o graveto lançado atingisse o chão à sua frente. Logo o homem-cão reinicia a sua investida, no entanto, é surpreendido com o crescimento, incrivelmente rápido, de vinhas que brotavam do chão de onde o graveto havia atingido. Tais vegetais investem na direção do homem-cão, o forçando a empunhar seu machado médio para cortar as vinhas, que o atacavam como se tivessem consciência. O homem-cão lançava golpes seguidos com sua arma ao mesmo tempo que se esquivava continuamente para sua esquerda, se afastando cada vez mais do duelo entre o bárbaro e o Leão. A mulher segue o homem-cão para dentro da floresta, no lado contrário de onde o príncipe havia se adentrado, deixando o bárbaro em sua troca de golpes pesados e ferozes com o Leão, que demonstrava grande habilidade e força ao suportar, e até mesmo se igualar, a enorme pressão que o bárbaro infundia nessa batalha tão terrível.

Finalmente, conseguindo se livrar das vinhas que o perseguiam, o homem-cão se concentra em seu machado até que o mesmo comece a emanar uma névoa de cor verde-escura, indicando o prelúdio de um confronto mais intenso para quem o desafia. Dessa forma, o homem-cão investe rapidamente na direção da mulher que o perseguia. 

Segurando agora um graveto parecido com o primeiro lançado, a mulher inicia o crescimento das vinhas em suas próprias mãos, guiando-as em direção ao homem-cão que vinha em sua direção, esse movimento pega o homem-cão desprevenido, conseguindo assim entrelaçar seu vegetal esguio sobre todo corpo do homem-cão. Com tudo, mesmo sem conseguir se mexer, o homem-cão somente aproxima seu machado das vinhas que o seguravam, e quase que instantaneamente, elas começam a murchar, perdendo assim a vida rapidamente. 

A mulher, vendo que o homem-cão iria se libertar, faz com que suas vinhas o levantem, o girando sobre sua cabeça, e arremessando-o ao longe, fazendo com que ele atravessasse vários galhos grossos de árvore até que pousasse em um local sem árvores, que beirava um barranco muito alto, quase um abismo, que dividia os extremos da floresta. O homem-cão tenta se levantar, mas tem muita dificuldade devido aos ferimentos pelo seu corpo. A mulher, chegando ao local onde o homem-Cão estava, vê sua dificuldade de se recompor e fala.

– Não que eu queira que você responda, mas é a sua chance de se explicar!

O homem-cão não mostra nenhuma reação além de tentar se levantar para continuar seu ataque. Vendo isso, a mulher continua a falar.

– Então é Não?! Aff!! Tá bom! Seu sangue vai falar por você!!

A mulher se abaixa, colocando sua mão no chão, e fala com voz alta e ecoante.

– AMPARO DE HILÉIA!!!

Do chão, onde toca a mão da mulher, começa a surgir um cajado de formas retorcidas, com penugens penduradas de forma ordeira em sua estrutura e munido de uma jóia verde em seu topo. 

A mulher, de posse do cajado invocado, o segura em sua fronte e olha fixamente para a jóia verde, onde conseguimos ver duas pequenas sementes flutuando em um espaço etéreo. Sem demora uma dessas sementes se destaca, e a mulher levanta seu cajado, que começa a emitir um brilho amarelo, batendo-o no chão com força logo em seguida dizendo também em voz ecoante.

– RÉQUIEM ISYCHIA

Assim, uma rachadura surge de onde o cajado bate, dando início ao nascimento de raízes que se agrupam próximo ao homem-cão, fazendo emergir um tronco que se levanta velozmente e espalha seus galhos de maneira abrupta, mostrando ser o início rápido da criação de uma árvore densa tanto em sua haste quanto em seus ramos. Porém, antes mesmo da ascensão dessa árvore tão impressionante, o homem-cão faz seu esforço final, e corre ferozmente em direção da mulher, que ainda estava concentrada em sua invocação. Agora próximo a mulher o suficiente para atacá-la, o homem-cão segura seu machado com as duas mãos e desfere um golpe carregado de fúria, que para subitamente sobre a cabeça da sua inimiga. Sem entender, o homem-cão pensa rapidamente em repetir sua arremetida sobre a mulher, que ainda estava ao alcance de sua ira. No entanto, seu corpo não obedecia o que sua mente ordenava, o deixando totalmente inerte bem em frente a mulher, que se levanta, e fala para o homem-cão.

– Não sei se você está me ouvindo, mas vou te contar sobre essa árvore!... Isychia Exagora é uma das sete árvores protetoras que impedem a Umbra de espalhar sua contaminação pelo mundo. Elas têm a capacidade de absorver a Umbra de parte de um continente, trazendo equilíbrio ao todo daquela região. Mas essa benevolência tem um preço… A própria árvore sofreu mutações, dando a ela propriedades anômalas, que as tornam perigosas para qualquer um que se aproxime delas! No caso da Isychia, ela impede qualquer movimento voluntário do corpo de quem pisa em sua sombra, liberando somente aqueles que não tem culpa em seus corações. Invocar a Isychia e impedir que ela tome essa floresta exige muita concentração, mas agora já posso te dar a devida atenção.

Então a mulher pega, de um pequeno bolso em seu vestido, um objeto que lembra uma seringa feita de madeira, vidro e um espinho na ponta, e fala.

– Uma amostra é o suficiente!

Deste modo, a mulher colhe um pouco de sangue do homem-cão para tentar descobrir a origem desses seres enigmáticos que cruzaram seu caminho. Mas enquanto pega sua amostra, ela percebe, na testa do homem-cão, uma pequena marca de brilho fraco que aparentava ser feita de pura energia. Era uma espécie de espiral triangular, de onde a mulher logo deduziu que vinha a incapacidade de interação desses humanóides que os atacaram sem motivo. Isso a faz pensar que todo o ocorrido vinha de algo muito maior do que se poderia imaginar no momento. Mas ela tinha certeza que o tempo iria revelar a verdade por trás de todo esse mistério.



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