Volume 1
Capítulo 2: Demônio
“O que eu deveria fazer em um momento como esse? Estive acostumado a fugir de inquisidores, roubar coisas e no máximo lutar contra demônios isolados. Comprar briga contra quatro grandes homens armados é no mínimo complicado.”
Cogitei por um momento simplesmente continuar meu caminho e deixar que a carroça continuasse livre, a final, o que mudaria salvá-la ou não.
Ao mesmo tempo, outra parte da minha mente dizia que eu deveria fazer algo, que tipo de homem deixaria uma mulher sozinha para que homens mal-intencionados fizessem sabe-se lá o que.
“Mas eu nem conheço ela!”
“Isso não é certo, imagine se fosse a sua mãe”
Interrompendo a minha análise, uma pressão arrepiante invade meu corpo, vindo de alguns metros à frente, era um demônio. Esse era dos grandes, pressão essa nem um pouco comum e, normalmente, eles evitariam chegar perto.
Por mais que estivesse acostumado com a presença deles, não conseguia deixar a tremedeira e os arrepios de lado.
Por um lado isso era bom, agora os sequestradores teriam que fazer algo a respeito, podendo assim aproveitar a chance.
O grupo imediatamente entra em estado de alerta e se prepara para um possível combate.
A cada passo de aproximação, a respiração fria e dolorosa a cada momento se transformava, mais e mais difícil, principalmente para os sequestradores.
O demônio saiu do breu da floresta e apareceu no campo de luz dos homens e consequentemente no meu. Uma figura alta e muito forte, era algo como um gorila corrompido. Seus olhos eram vermelhos e sua boca mostrava uma raiva incomum. Sua pressão cada vez mais ameaçadora empurrava os sequestradores contra o chão coberto de folhas e galhos, um deles até tropeçou enquanto se afastava.
Eu podia sentir a vibração de seus passos, a cada metro caminhado, diversos galhos eram quebrados e árvores eram balançadas.
Essa era minha chance de fazer algo, um bom plano apareceu como uma luz em minha cabeça, usaria o grande demônio de distração e pegaria a garota de volta em completo silêncio.
“Um plano meio obvio, na verdade”. Pensei e sorri ao mesmo tempo, tentando amenizar a tensão da situação.
— Alguma coisa, por algum motivo, sempre nos atrasa, é incrível isso!
— Menos conversa e mais ação, Robert. Não temos outra escolha senão lutarmos. Estamos em
maior número, formação padrão de batalhas contra demônios.
Os sequestradores começavam a se agrupar em uma formação específica de batalha. Movimentando-se com passos calculados ao redor do grande gorila, era como se cada um deles ficasse em um dos pontos cegos do demônio em um formato triangulo, um deles ficava na carroça, esse era o maior problema.
— Tem certeza disso? Essa pressão não me parece normal para um simples demônio, estou suando mesmo em um frio congelante.
— Minhas pernas tremem, capitão. Dessa vez concordo com Robert — dizia o homem na ponta traseira.
— Calados, essa é a nossa chance de fazer uma boa grana quando chegarmos na cidade, não me digam que estão com medo de um simples demônio — exclamou o homem ao mesmo tempo que levantava sua espada.
Os sequestradores ficaram quietos e apenas aceitaram a ordem de seu superior, era visível a expressão preocupada deles, nem mesmo o capitão com toda sua amostra de bravura se livrou de caretas medonhas.
A besta demoníaca começou a se movimentar, um soco para o vento ao mesmo tempo que rugia em fúria, seguido de chutes que faziam a terra tremer e quebravam galhos ao levantar de seu joelho.
Os sequestradores aguentavam bem, desviavam e tentavam golpear, nada muito complicado, muito menos efetivo, seu trabalho em equipe era notável, mas, muitas vezes, insuficiente.
Em uma das pisadas do gorila, um dos homens consegue desviar e logo depois acertar um golpe de espada, fazendo um leve corte na pele, bem superficial, o sangue mal escorria. Logo atrás, outro sequestrador faz uma perfuração de sorte com a ponta de sua espada no meio de sua panturrilha, o demônio solta um grito ainda mais ensurdecedor e irritante enquanto coloca a mão em sua perna em uma tentativa desesperada de acalmar a dor.
Aproveitando a chance, desci da árvore onde observei tudo e comecei minha silenciosa caminhada a carroça. Cada passo parecia uma eternidade, as folhas realmente atrapalhavam muito, era um necessário um grande cuidado a cada pisada para que o barulho não vazasse para os ouvidos do grupo.
Logo depois do grito, o gorila parou por um momento, seus olhos fecharam e o barulho cessou. A confusão pairava na face de todos, inclusive na minha.
Nenhum movimento era visto por parte dos homens, talvez o choque os fez entrar em um estado de confusão mental e simplesmente não atacar.
— O que estão fazendo parados aí? Ataquem imediatamente!
A hesitação tomou conta e lentamente começaram a dar pequenos passos e andar em sua direção.
Em um piscar de olhos a ferida em sua perna fora estancada e nem sangue se via mais, os homens só perceberam isso depois da abertura dos olhos do gorila, nem eu mesmo tinha visto como e quando aquilo acontecera.
De repente ele se levanta, começando a fazer movimentos descontrolados e estranhos, cada soco e chute parecia imprevisível e ligeiramente mais rápido, como se ele não soubesse mais para onde estivesse indo.
— Capitão, não conseguiremos desviar diss... — Um dos homens foi atingido por um soco enquanto falava.
Grito ecoou pelo ar, mas dessa vez não era de um demônio, era humano, do homem que levou o soco. Tinha um osso saindo pela parte de trás de seu ombro, sangue escorria e os músculos rompidos eram visíveis, seu rosto estava coberto de suor e sangue, os gritos de dor não paravam.
— Merda, recuem agor… — Antes de terminar sua fala, um chute mortal em sua barriga o fez voar para uma árvore próxima.
Cuspindo sangue pela sua boca, ele não ousaria dizer mais nenhuma palavra.
Era agora ou nunca. Em silêncio, perfurei a garganta do homem que protegia a carroça e o segurei na queda para que as folhas não me entregassem, não que isso fosse fazer alguma diferença, logo depois procurei pela garota.
Podia ouvir o grito do último sequestrador sendo brutalmente morto pelo gorila, eu não teria muito tempo até o demônio me encontrar.
Tive uma surpresa ao entrar na carroça e perceber que não havia ninguém lá dentro, apenas cordas queimadas nas pontas e marcas de suor.
“Ela fugiu?”
Senti uma lâmina gelada no meu pescoço e uma mão no meu ombro.
— Boa noite? O que faz aqui? — dizia uma voz feminina em minhas costas, era a garota que acabara de escapar.
Suor escorria pelo meu pescoço e minhas palavras pareciam não querer sair.
— Acalme-se, eu não vim te fazer mal algum.
— Como espere que eu acredite nisso?
— Estou apenas de viagem para teste de cavaleiro real e ouvi homens passando perto de onde
eu acampava. Além disso, não acha que tem um problema muito maior lá fora?
— Não espere que eu vá acreditar fácil assim — ela retirou sua espada gelada do meu pescoço.
— Temos que resolver um problema antes, não pense que vá fugir — disse ela.
— Não é como se tivesse para onde ir agora.
Virando-me, eu vejo algo que nunca vi antes, uma pessoa com uma coloração de cabelo exatamente igual à minha, longos fios me faziam prender o olhar, suas roupas escuras eram simples, mas bem cuidadas, ela usava uma longa jaqueta e algumas correntes de prata em seu pescoço.
“Ok, admito que nunca vi nada disso antes”
Interrompendo minha análise, o demônio caminha em nossa direção, cada passo parecia mais rápido que o anterior. Ele estava manchado de sangue, uma aparência medonha.
— Posso pelo menos saber seu nome?
— Me chame de Emilly — ela disse sem ao menos olhar no meu rosto.
Parece que tive uma ideia completamente errada dessa garota, imaginava que nem em espadas ela conseguisse pegar e agora me deparo com toda essa cena.
Em um pulo, saí da carroça e saquei minha espada.
— Não espere que eu te acompanhe, Emilly.
Ela deu um leve sorriso e começou a correr em direção ao gorila, eu a segui.
Travei minha visão na linha de seu tronco e comecei a investida em sua direção.
Cerca de 5 metros próximo, pulei em seu pescoço. Com as mãos, bloqueou o ataque da espada, sua pele parecia ser feita de aço, ele segurava no fio da lâmina e mesmo assim nenhum corte conseguia ser feito.
Ele segurava a espada e de jeito nenhuma eu conseguia tirá-la de sua mão.
Ao mesmo tempo, Emilly já tinha flanqueado o gorila, fazendo um corte em seu tendão, assim desequilibrando e caindo.
“Que força é essa, nem eu consegui cortar ele”
Dessa vez o demônio não gritou, não fez nenhum barulho além das folhas secas e galhos sendo quebrados na queda.
Ele soltou a minha lâmina e eu pude finalmente voltar ao chão.
Na queda, o demônio rapidamente se virou e, em um movimento desesperado combinado com descuido por parte dela, sua grande e peluda mão a pegou, travando assim o movimento de seus braços e pernas.
Seus membros não aguentaram a pressão e a fizeram soltar a espada no campo de folhas.
O tempo parecia passar devagar e eu pude ouvir o barulho de sua arma caindo e o grito de desespero.
A partir do momento que encostei meus pés no chão, o gorila partiu para cima de mim com uma tentativa falha de soco, me esquivei e parti para a mão em que Emilly havia sido capturada, imediatamente o gorila desvia a trajetória do soco falho e um golpe que rasgou os ares, estava do meu lado pronto para me fazer voar, antes mesmo que eu pudesse reagir.
Ao atingir meu braço direito, o mesmo que usava minha espada, fui jogado para longe, não o suficiente para desequilibrar e cair, apenas para afastar-me, porém, esse soco foi o suficiente para deixar meu braço inutilizável. Uma dor latejante percorria por todo meu membro.
Um grito ainda mais forte interrompe a dor.
Era Emilly, o gorila demoníaco resolveu que iria matá-la ali mesmo. Seu grito de dor me fazia esquecer da minha provável fratura no braço.
“Merda, não tenho tempo de chegar lá antes dela ser esmagada. Minha única opção aqui é usar magia.”