Volume 1
Capítulo 1: Viagem
— Você se arrepende?
O velho perguntou olhando no fundo da minha alma, a pressão local era similar a uma parede pressionando meus ombros, a visão estava bamba assim como meu equilíbrio.
— Uma nova abertura surgirá em alguns dias, se acredita ter a força necessária, vá em frente, garoto — ele disse enquanto finalmente desviava seu rosto.
Era agora ou nunca.
18 ANOS ATRÁS
Em todos os lugares, era noticiada a aparição de criaturas demoníacas em cidades e florestas, aparição essa que começou na África Oriental, ironicamente no mesmo lugar onde os seres humanos surgiram há 2,5 milhões de anos.
Em meio a uma devastação lenta e poderosa de demônios, nascia em meio à lama um menino sem nome, este não tinha pai nem mesmo mãe, sua origem era desconhecida.
Por algum motivo, esses seres não se aproximavam do garoto recém-nascido, tinham medo ou algum tipo de aversão.
Nem mesmo os melhores cientistas da época sabiam o motivo disso tudo, talvez uma ira divina, talvez alienígenas invadindo o planeta, tudo era provável.
E em meio a todo caos que de repente surgiu, a humanidade se fortificou com armas apropriadas e a recuperação de magias e estilos de luta, magia essa que era condenada pela igreja. Armas tecnológicas não eram eficazes contra esses demônios, foi descoberto que apenas alguns tipos de minerais e materiais orgânicos poderiam ser eficazes na exterminação dos invasores.
O termo "magia" foi dado pela igreja, esta era, na verdade, um conjunto de habilidades que os demônios trouxeram. Devido à alta exposição deles aos humanos, foi possível observar um efeito semelhante à radiação no corpo humano.
...
Ao som do grito de um dos inquisidores, eu corri, eles eram muitos, qualquer erro aqui seria fatal. Ao dobrar a esquina, entrei em um beco estreito e conjurei a magia de um demônio que matei.
— Corram, ele está em algum lugar por aqui!
Disfarçando-me de um sem teto de roupas rasgadas, deitei-me no chão frio e úmido.
Entrando no beco, eles corriam e procuravam por cada canto, seus passos ao lado me faziam sentir a vibração de cada pisada.
Um toque no meu ombro fez-me suar frio e relutantemente virei, já preparado para o pior.
Me deparei com um homem aparentemente novo usando óculos finos e quadrados, seus cabelos pretos eram curtos e ele segurava uma espada em sua mão esquerda.
— Olá, desculpe interromper, você por acaso viu alguém passar correndo por aqui?
— Hm, era um homem de cabelos brancos e... longo?
— Sim, exatamente, ele era um pouco alto também.
— Eu vi alguém parecido escalando essas paredes ao redor, acredito que ele foi para lá — apontei para o leste — pelo teto desses estabelecimentos.
— Obrigado, senhor. Será de grande ajuda!
Correndo atrás do suposto eu, finalmente se afastaram, para bem longe de mim.
Desfiz a magia e voltei a caminhar.
Teria em alguns dias o teste para cavaleiro real do estado, estes teriam autorização da igreja e do próprio presidente para a utilização de magia. A lei que regia sua utilização, ou melhor, a falta dela, se aplicava apenas a cidadãos comuns e pessoas sem vínculo com religião ou estado. Não era novidade que tentavam concentrar o poder apenas em suas próprias mãos.
A inquisição exercia uma função parecida com a polícia antes do surto demoníaco, usava da magia e força para punir aqueles que descumpriam a lei, mas tudo em nome da religião.
O sol já estava prestes a se por, chegando em casa, abro a porta e encontro a Sra. Bella sentada no sofá da sala e fazendo tricô, esta era a pessoa que cuidou de mim desde o surto e que considerava como uma mãe. Seu marido foi morto por demônio e, desde então, vinha tomando conta de mim, considerando-me como seu filho.
A única pessoa que eu tinha algum contato era ela, nunca fui para escola ou algo do tipo, todo ensinamento veio a partir dela.
Fui encontrado desacordado e extremamente magro em um poço de lama endurecida a algumas horas de caminhada de casa e desde então nenhum outro demônio ousou chegar perto daqui.
Sentei-me ao seu lado no sofá, o ar frio que entrou pela porta fora todo esquentado novamente pelo aquecedor.
O fato de eu decidir fazer o teste de cavaleiro real abalou um pouco ela. Ela não tinha ninguém além de mim e eu ninguém além dela, mas isso era para o nosso bem, era o que eu acreditava, pelo menos tentava.
— O dia está chegando, meu filho. Você sabe que, independentemente de sua decisão, eu o apoiarei.
Sua voz falhava e parecia irradiar tristeza, seus grandes olhos castanhos estavam quase fechando e o seu cabelo ruivo estava um pouco desarrumado.
— Desculpe, mãe, eu já me decidi, finalmente fiz 18 anos e sinto que preciso fazer algo para termos uma vida digna nesse mundo, você sempre fez de tudo por mim e essa é a hora de retribuir.
— Você não precisa retribuir, me prometa Dante, apenas me prometa que você voltará vivo.
Eu queria poder prometer isso, mas sinceramente nem eu mesmo sabia o que me esperava naquele lugar.
— Prometo mãe, eu voltarei — menti, falar isso doeu no fundo da minha alma, mas precisava confortá-la de alguma forma.
— Obrigada... — disse enquanto fechava o olho se rendendo ao sono.
Levantei-me do sofá tentando não fazer barulho e fui em direção à cozinha comer alguma coisa.
Antes de me jogar de cansaço na cama, fui averiguar alguns itens antes da viagem. Na realidade, não era muita coisa, eu levaria uma espada velha que roubei de um cadáver na cidade e alguns alimentos que se conservariam durante toda a ida. O resto, como roupas, água e acessórios, poderia ser suprido com magia. Desde que nasci, minha resistência foi fora do comum, não tenho grande necessidade de alimentos e água, aprendi desde cedo a andar e falar. Minha vida sempre foi, e segue sendo, um grande mistério, desde o nascimento até a facilidade mágica.
A organização dos cavaleiros reais buscaria os participantes de cada país em certos pontos combinados, precisaríamos apenas nos locomover para o ponto de encontro e eles fariam o resto.
Até onde eu sabia, era um tipo de avião tecnológico que nos levaria, cerca de 25 deles por todo mundo. Cada um em uma capital importante mundialmente.
Amanhecendo, vesti-me com uma espécie de sobretudo preto que chegava até a articulação do joelho, era de certa forma rasgado em alguns pedaços na base, botas bem escuras que chegavam ao início da minha panturrilha, por dentro tinha uma calça de lã cinza-escuro. Nas partes superiores, usava uma luva que chegava próxima ao cotovelo, um tecido branco sujo que cobria todo pescoço e, por fim, um cinturão que prendia a espada.
Todo esse estilo de roupa de alguma forma realçava minha cor de pele clara e meu cabelo branco acinzentado que agora cobria minha testa, chegando ao meu olho.
Foi noticiado no jornal local que o ponto de encontro onde os participantes deveriam ir, a princípio, seria em uma grande praça em uma cidade vizinha à minha, em Paris. Era cerca de dois dias de caminhada ou metade do tempo a cavalo.
“Me pergunto porque logo em uma grande praça, eles queriam demonstrar poder? A organização era muitas vezes confusa.”
Eram 5:30 da manhã e minha mãe já estava acordada.
— Tome cuidado na floresta, filho. Pior que os animais só mesmo as pessoas, elas são as que você deve tomar cuidado.
— Não se preocupe, mãe, se a morte vir falar comigo, ignoro e não respondo — disse sorrindo tentando quebrar o clima, parece que não tinha funcionado. — Além do mais, duvido encontrar alguém naquele lugar.
Me despedi dela e, quando bateram 6 horas no relógio, comecei meu percurso para a cidade de Paris. Eu já tinha ido lá uma vez antes, então não precisaria de um mapa ou algo do tipo.
Existiam dois caminhos, o pela estrada comum e pela floresta, que diminuiria em 30% o caminho. Eu, obviamente, como um bom preguiçoso, vou pelo caminho mais curto.
Ao adentrá-la senti meus pés pisarem em uma superfície lamacenta e gelada, o dia estava frio e eu sentia o meu nariz doer a cada respiração, podia ouvir barulhos agudos de pássaros típicos da mata cantando.
De dia, a floresta tinha um tom verde-claro proveniente das árvores retorcidas e cheia de musgo, semelhante a um pântano. Os animais na maioria das vezes não simbolizavam um real perigo para mim. A noite tem uma paleta de cores azul e vermelha, azul pela escuridão da noite, vermelho pela iluminação dos pequenos insetos luminosos que voavam por aí.
Andar sozinho no meio da floresta fria e agonizante me fazia refletir, sempre costumo pensar um pouco sobre como vim parar aqui e qual a minha verdadeira origem, isso era algo que teria que descobrir sozinho.
Caminhando por algumas horas minhas pernas já começavam a apresentar sinal de cansaço, o dia estava escurecendo e estava na hora de procurar um lugar para dormir.
Ao chegar a noite, com alguma dificuldade por ser uma floresta úmida, juntei alguns galhos secos e, com o próprio fogo mágico que conjurei, fiz uma fogueira. Normalmente, eu teria cuidado com pessoas na utilização de magia, mas como estava no meio de uma floresta solitária, nem me importei muito.
Interrompendo o canto dos pássaros noturnos, ouço um som ao longe de folhas pisadas, a princípio imaginei ser apenas algum tipo de animal de grande porte se locomovendo, mas começou a ficar estranho a partir do momento que ouvi não apenas um, e sim passos variados de mais de um ser.
Em uma expressão cautelosa, talvez desnecessária, apaguei a fogueira e subi em uma das árvores próximas e esperei até que os passos ficassem cada vez mais próximos.
Chegou um momento em que era visível uma carroça movida por uma espécie de cavalo em miniatura. Nas pontas, era possível ver alguns homens segurando uma grande espada e pareciam proteger a carroça.
— Hahaha, dessa vez a mercadoria vai nos render uma boa grana — Brotou um grande sorriso perverso no rosto do homem.
— Deveríamos aproveitar um pouco a nova integrante da família, não acham?
Já tinha entendido tudo, na carroça era possível ver uma garota não muito nova e nem muito velha, ela estava presa e provavelmente desacordada.
O que se passava na minha frente era um sequestro.