Volume 3
Capítulo 79: Pequena Margarida
GRIS
Assim que vi Garibaldi nos procurar sozinho pela estrada, sabia que algo estranho se passava. De fato, uma sensação ruim já me perturbava, mas pensei que fosse por conta da luta contra aqueles demônios incomuns.
— Agora sim, com meus aparatos em mãos, será muito mais fácil encontrar qualquer pista — argumenta o Sr. Alan, o qual acaba de retornar da Botelha Púrpura com uma maleta preta em sua posse.
Sem delongas e com um caminhar elegante, o alquimista entra na residência, coloca a valise sobre a mesa e retira uma poção de cor preta de dentro dela. — Olho de falcão. — Ele mostra o pequenino frasco antes de abri-lo e tomar de seu conteúdo. — Ui! É amargo, havia me esquecido.
— Para que serve, Sr. Alan? — questiona Laura.
— Ele aprimora a visão — responde o alquimista, ao passo que aponta o indicador para o alto e levanta seu queixo, todo orgulhoso. — Com isso, notarei detalhes que normalmente não notaria. Hum... Já está fazendo efeito.
— Parece que um grupo de homens entrou aqui — comento. — Sinto falta de alguns objetos de valor, mas não chegaram a vasculhar o lugar. Creio que o objetivo deles era a própria Cintia, e estavam com pressa.
— Pode ser que levaram alguns objetos para parecer um roubo comum. Ladrões normais não costumam matar ou sequestrar dentro de cidades, pois isso aumenta muito a recompensa por eles na guilda — argumenta Verônica. — A não ser que pagassem um valor extremamente alto, mas Cintia não é tão rica assim.
Alan se agacha e leva a mão ao queixo, enquanto analisa o chão, pensativo. — Muito sagazes, vocês parecem estar no caminho certo. Noto as pegadas da lama das botas aqui. Uma senhoria tão organizada jamais permitia alguém fazer tal algazarra em sua residência. Ah! Vejam só, algo aqui está diferente. — Ele aponta para o piso de madeira.
— Não consigo ver nada — aduz a maga de vida. Ela se curva para mais perto, mas balança a cabeça em negação. — Hum! Hum!
O alquimista se levanta, vai até sua maleta de novo e retira outro frasco de cor vermelha. Ele o levanta na altura de seus olhos e comenta: — Antes que me perguntem, é poção do cão de caça. O nome é deveras autoexplicativo, eu diria. — Ele retira a rolha do frasco e o toma em um só gole.
— Fiu! Esse é mais doce, até retirou o gosto ruim da minha boca. — Laura dá uma risadinha, mas logo se entristece de novo. — Ah! Não faça essa cara triste. Logo saberemos onde está sua Cintia. Tá bom, pequena margarida?
— Tá... — responde a garota.
— Ah! Sinto cheiro de café, mas não torrado. — O alquimista respira fundo e enche seus pulmões, porém contorce seu rosto desta vez. — Urgh! Que cheiro ruim. Homens tão primitivos não deveriam adentrar na residência de uma mulher tão requintada, que indelicadeza, quanta deselegância. Porém sinto o cheiro das terras vermelhas, isso é certo.
Alan se abaixa e passa o dedo indicador no chão, então o cheira. — Hum... calcário, eu diria. Mas para ter certeza... — Ele lambe a ponta do dedo.
— Sr. Alan, o chão é sujo — repreende Laura.
— Não tema, pequenina. Sou um alquimista e já provei coisas piores. Além disso, não temos tempo a perder, e é a maneira mais rápida de confirmar que se trata de rocha calcária.
Ele balança a cabeça para cima e para baixo, ao passo que encara cada um de nós.
— Aaah! Que desagradável sou. — O Sr. Alan inclina sua cabeça para o lado e faz um bico com a boca, evidenciando seu bigode peculiar. — Sempre que me dou conta, estou a chatear vocês com detalhes desnecessários.
— Não há problema, Sr. Alan. Desde que ajude a encontrar a Srta. Cintia...
— Ajudará, com certeza, eis que só conheço um único lugar com rocha calcária em abundância nesta região.
— E onde é? — interroga Verônica.
— Trata-se de uma caverna situada ao oeste das montanhas vermelhas. Ela é bem fácil de encontrar, pois se trata de um pedaço da montanha da cor branca, em meio às cordilheiras vermelhas que vocês já conhecem. Cova Alva é o nome do lugar.
— Será que tem no mapa? — pergunto ao passo que retiro um de minha mochila.
— Vejamos... — O alquimista analisa com cuidado o pedaço de papel. — Não há marcação, porém é mais ou menos aqui. — Com um lápis, marco um “x” no local por ele indicado.
O alquimista passa a guardar seus pertences de volta à valise, ao passo que cantarola algo bem baixinho. — Hum... Talvez seja bom você levar alguns desses, jovem caçador — ele diz, enquanto retira dois frascos de cor púrpura e duas ampolas menores.
— Pamplonela.
— Muito perspicaz, é ela mesma. Tome cuidado e a deixe longe do alcance de crianças. Espero que seja útil em sua empreitada, e aqui estão dois antídotos por precaução.
— Muito obrigado, Sr. Alan. Quanto eu lhe devo pelo seu trabalho?
— Não deve nada, seu bobinho. Tenho a maior estima pela Srta. Cintia; portanto, prazer em ajudar. Mas façamos da seguinte forma: Assim que confirmarem a segurança da senhoria e se por acaso passarem por Galantur, que é ali do lado, tragam-me uma lembrancinha de lá, por gentileza.
— Nesse caso, fico muito agradecido.
O alquimista volta a arrumar seus pertences e a cantarolar bem baixinho, mas de súbito se manifesta: — Aaah! Quase me esqueço da pequena margarida. Viu só, Laura, já sabemos onde está sua Cintia, mas como eu sou apenas um alquimista fraquinho, deixarei ao Gris o encargo de trazê-la de volta. De outro modo, eu apenas atrapalharia, que tristeza.
— Obrigada, Sr. Alan — responde Laura.
O alquimista devolve um sorriso, à medida que fecha sua maleta. — Por nada, espero que a encontrem sã e salva. Caso precisem de mim, é só procurar por uma loja de poções na cidade. Nela há uma placa com o desenho de um frasco roxo, não há como errar.
— Já sabemos onde é — responde de pronto a garotinha. — Estivemos lá.
— É verdade, que bobo eu sou. — Ele faz um gesto de despedida, vira as costas e sai pela porta, sorridente. Já do lado de fora e longe dos nossos olhos, ele volta a falar. — Ah! Que surpresa, que oportuno. Creio que o garoto de cabelos cinzas deseja falar com vocês aqui dentro.
— Srta. Verônica, eu sei que já te devo um milhão de favores, mas será que você poderia tomar conta da Laura até que voltemos com Cintia?
— Claro que sim — responde a maga de vida. — Será um prazer.
— Gris, traga a Cintia de volta, por favor — suplica Laura, enquanto que com suas duas mãos segura meu braço.
— Eu a trarei a qualquer custo, fique tranquila.
Laura arregala os olhos e me solta para tampar a própria boca. Com a voz baixa e abafada, ela comenta: — Tome cuidado, Gris. Pode ser que o Demônio Moralista tenha pego a Srta. Cintia.
Assim que ela diz tais palavras, Alienor, Kali e Conor aparecem na porta de entrada.
Creio que algo ainda pior do que demônios tenham levado Cintia, mas não é o que Laura precisa ouvir. — Nesse caso, é algo que estamos mais acostumados a lidar, pois somos aventureiros, matamos demônios.
Tomei um tempo para guardar o arco de domador dentro do meu quarto na estalagem. Estamos diante do estabelecimento agora com mantimentos, ferramentas e as armas que colhemos às pressas.
— Devo admitir que é uma pista sólida essa dada pelo alquimista. Porém, ainda que seja certo esses sequestradores terem saído daquela gruta, nada garante que retornarão para lá agora.
— Concordo, mas ainda é a única pista que temos.
— Nesse caso, tive uma ideia — aduz Kali, então ela pega um pouco de distância de nós e toca o solo com sua mão direita. — Ave paciente, penas brancas, predadora noturna. Voe alto, procure meus alvos, seja meus ouvidos e escute meu clamor. Atenda meu chamado, fiel amiga. Vocare Fix.
— Está convocando um familiar? — questiona Alienor.
Semelhante à invocação do arco de domador, um círculo de cor branca com símbolos estranhos surge no solo. Dele, uma ave branca emerge. Uh-uh! Pia a coruja de penas brancas, após pousar sobre o braço direito estendido de Kali.
— Oi, minha preciosidade — aduz a lumen.
Uh! Responde a coruja branca.
— Ai! Que coisinha mais fofa — comenta Alienor.
— Fix, esses são meus amigos. Pessoal, essa é a Fix, uma coruja do luar e minha familiar.
— É a primeira vez que vejo um familiar — digo.
— Fix, eu preciso de sua ajuda mais uma vez. Voe naquela direção e procure a entrada de uma caverna branca em meio às montanhas vermelhas.
Uh-uh! Contesta a coruja, que vira sua face em direção à Galantur.
— Além disso, se vir uma mulher de cabelos pretos sendo levada por um grupo de homens, volte e nos avise. Não entre na caverna, tampouco se arrisque.
Uh!
— Boa menina, agora vá! — Kali levanta seu braço de forma repentina, e a coruja do luar voa na direção por ela indicada. — Conseguiu algum objeto pessoal da Srta. Cintia, Gris?
— Sim, um pente de cabelo. — Mostro o objeto para ela.
— Estou ficando sem fluxo. A convergência e essa invocação consomem muita energia, mas talvez eu possa me transformar em loba para tentar encontrar Cintia.
— Vamos seguir nessa pista. Já exigimos muito de você até agora, é melhor descansar.
— Aqui, garotos — aduz o Sr. Carlos, assim que se aproxima. — Podem levar o Garibaldi e Neve, serão bem mais rápidos assim.
— Obrigado, Sr. Carlos, mas não sei você deveria fazer isso.
— É um caso de emergência, e tenho certeza que é o melhor para Cintia. Porém, cuidem dos animais, ou ela me matará depois.
— Pode deixar, cuidaremos deles. — O alazão bufa e bate com o rabo na minha cara. — E o Garibaldi cuidará da gente também.
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