Aelum Brasileira

Autor(a): Marin


Volume 3

Capítulo 76: Domador Sombrio

GRIS

“A batalha estava a nosso favor, pois se tratavam de demônios fracos e bestiais. Derrotamos a maioria deles, já o restante recuou para o Pântano de Solidar. Ordenei, portanto, que as tropas os perseguissem, pois queria garantir uma vitória completa.

Essa decisão foi o maior erro que cometi em uma guerra e custou a vida de aproximadamente quinhentos bons soldados, porque fomos atraídos para uma emboscada de um Domador Sombrio.”

(Trecho do livro: A Guilda de Aventureiros: Um guia sobre as bestas e demônios mais comuns, por A. B.; parte do depoimento de Mavel Prax, terceiro capitão do exército de Galantur; ano de 1153 e.a.)

 

— O que um demônio desastre faz aqui?! — exclama Kali, ao passo que os lacaios do comandante demoníaco investem contra nós.

— Não sei, mas teremos de enfrentá-lo. Estão próximos demais da vila.

— Qual o plano, líder? — interroga Conor, enquanto dá um passo à frente e contempla a marcha das bestas caninas.

— Avançarei e distrairei o domador. Kali e Alienor, fiquem na retaguarda e foquem nos voadores.

— Certo! — respondem as garotas e uníssono.

— Conor, proteja-as e impeça que se aproximem delas.

— Como queira — ele responde, leva uma mão ao solo e conjura outra lança. — Cuidado com a mata. Aquele ser é ardiloso.

— Pode deixar!

Ao tempo que avanço em direção ao principal inimigo, escuto Kali recitar: — Feline Celerita. — Sinto meu corpo mais leve.

Depois disso, o efeito de outra magia surge, resistência à morte. Bem feito, Alienor, isso pode ser útil contra eles.

Aqueles seres que pensei serem aves revelam-se, em verdade, repteis voadores de coloração preta, com um metro de envergadura e asas membranosas, cuja fronte é afiada como uma cimitarra: Lagartos-Guilhotina.

Três guilhotinas desviam seu trajeto e vêm em minha direção. Porém uma explosão súbita e avermelhada se forma entre elas e ceifa a vida de duas.

Um feixe fino de luz surge no peito da última criatura, logo se apaga, e o lagarto voador cai sem vida em minha direção. Corto a carcaça ao meio, antes que suas lâminas me toquem.

O som da corneta soa novamente, e o comandante demoníaco grita ordens em uma língua estranha. Assim, metade da legião dos demônios desvia seu foco para mim.

Sem qualquer hesitação, um cão salta, ao passo que desvio e o decapito. Outro se aproveita e tenta me abocanhar. Chuto-o no focinho, lançando-o a vários metros de distância.

Alertado pelo som das explosões, vislumbro os céus cheios de seus rastros e intermitentes feixes de luz que se projetam e destroem os corpos dos demônios alados.

Quando enfim olho para o domador, ele está com um arco longo de quase três metros de comprimento em suas mãos, já tensionado e apontado para mim. Ele solta a corda, e o projetil viaja em minha direção.

Poderia desviar, mas o trajeto pode alcançar meus companheiros. Levanto a espada acima de minha cabeça e a seguro com as duas mãos na empunhadura. Assim que a flecha se aproxima, abaixo a arma e a corto ao meio.

A flecha gigante de um metro e meio comprimento passa voando em dois pedaços, enquanto a luz do sol e meu campo de visão escurecem por conta das dezenas de cães pretos que saltam sobre mim.

Soterrado pelos demônios que inutilmente tentam perfurar minha pele reforçada pelo impetus, levanto-me e arremesso as criaturas para todos os lados. — Aaaah!

Parte dos demônios tem seus corpos destruídos pelo golpe, e o sangue vermelho-escuro, gorduroso e nauseante banha minha roupa e a grama ao meu redor.

Antes que eu possa reagir, algo impacta contra meu peito e se estilhaça. — Rahm! — Perco o ar e sou lançado para trás.

Dou-me conta que uma segunda flecha me acertou. Passo a mão sobre o buraco que se formou na camisa, há sangue, porém o projétil parou na costela. Tento me levantar. — Tsi! — Sinto uma fisgada: Acho que quebrou uma costela.

Sana Vulnera — escuto Kali dizer, enquanto meu corpo brilha em branco e a dor do meu peito some.

— Obrigado — digo e me levanto do chão.

— Creio que precisamos avançar juntos — aduz Conor.

— É um comandante de tropas. Não é o demônio mais inteligente; porém, um estrategista inato — complementa Kali.

— Vamos manter a formação e avançar juntos.

Tá! — responde Alienor.

Na extremidade do bosque e a cem metros de distância de nós agora, o domador soa a trombeta novamente, e dezenas de outros cães saem da mata, enquanto guilhotinas voam para fora das árvores. Entretanto, não avançam desta vez.

Para o domador entrar no alcance das explosões de Alienor, precisamos nos aproximar a pelo menos uns cinquenta metros de distância dele. Mas pelo visto é o que ele quer também.

Ao passo que marchamos em formação até o comandante, ele prepara outra flecha e atira em Kali.

Katchin! Defendo-a com a espada. O domador remove seu capuz e revela um rosto marrom-escuro, cheio de verrugas e deformado, à medida que esbraveja algo em linguagem niliana. — O que ele disse? — pergunto.

Ahm... Comerei sua carne, e meus cães roerão seus ossos — traduz Conor.

— Acho que eu preferiria não saber — comenta Kali.

— Cala a boca e vem aqui, ogro corno! — grita Alienor.

Enquanto a ruiva grita palavras de escárnio, o domador coleta outra flecha da aljava em sua cintura. — Conor, consegue defender essa?

— É para já — ele responde, ao passo que toma a dianteira com sua lança em punhos. — Castrum — ele recita, e a magia de resistência brilha em verde em sua arma.

Todos nos escondemos atrás de Conor, e eu coleto uma pedra do chão e a reforço com impetus, ao passo que não tiro os olhos do domador logo adiante.

Assim que o comandante demoníaco tenciona seu arco longo, saio das costas de Conor e arremesso a pedra.

Da mesma maneira que a flecha transpassante, a rocha sai de minha mão com uma velocidade normal, mas logo ganha velocidade e rompe a barreira do som, produzindo uma explosão branca.

A flecha do demônio é defendida por Conor, e a pedra arremessada por mim viaja até o domador, o acerta no ombro jogando-o para trás. O comandante larga seu arco com o impacto e colide contra uma árvore do bosque.

— É nossa chance, me deem cobertura — digo e corro até o inimigo.

— Espere, Gris! — alerta Conor.

Sei que é perigoso, o comandante pode esconder qualquer coisa atrás daquela mata. Entretanto, ele está caído e não posso deixar esta oportunidade passar.

Enquanto o domador ferido se arrasta pelo chão e adentra à mata com o restante de suas forças, ele soa novamente o chifre. As dezenas de guilhotinas voam em rasante contra mim, assim como os cães correm pelo solo.

Com a espada, abro caminho cortando cada uma das criaturas que se interpõe em meu caminho, até que alcanço o arco longo do comandante inimigo. É uma arma enorme, tem duas vezes meu tamanho.

Coleto uma flecha gigante da aljava caída, agacho-me no chão com o arco longo na horizontal e repouso a flecha na arma. Enquanto reforço o objeto com a vontade do guerreiro, o restante dos cães pretos me alcança e morde minhas pernas e braços.

Uma das guilhotinas que sobreviveu às magias voa em rasante e colide com sua asa na lateral do meu pescoço, depois capota pelo chão, sem vida.

Ouço o soar da trombeta de chifres de novo, sinto o chão tremer e os sons de algo gigante se deslocar pela mata, ao passo que rompe os galhos das árvores.

Com a visualização de aura, vejo a silhueta negra do comandante, por detrás dos arbustos e troncos, a tocar o instrumento de batalha. Miro e tenciono o arco, disparo o projétil.

Trum! Com um estrondo, a flecha ganha velocidade e transpassa árvores e arbustos. Entretanto, antes que eu possa constatar se acertei o alvo, algo ainda maior que o domador surge do bosque a minha frente.

Agora faz sentido o porquê do domador querer nos atrair para cá. Outra criatura ogróide, só que com três metros de altura, pele cinza, um rosto disforme e um tronco de árvore em sua mão com quatro dedos. — Urgh! — grunhe o demônio, à medida que vira seu único olho para mim.

 

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