Volume 3
Capítulo 75: Cães Pretos
GRIS
Ao passo que me aproximo da estalagem, sou recebido pelos sons de conversas altas e risadas. O cheiro do café preparado inunda minhas narinas, logo em seguida. Se possível fosse, gostaria de ficar aqui para sempre.
Assim que abro a porta, sou acolhido por um peteleco na cabeça. — Ai! — balbucio sem querer. O golpe foi tão rápido que mal tive tempo de reagir, é quase sobrenatural.
— Hihihi... — ouso os sons das risadinhas acanhadas de Kali em minha costas, mas ao conferir, ela se finge de inocente.
— Eu falei para vocês tomarem café antes de saírem. Agora já está frio, e tomarão requentado — assevera Cintia.
— Desculpe, Srta. Cintia. Perdemos a noção do tempo.
— Humpf! — Ela cruza os braços e aponta para a mesa em que Conor, Alienor e Laura estão sentados a conversar.
Dado o horário, não há mais ninguém aqui. Eu não contaria isso a ninguém, mas admito que prefiro assim.
— Pare de falar tão alto, Alienor. O Moralista vai te pegar desse jeito — argumenta Laura.
— Não fale bobagens, cotoquinha. Eu não tenho medo de demônio algum. Se ele vier, será seu fim. Uhum! Uhum!
— Soube que subiram a recompensa para desvendarem os desaparecimentos. Agora é uma missão de classe “d” — comenta Conor, enquanto Kali e eu nos acomodamos à mesa.
— Ai... Nem me fale, eu estava louca para pegar essa missão, mas logo agora que iríamos subir, eles aumentam. Eu falei para vocês que deveríamos pegar três missões de uma vez e completá-las rápido. — a ruiva reclama, cruza os braços e vira o rosto. — Humpf! Vocês nunca me escutam.
— Nós precisávamos treinar, Alienor. Seria muito ruim subirmos de categoria rápido e mal conhecermos uns aos outros.
— O Gris tem razão — concorda Conor. — Além disso, eu sondei os demais aventureiros, e eles torceriam o nariz para gente, se soubessem que nos classificamos tão rápido.
— Até onde eu sei, você só pagou bebida para os aventureiros, enquanto sondava as aventureiras, seu tarado de uma figa.
— Hihihi... É verdade — argumenta Kali.
— Hey, agora são vocês duas? Pois saibam que é um trabalho muito árduo coletar informações...
— Aqui está, garotos — interrompe Cintia e, enquanto coloca uma bandeja sobre a mesa e distribui a garrafa e os pães, ela comenta: — Todo mundo sabe que você só vai até a guilda de noite para dar em cima das aventureiras e supervisoras.
— Ninguém aqui dá valor ao meu sacrifício — responde o moreno, com um sorriso safado no rosto.
— Ah! Antes que eu me esqueça, Srta. Cintia. Aqui está o dinheiro pelos quartos desse mês.
— Eu já disse que não precisa, Gris.
Cinco moedas de prata por semana para cada quarto. Deixo as quatro moedas de ouro sobre a mesa, portanto. — Bom, aqui estão. Se a senhorita não pegar, provavelmente alguém roubará...
Ela dá um puxão na minha orelha, a qual lateja em seguida. — Quando que você ficou tão atrevido? — Então coleta as moedas e as guarda no bolso da calça.
— Gris atrevido. Hehehe... — caçoa Laura.
— Vai aumentar a estalagem mesmo, Srta. Cintia?
— Sim, já comecei a falar com os marceneiros. — Ela se senta à mesa. — Serão mais dez quartos ali no fundo, em dois andares.
— Se precisar de ajuda, é só dizer.
— Obrigada, você é um amor. Mas já está tudo certo, o terreno já é meu e economizei o ouro que precisarei.
— Fico feliz que os negócios estão dando certo — comenta Conor.
Cintia encosta seu cotovelo na mesa e debruça seu rosto sobre o punho. — É verdade, apesar dos contratempos, o comércio nunca esteve melhor. Achei que passaríamos por uma crise por conta dos demônios atacando as caravanas e tal, mas a guilda conseguiu resolver tudo pelo visto.
— A guilda é muito legal, não é? — comenta Kali, com um farelo de pão preso em sua bochecha. — É tão organizadinha, e eles ajudam tantas pessoas...
— Pelo preço certo, sim — argumenta Cintia. — Porém reconheço que são bem eficientes e mantém pessoas problemáticas sob controle.
— Cof! Cof! — Alienor se engasga com um pedaço de pão e olha para nós com os olhos marejados. — Não se preocupem, estou bem. Cof! Ai... Passem a garrafa por favor.
— Bom, então é melhor comermos e partirmos. Os moradores da vila Tanes contam conosco.
— Bem dito, líder — responde Conor.
Guiados pelos rastros na plantação de trigo parcialmente destruída, a qual está impregnada pelo cheiro de carniça e enxofre, saímos da pequena de Vila Tanes e nos dirigimos em duas duplas separadas para cobrir uma área maior.
Seguimos ao norte, cujas árvores do Bosque dos Prantos já são visíveis no horizonte. Logo ao sul, está a vila e as cordilheiras de Galantur mais adiante.
— Aqui, Alienor. Encontrei pegadas.
— Ufa! Já estava desistindo. Cães pretos mesmo?
— Sim, e parece uma matilha grande desta vez, uns vinte, eu diria.
— Ai! Não aguento mais esse fedor. — Ela leva seu dedo ao nariz e o tampa.
De fato, são fedorentos, mas como somos aventureiros de latão, é o único demônio fraco o suficiente para matarmos nesta região.
— Só mais esta vez, eu pro...
Awuuuuu! Escuto uivos, mas não são dos demônios.
— Veio dali. — aponto para a direção do bosque, ao passo que saco de minha espada. — É a Kali. Vamos!
— Tá!
Enquanto avançamos, verifico a aura de Kali e Conor mais adiante, por detrás do trigo que atravessamos. Além deles, vejo duas dezenas de auras pretas os cercando, demônios do alinhamento de morte.
Ao acelerar o passo, consigo sair da plantação antes da ruiva, deparando-me com uma enorme pradaria, cujas gramíneas se estendem até o bosque. Como esperado, nossos companheiros já os encontraram.
Ao passo que me acerco, Conor perfura a barriga de um cão preto com sua longa lança. Kali, já em sua forma humana e na retaguarda, lança um feixe de luz de suas mãos partindo dois demônios ao meio.
Com a minha máxima velocidade, os alcanço em um instante. Decapito um dos cães antes mesmo que ele me perceba, mas os demais notam minha presença, devem ser uns quinze agora.
Cão preto: um demônio canino sem pelos e de cor preta, com dentes protuberantes e pontiagudos saltados para fora da mandíbula. Seus olhos são negros e possui uma pedra vermelha no centro da testa.
À medida em que rosnam e nos circundam tentando nos acuar, um vórtice de fluxo se forma em uma velocidade espetacular, colapsa e explode em faíscas vermelhas. Sangue vermelho-escuro é borrifado pelo ar, mesclado com os fragmentos da magia.
O som da explosão só é contrastado pelos risos maléficos de sua lançadora, a uma distância segura do cheiro putrefato. — Muahahaha! — ri a vilã, ao passo que três demônios se resumem a pedaços de carne estilhaçados.
Um dos sobreviventes salta sobre mim, mas o divido ao meio em um corte limpo. Outro se aproveita pela lateral, e eu o golpeio com o punho lançando-o a vários metros de distância sobre outros dois cães.
Sinto uma mordida na panturrilha, um deles se esgueirou. Fluxo negro se forma na mandíbula da criatura canina, mas nada ocorre. Graças à ajuda de Conor, magia de morte tão fraca não é um problema.
Com o punho esquerdo cerrado, golpeio a costela do demônio, esmagando-o contra o chão, enquanto o cheiro nauseante de suas entranhas preenchem minhas narinas. Esse era maior
— O Alfa está morto — digo.
Quando olho para os demais demônios, eles abaixam a cabeça e começam a recuar. Típico, sobreviver também é parte da Vontade de Nila. Eles viram as costas e batem em retirada, mas são surpreendidos por outra explosão tão grande que faz o chão tremer. Cinco são mortos ao instante.
Outro feixe de luz abate mais dois, deixando somente mais um vivo que corre desesperado. Entretanto, uma lança sobrevoa os campos até se encontrar com o último canino. — Ah! Em cheio. Hehe... — vangloria-se o rapaz de pele bronzeada.
— Esse foi em tempo recorde — aduz Kali, enquanto remove os pedaços de carne podre de sua armadura de couro nova. — Acho que vou conjurar água para me lavar aqui.
— Não aqui — diz Conor. — A magia contaminará a plantação.
— Pessoal! Conto com vocês para retirar os cristais! — grita Alienor de longe.
Ou o que sobrou deles, eu diria. Essas explosões devem ter danificado a maioria, porém não são tão valiosas mesmo.
— Será que as tocas deles estão por perto? — questiono.
— Creio que sim, o cheiro de enxofre já estava forte aqui, mesmo antes deles aparecerem — responde Kali.
Conor pega uma adaga e se abaixa para remover o cristal vermelho da testa do demônio. Faço o mesmo, porém quando me viro para a carcaça de um deles, vejo uma espécie de corvo, só que do tamanho de um abutre e com olhos vermelho-sangue.
A ave olha para mim, torce a cabeça para o lado e, com uma voz fanha, diz: — Não...
— Um corvo? — questiona Kali.
Ele dá dois pulos sobre a carcaça e olha para a lumen. — Ah?! Não... — Antes que a criatura tenha chance de reagir, uma adaga voa em sua direção e ceifa sua vida.
— Tsk! Corvo embusteiro — explica Conor. — Se vir um desses, mate-o o mais rápido possível. É uma criatura fraca, porém das mais problemáticas.
Enquanto Conor fala, outra ave pousa em atrás dele e lança um grunhido: — Aaaaaark!
— Lux Mas — conjura Kali, e a luz se projeta e mata o outro demônio.
— Puta merda — diz Conor, enquanto entra em guarda e checa os arredores. — Alienor, venha para perto! Gris e Kali, preparem-se.
A ruiva segue relutante por conta do mau cheiro. — Venha, Alienor! — grito, e ela balança a cabeça e finalmente corre em nossa direção.
Um silêncio perturbador toma conta do ambiente, que só é contrastado pelos sons dos passos da ruiva. Então aves voam e fazem uma algazarra, à medida em que as árvores do Bosque dos Prantos chacoalham sem parar.
Aos poucos, três dúzias de cães pretos saem da mata, seguidos por uma criatura ogróide de dois metros de altura, pele marrom-escura, vestes de couro improvisado, um capuz sobre a cabeça e um arco longo de quase três metros de comprimento em suas costas.
O ser grotesco nos localiza, retira uma corneta de chifre da cintura e soa o instrumento, o qual produz um som bovino. Em resposta, dezenas de aves negras saem da mata e voam em nossa direção, seguidas de uma infinidade de cães pretos que as seguem pelo solo.
Engulo em seco e olho para Kali ao meu lado. — Aquilo...?
— Sim... um Domador Sombrio.
Peço que deixem suas impressões (👍|😝|😍|😮|😢) e comentem o que acharam deste capítulo,
esse é o melhor presente que um escritor pode receber.
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