Aelum Brasileira

Autor(a): Marin


Volume 3

Capítulo 74: O Caminho da Enganação

GRIS

 

O caminho do corvo, desenvolvido por exploradores, ladrões, assassinos, espiões e caçadores.

O primeiro a atacar decide a existência e as condições da batalha. Um caminhante das sombras só inicia o conflito quando tem certeza da sua vitória, disse Conor há três meses atrás, quando começou a me ensinar esse caminho da espada.

Devo admitir que me espantei com as semelhanças de seus ensinamentos com aquilo que aprendi enquanto vivi na Floresta de Prata. Por já saber me movimentar em silêncio e usar as sombras ao meu favor, pude acelerar algumas etapas.

Uma das técnicas do caminho do corvo é a conjuração por sussurro, entretanto é inócua para mim. Portanto, não cheguei a treiná-la. Mas agora percebo que Malak usava isso também.

O caminho também permite uma melhora da visão durante a noite. Lumens conseguem enxergar melhor na penumbra, então tive certa vantagem.

— Têmporas, nariz, queixo, garganta e olhos — diz Conor, ao passo que aponta para as respectivas partes do próprio corpo. — Esses são os pontos da cabeça mais frágeis na contra golpes contundentes.

Estamos um pouco ao norte de Lumínia, em uma planície. Conor e eu viemos aqui quase todos os dias para treinar o combate.

— Entendido, Sr. Conor.

— Já falei que não precisa me chamar de senhor. Eu não sou tão velho assim, e você é o líder.

Ahm... Acho que não consigo.

Ele respira fundo, apoiando-se sobre os joelhos. Então se ergue de novo e diz: — Certo, certo... Estômago, coração, costelas, fígado e testículos. Joelhos, nervo ciático e tornozelos. — Conor aponta com o indicador para as marcações feitas com tinta vermelha em suas vestes marrons, que marcam os respectivos pontos mencionados por ele.

— Os pontos vulneráveis no restante do corpo.

— Exato. Você precisará desviar, defender ou redirecionar meus golpes e também atacar ou contra-atacar nos pontos marcados. Nada de impetus, e eu não utilizarei magia, é só um treinamento. Ahm... — Ele coça a própria cabeça. — Vamos evitar golpes nas bolas também. Hehehe...

— Certo — respondo, à medida em que levanto a guarda.

O rapaz de pele bronzeada levanta seus punhos até a altura de seu nariz e se aproxima devagar. Ele golpeia um direto na altura de minha cabeça, ao passo que levanto minha guarda e defendo.

Um único soco e me desequilibro para trás. — Você está em desvantagem em termos de força agora, Gris. Não tente competir, priorize a esquiva e velocidade. Se precisar defender, amorteça jogando o corpo para trás.

Balanço a cabeça para cima e para baixo, enquanto ergo meus punhos até quase a altura dos olhos e me aproximo de Conor novamente.

Ele manda um cruzado, ao passo que me abaixo, e seu braço passa a centímetros de meu cabelo. Dois jabs dele, duas esquivas minhas para direita e esquerda. — Muito bem, mas você precisa contra-atacar também, ou eventualmente perderá.

— Uhum!

Conor manda uma série de golpes, os quais esquivo um por um. Aos poucos, acostumo-me com seus movimentos. Seus pés se posicionam em um padrão claro antes de atacar, seguido de quadril e ombros. Virá um cruzado, portanto.  Faço um pêndulo e desvio por baixo, ao passo que devolvo dois jabs, estômago e costela.

Tum! Tum! Os dois golpes em cheio, bem nas marcações.

— Excelente — aduz Conor, enquanto bate na própria barriga no local golpeado. — Prepare-se, pois vamos aumentar o ritmo.

À medida em que confirmo com a cabeça, Conor se acerca novamente, mas com a guarda baixa desta vez. Aproveito-me e desfiro dois golpes, um ele defende com facilidade, já o outro, ele desvia com a mão para o lado.

Tum! Tum! Assim que me dou conta, já estou caído no chão. Minha cabeça e costela latejam. Levei dois socos e não tive tempo de reação.

— O caminho do corvo é a enganação, Gris — aduz Conor, ao passo que estende sua mão direita para me ajudar a levantar. — Nunca se esqueça disso.

Seguro sua mão, ao passo que ele me puxa do solo. Tum! Levo um tapa no ouvido, sem tempo de resposta. — Enganação, não esqueça. Preste mais atenção.

— Sim, Sr. Conor — respondo, enquanto tampo minha orelha com a mão, o que só intensifica o zunido que escuto.

Ele se afasta e faz um sinal para pararmos. — Onde você errou? Saberia me dizer?

— Não, foi muito rápido. Mal consegui acompanhar.

— Nesse ponto que você se engana. A velocidade que te golpeei foi a mesma desde o início deste treinamento.

— Não faz sentido. Antes, eu consegui acompanhar todos os golpes...

— Chegue mais perto — ele responde, ao passo que indica com a mão para eu me aproximar. Assim que paro diante dele, Conor prossegue: — Fique com a guarda baixa. Vou desferir alguns socos de leve, e você os defenderá no momento exato.

— Certo.

O moreno levanta seus punhos, dá um passo à frente, gira o quadril e os ombros, ao passo que manda um direto. Em contrapartida, defendo com o braço direito. Repetimos isso mais duas vezes, e ele diz: — Agora preste ainda mais atenção, que farei algo diferente.

Urgh! — Levo um jab no estomago. — Ai... Acho que entendi agora. Seus quadris e ombros não se moveram, diferente de antes.

— Garoto esperto. Com a prática, é possível antecipar os movimentos do oponente de acordo com sua postura e movimentos corporais. Entretanto, também é possível indicar com o corpo uma intenção e executar outra ou, como eu fiz, não dar qualquer sinal. Pois o caminho do corvo... — Ele aponta para mim com o indicador.

— É o caminho da enganação — complemento.

Hey, seus arrombados! — exclama Alienor. — A Srta. Cintia nos chamou, o café está pronto.

Enquanto a ruiva se aproxima, vislumbro um papel em suas mãos. — É um contrato? — pergunto.

Ah, sim! — Ela me entrega a folha e encolhe seus ombros, toda murcha e desanimada. — Cães pretos de novo. Não aguento mais...

— É o último, Alienor. Só completarmos mais esse e poderemos pegar a missão especial. Na classe “d”, há demônios mais fortes.

Hum... Se só fossem fracos seria tranquilo, o problema é o fedor...

— Pode ficar de longe. Deixe que eu coletarei os cristais dessa vez.

— Tá! — exclama a ruiva e se revigora de forma milagrosa, enquanto corrige a postura e sustenta seus braços na cintura. — Ah! Lembrei de algo, tinha uma missão de rastreamento para a classe “d”.

— Mas nós não podemos pegar uma missão assim.

— Sim, eu sei. É que achei interessante, pois a pessoa a ser rastreada é o filho do barão. O próprio Joatan é o contratante.

— O garoto fez algo de errado? — questiona Conor.

Alienor dá de ombros e responde: — O pessoal da guilda comentou que ele fugiu de casa, mas não tenho certeza. Ah! Em todo caso, tomara que um demônio o encontre primeiro.

Hehehe... Você é cruel — comenta o moreno.

— Bem, vamos lá, ou a Srta. Cintia ficará furiosa.

Nesses três últimos meses que estamos em Lumínia, treinamos também algumas táticas em grupo para melhorarmos nossa coordenação. Pude ver de perto como isso fez a diferença na luta contra os aventureiros. Creio que nossas forças se equivaliam, mas o trabalho em equipe deles fez toda a diferença.

Além disso, Kali já havia lido diversas vezes o livro escrito por Ariel Beltrate, e eu fiz o mesmo nesse tempo, um pouco antes de dormir. Não tenho dúvidas de que conhecer melhor as bestas e demônios facilitará nossa vida.

— Bom dia, Srta. Kali — digo, ao passo que sento ao seu lado no banco.

Ah! Bom dia, Gris. Como foi o treinamento com o Conor?

— Ele me ensinou sobre combate desarmado e tal, foi bom.

— Que legal. Hihihi...

Estamos nas docas de Lumínia. Esta não é tão grande quanto a de Ticandar e só comporta embarcações médias e pequenas. Grandes navios só são encontrados no Porto de Lumínia e não conseguem navegar nestas águas rasas.

Sempre que damos falta de Kali, a encontramos aqui. Eventualmente, ela escapa um pouco para vir e apreciar os barcos e contemplar o trabalho dos barqueiros.

Algumas vezes, a encontrei dentro dos barcos ajudando ou conversando com os trabalhadores. Outras vezes, alguns balseiros de Ticandar aparecem também para negociar, inclusive Boromir.

— Pegamos outro contrato: Cães pretos. Desta vez, é na Vila de Tanes, ao leste daqui, perto do Bosque dos Prantos.

— Precisaremos entrar no bosque?

— Não, a supervisora disse que, se for necessário entrar, devemos retornar e reportar.

— Que bom. Se for para fazer algo perigoso, pelo menos que nos paguem por um contrato de classe “d” — explica Kali. — Hihihi...

— Verdade... Srta. Kali, já faz algum tempo que eu queria te perguntar algo — comento, ao passo que mexo no anel de dissipar em meu dedo.

— O quê?

— O Lin conseguia usar magia, não é? Como ele conseguiu controlar?

— Eu não sei de todos os detalhes, mas você se lembra das três fases da conjuração?

— Uhum...

— Então... Depois de conjurar diversas vezes a mesma magia — ela estende sua mão, enquanto a contempla —, nós ficamos mais íntimos do fluxo e começamos a nos entender sem precisar de tantas palavras. Parece que com vocês dois é o mesmo caso, porém o Lin só conseguiu parar de usar esse anel quando aprendeu centenas de magias diferentes.

Uhm... Mas se foi um trabalhão para aprender só a magia de explosão menor...

— Talvez você não tenha tanta afinidade com esse tipo de magia, aí demora bastante para aprender mesmo — ela responde.

— Tomara que seja o caso. Não quero depender do anel para sempre... Como que ele aprendia?

— Da mesma forma que todos os outros, recitando as palavras e com os gestos. Às vezes, ele aprendia só vendo o conjuro também. Se você quiser, eu posso ensinar algumas magias. Podemos começar pelas mais simples. A Alienor foi te ensinar uma complicadíssima logo de início. — Ela cruza os braços. — Humpf! Aquela maluca.

— Ela é mesmo. Obrigado, Srta. Kali.

— Por nada. Hehehe...

— Bom, vamos tomar café? Já está pronto, e a Srta. Cintia vai nos matar se esfriar.

Ela leva os braços na altura do peito, junta suas mãos e se ilumina de alegria. — Vamos!

 

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