Aelum Brasileira

Autor(a): Marin


Volume 2

Capítulo 72: A Guilda de Aventureiros

GRIS

 

Espada, adaga e cajado cruzados sobre um escudo é o símbolo da placa pendurada em frente a porta de entrada. Estamos diante de um dos prédios novos em Lumínia: a Guilda de Aventureiros.

A cidade está muito maior do que antes. Mesmo com o recente aumento do risco, novos comércios e instituições se estabeleceram aqui, e novas casas também foram construídas. Creio que parte disso se deve à confiança gerada por essa Guilda.

A construção é grande e possui dois andares, erguida em madeira. Sua porta de entrada é enorme e se encontra aberta, o que nos permite escutar algumas poucas pessoas conversando do lado de dentro.

— Vocês viram aquilo? — questiona Conor. — Eu achei que era uma gatinha, mas estava mais para uma leoa. Ela dava mais medo que o antigo alfa da minha aldeia. Hahaha!

— Deixe de ser assanhado — contesta Alienor.

— Moço — diz Laura —, por que sua pele é assim? Você tomou muito sol? Uma vez, eu dormi no sol, e minha pele ficou toda vermelha. Foi difícil dormir depois, ardia. Sua pele arde também?

— Calma aí, jovenzinha. Estou ficando perdido aqui com suas perguntas — responde Conor e se abaixa de cócoras. — Eu nasci em uma floresta cheia de lobos. Lá todos temos a pele desta cor, mesmo se não tomarmos sol.

— Os lobos não te atacam?

— Eles atacaram, e é por isso que eu fugi para cá.

— Será que te seguiram? — Ela olha para os lados, preocupada.

— Não, eles me perderam. Eu corri bem rápido...

Ao adentrar no estabelecimento, deparo-me com um primeiro andar com algumas mesas e bancos, parecida com uma taverna, entretanto no balcão de madeira ao fundo não há qualquer atendente para servir bebidas.

— Hey rapaz, você é muito novo para entrar aqui. Isto não é para turismo. — aduz um homem alto e gorducho ao lado da porta de entrada.

De braços cruzados, um rosto de poucos amigos, vestido com uma armadura de bronze e um colar com um pingente de prata em seu pescoço. Sua mão repousa sobre a espada embainhada na cintura direita. Não é um dos guardas do barão. Chego à conclusão de que se trata de um guarda privado da guilda.

Mostro a ele o cartão que foi entregue em Ticandar. Ele se abaixa um pouco e confere o documento. — Faz tempo que não vejo um desses. Não sei ler, mas o desenho parece contigo... Pode entrar, mas estarei de olho em você.

— Obrigado, senhor.

Pf! Com essa postura, não durará um dia.

Hey! Com quem pensa que está falando!? — exclama Alienor. — Se o Gris quisesse opinião de leitão, ele jogaria lavagem! Humm... Hum... — Conor prontamente tampa a boca da ruiva.

— Ela só estava brincando — diz o moreno. — Esta ruiva gosta de fazer novas amizades. Hehehe.

— Então façam amizades longe da entrada — ele argumenta e olha para uma garotinha loira, a qual se esconde atrás de Conor. — E essa pequena aí?

Verônica toma a dianteira, se coloca perante o guarda e aponta para o próprio colar em seu pescoço, com um pingente de prata preso nele. — Ela está comigo.

Ah! Claro, podem entrar — responde o guarda, com o rosto avermelhado.

— Bora pessoal, deve ser lá em cima — aduz Conor.

Nas paredes do bar, existem quatro quadros pendurados com papeis fixados neles. — É o quadro de contratos, Gris — explica Verônica. — Um para cada classificação, desde o “F” que é a última, até a “C” que é a mais alta, dos aventureiros de ouro.

— A senhorita era da classificação “C”?

— O seu pai era, na verdade. Com isso, o nosso grupo também era considerado desse nível. Depois que ele faleceu, fomos reclassificados como “D”.

— Ele era mais forte que Barathun?

— Mais poderoso que Barathun, Filemon e eu juntos. Um dia, ficamos presos em um nível de um labirinto e fomos cercados por uma horda de vigias.

— Vigias? — questiona Kali, a qual arregala os olhos e se aproxima para ouvir melhor. — São demônios de classe “C” também não são?

— Sim, cada um deles é desse nível. Barathun, Filemon e eu conseguimos derrotar dois, mas caímos em batalha logo em seguida. Pensei que seria nosso fim, até que Lin me resgatou e me deu uma poção de cura. Quando abri meus olhos, vi aquele idiota sorrindo e outros sete vigias mortos pelo chão.

— Ele conseguiu matar sete deles sozinho? — questiona Kali, com os brilhantes.

— Sim, eu fiquei aliviada por sobreviver, mas o Lin passou um mês inteiro caçoando do fato de ele ter me curado e não o contrário. Aquele irritante...

— Hihihi... — A lumen não aguenta e solta uma risadinha, tentando escondê-la com a palma da mão. — Por favor, Srta. Verônica, conte-me mais histórias sobre ele depois.

— Claro.

Ao subir as escadas, deparo-me com um ambiente amplo e com móveis próximos às paredes: Bancos, mesas e alguns quadros de avisos. Além disso, há um balcão com espaço para três atendentes, porém só há uma neste momento.

Há alguns poucos aventureiros sentados às mesas e conversando, mas nenhum nos dá atenção.

— Vamos nos cadastrar primeiro. Logo a administração deve fechar — argumenta Verônica. — Como eu já fiz isso, prefere que eu te apresente? Será mais fácil se eu o indicar como aventureiro.

— Claro, eu agradeço.

Nos dirigimos ao balcão e somos recebidos por uma atendente vestida com um uniforme vermelho e cabelos pretos amarrados em um coque para trás. — Boa tarde, sou a supervisora Joana. Em que posso ajudá-los?

— Boa tarde, supervisora. Aventureira Verônica. — Ela retira seu colar com um pingente de prata preso nele e entrega para a mulher.

Joana coleta o objeto e o toca sobre um globo branco, o qual brilha em resposta. — Aqui diz que você não faz mais parte de um grupo, está correto?

— Sim, meu grupo foi dissolvido, infelizmente. Porém, eu vim aqui para indicar estes quatro jovens como aventureiros.

— Certo, com a indicação de uma aventureira de prata, não precisarão passar pela prova teórica, mas começarão na “F”, como todos os outros.

— De acordo — respondo.

— Você não é muito novo? — ela pergunta, mas eu a apresento o cartão. — Entendi, é surpreendente você ter um desses. Preciso que vocês preencham e assinem estes formulários com seus dados, e depois desta linha podem deixar em branco.

Ela nos entrega uma folha para cada um e passamos a preencher. — Onde será que eu coloco minha cidade natal? — cochicho para Verônica.

— Coloque Lumínia mesmo, não é tão importante — ela responde.

Após preencher, entregamos os papeis à supervisora. — Certo, acompanhem-me pela porta aqui ao lado. — Ela indica com a mão e vai até uma sala, e nós a seguimos.

Ao entrar, deparo-me com um objeto mágico de formato cilíndrico sobre um pedestal. — Olha, é uma rosa dos ventos! — exclama Alienor e corre até ela. — Gris, agora podemos saber qual o seu alinhamento. Mas... — ela cruza os braços e leva uma mão ao queixo — essa é um pouco diferente...

— A rosa da guilda indica a potência mágica e reserva de fluxo do usuário também — explica Joana. — Alienor, correto? Já que você está aí, pode tocá-la.

— Tá! — responde a ruiva e, sem qualquer cerimônia, toca o centro do objeto mágico.

O artefato brilha intensamente no alinhamento de destruição e um pouco mais fraco no de vida. — Alinhamento nordeste — diz Joana, enquanto anota o resultado em um caderno. — Potência mágica de sexto ciclo em destruição e de terceiro em vida. Reserva de fluxo... Caramba! Mil e oitocentos fluers.

— Mil e oitocentos é pouco? — questiona Alienor, enquanto coça sua cabeça.

— De forma alguma — responde Kali. — Já seria um absurdo para um mago veterano, quanto mais para alguém da sua idade.

— Sexto ciclo, é impressionante também — argumenta Conor.

— Verdade, Filemon era um mago de quinto ciclo de destruição. Sou uma maga de vida de sexto ciclo também — explica Verônica.

Rá! Contemplem a maga de destruição! — A ruiva arregaça a manga e mostra seu bíceps, como se houvesse alguma relação entre a falta de músculos e a força de sua magia.

— Calíope — diz Joana, enquanto troca de formulário.

Kali se aproxima e toca o objeto, o qual brilha igualmente ao norte e oeste. — Noroeste. Quinto ciclo de vida e também de criação. Capacidade de fluxo em setecentos e cinquenta. Espero que saiba que é perigoso combinar magias de fluxo positivo.

— Estou ciente. Muito obrigada, supervisora.

— Próximo: Conor.

— Sudoeste, sexto ciclo tanto de morte quanto de criação. Capacidade de fluxo em mil e duzentos.

— Se aqueles dois soubessem disso, teriam aceitado a sua oferta — comenta Verônica.

— Eu também preferiria que aquilo fosse resolvido na conversa — responde Conor.

— Gris.

Todos olham para mim na expectativa de saber o resultado. Removo o anel de dissipar do meu dedo e o entrego à Kali. — Pode segurá-lo para mim um pouquinho, por favor?

— Posso. — Ela pega o objeto e o analisa com cuidado. — Este anel se parece... Não, é um pouco diferente.

Caminho até o artefato que se assemelha à minha bussola, porém com a diferença de que este possui os desenhos da estrela, pássaro, caveira e fogo.

Toco seu centro, e ele não reage. Não há luz como no caso dos outros, apenas escuridão temperada pelo nosso silêncio. Salvo, é claro, por alguns cristais na borda que brilham discretamente. — Eu fiz certo? — pergunto.

— Sim — responde Joana. — Sinto muito, a magia não flui em você. Sua capacidade de fluxo é de quinhentos, o que é normal para sua idade, mas sem alinhamento você não conseguirá conjurar magia. A guilda não poderá te aceitar.

— Não, mas... Aink!

Conor dá um cutucão na costela da ruiva e aduz: — Ele é um usuário de impetus.

A atendente arregala os olhos e se volta para mim. — Nessa idade? Contem outra... — Ela sorri, como se esperasse o fim da piada.

— É verdade — aduz Verônica.

Joana endireita sua postura, não diz nada, mas se dirige a um armário, pega seu chaveiro preso na cintura e escolhe uma chave para abrir uma das portas. Ela retira uma barra de aço de um metro de comprimento em formato cilíndrico, com cinco centímetros de diâmetro, a qual ela me entrega.

— Não há como medir o potencial do impetus, mas se você conseguir dobrar essa barra, então será aceito...

Seguro em cada extremidade e a forço. O metal reclama em resposta. Criinnnk! Até que encosto as duas pontas uma na outra, formando um semicírculo disforme.

 — Ahm... Eu ia dizendo que você poderia apoiar na perna para facilitar — aduz a supervisora. — Enfim, parabéns, todos os quatro serão aceitos.

— Obaaa! — ovaciona Alienor e aplaude. Laura e Conor a acompanham.

— Dado que vi potencial em vocês, aliado à indicação de uma aventureira de prata, informo que terão direito a fazer o teste para a classe “D” depois de concluírem apenas três missões da “F”.

— Muito obrigado, supervisora Joana — respondo.

— Posso fazer o teste também? — indaga Laura.

— Ainda não, mas quando você for adulta, poderá — contesta Verônica.

— Uhm... — ela murmura.

— Já definiram o líder? — questiona a supervisora.

Todos param o que estão fazendo, se entreolham e voltam sua atenção para Conor. Ele é o mais velho e experiente entre nós.

 — O quê? Não, eu não nasci para liderar. Apesar da pouca idade, creio que o Gris seja a melhor escolha. Além disso, ele precisa ser o líder para alcançar seu objetivo.

— Concordo — responde Kali, enquanto balança sua cabeça.

— Sim, o Gris é bom para resolver as coisas chatas — explica a ruiva.

— Certo — responde Joana. — E quanto ao nome do grupo?

— É verdade, esquecemos de pensar em um — argumenta Kali. — Precisa ser um bem legal! — Ela se ilumina ao falar.

— Que tal... explosão catastrófica?! — sugere Alienor.

Todos negam com a cabeça, menos Verônica que esconde seu rosto de vergonha e Laura que se manifesta, sem delongas: — Não, muito ruim, muito ruim.

— Qual foi, sua cotoquinha, o que você sabe sobre o assunto?

— Vocês três podem se transformar em feras — digo a eles. — Será que não poderia ser... Garras Mortais ou algo assim?

— Não é tão ruim — responde Conor. — Porém é muito assustador, e as pessoas pensarão que não é possível negociar conosco. Prefiro uma abordagem mais amigável de repente.

— Também acho — aduz Kali e confirma balançando sua cabeça.

— Ah! Queria algo assustador, mas pelo visto vocês escolherão algo como: Palito do Churrasquinho — reclama Alienor, toda triste, enquanto murcha como uma flor no sol intenso. — Hummm...

— Hihihi... Palito do Churrasquinho. Até que gostei desse nome.

— Bom, vão escolhendo que eu adiantarei as plaquetas de latão — aduz a supervisora, ao passo que sai da sala.

— Em todo caso, deixarei com o líder a escolha — comenta Conor, e todos concordam com a cabeça.

— Bom... — Olho pela janela e vejo que está prestes a anoitecer. Os vaga-lumes começam a brilhar e voar sobre as águas e margens do rio reluzente lá fora. Lembro-me da batalha que ocorreu não muito longe daqui.

— Naquela época — explico —, não conhecia a verdadeira Alienor e tampouco vocês. Não sei por que fiz aquilo, mas pulei da janela e segui os rastros de uma raposa arteira no meio da noite. — Olho para meu braço direito, agora curado por Kali. — Foi ali que eu me machuquei, mas não me arrependo. Se não fosse aquilo, não teria conhecido vocês.

Olho para suas faces um por um. Alienor me devolve um sorriso discreto, Kali junta suas mãos na altura do peito, toda ansiosa e animada. Conor balança a cabeça para cima a para baixo.

— Acho que nosso grupo deveria se chamar... Raposa Noturna.

— Eu adorei! — grita Kali, a qual perde sua vergonha e se aproxima para segurar minhas mãos. — É um nome bobo e legal do jeito que eu queria.

— É perfeito — diz Conor. — Como um animal perigoso que esconde suas presas e garras.

Antes que eu consiga reagir, Alienor se aproxima e me abraça com toda força: — Gostei! — Ela me solta um pouco, me encara e franze o cenho. — Naquele dia, eu fiquei com tanta raiva por você ter me seguido. Não era para você estar lá, seu idiota!

Como as ondas do mar ao sul em tempos de tempestade de verão, ela me abraça de novo, beija minha bochecha e sussurra: — Eu estava com tanta raiva... Acho que eu só queria morrer sozinha lá. Obrigada por me seguir e ser o Gris.

— É um belo nome para um grupo — comenta Verônica. — Queria que o meu tivesse um nome assim.

— Vocês trouxeram aquela raposa de estimação? — questiona Laura, ao passo que procura entre as pernas de todo mundo.

— Hahaha! — Todos riem, menos Alienor, Laura e eu.

A garotinha loira aproveita o momento de distração de todo mundo, se aproxima de mim e me rouba da ruiva. — Gris, você o encontrou lá em Ticandar?

— Quem? — Será que ela se refere... — O Barathun e Filemon?

— Não... — Laura balança sua cabeça para lados. — Você os encontrou então? Mas não é deles que falando.

— Ué, então quem?

— O Breo, nosso amigo.

Seguro Laura pelos ombros. — Quem falou esse nome? Você o conhece?

Ai! machucando, Gris.

— Desculpe.

— Nós dois o conhecemos. Brincamos juntos no dia que conheci você, quando o caçador segurou o Diego para não te bater, não se lembra?

— Não... — Estava tudo tão claro agora a pouco, mas sinto que perdi algo de novo. — Como... ele se parecia? — sussurro.

Laura leva uma mão à cintura e a outra ao queixo, inclina sua cabeça e, pensativa, responde: — Agora que você falou, eu não lembro direito. Mas sei que ele é da minha altura, mais ou menos assim, e usa uma roupa estranha e toda preta. Ele tem um sorriso esquisito também. Hum... não lembro de mais nada, que estranho.

— Sei como se sente. É como acordar e esquecer do que sonhou.

— Bem isso! Você é muito esperto, Gris.

 

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