Aelum Brasileira

Autor(a): Marin


Volume 2

Capítulo 67: Prisão de Estase

GRIS

 

Assim como abrir os olhos em um dia ensolarado e aos poucos me acostumar com a luminosidade, a cada passo e informação que recebo, minha mente se torna mais clara.

Meu passado possui alguma relação com uma irmandade de assassinos milenar, a qual cultua o deus da morte. Não só isso, há um apóstolo de Erun que revelou minha localização e deseja que eu morra.

Pelo furor demonstrado por Malak contra mim, devo ter feito algo muito grave contra essa organização. Eu deveria ter no máximo uns nove anos, então o que poderia ter feito de tão grave?

Malak parecia temer Erun mais que a própria morte. Considerando isso e seu remorso por revelar os segredos, parece que posso confiar nessas informações. Porém, também não farei isso às cegas. Já depositei confiança absoluta em alguém uma vez, e não pretendo cometer esse erro novamente.

Por esse motivo, estou aqui em um dos primeiros lugares que fui ao entrar em Ticandar: Andar vinte e cinco, setor de comércio, ala de medicina. Diferente de antes, estou sozinho.

Desejo ver com meus próprios olhos o que se passou com Átrios e se a informação dada por Khan é verdadeira.

Diante da porta da clínica, eu bato três vezes, e uma voz feminina e familiar me responde na linguagem dos nativos: — Pode entrar.

Faço conforme ela diz e adentro à clínica. Miril arregala os olhos ao perceber que sou eu. Ela recua dois passos, cobre o próprio pescoço com sua mão e, com uma voz fraca e fina, diz: — Aconteceu alguma coisa? — Ela olha para a porta de saída.

Miril parece um pouco estranha. Dou um passo em sua direção, já ela recua de novo e mostra a palma da mão esquerda, em um sinal para eu não me aproximar.

— Srta. Miril?

— Eu vi o que você fez. Quase matou aquele garoto. Eu sabia que você era instável, mas não que você era capaz de coisas assim...

— Verdade... Gostaria de ver se Átrios está bem, mas posso ir embora se a Srta. desejar. — Olho aos arredores, enquanto falo, e vejo um cristal azulado com quase dois metros de comprimento sobre uma maca.

— Não precisa, só não se aproxime.

— O que é esse cristal...? — Aponto para ele.

Assim que as palavras saem de minha boca, enfim percebo que há algo dentro do objeto, um homem de idade avançada e de cabelos grisalhos preso dentro dele. Se não estivesse lá dentro, diria que dorme em um sono profundo.

— Prisão de estase.

— Sinto muito, não sei o que significa. Posso me sentar aqui?

Um tanto relutante, ela responde: — Sim, sente-se.

No momento em que me acomodo em uma das cadeiras do consultório, a médica relaxa um pouco mais, se escora em uma estante e explica: — Magia de décimo primeiro ciclo: Prisão de Estase. O alvo é aprisionado em um cristal praticamente indestrutível e ali permanece em animação suspensa.

— Quem fez isso com ele?

— Lançou em sí mesmo.

— Por que alguém faria algo assim?

— Creio que por desespero, mas não saberei até que ele saia. Valefar disse que encontrou o cristal no fim de um labirinto, guardado por um demônio poderoso. — Ela olha para os lados, à procura de alguém. — Onde ele está?

— Nós nos separamos. Não sei dizer onde ele está agora.

— Há algum tempo, eu acharia bom saber que vocês não estão juntos para seu próprio bem, mas agora é difícil de dizer.

— Eu posso fazer algo em relação ao Dr. Átrios para ajudá-lo?

— Não, é uma magia muito complexa. Até onde sei, só lançador poderia desfazer, porém ele está inconsciente nesse estado.

— Sinto muito.

— Sempre que eu vejo aquele cara, algo ruim acontece. Eu sei que ele salvou o Átrios, mas... Tsk! Olha, eu não sei como eu posso te ajudar...

— A Srta. conhece uma maga de vida poderosa chamada Ariel Beltrate?

— Não, nunca ouvi falar desse nome até agora.

— Quem é o mago de vida mais poderoso que a Srta. conhece?

— O Lorde Khan, certamente. Depois dele, o Dr. Átrios. — Ela aponta com o indicador para o cristal.

— Pensei que o Lorde Khan fosse um mago de criação.

— Ele é. É o mais poderoso mago de criação até onde sei. Mas sua magia de vida não pode ser ignorada.

Muito do que ele disse parece ser verdade então. Creio que haja magias de vida que Khan não consiga lançar.

— Ah! Espere, algumas pessoas dizem que dentro da guilda de aventureiros há um mago de vida poderoso, mas não saberia dizer quanto.

— Entendi... Outra questão, quando a Srta. me analisou há uma semana, eu tive uma recordação vaga e acho que era do meu passado. A Srta. poderia fazer aquilo novamente?

— Não, jamais. Além de ser perigoso para sua mente, eu não sei do que você seria capaz — ela diz e espreita a porta de saída.

— Qual o nome daquela magia?

— Detectar enfermidades; quarto ciclo.

— Obrigado, Srta. Miril.

— Sinto muito se não posso ajudar mais... — Ela aponta para a porta, apreensiva pela minha partida.

— Está tudo bem, a Srta. já me ajudou bastante. Agradeço por tudo.

Viro as costas e deixo o local. Assim que fecho a porta do consultório, escuto a médica suspirar aliviada lá dentro.

— Seja bem-vindo, Sr. Gris — recebe-me um homem loiro, alto e vestido de terno na entrada do Banco de Estátera. — Gostaria de deixar seus pertences aqui?

— Sim, obrigado — respondo, à medida em que apresento a ele minha mochila e espada.

O guarda coleta os objetos e os deposita em uma estante de bronze, depois me entrega um papel pequeno, com a respectiva numeração da prateleira. Ele faz um gesto com a mão estendida e indica que posso entrar.

Ao passar pelo corredor de entrada, decorado com as mais diversas estátuas e pinturas, uma mulher de cabelos pretos, pele bronzeada e vestida formalmente toma a dianteira e prontamente me recebe: — Bom dia, Sr. Gris, filho do caçador. Em que o Banco de Estátera pode ser útil?

— Pode me chamar somente de Gris, por gentileza.

Ah! Claro, Sr. Gris.

É a mesma atendente que da última vez. Porém só noto isso por sua aparência.

— Eu gostaria de depositar mais alguns valores, por favor.

— Prontamente. Acompanhe-me por favor.

Nos dirigimos até uma escrivaninha, e a atendente aponta com sua mão estendida para eu sentar em uma das cadeiras. Assim o faço e apresento a ela a algibeira com quinhentos e vinte e seis moedas de ouro, as quais recebi do meu do meu novo parceiro de crime. Claro, abatidos os valores que emprestei àquele guarda e os que gastei na Vivenda.

— Quero depositar esses valores.

— Claro, tardará alguns minutos. Deseja beber algo, podemos providenciar.

— Não, obrigado.

A mulher coleta a algibeira com o dinheiro e parte em direção à uma porta nos fundos para depositá-lo. Enquanto espero, noto que os funcionários não param de me observar de canto de olho e cochichar uns com os outros.

Depois de um par de minutos, a atendente retorna com um objeto mágico sobre uma bandeja. Ela acomoda o pequeno artefato sobre a mesa à minha frente. É uma espécie de pedestal no formato de uma mão com unhas pontiagudas que seguram uma esfera verde no topo.

Repouso minha mão sobre a esfera e ele devolve um fraco brilho esverdeado em resposta. Ao retirar a mão do objeto, a esfera apresenta uma informação escrita: Gris. Valor disposto: Novecentos e quarenta e seis moedas de ouros imperiais.

— O valor confere — digo à atendente.

— Obrigada. O Sr. deseja algo mais?

— É só — respondo.

— Sr. Gris, perdoe-me pelo meu comportamento da última vez.

— Não sei exatamente do que a senhorita se refere.

Ah! É que... Não foi nada. O Banco de Estátera agradece sua confiança. — Ela se curva levemente.

Assim, levanto-me, viro as costas e caminho até a recepção para coletar meus pertences. Desta vez, aquele idoso não estava aqui.

— Sr. Gris, filho do caçador? — aborda-me uma jovem lumen, enquanto saio do banco.

Pelo visto, ela esperava por mim, enquanto eu estava lá dentro. É uma garota especialmente bonita, de cabelos brancos, com roupas azuis e formais. Ela fala fluentemente a minha língua e, pelas vestimentas, deve ser uma oficial de Ticandar.

— Somente Gris, por favor. Posso ajudá-la, Srta.?

A pele alva da garota lumen deixa bem aparente a vermelhidão de suas bochechas, ao ouvir minhas palavras. Ela junta forças para dizer: — O Sr. esqueceu de pegar isto. — Apresenta-me uma espécie de documento, em formato de cartão.

— O que é? — Coleto o objeto e noto que há uma representação bem fidedigna do meu rosto desenhado nele, além de vários dados pessoais.

— Esse documento comprova a participação no festival de emancipação. — Ela aponta para o objeto em minhas mãos e se aproxima um pouco mais.

— Muito obrigado. Mas saberia me dizer qual a finalidade dele?

— Ora, aqui em Ticandar a maioridade ocorre aos vinte e dois anos de idade. Pelo que sei, nos lugares governados por Thar, isso ocorre aos quinze. Porém, tanto aqui, quanto lá fora, esse documento é aceito como prova de maioridade.

— Isso será útil, tenho certeza. Muito obrigado, senhorita — digo isso, ao passo que guardo o documento em minha mochila e me preparo para ir embora. Entretanto, a jovem garota parece esperar algo mais de mim. — Devo algo pelo seu serviço? — Preparo-me para coletar algumas moedas.

Ah! Desculpe-me, eu devo ter parecido estranha.

— De forma alguma.

— Sabe o que é...? — ela comenta, olha para os lados e se aproxima ainda mais de mim para sussurrar, ao passo que esconde a boca com a mão. — Será que você poderia me dar um autógrafo. — O rosto da garota fica ainda mais vermelho.

— Claro. Não sei exatamente o porquê, mas posso, sim.

Ai! Obrigada — ela responde, enquanto me apresenta um cartão pequeno em branco.

Por um instante me passou pela mente se isso não seria alguma artimanha para eu assinar algum documento estranho, mas pelo tamanho do papel não pode ser o caso.

À medida em que me preparo escrever e me falta um apoio para tal. A jovem oficial vira as costas, puxa seus cabelos brancos para o lado e diz: — Pode assinar nas minhas costas.

Assim o faço, mas decido perguntar antes: — Só a assinatura ou quer que eu escreva algo mais?

A garota reflete por um instante, enquanto leva o indicador aos lábios e olha para o alto. — Para minha amiga, Jin. — ela responde e encolhe seus ombros.

— Certo.

— Ah! E poderia assinar com o nome de Canhoto?

— Posso, sim — digo, ao passo que hipocritamente escrevo a nota com minha mão direita.

Neste ponto, a garota já está com o rosto da cor de uma pimenta. Ela coleta o papel assinado, abre um sorriso envergonhado e diz: — Eu... digo, a minha sobrinha vai adorar, obrigada.

A garota vira as costas e parte, com o papel em suas mãos, tão rápida que eu mal consigo perguntar seu nome.

É bom saber que nem todos ficaram com medo de mim.

 

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