Aelum Brasileira

Autor(a): Marin


Volume 2

Capítulo 65: Apóstolo de Erun

GRIS

 

Munido de uma pulseira preta, com dois pequenos cristais pregados nela e presa ao meu braço direito, aproximo-me das celas das masmorras dos aquedutos por uma das quatro escadarias.

Por estranho que pareça, o objeto em meu pulso não emana qualquer aura ou fluxo. Pelo visto, só manifestará sua magia no momento de necessidade. Que pena, gostaria de ver a forma do fluxo para tentar entender sua magia.

— Cuidado com os degraus — alerta-me Conor. — A umidade cria um limo e deixa o chão um pouco escorregadio aqui.

Apenas aceno com a cabeça e volto minha atenção aos degraus.

Quanto mais perigoso o detento, mais funda profunda é sua cela. Porém, Malak se encontra somente no segundo andar dos cinco.

— Unidade duzentos e quarenta e um. É por aqui — aponta o rapaz.

Do lado esquerdo, estão as celas; do direito, as quedas d’água.

As unidades da prisão são bem pequenas e acomodam apenas uma cama de pedra com um colchão revestido com couro, além de uma mesa perto da grade, com um mecanismo para passar comida e água. No fundo, há um buraco para defecar e urinar.

São apertadas, mas individuais. O lugar tem cheiro de chiqueiro, misturado com o das águas do rio. Vista lá de cima, a masmorra é tão grandiosa quanto as demais estruturas da cidade. Porém, aqui de perto, é possível sentir a podridão e degradação das pessoas.

Em sua maioria, os presos que vejo são lumens, mas há alguns poucos forasteiros espalhados. Todos eles levam presos em seus corpos algemas, grilhões e coleiras pretas e brancas.

Gradativamente, caminho até perto da metade do corredor, ao passo que a numeração alcança o meu destino: A cela com um o número duzentos e quarenta e um. Dentro dela, há um garoto um pouco mais velho que eu, sentado em um canto e com sua cabeça abaixada, com um capuz a cobrir sua face.

— Leve o tempo que precisar. Falarei com o outro enquanto isso.

— Obrigado, Sr. Conor. — Ele faz um sinal afirmativo com a cabeça, vira as costas e continua seu caminho.

Sento-me no chão úmido, cruzo as pernas diante da porta da grade de metal e digo: — É um lugar familiar.

Malak levanta sua cabeça, revela sua face repleta de cicatrizes e diz: — Vá embora. Não temos assuntos a tratar.

— Não é como se você tivesse algo melhor para fazer, verdade? Pelo que soube, você apodrecerá aqui. Isso se não morrer por uma doença pulmonar ou de hipotermia.

— Não finja que se importa.

— Verdade, não me importo.

— Está perdendo seu tempo aqui e você sabe disso.

— De uma forma ou de outra, eu descobrirei o que quero. A questão é: Você pode abrir o bico enquanto o que você sabe vale algo ou continuar sentado no próprio mijo até morrer.

— Você não tem autoridade para me tirar daqui.

— Eu venci o torneio. Posso pedir sua liberdade.

Malak remove seu capuz, checa suas algemas e olha para mim. — Se eu saísse, a primeira coisa que faria seria te matar.

— Não tenho dúvidas. Você poderá tentar, se quiser.

— É algum truque, não é? — Ele se inclina para frente e reflete sobre minhas palavras. Então se contorce para tentar olhar aos arredores e ver se há mais alguém por perto. — Vá embora, não tenho nada para falar.

Ao dizer tais palavras, três pessoas se aproximam de mim pelo corredor: Conor, o soldado que me entregou a pulseira e, por fim, Hector.

À medida que seu companheiro entra no campo de visão, Malak arregala os olhos e grita: — O que você está fazendo aqui?! Deveria estar em Thar agora! Eu falei para você ir!

— Não enche — responde Hector. — Aproveite a estadia aí. Isso é para você aprender a não encostar sua mão suja em mim.

— Chega! — retruca o carcereiro e empurra Hector. — Prossiga.

Conor abaixa perto dos meus ouvidos e sussurra algumas palavras, depois acompanha Hector pelo corredor. Já eu me levanto e digo: — Parece que seu amigo resolveu falar primeiro.

Malak também se levanta, apreensivo, ao passo que o som de suas correntes ecoa pela galeria. — Ele não sabe nem metade do que eu sei — aduz o prisioneiro.

— Não importa. Se meu colega disse que já sabemos o suficiente, então ele disse o que precisávamos saber. Parece que vocês têm algo grande acontecendo na Mansão Negra, não é? Não será difícil descobrir o que é agora.

— Tolo! Você não sabe na merda em que está metido. Você se acha especial, só porque conseguiu usar magia mais cedo que todo mundo? Não tem ideia dos inimigos que fez! A Mansão Negra é muito mais poderosa do que sabíamos quando você escapou.

— Então me diga... Para começar, por que não me diz como você sabia que eu estava aqui?

— Hahahaha! — O prisioneiro lança uma gargalhada que ecoa por toda masmorra.

— Para de rir aí, seu maluco! — brada o preso da cela ao lado. — Eles vão inundar o lugar.

Malak ignora a reclamação e se aproxima das grades. Com a iluminação, agora percebo que as cicatrizes que ele possui são parecidas com as que tenho pelo corpo, parecem queimaduras químicas.

— Foi alguém enviado por Erun. Um apóstolo do deus da morte nos disse onde você estava. Hahahaha!

— Fica quieto, filho da puta! Quero dormir! — grita outro preso de longe.

— Não enche, desgraçado! — responde Malak.

— Breo? — eu pergunto.

Malak arregala os olhos e se afasta das grades. — Não, como você sabe? Eu não disse nada sobre ele... — ele balbucia frases desconexas e olha para mim, com espanto. — Você...? Entendi, você não sabia...

— Não até você confirmar agora.

De fato, essa palavra surgiu na minha cabeça, durante a última luta, e parecia algo importante. Pensei se poderia ser o nome de alguém, mas não tinha certeza, não até agora. É alguém que deseja minha morte.

— Não! Droga, droga, droga! — O rapaz desfigurado leva suas mãos ao rosto e se curva. — Não disse nada, eu juro!

— Calado! — grita outro preso.

Malak me encara novamente e esbraveja: — Eu te odeio, traidor! Eu deveria ter arrebentado sua cara, junto com os outros, quando tive chance!

Depois de praguejar, Malak olha para a minha direita e recua dentro de sua cela com sua face tomada pelo medo, ao passo que se encolhe no canto. Ao vislumbrar na direção que ele espreitou, não vejo absolutamente nada.

— Eu não disse, juro que não disse... — resmunga o jovem em sua cela, no limiar de sua lucidez.

— Do que você está falando? — questiono.

— Só me perdoe, por favor.

Enlouquecido, ele passa a morder seu próprio braço, enquanto sangue verte e mancha sua boca e respinga pelo chão da prisão.

Hey! O que você está fazendo!? Pare! — Olho para os lados, e não há ninguém por perto.

Os presos passam a fazer um alvoroço em toda a prisão e, somados com os sons das águas que caem, eles abafam os meus gritos.

Eu deveria romper as grades? Não, isso pode ser uma artimanha dele para tentar fugir... Eles inundariam o lugar.

Enquanto reflito sobre o que fazer, o prisioneiro arranca com os dentes uma pequena esfera que estava abaixo da pele do seu braço e a quebra com uma forte mordida. Um pouco do líquido verde escorre por sua boca mesclado com o vermelho do seu sangue.

O brilho dos olhos, assim como a aura vermelha-escura de Malak, enfraquece até deixar de existir em um silêncio que só não é absoluto por conta dos demais detentos que berram como animais selvagens enclausurados.

Uma silhueta aparece do meu lado, translúcida e com aspecto de água, a qual muda para a aparência de Hector. Ele toca seu próprio peito e pronuncia: — Cambia figura. — Agora, com sua aparência normal de um homem de pele bronzeada e cabelos pretos, ele comenta: — Que bagunça, espero que tenha tirado algo de útil dele. Como foi o resultado?

— Deu certo, Breo era o nome de alguém importante mesmo. Ele disse ser um apóstolo do deus da morte. Falou que eu usei magia antes do que deveria, então creio que isso tenha alguma relação com o fato dele querer minha morte. Parece que eu escapei da Mansão Negra, então acho que eu fazia parte dessa organização.

— Não espalhe o fato de você ter feito parte dessa seita, isso só te trará problemas. Eu não sei quem é Breo, mas sei que é ruim estar na mira de um apóstolo de Erun.

— O que é isso?

— Seres poderosos. Não sei muito sobre eles, mas uma coisa é certa, nos momentos da história que surgiram, grandes calamidades ocorreram.

— Ele parece ter visto alguém que eu não consegui enxergar aqui. Depois disso, tirou a própria vida. Havia um veneno escondido debaixo da pele do braço dele.

— Dificilmente alguém entraria aqui e passaria despercebido, creio que ele só alucinou mesmo. Sobre o veneno sob a pele, é uma artimanha que nunca ouvi falar. Será bom que eu informe isso ao Ministério de Inteligência de Ticandar... O resultado foi bom para quem partiu do zero, parabéns.

— Eu que agradeço, Sr. Conor. Sem sua ajuda, eu não teria conseguido nada.

— Para isso que servem os amigos. Hehehe. Bora corrigir essa confusão, o pessoal deve estar uma fera com o alvoroço e precisamos alertar os guardas sobre esse prosioneiro.

— A propósito, se você estava na forma de Hector, quem era o Conor que eu vi?

— Era um clone de barro, eu te explicarei no caminho.

— Agradeço pela sua ajuda, mas eu precisarei fazer algumas coisas sozinho em Ticandar depois daqui, se não se importar.

— Sem problemas, meu caro. Esperarei por você lá, junto das garotas. Porém não demore. Hoje é o último dia para estrangeiros permanecerem em Ticandar.

— Você poderia guardar um segredo, se eu te perguntar algo, Sr. Conor?

— Claro, para isso servem os amigos.

— É errado eu me sentir bem por vê-lo morrer?

— É errado, sim. — O rapaz moreno olha para o interior da cela. —  Não devemos nos alegrar com a morte de alguém, ainda que seja um inimigo. Porém, o fato de você se preocupar com isso demonstra que é um cara legal. Só não deixe esse sentimento guiar suas escolhas.

— Obrigado, Sr. Conor.

 

Peço que deixem suas impressões (👍|😝|😍|😮|😢) e comentem o que acharam deste capítulo,

esse é o melhor presente que um escritor pode receber.

Clique aqui e siga Aelum nas redes sociais



Comentários