Aelum Brasileira

Autor(a): Marin


Volume 2

Capítulo 63: A Máscara do Coiote

GRIS

 

Aquela que atentou contra minha vida está diante de mim, de cabeça abaixada e sem olhar para qualquer um dos presentes. Sua postura altiva foi jogada ao vento e dá lugar a uma mulher submissa.

— Sua missão terminou — aduz o líder dos lumens. — Agora, assuma sua forma verdadeira.

— Sou seus olhos, Meu Senhor — responde a mulher de cabelos brancos. Ela toca o próprio peito e complementa: — Cambia Figura.

Uma luz esverdeada reveste o corpo de Vi Kari e, aos poucos, ela muda de forma, até revelar a imagem de alguém familiar, um rapaz de altura mediana, com uma armadura leve de cor verde, um capuz sobre sua cabeça e uma máscara de coiote em sua face.

Isso não é possível. Durante o festival, eu vi ambos no mesmo lugar na arena de batalha. Não podem ser a mesma pessoa.

— Eu não entendo. O Coiote e Vi Kari são a mesma pessoa? — questiono.

— Você tem permissão para revelar essa informação, Karakhan. Se assim desejar. — aduz o Lorde Khan ao seu soldado.

Sem levantar sua face ainda, o mascarado explica: — Eu posso imitar a aparência e voz das pessoas que eu já tenha visto. Porém, só assumi a forma de Vi Kari hoje.

— Era você quem presidiu o último combate?

Isso explica o comportamento estranho da presidente. Também explica como ele enganou os aventureiros durante a luta, ao assumir a face de Lin Kari.

— Sim, sinto muito pelas provocações — responde o Coiote.

— E onde está a verdadeira?

— Em prisão provisória — responde Khan. — Ela está sob investigação por atentar contra a vida de estrangeiros durante o festival de emancipação. Ela terá um julgamento justo e imparcial.

— Por que ela tentou me matar?

A contragosto, Khan responde: — Trata-se de um comportamento que repudio e é criminalizado nesta nação. Por viverem longas datas, serem habilidosos com a manipulação de fluxo e por conta da diferença de valores, alguns lumens desenvolveram a crença de que são melhores que outras raças e, particularmente, detestam mestiços.

— Se sou metade humano, devo presumir que minha mãe é humana.

— Tudo indica que sim, mas não sei quem ela é — responde Khan. — Admito que os últimos eventos fugiram dos meus cálculos. Não esperava que você se inscreveria para as lutas, estando ferido. Para alguém que pensa racionalmente, você agiu de maneira imprevisível. Pergunto-me por qual motivo?

Ele desvia seu olhar para a ruiva, a qual está a observar o nixus que repousa acima da tribuna, perdida em seus pensamentos.

— Hum!? — Alienor volta sua atenção para nós. — Ah! Perdão, acho que perdi a última parte. Poderia repetir, por favor.

O lumen apenas a ignora e continua: — Além disso, a informação de que você era mestiço só foi divulgada porque eu autorizei. Não esperava que alguém chegaria a atentar contra sua vida, não durante este evento.

— Eu posso vê-la?

— Não. Ela já está presa, e ser vista nesta condição por você só humilharia mais ainda, o que pioraria a situação.

— Certo, obrigado mesmo assim.

— É uma pena que você tenha conhecido apenas Vi Kari. Creio que, se seu avô estivesse aqui, ele seria mais receptivo.

— Eu tenho um avô também?

— Sim, Rá Kari é seu nome. Porém, ele está fora de Ticandar, em missão diplomática. Não posso dar mais detalhes sobre isso.

— Obrigado pelos esclarecimentos, Lorde Khan.

— Vencidas tais questões, voltemos ao assunto principal: Eu disse para você assumir sua forma verdadeira, Karakhan — enfatiza o líder lumen ao mascarado.

O Sr. Coiote levanta o rosto pela primeira vez, seu corpo enrijece e ele pergunta com uma voz baixa: — Meu Senhor?

— Você quebrou o juramento da máscara, seu rosto foi visto. Antes disso, você desrespeitou uma ordem direta. Sua missão era manter Kali em Ticandar, mas você a acompanhou para fora da cidade e a deixou escapar. Confiscarei a máscara do coiote.

— Lorde Khan, a culpa foi minha — eu digo. — Ele só saiu para me ajudar.

— Não, não, eu sou a culpada — argumenta Alienor. — Fui eu que insisti em sair da cidade. Ele só saiu por minha causa.

— Cambia Figura — sussurra o Sr. Coiote com uma voz melancólica, ao passo que remove sua máscara e a estende em direção ao líder.

Seu corpo volta a brilhar em verde, enquanto lentamente se torna mais robusto e alto. Aquele a quem vejo agora é um homem com aproximadamente vinte e cinco anos, ele tem um metro e oitenta de altura, é bem musculoso, com cabelos pretos, olhos castanhos e uma pele da cor do bronze.

— Agradeço a intenção de vocês, mas não precisam assumir a culpa por mim. Meu mestre está certo, eu quebrei meu juramento e o desobedeci. — O rapaz se curva em direção ao Lorde Khan e apresenta sua máscara. — Perdoe-me, mestre. Paguei sua gentileza com desonra. Aceito a punição.

Khan confisca a máscara com cuidado, então caminha até a uma grande mesa redonda e a guarda em uma caixa de madeira adornada com ouro. Ele a coloca em uma gaveta sob a mesa e a tranca em seguida.

— É uma máscara muito bela. A deixarei guardada aqui por um século ou dois para que não se deteriore ou se quebre novamente. A não ser que algum dia você decida voltar para buscá-la.

Apesar de sua pele morena, o rosto do rapaz ruboriza, e ele abre um sorriso para dizer: — Obrigado, Grande Khan.

— Conor.

— Sim, meu mestre — responde o rapaz moreno, ao passo que entra em posição de sentido.

— Tenho uma última missão para você.

— Serei seus olhos, Meu Senhor.

— Você acompanhará Kali em sua viagem e a protegerá dos perigos, a manterá com vida. Guarde em segredo o fato dela ser uma santa, ou atrairão olhares de cobiça.

— Sim, Grande Khan.

— Mais uma coisa. Eu te libero dos seus deveres como lumen. Você não tem mais obrigação de cumprir com a missão que acabei de dar. Você é livre agora, Conor. Proteja Kali, volte para a sua terra para ver seu irmão ou faça aquilo desejar. Quando você escolheu vir aqui, não tinha opções, mas agora você as terá.

— Protegerei Kali, mestre.

— Agrada-me saber disso, meu aprendiz. Saiba que Laofan agora é o alfa da Aldeia de Hulha, e o último relatório indicou que ele e seu clã estão bem.

— Obrigado.

— Mas devo alertá-los também que desde o evento do céu de sangue, há treze anos, o rei de Nila Velum prepara uma invasão a Kordara.

— Mestre — aduz o rapaz de pele bronzeada —, mas é impossível um exército chegar aqui.

— Sim, o Mar de Betume impede que os adoradores de Nila saiam do continente da morte. Entretanto, labirintos repletos de demônios passaram a surgir em Kordara e tenho razões para crer que há relação entre os dois fatos.

— Mas como isso se encaixa com essa guerra? — eu pergunto.

— Ocorre que, muitos dos demônios, que só são encontrados naquele continente, foram avistados aqui em Kordara. Inclusive, um labirinto surgiu na área sul da Floresta de Prata.

— A guilda mandou alguns aventureiros lá... — comento.

— Sim, apesar dos meus avisos, a Guilda de Aventureiros insistiu em resolver o problema, o que custou a vida de muitas pessoas talentosas.

— Átrios está morto?

— Não, ele foi salvo por Valefar e se encontra em sua clínica, porém pagou um preço alto por entrar naquela estrutura.

Creio que seria bom eu vê-lo. Átrios parece ser capaz de recuperar minhas memórias.

— Não adiantará procurá-lo — aduz Khan. — O médico das chagas não está em condições de te ajudar e, mesmo se estivesse, não possui a habilidade que você precisa.

Como ele sabe que eu queria ir até ele? Ele sabe o que eu quero? Será que Khan consegue ler minha mente?

— Não, eu não li sua mente, Gris. — explica Khan. O rapaz moreno contém seu riso ao perceber minha confusão. — Você é racional e isso é bom, mas o torna previsível.

— Nunca havia pensado dessa forma.

— Não se acanhe por isso. Eu digo porque também já fui assim, até que meu tolo irmão abriu meus olhos. Porém, isso não vem ao caso agora, você deseja reaver suas lembranças, certo?

— Sim, o senhor poderia fazer isso por mim?

— Está além das minhas capacidades. — Kali encara o líder lumen com espanto. — Sim, Calíope, ele necessita de uma magia de vida de alto ciclo e só conheço uma maga capaz de fazer isso. Se ela não puder fazer, então ninguém mais conseguirá.

— Quem é a pessoa?

— Eu direi seu nome, mas quero que você faça duas coisas por mim em troca, Gris. Se você a encontrar, diga a ela que “a lamuriante trama algo”. Além disso, alguém te procurará em breve, dirá que um amigo em comum a enviou, e ela te dará um presente. Você deverá aceitá-lo.

— Assim eu farei.

Não vejo nada demais em suas condições.

— O nome da maga de vida que pode te ajudar é Ariel Beltrate.

Nunca ouvi falar dessa pessoa. Pela reação dos demais, eles também não sabem.

— Não posso revelar onde ela está. Ela é caprichosa e ficaria furiosa comigo se eu divulgasse tal informação, mas tenho certeza que você conseguirá encontrá-la.

— Muito obrigado, Lorde Khan. Espero que o senhor não se ofenda, mas tenho outro pedido a fazer. Eu gostaria de falar com Malak de Thar antes de partir.

— Permito. Peça para Conor te levar às masmorras dos aquedutos, e os soldados estarão avisados da sua visita. Em todo caso, creio que ele não revelará muitas informações, então já adianto que ele é um assassino de Erun.

— Muito obrigado, Lorde Khan. Estarei em dívida com o senhor.

— Mestre — aduz o rapaz de pele bronzeada, enquanto se curva. — Permita-me que eu me despeça do Máscara de Lobo?

— Você conhece as regras, Conor. Um civil não pode tratar de assuntos pessoais com um Karakhan. — Um semblante de tristeza toma conta do rosto do rapaz. — Porém, estou tão ocupado com meus afazeres que tenho absoluta certeza que, se você o vir ali fora, eu não notarei. Assim como eu não notei o que você fez durante sua última missão.

Com um sorriso no rosto, Conor junta suas mãos em um sinal semelhante a uma oração e diz: — Obrigado por tudo, Grande Mestre.

— Espero que chova depois da semeadura e faça sol em suas colheitas — responde o líder dos lumens ao indicar com a mão a saída.

Ao passar pela porta, algo que não tinha notado ainda me vem à mente. Khan sabe que Lin Kari está morto. Está ciente que era meu pai. Ele sabe que seu aluno morreu pelas mãos de Valefar?

Volto-me para trás, vejo o interior da câmara e troco olhares com o Lorde Khan uma última vez, até que a porta se fecha entre nós.

 

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