Volume 2
Capítulo 62: Revelação
GRIS
Ao deixarmos o elevador, nos deparamos com o primeiro lugar de Ticandar que conhecemos: A Alta Câmara, o ponto mais alto da cidadela, onde os anciões se reúnem.
Assim que nos vê, um dos guerreiros armadurados vem em nossa direção. — Este andar não é aberto ao público — diz o soldado.
— Nós solicitamos uma audiência com o Lorde Khan — respondo em sua própria língua, à medida em que apresento a medalha dourada.
— Hum? Virou poliglota? — questiona Alienor em tom jocoso.
Apenas a encaro, e ela responde com um sinal de que ficará quieta. Essa fanfarrona aprendeu a linguagem dos sinais que usamos na mata.
O soldado franze o cenho, pega o emblema de minha mão e o confere. — Acompanhem-me, por gentileza.
Ao entrarmos na câmara, subimos suas escadas e paramos novamente em frente a enorme porta do salão do líder lumen. Um homem com uma máscara de lobo está de vigia do lado de fora. Esse Karakhan parece forte.
O guerreiro mascarado faz um sinal com a mão para nos deter e diz: — Auto. Este local é restrito. Em que posso ajudá-los?
— Gostaríamos de uma audiência com o Lorde Khan. — Mostro a medalha para ele.
O Karakhan pega o objeto, o analisa por um instante, me devolve e diz: — Dou as boas-vindas aos honoráveis vencedores do torneio. — Ele coloca seu braço direito em frente ao peito e se curva levemente, o que me lembra um pouco o Sr. Coiote.
— A partir daqui, vocês estarão na presença da encarnação de Kaz Aragon, deus da criação e da sabedoria.
O mascarado abre a porta gigante e nos indica de maneira cortês para entrarmos.
Depois de obedecer ao comando do karakhan, vislumbro as mesmas duas figuras que da última vez. O lorde Khan nos aguarda no centro da sala, e a besta está de vigia em um canto da tribuna.
— Gris e Alienor de Vermilion, alegro-me por vê-los com vida e saudáveis — aduz Khan, à medida em que nos aproximamos. — Muito melhores que da primeira vez, devo pontuar.
Antes que eu possa dizer qualquer coisa, Alienor toma a palavra.
— Vossa Excelência, receio que não agradeci apropriadamente da última vez. Além de me curar, também me presenteou com este objeto, o qual salvou minha vida.
A ruiva se curva de maneira nobre e delicada, pega a capa que foi dada antes de presente e estende ao lumen para devolvê-la.
— Por um momento, duvidei se não era a própria Rainha Heloísa de Vermílion em minha presença — responde Khan. — Fique com o manto, Lady Vermilion. Um presente foi dado, e em sua posse deve ser mantido.
— Obrigada — responde Alienor, ao se curvar novamente.
Ela olha para mim, discretamente, e dá uma piscadinha para me provocar. Sua maldita, isso foi só para caçoar de mim?
— Apesar de perderem o campeonato do festival, estão em posse da medalha dourada.
— Sim, aqui está, Lorde Khan. — Apresento o objeto a ele, e o líder lumen o recolhe.
— Contudo, antes de tratarmos disso, receio que você me deve uma resposta, Gris. Aceitará se tornar meu discípulo e passará a viver em Ticandar?
Não é uma proposta ruim. Está mais que claro que os benefícios são grandes. O líder lumen sabe usar magias sem recitar palavras. Também o vi usar uma magia de fluxos opostos. Quando ele surgiu na arena como um raio, o fluxo era cinza.
Ele disse que a promítia não fará efeito em mim em algum momento. De fato, ela não faz efeito em Valefar também, então deve ser verdade. O mais lógico seria aceitar.
— É uma grande honra essa proposta. Porém, eu recuso, Excelência. Cansei de ficar preso a um só lugar — digo isso de cabeça baixa.
— Você é mesmo filho de Lin Kari — responde o Lorde Khan, ao passo que coloca sua mão em meu queixo e me obriga a levantar a cabeça. — Seus olhos são tão negros como uma noite sem lua, o completo oposto dos dele. Mas, com toda a certeza, é filho do imune.
— O Sr. o conhecia?
Khan solta meu rosto e argumenta: — Já ensinei diversas pessoas talentosas a manipular o fluxo. Lin Kari foi uma delas, um dos alunos mais brilhantes. Ele nasceu para combinar a criação e destruição, o fazia como se fosse uma tarefa corriqueira. Dava a impressão de que ele aprendeu a atravessar paredes antes mesmo de saber andar.
— Parece que era alguém incrível.
— Era, mas tinha um defeito que custou sua vida.
— Por ser um imune...
— Não, ser um imune não é um defeito, em que pesem os riscos e as responsabilidades de sê-lo. A falha de Lin Kari era seu desejo de sair de Ticandar, sem estar pronto para os perigos que existem além da Floresta de Prata.
— Pensei que a Floresta de Prata fosse o lugar mais perigoso de Aelum.
— Muitos pensam assim, e não os culpo. Mas não é verdade.
— Ainda assim, eu recuso. Não ficarei preso aqui só pelo medo.
— Uma mentalidade digna de um caçador. Sua decisão foi tomada, e por mim será respeitada. Caso ainda esteja vivo até o próximo festival, eu te convido a me procurar. Você será bem-vindo, e eu renovarei minha proposta.
— Obrigado, Lorde Khan — respondo.
— Agora, vamos à questão do prêmio — aduz o lumen. — Por vencerem o torneio, eu lhes concederei um desejo que esteja ao meu alcance. Caso não esteja ou não seja do meu interesse, substituirei a recompensa por um artefato imbuído de uma magia de Classe C, de único uso. Um objeto mágico assim valeria mil peças de ouros imperiais, no mínimo.
— Sinto muito, Gris. Creio que não temos escolha a não ser aceitar o artefato — aduz Alienor em tom sarcástico, na medida que esfrega as pontas dos dedos.
— Alienor...
— Eu sei, é brincadeira. A escolha é sua, lembra?
Verdade, antes da primeira luta, ela disse que eu poderia escolher o prêmio. Deixo escapar um sorriso. Desta vez, ela consegue perceber.
— Lorde Khan, por favor, permita que Calíope deixe Ticandar.
— Não — é a resposta do líder dos lumens.
— Não?
— Espere — contesta Alienor. — Um desejo assim já não foi concedido no passado?
— Sim, Lin Kari fez o pedido, e o deixei partir há quinze anos. Porém, ele conquistou por mérito próprio sua saída. Além disso, Kali é muito mais valiosa para Ticandar que o artefato ou que o próprio Lin Kari foi.
— A questão é dinheiro? Se for isso, eu posso trabalhar e juntar.
— Não, jovem imune. Uma santa vale mais que todas as moedas de ouro existentes em Aelum juntas, já uma santa lumen, a qual pode viver por um milênio, valeria mais ainda.
Ele ainda não encerrou a negociação. Deve haver algo que ele queira em troca.
— Então qual a sua exigência para libertá-la?
O líder lumen demonstra um sorriso, se vira em direção à porta de entrada e aduz: — Pode entrar. — O portal se abre e revela uma lumen de baixa estatura, com olhos verdes e sardas em suas bochechas.
A garota de cabelos brancos passa pela porta, a qual se fecha em suas costas, e caminha de cabeça baixa até nós. Em suas mãos, há algemas de pretas e brancas. — Aqui estou, Lorde Khan — diz Kali.
Ele se aproxima da lumen e toca com sua mão direita as algemas de promítia, as quais derretem de seus pulsos. Kali levanta seu rosto e arregala seus olhos. — Mestre? Eu não entendo.
O líder lumen não diz nada, apenas repousa sua mão direita sobre o ombro de Kali. No braço direito de Khan, assim como em sua face, surgem algumas escamas esverdeadas, à medida em que seus olhos brilham como esmeraldas.
Uma colossal quantidade de fluxo verde-claro se reúne no ambiente e é direcionada ao corpo de Khan. A luz e densidade de fluxo é tão grande que me obriga a desviar a face e cobrir os olhos com os braços.
— O que é isso? — questiona Alienor, assustada.
— Não sei. — Seguro a mão da ruiva e a puxo para trás.
A magia se encerra, o fluxo diminui e se estabiliza. Já o conjurador respira fundo e diz com uma voz imperativa: — Três opções te darei, e apenas uma escolha você fará, Gris.
Kali arregala os olhos ao ouvir tais palavras e questiona: — Lorde Khan, o senhor usou uma revelação por causa dele? — A lumen olha para mim, franze a testa e cerra seus punhos. — O que você fez!?
Khan faz apenas faz um sinal com a mão, e Kali abaixa a cabeça, sem dizer mais nada.
— A primeira opção é que eu te darei exatas trinta mil peças de ouros imperiais em troca da medalha, mas Kali continuará aqui. A segunda, Kali será liberta, mas você desistirá de saber mais sobre seu passado. A terceira, Kali também será liberta, porém você jurará protegê-la com sua vida enquanto ela estiver fora de Ticandar.
São três opções totalmente estranhas e não parecem ter qualquer conexão entre elas. As duas primeiras são contraditórias. Em uma, eu teria o exato valor em dinheiro para entender sobre meu passado, já em outra, eu desistirei dele.
A primeira opção é tentadora, mas não abrirei mão de ajudar Kali, então está fora de questão. Também não abrirei mão de saber mais sobre mim.
Se terei de protegê-la, significa que estarei preso a ela enquanto estiver fora daqui. Kali parece querer dizer algo, mas ela não desobedece a ordem que lhe foi dada e se mantém quieta.
— Escolho a terceira opção, Lorde Khan.
— O meu desejo era te manter aqui, em segurança, Calíope. Porém a Floresta de Prata é pequena demais para alguns lumens. Concederei o desejo de Gris e permitirei que você deixe Ticandar.
Ela olha para mim e pergunta: — O desejo dele? Eu não entendo.
— Sim, Gris e Alienor lutaram contra os vencedores do festival e lograram o prêmio. Eles reivindicam sua liberdade.
Uma lágrima escorre pelo rosto da jovem lumen, ao ouvir as palavras de Khan, porém sua resposta não é a que eu esperava: — Mas... eu não quero mais partir.
— O quê? — indaga Alienor. — Agora que você conseguiu o que queria?
A lumen olha para o piso de madeira e responde com uma voz embargada: — Lin está morto. Eu prometi que o encontraria lá fora, mas agora... — Kali se rende às lágrimas e continua. — Eu tentei, mas não consegui sair antes, eu juro que tentei...
Khan a abraça, traz para perto de seu peito e diz: — Está tudo bem, eu também sinto falta dele.
— Desculpe, mestre. — Continua a lumen. — Meu Senhor tinha razão, eu deveria ficar aqui. Cumprirei minha pena e aceitarei minha responsabilidade.
— Você é parecida com seus pais, por isso sei que você ainda deseja ir. Gris pagou um preço alto pela sua liberdade, então vá com eles e passe um tempo lá fora, veja com seus olhos o que é Aelum.
Khan solta a lumen, coloca sua mão sobre sua cabeça: — Tenho certeza que é o que sua mãe e também Lin Kari desejariam. Vá, tenha cuidado e, caso se arrependa, busque por um balseiro e volte a Ticandar.
A lumen relaxa seu corpo e deixa de chorar. — Obrigada.
— Claro que, se voltar, cumprirá a pena pelos seus crimes. Mas, deixaremos esse problema para o futuro.
A lumen revela um sorriso e enxuga suas lágrimas com a manga de sua blusa.
— Agora, só falta um detalhe — diz o líder lumen e vira sua face para o lado. — Revele-se.
Do mesmo lugar que ele fitou, surge uma silhueta da forma de uma pessoa, porém translúcida como a água. Gradativamente, seu corpo fica cada vez mais nítido, até revelar uma mulher lumen de olhos prateados: Vi Kari.
Peço que deixem suas impressões (👍|😝|😍|😮|😢) e comentem o que acharam deste capítulo,
esse é o melhor presente que um escritor pode receber.
Clique aqui e siga Aelum nas redes sociais