Volume 2
Capítulo 28: Aventureiros
CINTIA
Creio que já fazem seis meses desde que partiram. Como será que eles estão? Espero que bem, pois receio que este será o ponto mais perigoso: Atravessarem a orla interior da Floresta de Prata.
Joatan me contou que, se todos os exércitos de Aelum unissem forças para atacar Ticandar, não seria uma vitória garantida, e que isso não se dá só pela força dos lumens, mas sim por quão perigosa é a floresta que os cerca.
Não sei se é exagero da parte dele, mas creio que não é do feitio do barão brincar com algo tão sério. Ele é um homem pragmático e não ganharia nada ao mentir para mim.
Além disso, o barão é muito experiente em assuntos militares, sendo assim, não conheço ninguém melhor para que entenda sobre isso...
— Não esqueceu da minha cerveja, Srta. Cintia? — diz um anão aventureiro.
— Já levarei até vocês, Sr. Barathun! Porém hoje não venderei mais que três canecas para você, e, caso queira arrumar briga com alguém, será lá fora!
— Sobre ontem, foi só um desentendimento e não voltará a acontecer — responde o anão, todo encabulado, ao passo que coça sua barba.
— Humpf! Acha que eu nasci ontem? — respondo a ele.
Antes de servir ao cliente, vou até a janela e vejo uma garota loira, a qual brinca do lado de fora, então digo: — Laura! Preciso da sua ajuda. Você pode brincar mais depois.
— Sim, Srta. Cintia, eu já vou! — responde a garota, a qual olha para seus amigos e complementa: — Pessoal, preciso ir à estalagem para ajudar a Srta. Cintia. E, Breo, pare de roubar, pois estarei de olho em você dali. Hahaha.
O garoto dá uma risada tímida e coça a cabeça, já os colegas riem dele. É impressão minha ou Laura está ficando parecida comigo? Não... deve ser coisa da minha cabeça.
A cidade está cheia, e a estalagem também, pois vários mercadores e pessoas importantes se reúnem aqui hoje.
Ao que tudo indica, Thar anunciará o reconhecimento de Lumínia como uma cidade, dado o seu crescimento. Por isso, certas mudanças devem ocorrer aqui, e creio que isso será bom para os negócios, pois atrairá a atenção de comerciantes e instituições importantes, entretanto me preocupa a implantação da igreja aqui.
Além disso, em que pese a paz entre Galantur e Thar, receio que o crescimento de outra cidade imperial possa deixar os ruivos agitados.
Também há outro motivo para que a cidade esteja cheia, afinal Lumínia é caminho até Ticandar para muitas das cidades deste continente, por isso grande parte das pessoas, que desejam ir ao festival lumen, passam por aqui antes.
Por falar nisso, espero que, quando Alienor descubra o que é o festival lumen, aqueles dois consigam contê-la. Bom, creio que o V. resolverá isso, pois a raposinha tem bastante medo dele.
— Aqui está, Senhores: Suas bebidas. — Entrego os pedidos aos aventureiros. — Já para comerem, hoje é um dia especial e, portanto, há feijoada. Que tal provarem?
— Ah! Então era isso que estava cheirando tão bem — comenta o anão —, eu quero sim. Coma também, Verônica. Você já está muito magra e precisa se alimentar melhor. Diga a ela, Filemon.
A jovem garota está cabisbaixa, não mantém contato visual nenhum com seus companheiros e tampouco comigo. Que pecado, é uma jovem tão linda, de cabelos loiros e cacheados, e olhos azuis. Porém, deve ter passado por maus bocados.
Cogitei que, por ventura, estes não fossem seus companheiros, dada a tristeza em que se encontra, e que eventualmente poderiam tê-la coagido de alguma forma. Todavia, já os analiso há dois dias e estou convicta de que são todos bons amigos. Porém creio que algo ruim aconteceu com eles, mas não tenho intimidade para tocar no assunto.
— Barathun tem razão, Verônica, e você precisa se alimentar. O restante da viagem será perigoso, portanto precisaremos estar em perfeitas condições — diz um homem negro, com cabelo raspado e barbas longas, vestido com uma túnica de cor bege.
Ele possui um sotaque forte, e claramente é de alguma das cidades do deserto de Adarik. Entretanto, apesar dos conselhos de seus amigos, a garota não se move. Por isso, eu me sento ao seu lado, já ela responde com um olhar de confusão.
— Dois marmanjos incomodando uma garota... — digo aos aventureiros. — Bom, agora somos duas contra dois. Ficará mais justo assim. — Olho para a garotinha loira, faço um sinal para ela vir até a mesa. — Laura, traga mais uma cerveja para mim também!
— Srta. Cintia, você vai mesmo beber, enquanto eu faço todo o trabalho?
— Vamos logo, mocinha, este será um teste para ver se você aprendeu tudo que eu lhe ensinei.
Laura coça sua cabeça e depois diz: — Ah! Entendi. Farei o meu melhor. Senhores, vejo que a Srta. Cintia já serviu suas bebidas, mas que tal aproveitarem que hoje é dia de feijoada? A feijoada só é servida em dias especiais, portanto seria uma pena se vocês perdessem esta oportunidade de provarem desse prato!
— Caramba! Olhem só para essa garotinha. Como ela é eloquente! — diz o homem das terras áridas.
— Verdade, que menina fofa. Eu aceito comer sim, minha querida — diz Verônica.
— Rá! Quando é uma garotinha você aceita, mas quando o anão aqui fala, você nem responde. Você vê isso, Filemon? Que falta de respeito, e é só porque sou um anão... — fala Barathun, em tom de brincadeira, ao passo que se levanta de sua cadeira.
Vejo que ele é um anão muito forte e alto, para alguém de sua raça, deve ser um guerreiro habilidoso. Aliás, creio que todos eles sejam aventureiros experientes. Não é comum vê-los aqui em terras tão calmas, apesar que ultimamente...
— Está decidido, pode trazer uma porção de feijoada para cada um, que hoje é por minha conta — aduz Filemon.
— Ótimo! Coma e beba conosco, Srta. Cintia — complementa o anão.
Porém, na medida em que o anão faz o convite, vejo uma mulher com cerca de cinquenta anos, de cabelos grisalhos, a qual entra pela porta principal da estalagem.
— Ah! Sinto muito, eu disse que beberia com vocês, porém preciso resolver um assunto. Mas espero que aproveitem... Se eu não demorar, prometo que voltarei aqui. Cuidem bem da Srta. Verônica, pois estarei de olho em vocês. Hey, Laura! Termine o atendimento desta mesa.
— Pode deixar, Srta. Cintia — a garota responde.
Assim, eu caminho em direção à mulher que acaba de entrar. Vejo que ela observa tudo com olhar de desprezo, até mesmo os clientes, os quais já começam a notá-la.
— Pensei ter dito para você não voltar aqui nunca mais — digo à mulher, cujas marcas de expressão já estão muito mais visíveis que da última vez que a vi.
— Vejo que se tornou grosseira com o tempo, Cintia. Não lembro de ter ensinado isso. Você deve ter aprendido com seu pai.
— Não ouse falar do meu pai com essa sua boca imunda! — Aponto o dedo em direção à mulher, a qual se acua.
Ela observa novamente a estalagem e diz: — Parte disto aqui é meu, e você sabe muito bem.
— Está precisando de dinheiro, é? O que ocorreu? Seu marido chutou sua bunda enrugada?
— Ora, sua estupida! Não lhe ensinei a falar esse tipo de coisa! — exclama a mulher.
— Quando você deixou este lugar — respondo —, haviam mais dívidas do que bens. Se quer algo daqui, é melhor começar a desembolsar o dinheiro e me pagar. Porém saiba que cobrarei juros por tudo, até a última moeda.
— É o que você diz, minha filha, mas eu soube que haverá mudanças na cidade, e uma igreja de Dara será erguida aqui. Eu já me informei sobre o assunto e poderei pedir a partilha. Será a igreja a decidir questões de casamento e herança agora. Veremos o que eles decidirão.
A porta da estalagem se abre de novo. Por ela, atravessa um homem que deve ter uns sessenta anos de idade, com cabelos curtos e brancos. Mas ele é tão alto e forte que precisa se abaixar antes de atravessar pela entrada.
Seu rosto possui cicatrizes, assim como seus braços, e é certamente um guerreio veterano de linha de frente. Alguém que qualquer soldado desejaria ter ao seu lado, mas nunca nas fileiras inimigas.
— Sinara — diz o guerreiro —, eu ouvi dizer que você retornou à Lumínia, e não me avisou. Portanto, vim ver com meus próprios olhos o rosto da mulher que desobedece a minha ordem. Estou seguro que te condenei ao exílio da última vez.
— Humpf! As coisas estão mudando, e eu sei que a igreja de Dara virá e mandará um representante até aqui. Não é você quem decide essas coisas, Joatan.
— Ah! Então é isso. Sempre te sobrou astúcia na mesma medida em que faltou inteligência. Receio que você peca nas questões formais. Lumínia ainda é um vilarejo, e não foi formalizada a sua constituição como cidade. Creio que ainda tenho algumas horas para te enforcar por desobediência, e ninguém reclamará disso... Noto que o Sr. Bernardo era muito melhor que você nessas questões burocráticas. — diz Joatan, o barão, então ele me olha e complementa:
— Agora questiono à proprietária deste estabelecimento: Deseja terminar sua conversa com essa criminosa, ou já posso levá-la?
— Não tenho nada a tratar com ela, mas também não desejo o seu mal.
— Pois bem, em respeito à vontade da nossa respeitável cidadã, contarei até dez e sairei da estalagem. Se eu ainda vir alguma criminosa em meu campo de visão, ela será morta.
— Não pense que eu... — diz Sinara.
— Um! — interrompe o barão.
— Você acha mesmo que...
— Seis... Melhor correr, pois não sou bom com números. Oito.
A mulher abre a porta e corre, desesperada.
Joatan olha para meu colar, dá um sorriso e diz: — Tenha um bom dia, Srta. Cintia. Preciso cuidar dos detalhes da festividade, junto de minha esposa, a qual me aguarda, furiosa.
— Muito obrigada pela ajuda, Meu Senhor.
Dessa forma, eu me viro em direção à mesa dos aventureiros e percebo algo muito peculiar, pois Verônica, Barathun e Filemon estão com uma nova convidada e conversam, na medida que comem feijoada. A convidada, sentada à mesa, é Laura.
— Isso mesmo, pequena... Lá em Ticandar, pois em alguns dias ocorrerá um evento lá e tal — diz o anão.
— Mas não fica no meio da floresta? — contesta a menina loira, preocupada.
— Sim, nós três vamos atravessá-la e chegaremos na cidade dos lumens.
— Acho melhor vocês não irem. A Floresta de Prata é cheia de bestas perigosas. Lá também tem um monstro, e ele rapta pessoas, as mata e transforma as almas delas em vaga-lumes...
Verônica, agora mais desenvolta, abraça a Laura, olha para mim e diz: — Quanto você quer por ela, Srta. Cintia? Pago cinquenta peças de ouro. Nós vamos levá-la a Ticandar também, e não precisa nem embrulhar.
— Não, não, eu não quero ir com vocês! — contesta a menina.
— Hahahaha. Rejeitada por uma garotinha! — caçoa Barathun.
— Por sessenta peças de ouro eu a vendo.
— Srta. Cintia! — grita Laura.
— Hahahahaha! — Todos eles riem, menos a loirinha.
— Sinto muito, mas essa garotinha não está à venda — digo a eles. — Além disso, quem mais trabalhará para mim aqui?
— Humpf! — resmunga a menina e depois completa: — Mas, hein! Se vocês virem um garoto de cabelos cinzas lá, digam para ele vir aqui em Lumínia brincar comigo. O nome dele é Gris, e ele vai no festival também. É desta altura e é bem rápido. Não tem como errar.
— Ele deve estar um pouco mais alto agora, pois já passou um tempinho, Laura. Hehehe. — digo a ela.
— É verdade! Então ele deve estar mais ou menos assim agora. — Ela se corrige.
— Se virmos alguém assim, diremos a ele. Pode deixar, minha pequena — responde Verônica, a qual continua a esmagar Laura em seus braços.
— Mas a Laura tem razão. Tomem cuidado com a floresta, é perigosa — digo a eles.
— De fato, Senhorita — responde Filemon —, mas está tudo bem, pois o nosso ex-companheiro nasceu lá, e ele nos ensinou o necessário para chegarmos em Ticandar com segurança.
— Imagino que seu amigo seja um lumen — falo isso, porém noto que eles se entristecem, principalmente Verônica.
— Sim, ele era... — responde o homem das terras áridas.
Droga, acho que toquei em um assunto delicado. Pela reação dos aventureiros, é um colega falecido.
— Perdão, não era a minha intenção tocar em um assunto sensível.
— Não há problema, isso aconteceu há algum tempo já. Nós vamos até a floresta iluminada para avisar aos parentes dele — diz o anão guerreiro.
— Entendo, sendo assim, lhes desejo uma boa viagem.
— Obrigado, Senhorita — diz Barathun. — Na verdade, nós pretendemos ir a Ticandar, mas estamos cogitando voltar para cá depois. Estão instalando uma guilda aqui, por conta dos demônios que vêm surgindo.
Ultimamente alguns demônios começaram a perambular pelas plantações de trigo e mataram alguns animais por esta região. Os soldados fazem o que podem para controlá-los, mas creio que aventureiros sejam melhores para lidar com isso.
Contratar os aventureiros de Galantur ou da Capital do Aço é muito caro, dada a distância, e as pessoas daqui não suportam pagar tais preços ainda.
— Sim, eu também ouvi dizer — respondo —, e Lumínia vem crescendo bastante nos últimos anos. Uma guilda será necessária mesmo, mas não creio que pagarão muito, porque esta região é bem calma, salvo estes demônios recentes.
— É, mas não é problema. Nós três queremos diminuir o ritmo por algum tempo também e descansar.
— Uau! O local está cheio hoje — diz um homem suspeito, de aparência única, que acaba de chegar — Hey! Vocês viram uma senhora que saiu correndo desesperada daqui?
— Sr. Bigode! — grita Laura, a qual tenta se livrar de Verônica, mas falha.
— Caramba! — responde Alan. — Parece que sequestraram uma menina loira que ficava por estas bandas.
Bom, parece que a avaliação do desempenho de Laura resultou em um fracasso total, portanto resta a mim a tarefa de atender aos clientes.
— Cuidem dessa mocinha para mim, por gentileza. Eu preciso atender aos demais.
— Sim, Srta. Cintia! — respondem os três aventureiros veteranos, os quais já estão mais animados agora.
Creio que Laura tenha o dom de trazer alegria.
Peço que deixem suas impressões (👍|😝|😍|😮|😢) e comentem o que acharam deste capítulo,
esse é o melhor presente que um escritor pode receber.
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