Volume 2
Capítulo 29: Impetus
GRIS
Em pares e opostos: Luz e escuridão, criação e destruição, vida e morte. O professor me explicou há seis meses que os alicerces da realidade foram moldados em pares opostos. Essa foi a primeira lição dada por ele antes de iniciarmos o meu treinamento.
Há algo que não seja dividido assim, algo que seja único? Foi a pergunta que eu fiz a ele, mas sua resposta não fez sentido algum: Dentre os fundamentos do mundo, se há algo único, então é algo que não existe ou não deveria existir, foi sua resposta.
A vontade do guerreiro, impetus, é oposta à manipulação de fluxo, magia. A magia serve para manipular o fluxo ao nosso redor, enquanto o impetus manipula o fluxo em nosso interior.
É uma técnica perigosa, pois alterar o fluxo dentro do corpo também significa alterar o formato da nossa alma, portanto qualquer imprecisão durante o treinamento pode resultar no colapso do recipiente, o corpo. Ou seja, a morte.
Bum!
Esse é o motivo das pessoas esperarem completar quinze anos para começar a treinar o impetus, ao passo que a magia é ensinada para as pessoas com mais de doze anos, idade na qual ela se manifesta pela primeira vez.
É normal para aqueles com aptidão para a magia já abandonarem o impetus tanto pelo resultado mais rápido daquela, quanto pelo risco do treinamento desse. Todavia, o professor disse que, se eu estiver sob sua tutela, não tenho o que temer.
Nesses últimos meses, aprendi quatro dos cinco dons do impetus: Os sentidos aprimorados, a resistência à danos, a resistência mental, a manipulação de massa e, o que eu preciso terminar de aprender agora, o aprimoramento de força.
— Podemos começar, Gris — diz o professor.
Ao respirar, deixo o ar tomar conta de meus pulmões, sinto o calor sair do ambiente e tomar conta do meu corpo. Momento em que não posso deixar este calor se dissipar. Agora, expiro.
Bum!
— Alienor! Pare de explodir as coisas. Estou tentando me concentrar aqui! — grito para ela.
— Ah! Deixe de ser chato. Eu estou fazendo algo importante aqui também — responde a raposa, a vários metros de distância. — Concordei em ficar em silêncio lá na floresta, mas não aqui. Vou fazer barulho até meu fluxo acabar, entenderam!?
— Não há problema, Gris — diz o professor —, pois você já refinou fluxo suficiente nos últimos dias. Já pode tentar novamente.
— Oba! Quero ver isso também — diz a raposa, a qual para de explodir as coisas e corre em nossa direção.
— Fique longe, Alienor. Ainda é perigoso se manter perto dele enquanto estiver sem o colar.
— Tá bom! Mas esperem eu ter um bom ângulo de visão para começarem. Hahaha. — argumenta Alienor, ao passo que se afasta e saltita para longe.
Eu me levanto do chão. Estamos em campo aberto, ao leste da Floresta de Prata e ao oeste de Galantur, já ao norte é Lumínia. Estamos aqui para que nenhuma besta atrapalhe meu treinamento.
Eu já falhei cinco vezes. Já aperfeiçoei os demais dons que deveriam ser mais difíceis, mas este que seria um dos mais fáceis é o que levo mais tempo para terminar. Por que será que tenho tanta dificuldade logo agora?
Olho adiante, e aqui está uma rocha. Ela tem uns cinco metros de raio e uns três de altura. Nela há algumas rachaduras, causadas pelos vários impactos das tentativas anteriores.
— Como das outras vezes — diz o professor. — Espalhe o fluxo pelo seu corpo, flexione os joelhos e bata com a mão aberta, com a parte inferior da mão, pois isto evitará que se machuque. Se concentre somente nisto e não se preocupe em sair do controle, pois, durante o uso da técnica, nenhuma magia sua se ativará e, mesmo que ocorra, eu não serei ferido.
— Certo, professor.
— Então faça, e leve o tempo que achar necessário.
Flexiono os meus joelhos à medida que levo meu braço esquerdo para trás. Olho para o objetivo.
Aumento a resistência do meu corpo para não sofrer com o recuo. A terra começa a ceder por conta do aumento do meu peso, o que faz meus pés começarem a afundar gradativamente na terra, como se eu pisasse em areia.
Então, com um movimento rápido, eu golpeio com a palma da mão esquerda.
BUM! A onda de choque percorre meu corpo, mas eu não me movo um centímetro. Apenas sinto pequenas rochas colidirem contra meu rosto, razão pela qual, eu fecho os olhos.
Quando a poeira se dissipa um pouco, vejo os fragmentos da rocha ainda voarem para todos os lados. É como uma grande explosão de pedra e poeira.
Metade do rochedo acaba de ser estraçalhado, e o restante está repleto de rachaduras.
— Uau! Caramba! Vocês viram? — exclama Alienor. — Foi como uma explosão. Você pode me ensinar também, Lor... professor?
Ela o chamou de professor?!
— Você não pode, Alienor — responde Valefar. — Você já é excepcional como uma conjuradora de destruição e vida. Não farei parte de algo que estragará seu futuro.
— Ah! Droga, mas o Gris ainda consegue fazer aquelas magias estranhas.
— O impetus não afeta o Gris da mesma forma que aos demais. Por outro lado, para pessoas como você e eu, usar esta técnica nos impedirá de usar magia pelo resto de nossas vidas. Ninguém deve aprender isso, sendo tão bom em magia quanto você é. Você já tem muita sorte e não deve desperdiçá-la.
— Humpf! Só não sei o que esse delinquente assediador aí tem de tão especial para conseguir usar os dois.
— O preço de ser um imune é muito alto. Não deseje isso para você.
— Você fala como se eu estivesse com inveja. Humpf! — resmunga Alienor, e vira seu rosto para o lado.
— Alienor, para que você quer tanto aprender impetus? Você já é tão poderosa em magia. Sabe até mesmo usar magia de vida para curar...
— Como assim? Eu quero explodir rochas, castelos e árvores com minhas mãos também.
Ela fala como se fosse óbvio. Não sei se entendo o que Alienor tenta me dizer, mas há algo que eu percebo somente agora.
— Alienor, quando foi que você chegou aqui perto?
A raposa me olha confusa, vira seu rosto e levanta as orelhas. Ela está a dois passos de mim agora.
— Ah! Você sabe... eu queria ver de perto. Apesar que parte das pedras caíram em mim e tem um cisco no meu olho agora, mas valeu a pena mesmo assim. Acho que eu não via você fazer algo tão maneiro desde o dia que você quase matou o filho do barão. Hahahaha!
Olho para o professor, e Valefar não parece se importar muito com o que eu fiz naquele dia, ainda bem. Pelo contrário, ele apenas coloca o colar em meu pescoço e diz:
— Parabéns, Gris. Você sabe o necessário sobre o impetus agora. Nós refinaremos seu uso mais adiante. Porém, eu preciso lhe dizer para não ensinar a ninguém o que você aprendeu aqui, e isso se estende a você, Alienor. Não podem dizer a ninguém sobre a existência desse treinamento, muito menos os detalhes.
— Não sei qual a neura com isso, pois impetus é bem comum, e muita gente consegue usá-lo por aí. Até em Galantur há alguns... — diz Alienor.
— De fato, existem usuários de impetus por toda Aelum, mas todos eles usam apenas uma imitação daquilo que eu ensinei. Portanto, isso pode atrair olhares de invejosos. Não ensine isso a ninguém, pois é uma técnica que pode causar o desequilíbrio do mundo, assim como a magia um dia já causou.
— Pode deixar, professor. Eu não contarei a ninguém.
— Ótimo — ele responde.
— Agora, eu acho que conseguirei proteger os santos também, igual ao professor.
— De novo, vocês com esse papinho, que chatice — diz a raposa.
— É algo que temos que fazer, Alienor. Foi o que o professor e eu combinamos.
— Isso é bobagem, eu já falei. Santos são lendas, e essas coisas não existem. Se existiu algo assim, foi na era da magia.
O professor se aproxima de Alienor, encosta seu joelho direito no chão e diz:
— O nome que damos a eles não importa. O fato é que existem pessoas boas por aí, fadadas a morrerem, e nós temos a chance de ajudá-las. Há coisas que podemos fazer pelos demais que custam tão pouco para nós, mas para eles significam suas vidas.
— Você fala igual a um velhote — ela responde.
— Alienor, não fale assim com o professor. Logo chegaremos em Ticandar, e você será curada. Depois disso, o professor e eu continuaremos a procurar, mas você não precisa ir junto se não quiser.
— Já está me expulsando, seu fedelho?!
É difícil de entendê-la às vezes.
— Humpf! — ela resmunga. — Mas se desviarmos nosso caminho para ajudar cada pessoa que encontrarmos, não chegaremos a lugar algum.
— Sem ajuda, nenhum de nós estaria aqui — contesta o professor.
Alienor se cala, olha para meu braço direito, fica pensativa por um tempo e, então, responde:
— Caramba, bem que a Srta. Cintia disse que você é um chatão. Você não relaxa nunca?
— Eu não tenho mais esse direito. Em todo caso, não ensine nem aos santos o que eu acabei de mostrar a você, Gris, pois podemos nos enganar e acreditar nas pessoas erradas.
O professor se levanta, olha para a floresta, depois volta sua atenção para mim e complementa: — O treinamento de hoje acabou, e agora precisamos retornar à cabana. Amanhã, partiremos rumo a Ticandar.
Olho para o céu e vejo uma ave avermelhada voando em círculos. O professor também a percebe, então trocamos olhares, entretanto não dizemos nada um ao outro.
— Oba! Finalmente poderei voltar a minha forma normal. Não aguento mais ter que me livrar das pulgas. Apesar que é divertido queimá-las. Hahahaha.
— Vamos, e lembrem-se, silêncio — diz o professor, ao passo que não tira os olhos de Alienor.
— Uhum, Uhum. Zip, Zip — caçoa a raposa.
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