Volume 1
Capítulo 13: A Corrupta Filha do Herói
CINTIA
Deveria ser um dia normal e corriqueiro, entretanto tudo desmoronou tão rápido.
No momento em que acordei, o dia estava tão lindo, e tive a impressão que faria um belo dia ensolarado. Todavia o tempo fechou e agora chove sem parar.
Está um frio tão penetrante, e estas gotículas caem de forma que parecem com navalhas afiadas ao tocarem a minha pele.
Também chovia assim naquele dia, quando minha mãe partiu.
Demorei muito tempo para entender e a verdade é que hoje eu entendo, mas não compreendo o que ela fez.
Ela se casou com meu pai por interesse e não por amor, logo, quando papai ficou doente e não pôde mais administrar os negócios, vieram as dívidas.
O barão a expulsou daqui por se separar do papai. Creio que o motivo foi por quebra de contrato, o que é ilegal em Lumínia. Porém teorizo também que é por eles serem ex-companheiros de batalha.
Tudo indicava que era o fim, mas não foi assim. O papai resistiu arduamente e nós demos a volta por cima.
Eu era pequena, mas me lembro que a minha mãe era linda. Porém sua ganância era maior que a beleza, e eu entendo isso hoje. Ela encontrou um outro homem que a sustentasse e fugiu com ele. Não pensou duas vezes.
Sua ganância era maior que o amor pela família também. Nos abandonou e deixou o papai para morrer em minhas mãos.
Droga, suas feridas também cheiravam a ferro.
Agora, eu a odeio mais que tudo. Por culpa dela, ainda sinto o calor do meu pai partindo das minhas mãos. Ela não estava aqui quando mais precisamos. Por isso, o que eu puder fazer para ser diferente de minha mãe, eu farei.
Eu era uma adolescente quando ele se foi e, se eu fosse um pouco mais jovem, a coroa teria tomado as propriedades da família. Eu seria levada para um orfanato da igreja de Dara, na capital, e esse seria o meu fim.
Mas ele resistiu, por cinco anos, e nenhum médico ou sacerdote acreditava que seria possível. Eu sei que ele resistiu por tanto tempo para me ensinar a sobreviver, cuidar dos negócios, e para que eu tivesse um futuro.
O maior herói de Aelum foi um homem normal, um taberneiro qualquer, que lutou arduamente por cinco anos contra uma doença invencível. Ele fez o impossível e agora está morto. Seu nome era Bernardo e tenho orgulho de ser sua filha.
Onde quer que esteja agora, saiba que eu te amo, pai. Espero que você tenha orgulho de mim também. Eu serei uma heroína à altura do senhor, um dia.
Entro pela porta da estalagem e vejo Lorena a discutir com Alberto.
— Você estava lá e não tentou separar os dois? — diz Alberto.
— Claro que não! Você não viu? O garoto parecia possuído ou algo assim. Eu fiquei com tanto medo que paralisei.
— Cof! Cof! — Simulo uma tosse para que mudem de assunto.
Que desagradável, Lorena. Eu tenho certeza que você percebeu que estávamos aqui e, mesmo assim, falou essas coisas do menino.
— Alberto, obrigado por cuidar da estalagem, mas pode voltar aos seus afazeres. Depois conversaremos sobre sua compensação e tal.
— Sim, muito obrigado, Srta. Cintia.
Ele sai, mas antes olha para o painel de cartazes da estalagem.
— Olha, quer saber, aquilo foi demais, Srta. Cintia. Eu sei lidar com bêbados briguentos, clientes insatisfeitos...
— Lorena, só um minuto. — Levanto minha mão em um sinal de pare, olho para o Gris e digo: — Vá para seu quarto e fique lá por enquanto. Depois, eu irei falar com você.
O garoto de cabelo cinza, cabisbaixo e obediente, caminha em direção ao seu próprio quarto e tranca a porta.
— Certo, certo, onde estávamos?
— Onde estávamos? — retruca Lorena. — Eu te digo onde estávamos! Falávamos sobre você ter me deixado cuidar de um psicopata maníaco! Por Dara, e pensar que ele esteve com minha filha outro dia, céus! Agora tudo faz sentido... Aquela história de que ele mora na floresta era mesmo verdade. Ele é um possuído, é um demônio!
— Não se faça de tola! Você já é bem adulta e sabe como as coisas funcionam. Não há demônios na Floresta de Prata, assim como a floresta não deixa ninguém possesso.
A Floresta de Prata é rica em fluxo positivo, e ela pode transformar animais em bestas, mas o que transforma animais em demônios é o fluxo negativo. Todo mundo sabe.
Algumas crianças se confundem sobre o tema, por conta de pais estúpidos, que dizem que os demônios ou monstros vão sair da floresta para levá-las. Todavia, ouvir esse tipo de afirmação de uma adulta é inacreditável.
É muito mais conveniente ensinar uma criança que ela será raptada por um monstro, se for malvada, do que ter todo o trabalho de ensinar os motivos de seu erro, mas a consequência está aqui, adultos ignorantes.
— Mas e Galantur? Fica aqui do lado, e todos sabem que ali há energia negativa.
— O menino nunca esteve lá. Ele mora na Floresta de Prata e não nas montanhas vermelhas, já nós vivemos muito mais perto das montanhas do que ele. Portanto, seria mais provável você ou eu sermos um demônio do que ele.
— Eu o quê? Do que você me chamou?
Respiro bem fundo. A vontade é de esganar esta mulher, mas eu não sou assim. Eu me contenho, mas, em contrapartida, pego uma moeda de ouro e digo:
— Toma aqui, é mais do que o pagamento pelos quatro dias que você trabalharia, hoje e mais os outros três dias do mês. Pegue isto aqui e suma, não precisa mais voltar a trabalhar a partir de amanhã.
— Ótimo, assim não precisarei ver o rosto daquele assassino...
Plaft! Um rápido, mas fortíssimo tapa no rosto, é o que dou em resposta.
A mulher não tem nem tempo de reação para tentar se defender. Seu rosto fica avermelhado no lugar do impacto, e a pancada é tão forte que solta a amarração de seu cabelo, que estava preso até então.
— Talvez vocês dois sejam demô...
Ameaço outro tapa, mas Lorena coloca sua mão no rosto e se cala.
A mulher se acovarda, vira as costas e parte em direção à saída. Já lá fora, ela volta a esbravejar, como um cão:
— Você vai ver, pois isso vai sair caro para você. Eu vou pedir uma audiência com o barão, pois ele me deve um favor, e esta espelunca aqui não vai ficar de pé por muito tempo. Vou falar que a cozinha tem ratos e baratas...
Tola, se você for até o barão, não vai acontecer nada, pois o barão fará vista grossa, como sempre faz. Que vergonha que estou de mim, pois me sinto bem por ser uma corrupta.
Isso também é culpa sua, V.
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