Volume 3 – Parte 3
Capítulo 62: As Últimas Estrelas

Gabriel Russell encarou o indivíduo posicionado em sua retaguarda, inapto a reagir de qualquer maneira que não fosse levantar as sobrancelhas.
A influência irradiada dele era superior a tudo que já sentira até então.
Da face escurecida pela volumosa franja de um cabelo negro, todo penteado a formar pontas espetadas traseiras, os olhos azul-escuros lhe fuzilavam com uma gelidez dolorosa.
Ele não se amedrontou, apesar dos punhos contidos. Agir a esmo seria estupidez e traria a morte certa.
Deveria esperar.
Lhe atiçou a curiosidade do pedido requisitado pelo influente estranho, mas não havia muitas opções. Mesmo se escolhesse fazer o que tinha sido pedido, ele sentia que acabaria morrendo de qualquer forma.
— Eu não tenho muito tempo, mesmo querendo brincar um pouco mais por esse lugar — murmurou sorridente, ao erguer o braço canhoto. — Me leve... até ela.
Uma espécie de matéria escura envolveu o membro levantado, do cotovelo até tomar o punho por inteiro. A ameaça real, ainda assim, não foi o suficiente para tirar o rapaz do lugar.
Ele sustentou a posição ao máximo, as vistas ametistas arregaladas contra a faceta do ser misterioso.
Nada ocorreu durante esse período.
A mãe da criança, morta a alguns metros adiante, a apanhou no colo aos prantos e correu desesperada.
Toda a multidão afligida pelo indivíduo de sombras já havia dispersado da região do festival.
Restou somente os dois, cercados por dezenas de corpos e iluminados pelas auroras boreais.
— Você está surdo, por acaso?
Mesmo sem entender bulhufas, Gabriel pôde se recompor emocionalmente. Assim, começou a analisar o que poderia fazer a respeito do estranho.
As opções permaneciam escassas para as garantias de sobrevivência, mas algumas saídas começaram a surgir, apesar de arriscadas.
Definiu a utilização da que sentia segurança superior, caso assim fosse possível pontuar.
Nem a batalha contra o Marcado de Aldebarã, remeteu, o pôs naquele estado de pura adrenalina.
Dessa vez, não dispunha do coringa nomeado por Fragmento do Cosmos.
Sequer seria necessário, se convenceu.
Antecipando qualquer ação do enegrecido, criou uma barreira luminosa que se levantou do solo entre ambos.
Dela, espinhos de mesma natureza verteram contra o inimigo, que nem procurou desviar.
Só moveu o braço tomado pela matéria estranha, impedindo o prosseguimento da energia. E, para piorar, ainda a repeliu, obrigando o usuário a desviar o mais rápido possível.
Num salto de alguns metros, enfim conseguiu sair de seu encalço.
O raio da ameaça permanecia ativo, mas a pequena margem de tempo e distância já eram mais do que suficientes em prol de aumentar as chances gerais.
“Fugir... ou lutar?”, depositou toda cautela a fim de escolher uma das opções.
Se ainda fosse o início da seleção, decerto optaria pela segunda alternativa, sem sequer pensar duas vezes.
Existia a preocupação quanto a segurança dos demais habitantes, mas não podia se dar ao luxo de desejar proteger cada um.
As emoções embaralhadas seria o pior dos empecilhos. Livrar-se delas seria tão difícil quanto carregá-las.
O misterioso não deu bola a seu conflito interno e, num movimento na velocidade do pensamento, lhe alcançou através da vanguarda.
O puro instinto fez Gabriel arquear todo o tronco para trás, desviando da investida frontal — que mal pôde contemplar — do inimigo no limite.
Levou as palmas contra o solo frio e aproveitou a fim de prosseguir num movimento de mortal.
As pernas foram erguidas, o peito do pé esquerdo alavancou o ataque repentino contra o rosto do agressor, mas esse também se protegeu.
A matéria que envolvia seu braço tocou a ponta do tênis, o bastante para que todo o material fosse decomposto.
Um segundo instante de reflexo acometeu o rapaz, que se empenhou em mudar o trajeto do chute num giro de quadril.
Trouxe a outra perna, na vertical, à colisão contra a fossa poplítea do inimigo. Isso lhe arrancou a estabilidade durante segundos preciosos, propícios ao novo recuo do marcado.
Verificou o estado da extremidade inferior da perna, onde nem a meia tinha sobrado. Os batimentos cardíacos aumentaram efusivamente, o corpo liberando doses intensas de adrenalina.
Inapto a controlar a respiração arfante, passou a dar preferência à alternativa da fuga.
Já tinha ciência quanto ao perigo que aquele poder de natureza desconhecida proporcionava. Provou ser o bastante para lhe extirpar quaisquer hipóteses de vitória.
Queria respostas, acima de tudo; quem ele era, o que queria e qual sua relação com a Seleção Estelar, que já deveria ter sido encerrada há tempo...
Nada viria caso fosse morto ali. A prioridade pulsante em sua cabeça, a partir de então, era a de escapar para onde fosse possível.
— É inútil... — O mussito gélido do sombrio o arrepiou, como se fosse proferido ao lado de seu ouvido. — Não importa o que tente, não pode me ferir. Se possível, gostaria de não ter que te matar até me levar até ela...
Gabriel estalou a língua, abriu a mão e manifestou uma nova katana luminosa. “Lutar e fugir”, ponderou, por fim encontrando a única resposta possível.
Descalço de um pé, pouco se importou com a leve diferença entre os apoios no solo.
O vento frio fez as pontas do cabelo oscilarem, tal como a única mecha negra do homem, que escorria até a bochecha.
Quando esse se preparou no objetivo de avançar... sons estranhos, remetentes a sinos pungentes, estremeceram seus tímpanos.
O misterioso logo refugou o avanço, em antecipação a uma manifestação luminosa que superou as auroras no topo celestial.
O marcado também sofreu com a repentina origem, incapaz de enxergar um palmo à sua frente.
Perdido em meio a intensa claridade, sentiu a mão livre ser envolvida por algo quente, que o puxou com força até começar a correr de maneira inconsciente.
— Por aqui — cochichou a voz feminina, de tom infantil.
Sem ter o que fazer, acompanhou o ritmo com passos apressados, até que deixou de sentir o contato com a terra.
Somente o vento quebrando contra seu corpo foi experimentado em profusão, conduzido por uma velocidade extraordinária, capaz de dissipar toda a camada reluzente.
O enegrecido manteve a posição, tão inquieto quanto surpreso. Nenhum rastro do alvo sobrou na pequena cidade, tal como o da responsável por possibilitá-lo a fugir.
Solitário no cerne dos diversos corpos inertes sobre a terra, deixou a matéria escura se desfazer do braço.
Conforme o regresso do silêncio à região, lhe despertando zumbidos intensos nos ouvidos, como se fossem apitos constantes...
Gabriel imaginava ter se tornado o próprio vento. Perdurou nesse estado durante breves segundos, que mais pareciam minutos eternos.
Quando sentiu a conexão entre as solas e o plano congelante, conseguiu abrir os olhos trancafiados.
Primeiro buscou reconhecer o local inédito. Repleto de neve na altura dos tornozelos, encontrou montanhas de gelo num dos flancos e uma densa floresta em outro.
A alteração de cenário o fez lembrar da garota loira e seu poder, mas tinha sido completamente diferente.
Ele, de fato, foi conduzido até lá. O toque quente permanecia sobre sua palma canhota, embora livre de qualquer contato...
— Ufa! Ainda bem que conseguimos escapar!
Novamente a voz infantil se pronunciou. Atônito pela inesperada e enigmática sequência de acontecimentos, o jovem virou o rosto na direção de onde ela soou.
Ao encontrar a figura, que de fato pertencia a uma garotinha, arregalou as vistas trêmulas.
Por um instante, enxergou sua falecida irmã. O cabelo curto mal alcançava o pescoço, a estatura devia bater na altura de seu peito, no máximo.
No fim, restou o sorriso gentil em meio a face pálida, enquanto cruzava os braços atrás do corpo.
Depois de algumas piscadas rápidas, percebeu não ser ela. A cor do cabelo era de um brilhante ciano, enquanto os olhos dispunham de tonalidade violeta.
A aura exalada por sua presença singular apresentava-se tão cabalística quanto a do ser enfrentado há pouco.
Ao reconhecer a diferença entre ambos, Gabriel tratou de remediar o fôlego. Os dois permaneceram ali, quietos, enquanto trocavam olhares profundos, cada um a sua feição.
A circunspecção congelante não se desfazia dele, à medida que o sorriso dela buscava o derreter.
Prestes a ser vencido, balançou a cabeça para os lados e buscou, em primeiro lugar, compreender a situação como um todo.
— Como chegamos aqui? — Voltou a encarar a natureza ao redor. — E quem é você?
A menina, no começo, sustentou a taciturnidade. As sobrancelhas arriaram, ao passo que os pequenos e chamativos olhos semicerraram.
— Eu corri, corri... e corri! — Lentamente alçou o braço destro. — Depois pulei!
Da palma aberta, embora ligeiramente contraída, uma energia de luz branca tomou forma. Com a faceta clareada de forma delicada, completou:
— Usei minha irradiância... e te protegi!! — Deixou esvanecer o fulgor caloroso. — Não podia deixar terminar daquele jeito! Porque levei muito tempo pra te encontrar... mano Sirius!!
Ao chamado da menina, o jovem marcado petrificou de vez. Ele reconheceu o nome proferido, era o da estrela que tinha o escolhido há tanto tempo e, até então, o obrigava a carregar seu fardo.
No entanto...
“Mano?”
Não bastassem as semelhanças com sua falecida irmã, a criança enigmática ainda optou por chamá-lo daquela maneira.
Demorou alguns segundos para processar a sequência inteira de baques inéditos. E ainda faltava a resposta da segunda indagação.
A cabeça, tão embaralhada, já sofria com dificuldades para alcançar alguma linha de raciocínio lógico.
Talvez fosse o preço a ser pago por ter abandonado sua humanidade durante tanto tempo.
Sabia que seria difícil retomá-la. Só não esperava a enxurrada de perturbações que o destino lhe traria.
E como se não fosse o suficiente, o aguardadíssimo retorno veio, dos úmidos lábios rosas da criança:
— Eu sou aquilo que vocês reconhecem como uma anã branca. — Fechou as vistas e alargou a expressão radiante. — Escolhe um nome para mim!!?
O silêncio regressou, absoluto. Não existia reação cabível a favor daquilo.

Anãs brancas. Remanescentes estelares compostas por matéria degenerada, de elevada densidade e pouco volume.
Possuintes de fraca luminosidade e emissão de energia convertida pela própria massa.
Objetos resultantes do processo evolutivo de estrelas.
Gabriel Russell sabia disso tudo, de alguma maneira.
Embora tivesse vivenciado um conflito generalizado entre indivíduos que receberam poderes místicos, advindos das luminosas esferas de plasma a anos-luz de distância por todo o universo, ainda era difícil de acreditar.
“Eu ‘tô ficando paranoico”, caminhava pela neve funda a passos pesados. “Eu realmente ‘tô”, as vistas entrefechadas agora eram o desenho de sua face inquieta.
— Eeeei!! Espera!!
Os gritos infantis vinham da retaguarda, local que ele se recusava a encarar por tudo que lhe fosse caro.
“Ela ainda ‘tá me seguindo? É sério isso?”, de punhos cerrados, queria abrir distância da criança autoproclamada “anã branca”.
Começou a indagar consigo se seria tão custoso escapar dela em comparação à entidade misteriosa que enfrentou anteriormente.
Se ela, de fato, correu toda a distância que disse ter corrido, fazê-lo seria mais que impossível. De todo modo, não tinha vontade de ofertar novos motivos para sua mente abandonar a realidade para todo sempre.
Permaneceu adiante por um breve período, onde a voz dela só desapareceu, sem deixar rastros.
Nem mesmo o som do arraste sobre o acúmulo nevado pelos passos dela era escutado, mas, de qualquer maneira, se recusava a conferir a situação atrás de si.
Já tinha se aproximado da cadeia montanhosa. Com dificuldades para enxergar o topo das enormes formações, graças à neblina das crostas congeladas, ele bufou.
A despeito disso, as auroras tinham enfraquecido, não o permitindo encarar com precisão aquelas áreas.
Escalar tudo de novo seria difícil. Ainda não aceitava a resposta da menina estranha, de ter corrido e pulado daquela altura tão facilmente.
Mesmo com seu Áster de Controle da Luz, não se sentia confortável em encarar tamanho desafio sem grandes necessidades.
No mínimo, precisava recuperar a mochila com os pertences responsáveis por mantê-lo naquela jornada longínqua.
Não ter o outro tênis também era incômodo, principalmente para a escalada...
— Por favor, escute o que tenho para dizer! — A insistente voltou a perturbar seus ouvidos, lhe arrancando um gemido de aborrecimento. — Não fuja de mim!
Ele não queria olhar o rosto dela.
Mais para evitar as duras lembranças sobre sua irmã do que pelo fato da revelação estapafúrdia de outrora.
Apesar da dita velocidade e resistência, escutou os arquejos dela ao retomar a proximidade.
Deu de ombros e preparou-se no intuito de enfrentar a região acidentada; era melhor do que confrontá-la de qualquer maneira.
— Você... quer voltar? — Ela levantou a cabeça, o corpo inclinado trazia suas mãos sobre os joelhos. — Tudo bem, ele não deve mais estar lá... Também não sabe para onde fomos.
O jovem fechou os olhos e reuniu a energia dentro de si, canalizada no símbolo escondido das costas.
O formigamento abrasante surgiu, transmitindo todo o poder a seus ombros e braços.
— Se eu te ajudar, você me ajuda!?
Nada veio, de novo.
E nem foi por opção do garoto; sua introspecção situava-se num estado de profundidade alarmante, na iminência de atravessar a imponência congelada sem correr riscos.
Quando a aura luminosa ameaçou surgir em seu redor, a garotinha forçou um novo sorriso e deixou ser levada pelo momento.
Avançou dois passos rápidos, o ultrapassou pelo flanco e apanhou seu punho dominante.
Ele tomou um susto ao sentir a ternura exterior lhe dominar novamente, quebrando seu estado de concentração.
Sem tempo para impedi-la, foi envolvido por sua energia cintilante, agora extremamente clara a seus olhos arregalados.
Como se os deuses do acaso lhe delegassem a prova que se recusava a buscar, contemplou por conta a atitude conseguinte da autoproclamada anã branca.
Um salto de proporções sobre-humanas, que os levou até o cume da montanha mais alta em questão de segundos.
Embora estivesse de vistas semiabertas, graças à quebra da parede de ar, pôde acompanhar a execução completa da ocasião.
Em pleno voo, a centenas de metros do solo, teve uma frieza absurda para não gritar desesperado.
Pressionou os dentes uns contra os outros, em contrapartida a risonha menina, que virou o rosto sobre o ombro e lhe ofereceu uma piscadela.
Os dois foram puxados de volta pela gravidade segundos depois, na direção do ponto maior do relevo acidentado.
Quando as pontas dos dedos descalços dela tocaram o plano congelado, pegou um novo impulso grotesco, responsável por devolver a sensação da fuga de minutos atrás.
Ela correu por toda a extensão decrescente da montanha, sem medo de sequer tropeçar.
Gabriel não teve outra escolha, senão voltar a fechar os olhos até que todo o trajeto fosse completado. E não demorou muito.
Não houve contagem, mas a sensação foi a de que menos de um minuto foi necessário para alcançarem o destino.
Ao abrir de novo as vistas, Gabriel se deparou com a entrada da pequena vila na neve. As tochas ainda se encontravam apagadas, pouca movimentação podia ser vista entre as ruas estreitas.
O aroma da morte permanecia a pairar sobre o espaço. A influência daquele ser misterioso tinha sumido.
— Você queria buscar algo importante, não é?
Gabriel adotou a taciturnidade.
A encarou de canto por um tempo, exalou um profundo suspiro e caminhou colina abaixo.
Quanto menos tempo levasse, melhores seriam os resultados. Os passos apressados atravessaram todo o caminho gravado na mente deturpada.
Encontrou a mochila, ainda nas raízes da árvore. Nem as chamas das tochas ao lado resistiram.
Apanhou o tecido sintético, abriu o zíper superior e conferiu as condições dos suprimentos restantes. Estava tudo em ordem, o que lhe trouxe certo alívio.
A garota se aproximou, com cuidado, para não o deixar fugir de novo.
Ele manteve a postura inicial, sem vontade de fitá-la no rosto; quando fez isso, mesmo por poucos segundos durante o último salto, um embrulho lhe preencheu a barriga.
Agora acreditava na maioria das respostas oferecidas mais cedo. Ainda não tinha encontrado explicações para a explicação de sua identidade, contudo.
Entre saber disso e evitar o contato com ela, optou pela segunda alternativa.
Desse modo, determinado a deixar o ocorrido recente para trás, levou as alças da bolsa aos ombros e seguiu adiante.
A autoproclamada anã branca resolveu modificar sua abordagem, à medida que o via se distanciar como antes.
Deixou a impaciência e a ansiedade de lado, respirou fundo e iniciou sua caminhada, com as mãos cruzadas atrás do pequeno corpo.
Ela não iria mais se importar com os meios.
Desde que alcançasse os fins desejados naquele encontro mágico.

Opa, tudo bem? Muito obrigado por ler mais um capítulo de A Voz das Estrelas, espero que ainda esteja curtindo a leitura e a história!
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