Volume 3 – Parte 3
Capítulo 61: O Fim da Eternidade

Passos se misturavam sob a escuridão celeste.
Ruas pavimentadas ofereciam o tom de qualquer outro dia normal naquele planeta.
O ar artificial era disseminado pela poluição advinda das grandes indústrias.
Embora tomassem metade do céu com suas partículas caliginosas em suspensão, não conseguiam alcançar todas as estrelas.
Alguns pontos reluzentes se sustentavam no inalcançável mar negro. Ofuscadas pela mão humana, perdiam a oportunidade de brilhar em sua perfeita essência.
Longe dela, tinham o espaço necessário para tal.
Envolvidas por montanhas de gelo, espalhavam-se sob o espaço preenchido pela natureza. A faixa da Via Láctea cortava a abóbada, em união às auroras boreais, que pareciam construir caminhos diferenciados pelo infinito.
Pequenas esferas oculares, de íris tingidas em azul-ciano, contemplavam o espetáculo cósmico. Com os pés fundos na neve, criando rastros a cada passo avançado, a única figura destoante de todo o silêncio sequer piscava.
O curto cabelo meneava ao vento frio, que não parecia lhe arrepiar os braços descobertos.
Seu vestido, igualmente branco, continha alças finas a passarem sobre os ombros pálidos, alcançando os joelhos. Os lábios róseos ligeiramente afastados.
Faltavam palavras para descrever o fascínio, pela primeira vez vivenciado em meio ao nada. A criança solitária, no entanto, logo estreitou as sobrancelhas nevadas.
“Mais uma...”
De repente, uma das esferas reluzentes no topo... desapareceu. Sem fazer barulho, sem qualquer impacto.
Não tinha sido uma explosão. E sim um mero gemido.
— Não há mais tempo...
Seu murmúrio conflitou com o assobio do vento. A preocupação escapou da boca, junto do vapor condensado.
Por fim deixou a observação de lado, em prol de retomar a lenta caminhada pelo campo.
Seguiu dessa forma, até desaparecer nas entranhas da floresta aos pés da cadeia montanhosa.

O rapaz se aquecia com uma xícara de chá bem quente, enquanto observava o céu do topo de uma colina.
A fogueira ao lado trazia luz a sua figura, agasalhado por uma jaqueta preta, com pele sintética envolvida no capuz arriado.
Mais abaixo, luzes alaranjadas de uma pequena cidade, no sopé da montanha, conflitavam com o resplendor do universo.
Não eram suficientes a fim de atrapalharem o destaque do cintilar dos astros distantes no topo. Pelo contrário, criava uma bonita harmonia a ser apreciada, na sua concepção.
— Preciso de suprimentos antes de partir... — Encarou o copo térmico, agora vazio do líquido que tomou.
Levantou-se da pequena pedra envolvida pelo relvado, esticou o corpo com cuidado e exalou um suspiro duradouro.
Apanhou a mochila na lateral do assento improvisado, passou as alças pelos ombros. Tirou uma garrafinha d’água de plástico e apagou a fogueira sem demora.
Preparado para continuar, mirou o destino iluminado a alguns quilômetros. Traçou o tempo estimado que levaria no trajeto, então enfiou as mãos no bolso do casaco e iniciou a caminhada descendente com passos nada apressados.
Ia de encontro ao vento gelado, portanto sentia as pontas maiores do curto cabelo castanho oscilarem aos poucos.
Os olhos ametista, entrefechados, uniam-se à boca retilínea num semblante circunspecto. Mesmo cercado por um clima hostil, não se sentia incomodado.
Pelo menos chegou à cidadezinha em poucos minutos.
O aconchego foi instantâneo ao entrar no raio de calor proveniente das diversas fogueiras acesas ao redor das casas simpáticas.
Poucas pessoas, todas trajadas em casacos de pele claros, ainda exerciam alguma atividade àquela hora da noite.
Nenhuma delas pareceu se incomodar com a presença do rapaz claramente estrangeiro, embora o observassem com cautela por olhares de canto silenciosos.
E ele também não exprimia inquietação em meio a civilização isolada. Com um foco determinado na mente, prosseguiu sem trocar olhares entre as pequenas e calorosas ruas.
Com um pouco de sono, prestes a fazê-la fechar as pálpebras pesadas, procurou um local no intuito de descansar.
Tão logo encontrou uma grande árvore, propiciamente clareada por duas tochas nos flancos do tronco rugoso.
Sem pestanejar, retirou a mochila das costas e a largou encostada numa das raízes axiais ligadas à base do tronco.
Deitou a cabeça sobre o travesseiro improvisado e, ao confirmar que não seria perturbado pelos nativos, fechou as vistas.
‘Tá de sacanagem... com a minha cara!? Eu sei como é... querer acabar com tudo e todos depois de ter perdido quem ama! Mas se continuar assim, só vai sofrer pela eternidade!!
O retorno daquela voz vinha sempre sorrateira. Pouco a pouco, o timbre e os ecos cresciam até tomarem sua mente cansada.
Eu também perdi pessoas... Minha família! Meus amigos e colegas!! Eu sei muito bem, mesmo que você queira negar!!
A cada palavra esbravejada pela figura turva, uma sensação dolorida nascia. Como se descargas elétricas dominassem seus membros, até explodirem no peito.
Da mesma forma que foi pra mim... ainda não é tarde pra você.
O tom mudou de repente. O mais sereno possível, apesar de trazê-lo a mesma gama dolorida de outrora.
Por mais que a vida seja injusta, na maioria das vezes... a gente tem que continuar. Pelas pessoas que amamos e perdemos.
Então, toda a aflição foi apaziguada em um turbilhão...
Porque, com certeza, elas desejariam isso pra nós. De repente, tudo se tornou luz...
Em meio ao sono profundo, depois das lembranças terem se esvanecido, batuques consecutivos invadiram seus ouvidos. Logo, o rapaz retornou à consciência.
Ajeitou-se ao erguer o corpo e, ao reconhecer o espaço em volta da copa da árvore, percebeu que ainda era noite.
Por um momento, ponderou se o motivo de ter despertado veio do barulho local, ou então daquela voz.
Incapaz de encontrar qualquer resposta satisfatória à paz de seu espírito, escolheu se levantar do gramado.
Recobrando o restante da lucidez, resolveu verificar a fonte dos ruídos de padrão bem definido.
Ao deixar a área vazia, encontrou um foco de luz mais chamativo numa virada de esquina. Contemplou algumas crianças entrarem aos sorrisos, enquanto corriam saltitantes.
Conduzido pela curiosidade, prosseguiu cauteloso até encontrar a maior fogueira do local. Levou um dos braços à frente da faceta contorcida, protegendo os olhos ainda sonolentos.
Todas as atenções estavam voltadas ao grandioso altar, de onde os batuques vinham.
Aproximou-se o máximo possível e ultrapassou o fogo alto, deparando-se com a imagem responsável por fazer suas sobrancelhas arregalarem.
Havia tantas pessoas aglomeradas ali, que nem parecia ser a mesma vila. Espantado, sequer percebeu os segundos inerte naquela posição.
“Um festival?”, tornou a entrefechar as vistas.
De repente, sentiu ser envolvido na altura do braço esquerdo. Ao olhar para o lado, não encontrou qualquer pessoa.
Direcionou o foco abaixo, assim enxergando a menina que tinha o abraçado de repente. Congelou perante o sorriso de dentes amarelados dela.
Ela o chamou, tanto entoando palavras de uma língua indecifrável, quanto o puxando com ambas as mãos.
Ainda que não desejasse seguir, ele experimentou uma atração invisível mover suas pernas.
Quando se deu conta, já estava no meio da multidão.
Agora era impossível escapar dos olhares. Vinham em uma mistura de curiosidade e desassossego e, ainda assim, o rapaz não sofria de desconforto.
Ele já tinha se acostumado àquilo. Lembrar disso o fez interromper o avanço induzido de súbito, parando a menina que o puxava consigo.
Ela olhou para trás e fitou o semblante cabisbaixo dele, quieto em seu próprio mártir.
— Não dá. — Abaixou o rosto, na tentativa de mascarar as emoções pungentes destiladas em murmúrios. — Eu... não mereço esse sorriso...
O regresso das memórias era inevitável, como correntes presas em seu coração.
Tudo que pregou e cometeu enquanto participante do evento surreal, como um escolhido pelas estrelas para lutar a favor de um desejo utópico e incerto.
As fantasias acumuladas pela perda de sua irmã tomaram forma, o forçando ao desejo de manter-se distante.
Apesar disso, a garotinha voltou a puxá-lo, agora colocando mais empenho. Pego de surpresa pela resposta, quase tropeçou nas próprias pernas ao avançar novas passadas involuntárias.
Só parou quando ficaram de frente a um senhor, com a barba longa e desgrenhada nas pontas, as sobrancelhas caíam pelas laterais do rosto.
De feição quase indecifrável, ele balbuciou algo estranho e, depois de alguns homens se aproximarem por trás, pegou com eles um tecido de pele.
Sem compreender qualquer coisa, o garoto sabia que o gesto era o oferecimento de algum presente.
Sem ter o que dizer em resposta, só balançou a cabeça em negação.
Não disse nada. Apenas encarou a menina, livrou-se do abraço dela e, simplesmente, deu meia-volta.
Ninguém o impediu. E o festival, ou o que fosse, continuou apesar disso. Com tempo, a atenção dos locais retornou à vertente do altar, cujos tambores voltaram a batucar.
O jovem se afastou com lentidão. Depois, mirou o local do braço que tinha sido agarrado por aquela criança naquele período.
Um calor esquisito parecia ter ficado ali. E isso trazia a ele todas as sensações ruins, partilhadas com a solidão.
Era simples; era isso que merecia. Deveria suportar tal peso, sem reclamações. Sentia — de forma correta — que sua irmã, onde estivesse, só iria perdoá-lo caso continuasse nesse caminho.
Após o abandono do “festival”, se aproximou da árvore onde tinha deixado sua mochila para tentar voltar a dormir.
Entretanto, antes de completar o caminho, ouviu grunhidos arranhados soarem de outro canto mais isolado.
Perto da “virada de esquina” que o levaria ao local de seu descanso, virou o rosto ao outro lado, onde havia algumas cabanas e bastante madeira cortada.
Não era algo vindo do festival, pensou ao se aproximar com certa dubiedade; queria ignorar, achar que tinha sido enganado pelo sono, mas seguiu.
O som cresceu. Agora, tão estridente e incômodo, como ouvir um quadro negro sendo arranhado.
Cresceu o pressentimento ruim. Com a espinha arrepiada, ele se esgueirou pela lateral dos troncos perfilados, com a expectativa de encontrar algum animal local.
À medida que virou no recanto, achou o responsável.
Era uma pessoa, de costas para ele e com o torso inclinado. Pôde enxergar uma fina camada escura em sua volta, semelhante a fuligem se desprendendo da pele.
A pulsação cardíaca subiu num piscar.
Uma influência sórdida, irradiada do contorcido, despertou um alerta que ele não sentia há tanto tempo. O perigo clareou quando o estranho começou a se virar.
Puxado por um instinto pessoal, ele recuou um passo e manteve-se alerta. Conforme o nativo se corrupiava, sentiu as mãos fechadas com força transpirarem dentro das luvas.
Então, a pessoa envolta pela negritude mostrou o rosto recheado de manchas negras, como se fossem lágrimas de petróleo. Os olhos, esgazeados, não possuíam íris.
Ao avistar o rapaz, o revestimento escuro se soltou de seu corpo e zuniu na direção dele, que, no puro instinto, saltou para o lado a fim de desviar.
Mal sabia sobre o que se tratava a tal difusão, contudo nem cogitou correr os riscos. Deu uma cambalhota à direita e, sem pensar duas vezes, abriu o punho canhoto.
As vistas púrpuras ameaçaram cintilar, mas antes que pudesse executar a ação planejada, o anômalo disparou à rua principal.
O rastro caliginoso foi o que restou no espaço. Em altíssima velocidade, correu o trajeto e desapareceu na virada da luz, proveniente da grande fogueira acesa para o festival.
Em questão de segundos, todo o fulgor desapareceu.
Gritos ecoaram logo depois, em profusão, excedendo o senso de urgência do rapaz.
Avançou até a ala da multidão e, ao virar a rua, contemplou a chama apagada. Onde antes havia harmonia e diversão, agora era domínio do desespero.
A correria desenfreada uniu-se aos berros. Pessoas caíam umas sobre as outras, estabelecendo o caos absoluto.
Todas as tochas espalhadas também se apagaram, trazendo o breu iluminado pelas auroras boreais.
O contraste grotesco deixou o visitante ansioso, o bastante para que precisasse controlar a respiração desequilibrada, no intuito de recobrar a calma.
“Que merda ‘tá acontecendo?”, procurou, em primeiro lugar, entender o cenário.
A figura responsável por iniciar a balbúrdia deveria ser encontrada. O quanto antes...
E nem foi necessário gastar muito tempo para isso. Depois de atravessar meia multidão, enxergou, acima do altar de madeira, o anômalo estrangular o ancião de mais cedo.
O braço canhoto dispunha de força o suficiente a fim de levantá-lo do plano, enquanto esmagava sua garganta.
O visitante cogitou agir, entretanto, o ocorrido conseguinte o impediu de se mexer. Luz surgiu do corpo imóvel do idoso, só para ser sugada pela camada sombria.
Com a ínfima claridade disposta por esse momento, pôde enxergar o início das consequências afligirem o senhor.
O pouco de porte corporal que tinha tornou-se murcho, como se tivesse se tornado uma folha seca. Os olhos, escondidos pelas sobrancelhas caídas, foram recheados pela grotesca vermelhidão.
Ele foi solto e tombou no piso, sem causar qualquer ruído. Incrédulo perante o episódio presenciado, o garoto recebeu a nova encarada do enegrecido.
Naqueles globos tomados pelas trevas, entendeu a razão de ter sido atraído daquela forma.
O nervosismo foi sobreposto por curiosidade. Talvez algumas das respostas buscadas por tanto tempo residissem em tal anomalia.
Dentro de si, resolveu tratar como se o momento fosse alcançado. A exemplo da ação interrompida há pouco, direcionou a palma dominante voltada ao alto.
Energia branca surgiu, ofuscando a comoção gerada pelos residentes nos arredores, e entrou em conflito com o próprio inimigo.
Seu rugido soou em desafio. O garoto não se intimidou, muito pelo contrário. A espada luminosa, em formato de katana, ganhou aspecto e logo foi empunhada.
Toda a influência eletromagnética parecia ser atraída por tal entidade, o que levantou sua cautela. Não o deixaria se aproximar. Finalizaria tudo com tranquilidade, sem permitir falhas.
Foi premiado por isso, assim que o anômalo disparou em sua direção, pronto para repetir o estrangulamento realizado contra o ancião.
O jovem desviou do primeiro ataque e, ao arrastar os tênis no solo terroso, deliberou estacas luminosas ao redor do tronco.
Zuniram até atingirem o homem, que cambaleou para trás duas vezes, antes de regressar à postura contorcida de sempre.
Os objetos místicos também foram absorvidos, sem originarem qualquer ferimento em seu físico.
As sobrancelhas arriaram, mas não em frustração; já esperava por esse retorno. De resto, cogitou alguns caminhos a serem tomados a favor da vitória.
O primeiro, mais óbvio, seria cortar sua cabeça. Depositou todo o foco em fazer isso, da maneira menos arriscada possível.
Lançou novas estacas de luz contra o anômalo que, dessa vez, preferiu desviar. Não sabia se por instinto ou decisão lúcida, contudo não importava.
Aproveitou o instante a fim de, num salto distante, depositar mais energia na espada até fazer sua lâmina crescer.
Foi o bastante. O releixo tocou a lateral de seu pescoço e não parou até rasgá-lo por completo.
A cabeça desprendeu do restante da ligação, esvoaçou sem despejar sangue da área lacerada e caiu no chão.
A camada negra em sua volta desapareceu. Após isso, seu corpo também tomou esse caminho; desfez-se em pó negro gradativamente, até ser levado pelo vento frio.
Foi tudo muito rápido, tanto quanto a amortização do desespero dos habitantes pela melancolia generalizada.
Depois de interromper a utilização do poder cintilante, encarou os resultados logo atrás. Não somente o velho foi afetado pelo ataque da criatura misteriosa.
Diversos homens, mulheres e crianças pereceram em velocidade recorde.
Esse foi o preço originado pela breve indecisão que o fez, agora, enxergar a garotinha de mais cedo caída aos seus pés... morta.
A respectiva imagem lhe despertou, mais uma vez, lembranças sofríveis que desejava eliminar da cabeça. Não só o episódio responsável por vitimar sua irmã surgiu...
Não se permitia sentir remorso, embora um incômodo estranho lhe tomasse o peito.
Desejava pedir desculpas por ter demorado, apesar de sustentar a fria faceta no rosto alvo. No entanto, em antecipação a qualquer atitude, a pior das sensações atingiu sua retaguarda.
Completamente superior ao que tinha experimentado quando encontrou o anômalo negro, pegou-se inapto a se mover.
Afinal, caso o fizesse, perderia sua vida para a entidade que, mais rápida que o pensamento, manifestou-se em forma física.
— Estou surpreso. — A voz máscula exalou a ameaça contra o pé de seu ouvido. — Não achei que encontraria... um dos amaldiçoados por aqui.
Virando o pescoço à esquerda, o rapaz encontrou a feição sorridente da figura esguia com o canto das vistas.
Os olhos azul-escuros pareciam penetrar sua alma. A vontade assassina retumbou sobre seu corpo imóvel.
— Me leve até ela...
E o pedido enigmático, pela primeira vez, tirou um suspiro pesado do peito de Gabriel Russell.

Opa, tudo bem? Muito obrigado por ler mais um capítulo de A Voz das Estrelas, espero que ainda esteja curtindo a leitura e a história!
★ Antes de mais nada, considere favoritar a novel, pois isso ajuda imensamente a angariar mais leitores a ela. Também entre no grupo do whatsapp para estar sempre por dentro das novidades.
★ Caso queira ajudar essa história a crescer ainda mais, considere também apoiar o autor pelo link ou pela chave PIX: a916a50e-e171-4112-96a6-c627703cb045
Catarse│Instagram│Twitter│Grupo
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios