A Voz das Estrelas Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 2 – Parte 2

Capítulo 41: Um Bem Inestimável

Sorridente como de costume, Stella surgiu à frente das escolhidas do Cruzeiro do Sul.

Os pés descalços tocaram o solo gramado na ponta dos dedos até descer a sola com cuidado.

Incapazes de se levantarem do banco, as duas experimentaram o ar congelante irradiado pela simples presença da garota.

Esse detalhe, alheio ao desaparecimento das pessoas pelas ruas e estabelecimentos, as fez engolir em seco.

Não podiam enxergar de onde residia o símbolo daquela marcada, mas o alerta não falhava. Quando perceberam que o chão asfaltado se tornou relvado, repentinamente encararam uma mudança completa de cenário.

Todos os edifícios evaporaram, dando lugar a arvoredos gigantescos, responsáveis por circundar a planície aberta. A brisa do inverno bateu, apesar dos flocos de neve permanecerem inertes no espaço.

Conforme sentiam os fios de cabelo dançarem juntos ao vento frio, as meninas se viram frente a frente com a loira.

— Não precisam ficar assustadas! Nós já nos encontramos, certo!? — Stella fechou as vistas ao comentar, mas isso não bastou para livrá-las da aflição.

— Você... — Judith se levantou, de forma abrupta. — O que quer com a gente!?

No processo, levou o braço trêmulo à frente de Sarah, num movimento protetor.

Abriu a mão dominante, onde uma fonte de luz branco-azulada surgiu no formato de uma esfera.

Diante da ameaça da menina acuada, Stella findou o avanço.

— Quero apenas ajudá-las, certo!? — A loira tomou liberdade para se aproximar a passos curtos. — Já que não possuem algo a buscar, que tal receberem isso!?

— Não se aproxime! — Judith, conduzida pelo espírito protetor ainda aceso em seu peito, se levantou bruscamente. — Eu estou falando sério! Senão...!!

Era o suficiente para alcançar o que desejava no momento, portanto não reagiu insatisfeita e tampouco intimidada com a afronta.

No entanto decidiu executar uma nova abordagem.

Estalou os dedos da mão destra e, numa velocidade que superava o pensamento, a garota de cabelo cacheado experimentou uma dor nos pulsos.

Ao arregalar as vistas e virar o rosto por cima do ombro, percebeu estar presa por correntes de aço conectadas ao solo, como se misturada à firmes raízes de uma das árvores nos arredores.

No puro reflexo, Sarah, ainda sentada, tentou ir até a freira, mas foi impedida pela mesma causa — a diferença era a localização das algemas, nos tornozelos.

A esfera luminosa criada pela mais velha esvaiu-se junto a seu ímpeto, dando espaço para o temor a dominar.

Imponentes perante os poderes incompreensíveis daquela marcada, restou a rendição absoluta.

— Eu já disse que não vou lhes fazer nenhum mal, não disse!? Estou realmente disposta a ajudá-las, para que tomem de volta o rumo das próprias vidas...

— Uma ova!! — Judith esbravejou, a atravessando. — A culpa é sua...!! Foi você que fez a gente ir até aquele lugar! É culpa sua que a Karenzinha foi...!!

Prendendo o choro copioso que marejava suas vistas, a Marcada de Acrux não foi capaz de completar a sentença dolorosa.

Stella não entendia muito bem, mas compadecia com o sofrimento da jovem garota.

Em vista disso, apenas manteve o silêncio durante um breve período, enquanto puxou, do vazio, um papel

Sem fazer alardes, ela o largou até cair no solo, levado pela brisa fraca até ficar perto dos pés das duas.

Ao forçar o rosto choroso na direção daquele pedaço de folha rasgada, enxergou palavras escritas num estilo de caligrafia bem chamativo.

Era um formato de desenho das letras tão gracioso que a garota nem resistiu a exalar um suspiro de fascínio.

Depois de breves segundos, percebeu que era uma sequência de nomes, assim como pequenas explicações sobre caminhos específicos a seguir.

Apesar de compreender o recado, não conseguia conceber o mesmo à razão dele. 

Contudo a explicação logo veio.

— Caso sigam esse passo a passo, certamente irão encontrar algo que lhes dará uma razão para seguirem adiante. — A loira ergueu o indicador sob o lábio inferior. — Esse será seu bem inestimável, certo!?

— Um bem... inestimável?... — Judith voltou a encarar a marcada.

— Você entenderá. Mas, caso não acredite em mim, somente continue dessa maneira. Sem rumo algum, sem salvação... — Balançou o corpo, enquanto a provocava: — Sem superar os próprios traumas...

A frase final dela a atingiu como se fosse um choque direto no coração.

— O que... quer dizer com isso?...

A pequena freira estreitou as sobrancelhas em hostilidade.

— Eu não posso te dar essa resposta. Precisa ter coragem para descobrir por conta própria, entende? — Stella rodopiou sobre os tornozelos, como numa dança de balé. — Infelizmente, aquela pequenina acabou se tornando uma vítima. Não estava em meu intuito fazer isso se concretizar. Mas, apesar disso, ainda há muito a ser feito... Vocês ainda são importantes nesta história.

Deu uma olhadela final por cima do ombro, transmitindo às garotas um sorriso mais genuíno.

Até mesmo aconchegante...

— Esper...

Antes que Judith pudesse dizer algo, a misteriosa estalou os dedos. Todo o momento foi substituído pela realidade, como se fosse o fim de um sonho vivo.

As meninas piscaram diversas vezes, vendo que o local original tinha retornado, assim como as pessoas que transitavam pelos arredores.

Livres também das algemas, experimentaram uma intensa onda de aflição tomar conta do peito.

A neve voltava a cair em sua velocidade de queda natural, do céu nublado ao chão úmido.

A única coisa que restou daquele mundo irreal foi o pedaço de papel, ainda no chão, quase entre os pés da freira.

Ela se agachou e o apanhou, para assim verificar com detalhes o tal “passo a passo” entregue pela misteriosa.

“O que ela quer com isso?”, questionou-se ao ler toda a sequência e, no fim, apertar a folha com os dedos.

Superar traumas passados...

A mente nebulosa começava a ganhar alguns pingos de iluminação, mas ainda não sabia muito bem aonde ela queria chegar.

De todo modo, a angústia inexplicável só aumentava.

— O que vamos fazer, irmã Judith?

Sarah, já de pé ao lado dela, a puxou de volta da absorção inquietante.

Judith continuou quieta por mais algum tempo, imaginando qual seria o destino daquele “mapa escrito”.

Mas havia um nome na série de escrituras que a fazia despertar alguns flashes borrados entre a nebulosidade.

Não era como se fosse incapaz de lembrar, porém; somente não queria.

Mesmo assim, ao fim das contas, decidiu se deixar conduzir pelas palavras impactantes que Stella havia dito.

— Vamos... — respondeu de forma irredutível. — Não temos pra onde ir. E é como ela disse. Eu tentei ignorar isso...

Quando a brisa fria bateu contra seus corpos, fazendo os cachos ruivos e os fios castanhos da outra dançarem, ela levantou o rosto cheio de sardas.

— Mas ainda estamos nessa história.

Apertou os punhos, terminando de amassar a folha em sua palma canhota.

Sem ter o que protestar quanto àquela determinação, a Marcada de Mimosa se aproximou um pouco mais e segurou na mão rígida da mais velha.

Judith a fitou de canto, então encontrou os olhos firmes da noviça. Aquilo a acalentou por dentro, além de fazer parte da tensão acumulada no peito perder força.

Abrindo um sorriso tímido, a Marcada de Acrux entrelaçou seus dedos nos dela, firmando a conexão entre ambas.

— Não solta minha mão por nada, ‘tá bem?

— Não vou soltar.

Recebendo a resposta que veio com um gesto positivo de cabeça, a freira — e protetora daquela garota — retomou a vontade de seguir em frente.

“Isso vai ser por você, Karenzinha”, guardou nas paredes de sua mente, um juramento que só ela precisaria carregar até o fim.

O anoitecer chegou, mas a nevasca ainda prevalecia do lado de fora.

Norman observava pela janela do cômodo simples, onde encontrava-se acolhido junto de Bianca.

Seu olhar cabisbaixo indicava a ausência de esperanças em encontrar Layla, desaparecida desde o amanhecer do dia que se mostrou uma gigantesca complicação.

Se ela tinha retornado à cabana maltrapilha na qual estavam hospedados durante poucos dias, não seria possível saber.

Sair naquele tempo já se mostrava inviável quando estava claro, portanto, a situação só tendia a piorar durante a noite.

Preocupado, sem deixar de encarar o lado de fora praticamente invisível em meio às condições climáticas adversas, conferia o estado de Bianca, adormecida no sofá.

Coberta com seu casaco, já seco, respirava de forma branda por meio do sorriso descansado.

Naquele instante, a luz das velas provava-se tão importante quanto mais cedo, chegando a criar um jogo de sombras pelo recinto.

O Marcado de Altair teve sua atenção desprendida do exterior quando o rangido da porta lhe alcançou os ouvidos.

Virou o rosto por cima do ombro até encontrar a freira, Beatrice, adentrar seu local de direito.

Ela direcionou um leve sorriso a ele, como se estivesse contente em vê-lo confortável ali.

Em seguida, tirou o véu da cabeça, deixando os cachos ruivos livres a caírem pelas costas.

— Vocês devem estar com fome. Vou preparar algo.

Virou-se à cozinha e prosseguiu, sem deixá-lo recusar a oferta. Mesmo se desejasse, Norman só tinha como seguir a recomendação da mulher.

Lembrou-se bem disso ao sentir um ronco forte na barriga levemente dolorida de fome, o que o levou a pôr a mão sobre ela.

Acima de tudo, deveria sustentar o bem-estar da Marcada de Deneb na medida do possível.

Precisavam se livrar de qualquer fonte de fraqueza a fim de seguirem sua busca assim que a nevasca cessasse.

— Não quero ser rude, mas... — Levantou-se e dirigiu-se até a entrada da cozinha. — Por que mora sozinha em um lugar desses? Você mesma disse que visitantes são raros. Não deviam ter mais freiras junto contigo?

— E havia. Há muito tempo... — Ela, sem deixar de fitar a panela no fogão, comentava com o mesmo sorriso. — Havia mais pessoas por essa região quando eu era menor. Esse lugar é apenas uma herança de minha família. De certa forma... ele me salvou.

Virou o rosto ao rapaz, lançando aquele sorriso cheio de gentileza em sua direção.

Com alguma timidez, Norman desviou o olhar, a deixa para que a anfitriã complementasse:

— Dito isso, a vinda de vocês me surpreendeu. Mas, da mesma maneira, posso dizer que fiquei um pouco feliz.

— Como assim? — Voltou a encará-la.

— Fazia tempo que eu não recebia visitantes. E ter vocês dois aqui... parece tornar o ambiente mais caloroso. — Naquele breve instante, apenas o som do fogo se pronunciou. — É algo que eu não sentia há muito tempo. Esse calor... especial.

Às palavras até que serenas de Beatrice, o garoto sentiu-se acuado pela primeira vez. Preferiu ficar em silêncio.

Seria imprescindível manter em segredo o fato de ser participante de um evento que fugia das lógicas mundanas.

Só de pensar em envolver a freira, lembrava do evento na universidade, responsável por tirar a vida de dezenas.

E entre essas, estavam dois de seus amigos mais próximos.

Embora não tivesse os contado sobre a Seleção Estelar, fato era que acabaram conduzidos à corrente de fatalidades e por sua culpa.

Ao menos, ele considerava sua culpa.

Sendo assim...

“A gente precisa sair logo daqui”, restou a torcida pelo fim da nevasca o quanto antes.

Após comer bastante, Norman pegou no sono e só percebeu isso quando despertou diante da claridade.

Deitado no chão, levantou-se da mochila cheia — utilizada como travesseiro — e retirou o casaco de cima do torso.

Esfregou os olhos com remela até encarar a janela adiante.

Ao perceber que a fonte de luz mais forte vinha dali, ao invés das velas acesas, ergueu as sobrancelhas e lançou a vestimenta improvisada de coberta para o alto.

A nevasca havia findado, assim como raios solares dispersos passaram a iluminar pontos específicos do solo albino.

“Que merda, eu apaguei!”, rangue os dentes, enervado ao perceber aquele “erro”.

Olhou para o lado e viu que Bianca ainda dormia no sofá, então tratou de se aproximar dela para acordá-la.

Moveu seu ombro com cuidado até que a menina também abrisse as vistas.

— Hm?... Maninho... — Seu murmúrio sonolento veio acompanhado de um bocejo. — Já... ‘tá de manhã?...

— Sim, a nevasca também parou. Vamo’ arrumar nossas coisas e voltar pra cabana.  

Apesar do aconchego sem igual naquela pequena sala de estar, a Marcada de Deneb venceu a vontade de permanecer para seguir o rapaz.

Enquanto se aprontavam apressadamente, a porta voltou a ser aberta, trazendo Beatrice de volta ao cômodo pessoal.

— Ora, já acordaram. Bom dia!

— Precisamos ir. — Norman foi direto em sua fala. — Agradecemos pela hospitalidade e tudo mais.

— Oh, é verdade. Vocês precisam encontrar uma pessoa importante, não é?...

Por alguma razão, o questionamento retórico da irmã soou um tanto melancólico.

Talvez tenha sido apenas a impressão do garoto, graças a toda a pressa que tinha para sair dali.

Ao acenar em silêncio com a cabeça, vestiu o casaco, ajeitou as alças da mochila nos ombros e estendeu a mão até a menina no sofá.

Também pronta da maneira devida, aceitou o convite e entrelaçou os dedos com os dele, se levantando do assento.

— Levarei vocês até a saída.

Beatrice foi em frente e passou pela entrada, sem nem pegar o véu deixado em cima da pequena mesa circular entre os assentos.

A dupla a acompanhou como foi pedido.

Passaram pelo altar até o salão e, por fim, alcançaram a grande saída.

Após destrancá-la com suas chaves, a freira puxou uma das estruturas de madeira, permitindo à parca luz solar em feixes que desciam do céu parcialmente nublado os iluminar.

Poder enxergar os caminhos com clareza trouxe um alívio indescritível ao Marcado de Altair, porém logo veio o temor.

Estaria Layla de volta à cabana abandonada?

Se essa resposta fosse negativa, os fazendo retornar à estaca zero, então não saberia de que maneira deveria proceder.

— Obrigado mais uma vez. — O jovem se virou à mulher sorridente. — Se não fosse por sua gentileza, a gente com certeza teria congelado no meio dessa neve. Vamo’ tomar cuidado daqui pra frente.

— Eu que agradeço! Foi bom ter a companhia de vocês por esse meio-tempo. Caso precisem de algo, não hesitem em baterem à porta novamente. Os receberei de braços abertos, assim como esta igreja.

— Valeu. — Ele abriu um fraco sorriso. — Vamo’ lá, Bianca.

— Sim! Tchauzinho, tia Beatrice!

A garotinha acenou ao sorrir também, com sua pureza infantil de sempre.

— Até mais, Bianca. Fico feliz que tenha gostado do chocolate quente e do jantar.

— Sim! Eu adorei!

— Tamo’ indo, então.

Norman contou com a cordialidade da grande freira e deu a volta para seguir em frente com sua protegida.

No entanto, quando desceram os pequenos degraus da entrada do templo religioso, um arrepio externo pareceu atingi-lo na espinha, o obrigando a interromper o avanço.

A menina ao lado pensou em questioná-lo, mas acabou arrepiada pelo mesmo motivo. Buscaram confirmar se a razão se encontrava no alerta de seus símbolos.

Não era o caso.

O rapaz virou o rosto a fim de observar a reação de Beatrice. E o que encontrou o fez erguer as sobrancelhas, trazendo a atenção inquieta da garotinha na mesma medida.

Diferente da expressão aberta e contente de outrora, a mulher exalava frieza pela face parcialmente sombreada.

Foi quando notaram, de forma bastante ínfima, uma luz dourada irradiar de baixo da franja de cachos ruivos.

Antes que pudessem confirmar a terrível sensação, escutaram passos afundarem na neve vindos da retaguarda.

Ao tornarem a atenção de volta ao trajeto principal, ficaram ainda mais boquiabertos — principalmente o garoto.

Duas garotas chegaram à frente da igreja, ambas agasalhadas com casacos grossos, uma delas com um gorro que protegia a cabeça.

A identidade delas logo foi reconhecida pelo Marcado de Altair, seus olhos verdes esgazeados com a enorme coincidência daquele momento...

— Você é... o garoto daquela vez — Judith, com o cabelo cacheado à mostra, murmurou espantada em igual magnitude.

Cabelo aquele que era igual ao da... mulher que estava bem na entrada do estabelecimento religioso.

Contudo, o foco da jovem negra foi direcionado a outro lugar.

Levou a mão vestida por uma luva de lã até a lateral do pescoço, região coberta pela gargantilha preta, então murmurou:

— E se essa sensação ainda ‘tá ativa... — A menina estreitou as sobrancelhas. — Jamais iria imaginar que você também seria uma de nós... seu demônio.

Envolvidos pelas palavras da pequena freira que prendia para não despejar lágrimas dos olhos marejados, Norman e Bianca voltaram a encarar a mulher em silêncio perante as portas.

Quando ela ergueu o rosto mais uma vez, parte da franja cacheada se abriu, revelando a marca de sua constelação no centro da testa.

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