A Voz das Estrelas Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 2 – Parte 2

Capítulo 38: Silêncio

Edward respirou fundo, limpando as mãos sujas.

— Isso... deve dar um jeito...

Tirou um fósforo do bolso, o acendeu na sola da bota que vestia e o jogou no chão de madeira, banhado por um líquido incolor.

Imediatamente ao contato, o fogo ganhou força, sendo alimentado de maneira a seguir o rastro daquele líquido pelo restante do cômodo.

Então, o rapaz desbotado deixou a residência, iluminada pelas chamas cada vez mais fortes no interior.

— Aquele homem vai sucumbir. Mais duas vidas ceifadas por essa história absurda — resmungou à medida que se distanciava da pequena casa. — Era isso que queria? Não. Por mais que eu conheça seu modo de fazer as coisas, acredito que esteja buscando o mesmo que eu.

Encarou o céu parcialmente nublado com os olhos semicerrados.

Sem proferir uma palavra, voltou a caminhar pelo trajeto da pequena cidade interiorana até desaparecer.

— Na próxima, não permitirei que me atrapalhe. — Os olhos escuros se afunilaram adiante. — Isso ainda...

— ... está longe de terminar.

Sobre a ponte que cortava o rio daquele local isolado do urbanismo, Stella também fitava o luar, parcialmente obstruído pelas nuvens carregadas.

Era o fim do outono. Logo, aquele cenário iria ser modificado por completo pela força imparável da natureza.

Levou uma das mãos às mechas curvilíneas acima das sobrancelhas, a fim de subi-las sobre as vistas entrefechadas, enquanto o restante do cabelo dançava junto à brisa noturna.

— Sinto muito por não conseguirem ter vossos desejos concretizados. Não era esse meu intuito, entendem?... — Estendeu sua mão ao alto, como se tentasse tocar a abóbada. — Não vou falhar na próxima. Certamente...

Depois, posicionou o indicador sobre os lábios...

Irei salvar este universo...

E desapareceu no espaço...

Após Marcel Warren não resistir aos profundos ferimentos, Layla o deitou ao lado do corpo de Catherine.

Ambos jaziam nas folhas secas que remanesciam após as poderosas descargas elétricas, responsáveis por afetar boa parte daquela região cerrada.

Mais calma depois do conflito ser findado, Bianca conseguia observar os cuidados da Marcada de Vega para com os corpos do falecido casal.

Não obstante, Norman também acompanhava os gestos respeitosos da companheira, enquanto ainda carregava a garotinha nos braços.

As marcas das constelações não tinham desaparecido. Tal fator remexia as emoções do garoto de maneira que nem o próprio compreendia direito.

A exemplo dos pensamentos pessoais de meses atrás, antes de vivenciar a tragédia que lhe arrancou sua família e o pôs naquilo, sentia como se tudo não passasse de um aprisionamento.

Evocou a imagem da troca de votos no altar, a qual presenciou acompanhado dos pais e irmão pela última vez.

O momento das alianças sendo trocadas, todo o desfecho matrimonial. Por alguma razão, a mente pesada comparava as duas condições.

No entanto...

“Isso é uma maldição”, franziu as sobrancelhas ao determinar o grau de maleficência entre ambas.

Se fosse pensar por aquele lado, sequer havia comparação...

Durante as divagações, sentiu o uniforme ser apertado pela pequena mão da menina.

Isso o trouxe de volta à realidade, direcionando sua atenção a ela e, na sequência, até onde suas vistas marejadas apontavam.

Quando os olhos dele fitaram a primeira aliada de costas, experimentou a energia fria circundá-la até espalhar-se pelo local.

“É verdade... Ela assistiu a isso naquela vez”, remeteu ao momento no qual o Marcado de Regulus foi purificado por Layla, no desfecho da grande batalha de dois meses atrás.

Sequer precisava dizer algo para saber que tal cena trazia memórias dolorosas a ela.

Por conta disso, optou por afagá-la ainda mais em seu abraço, de modo a tocar as laterais de seus rostos.

Ele ainda não conseguia compreender muito bem os sentimentos e objetivos da garota adiante.

Mas naquele momento, ninguém mais além dela poderia fazê-los descansar do melhor modo.

As perguntas poderiam ser repostas para o futuro.

Agora só deveria prestar o devido respeito aos marcados que ali pereceram...

— Que vocês descansem com as estrelas...

No instante que o murmúrio da alva iniciou o processo purificador, a luz azulada cobriu o casal e passou a desfazer suas figuras em partículas de fótons redondas.

O Marcado de Altair foi tomado por um estranho arrepio em todo o corpo.

Incapaz de entender a si mesmo, avançou alguns passos na direção da aliada, ajoelhada sobre as folhas.

Ciente da aproximação dele, Layla somente fechou as vistas como se lhe oferecesse permissão de prosseguir com o que pretendia.

Assim sendo, ele levou uma das mãos a tocar seu ombro em completo silêncio.

De repente, foi tomado por um célere turbilhão de memórias desconhecidas que pertenciam àquele casal.

Um efeito tão intenso a ponto de trazê-lo uma angústia indescritível.

E não foi apenas a ele.

Bianca, por estar abraçada a ele, também recebeu as imagens específicas na cabeça. Um novo pranto silencioso então surgiu de suas vistas.

Sem trocarem alguma palavra durante o período que o rapaz se manteve em contato com a Marcada de Vega, testemunharam a reta final da manifestação luminoso.

Os símbolos da constelação do Escorpião foram desfeitos antes dos antebraços se tornarem luz, como se a maldição tivesse terminado para aquele casal.

De agora em diante, enfim estariam livres.

Norman trouxe a postura de volta, após seguir uma reação anormal dentro de si.

Deixou a franja cacheada cobrir metade das vistas, carregadas na direção do solo.

Em paralelo, a Marcada de Deneb voltava a afundar-se em lágrimas sobre seu peito.

Quieta desde então, Layla se reergueu após encerrar o ritual.

Com dois novos marcados eliminados, o caminho até a vitória na Seleção Estelar foi sintetizado.

No entanto, uma série de incertezas permeava a todos os presentes, diferente de quando o confronto na mansão terminou.

“De novo isso...”, relembrou o rápido caso do sonho estranho que teve no dia anterior, logo antes de despertar com a garota de olhos azul-escuros acima de seu rosto.

Quando ela se virou, trazendo aquelas esferas frias em sua direção, não pôde fazer nada além de engolir em seco.

Sedento para dizer tantas coisas e perguntar muitas outras, o rapaz cerrou as vistas sombreadas pelos cachos defronte a testa.

— Resta menos de sete meses até o Rei Celestial deixar seu posto... — Como se nada tivesse acontecido, a jovem pálida sustentou o foco. — Devemos seguir avançando, da forma que pudermos.

Embora identificasse uma dose de estranheza em seu tom de voz, Norman escolheu não a responder.

Acima das hesitações pessoais, restava a preocupação sobre o estado atual dela, alterado de forma repentina durante a busca na floresta.

Sabia que algo tinha acontecido, tal como a experiência no shopping antes de retornar e contemplar o sequestro de Bianca, sem poder fazer muito.

E não era como se fosse a primeira vez que a nívea demonstrasse uma espécie de montanha-russa emocional.

Tendo isso em mente, a única retruca plausível foi entoada...

— O que está...?

Antes que Layla pudesse completar o questionamento, foi envolvida num repentino abraço.

Também desentendida num primeiro instante, Bianca acabou cercada por ambos. Um misto de calor e frio parecia nascer daquela união.

Ao receber o morno originado dessa mistura, a criança sentiu-se aliviada pela primeira vez desde o evento do distrito central.

Desejando sair daquele afago, mas incapaz de fazê-lo, a garota de sentimentos deturpados franziu o cenho.

— Eu não esqueci a promessa que te fiz — mussitou ao pé do ouvido dela.

Foi o suficiente para deixá-la mais leve. Exalou um suspiro profundo, enfim cedendo totalmente àquele enlace.

Seu olhar tornou-se moroso, assim como o semblante congelante que tinha a dominado após ter passado o que passou na floresta.

Embora sentisse uma linha tênue entre o agradável e o desconfortável, ela se permitiu a aproveitar o momento.

Eles realmente vieram...”, remoeu-se, enquanto sentia o coração bater mais forte. “Ele... não entenderia... não agora.”

Fechou os olhos, então moveu as palmas até o torso do garoto.

Depois de repousá-las sobre o peito, o afastou daquele abraço e se afastou do misto de emoções que faziam sua face enrubescer.

— Vamos cuidar destes machucados. Não poderemos mais ficar aqui por muito tempo — disse na voz taciturna. — Como nenhum oponente terminou ileso, talvez tenhamos dois dias para nos prepararmos.

Vendo que ela parecia melhor, Norman soltou outro lamento seguido da pergunta:

— E pra onde vamos dessa vez?

— Não sei... — Balançou a cabeça para os lados. — Com exceção da casa em que estamos, não consigo pensar em outro local. Sem contar que... estou cansada de fugir.

Diante o murmúrio final, que mais pareceu ser direcionado a si própria, o cacheado apenas assentiu.

— Não vamos fugir. — A resposta dele trouxe uma expressão levemente boquiaberta da alva. — Infelizmente todo mundo quer matar todo mundo. Então, pra onde a gente for...

Ele deixou escapar o resto da sentença, mas era óbvia a mensagem que desejava passar.

No fim, já tinha ficado claro para Layla o quanto o garoto desejava seguir outro caminho naquele caos.

E, de certa forma, achava louvável da parte dele. Desde o princípio se recusando a tirar a vida mesmo daqueles que o queriam morto.

Para ela, pensar de tal forma certamente os colocaria em maiores riscos. Isso se concretizou desde os conflitos iniciais, há alguns meses.

Mas não conseguia, de maneira alguma, forçá-lo a mudar aquela natureza, tampouco criticá-lo.  

Era até reconfortante tê-lo ao seu lado. Sentia-se cada vez mais segura assim...

— Vamo’ voltar primeiro. Depois a gente pode pensar melhor no que fazer. — Norman estendeu a mão a ela, absorta em pensamentos.   

E ela aceitou.

Por meio de um fraco aceno positivo com a cabeça, levou as vistas pesadas na direção do céu.

Menos nuvens encontravam-se presentes em comparação há alguns minutos, permitindo que mais estrelas pulsassem sob a escuridão.

Embora tivesse medo de perder aquela batalha por um descuido potencial, o nível de confiança sobre o parceiro a fez tomar a decisão de escutar seu planejamento.

Caso permanecesse próxima de onde um grande conflito ocorreu, decerto as chances de derrocada seriam maiores.

— Eu lembro do caminho... Vamos retornar.

Mediante um tênue sorriso, expressão perdida por ela desde o evento do distrito central, avançou em prol de liderar o retorno pelas imediações da floresta.

Dessa vez sem deixarem se perder como na ida.

Levaram alguns minutos até saírem da área natural, repleta de marcas das batalhas travadas naquela madrugada.

Com o tempo, Norman percebeu que a Marcada de Deneb pegou no sono em seus braços, graças ao cansaço.

Decidiu deixá-la descansar, conforme avançavam pela beira da estrada principal.

Sem opções de transporte àquela hora, levariam algum tempo até chegarem em casa.

Seria o suficiente para poderem refletir sobre os acontecimentos vivenciados naqueles dois dias turbulentos.

O jovem ainda sentia certas dificuldades na extensa caminhada por culpa dos ferimentos.

Estava ciente da falta de condições para interromper o avanço no meio do caminho.

Caso o fizesse, não só os atrasaria, como também seria difícil retomar o ritmo.

“Se bem que é mais perigoso nós estarmos andando assim ao ar livre, ainda por cima em um lugar deserto”, pensou ao comparar o cenário atual com a permanência desejada naquela região.

Nesse meio período, evocou a pergunta que queria fazer a ela. Na ocasião, foi interrompido pela chamada telefônica inesperada, efetuada pelo sequestrador de Bianca.

Lembrou também que, no episódio em específico, agia em um estado tão áspero quanto a própria companheira demonstrou após o salvar do marcado luminoso.

“Preciso pedir desculpas depois, mas...”, ainda remoía as semelhanças citadas, sem pudor devido às emoções agressivas em pico.

Queria saber mais sobre Layla. Mais sobre o que ela escondia dele, com certeza.

Assim como a natureza daquela mensagem.

Poderia resolver as pendências quando os ânimos fossem acalmados, então torcia para isso ocorrer o mais rápido possível.

Em vista daquele mar de devaneios e ponderações, nenhum dos dois trocou alguma palavra durante o trajeto.

No momento que começaram a enxergar o aglomerado de residências, localizado na região onde situava-se a deles, uma luz alaranjada lhes despertou a atenção.

Daquele foco, fumaça negra subia na direção do céu e era disseminada pelo vento.

Não foi necessário muito tempo até perceberem sobre o que se tratava.

Ao se aproximarem um pouco mais, sentiram um fluxo leve de calor atingir seus rostos, a ponto de despertar a adormecida criança.

Virou-se, ainda sonolenta, mas logo arregalou os olhos perante a imagem chocante.

As chamas intensas dominavam a casa para onde eles retornavam.

Feita de madeira em sua maioria, era impossível escapar do calorento mar alaranjado.

“Essa sensação...”, Layla voltou a torcer os supercílios.

Havia uma leve fragrância, a do responsável por ter realizado aquele incêndio. Ela virou o rosto, à procura dos rastros dela, mas já era tarde para os seguir.

Enquanto rangia os dentes, irritadiça com o novo percalço, Norman já pensava que a maior preocupação não faria mais parte daquele simples detalhe.

No fim das contas, o pedido da garota seria seguido: os três, por obrigação, não mais ficariam naquele lugar.

O problema é que, dessa vez, não possuíam nenhuma outra escolha senão fugir para qualquer lugar.

Para onde?

Nenhum deles fazia ideia...

— E mais um grande conflito terminou, hein!? Dessa vez pude participar um pouquinho...

Stella parecia estar falando sozinha, mas o cenário da montanha próxima às nuvens logo foi modificado.

O solo gramado tornou-se a água que refletia o céu puramente estrelado, de diversas colorações escurecidas.

Girou o corpo com graciosidade, de maneira a fazer o cabelo loiro dançar num ritmo semelhante.

Através do sorriso estampado na face pálida, levantou a cabeça até encontrar a brilhante figura repousada em seu trono.

Não era possível enxergar seu rosto, contudo possuía uma forma humanoide com torso, braços e pernas.

Como se fosse uma estrela, iluminava boa parte da escuridão pontilhada.

Mas ainda assim era incapaz de ofuscar a visão da jovem, localizada metros abaixo de sua presença.

O que faz aqui, criança? — A voz retumbante soou da entidade cintilante.

— Você não me tirou do acesso à Singularidade, certo!? Creio que não seja tão surpreendente eu fazer uma visitinha, né!? — A menina cerrou as vistas, mas apenas para alargar o próprio sorriso. — Aliás, está ansioso!? Preocupado!? Por que não me dá esse lugarzinho aí de uma vez, querido Reizinho!?

Se veio aqui apenas para requisitar tal absurdo, recomendo que se retire, criança. Senão, eu mesmo o farei...

O ser ergueu uma das mãos, até então repousadas sobre o braço do trono.

— Sabe nem brincar! — Ela levantou as palmas, irritada. Contudo logo mudou a expressão ao sentir que ele falava sério. — Falta menos tempo do que pensava para deixar seu posto, não é mesmo!?

Um breve instante de silêncio entregou a resposta, antes mesmo que o próprio entoasse:

Então você percebeu...

— Claro que percebi!

Embora a personalidade brincalhona de Stella o irritasse, o Rei Celestial resolveu recuar o membro esticado, em prol de deixá-la no local.

Sem ter muito o que fazer para lidar com a série de brincadeiras daquela criança, soltou um suspiro que causou uma alteração leve no brilho de todos os pontos luminosos espalhados pela extensão multicolorida.

— Acho que vou precisar dar uns passos a mais nesse tabuleiro... — Contornou o corpo e, de súbito, começou a se afastar da entidade. — De qualquer forma, já plantei a sementinha nele! Agora, a veremos crescer de pouco em pouco, até que o grande momento chegue. O que acha disso!?

Faça como quiser...

Embora não pudesse enxergar sua faceta, a jovem sentiu que os olhos do Rei se fecharam no compasso da resposta enfraquecida.

Num piscar veloz, o cenário mudou de novo.

Retornou à montanha que oferecia vista a uma cidade inteira, onde um foco alaranjado chamava específica atenção da marcada.

Ao alargar o sorriso de queixo erguido, os olhos azul-escuros pareceram irradiar um ínfimo fulgor.

— Certo! Agora, deixe-me ver... — Ela mirou a pequena cidade abaixo. — Quem eu poderia fazer despertar por aqui?...

As palavras ecoaram sobre o espaço cercado pelas estrelas. Somente a própria oradora pôde escutá-las.

Com a palma da mão erguida, experimentou a brisa frienta daquela noite.

Pouco a pouco, das nuvens carregadas no topo inalcançável, flocos brancos e gelados começaram a dançar com extrema leveza pelo ar.

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