A Voz das Estrelas Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 2 – Parte 2

Capítulo 27: Chamado da Guerra

Sob a copa de uma das árvores do bosque, a jovem experimentava a brisa fria causar oscilações pela extensão do loiro cabelo ondulado.

Através de um sorriso que se alargava aos poucos, até revelar os dentes afiados, pressentiu energias interessantes se aproximarem de sua localidade.

— Isso vai ser bem interessante... — murmurou solitária. — Será que pode me escutar?...

Mirou a lua crescente no céu tomado por poucos pontos cintilantes.

A maioria era ofuscada pelas nuvens densas que flutuavam sob a escuridão natural.

Voltou a abaixar a cabeça, a franja entrecortada cobria as vistas cerradas.

Em seguida, desapareceu daquele local destacado pelo forte luar.

Partiu a fim de finalizar o momento que precederia a nova fase daquele evento místico.

Ao abrir a porta de madeira do pequeno chalé, o homem tirou as botas sujas de terra e entrou na salinha com passos cambaleantes.

Sequer se importou em arrumá-los à frente do tapete. Sua pressa ficava mais perceptível no semblante contorcido.

— Amor, estou de volta! — gritou, espalhando um eco simples pela casa.

A voz grossa alcançou a mulher, sentada na poltrona à frente de uma lareira acesa.

Seus olhos acastanhados desprenderam-se do livro de capa dura que portava em mãos, a fim de encontrar o marido na entrada da residência.

Num primeiro momento, fitou sua aparência já habituada.

A cor de pele parda combinava com as vistas escuras, semicobertas por franjas laterais.

Parte do cabelo castanho-claro repartido na superfície caía até metade do pescoço.

Contudo, o que mais chamou sua atenção após o enxergar foram as duas iguarias abaixo dos braços agasalhados.

De formato alongado, levemente achatado e com casca verde, parecia trazer dificuldades a ele por conta do peso.

Ao perder tempo na cruzada de olhares, em contemplação ao cabelo castanho-claro dela que possuía uma trança de arco sobre a cabeça, quase derrubou os frutos no chão.

Literalmente puxado de volta à realidade, correu até a cozinha no cômodo ao lado e os jogou sobre a quadrada mesa de madeira.

Curiosa pela repentina atitude do marido, ela fechou o livro junto ao marcador de páginas onde tinha parado.

Levou as mãos aos braços do assento aconchegante e esforçou-se no intuito de se levantar como podia.

Na cozinha, o homem secou o suor com a longa manga do agasalho fino, enfim capaz de retomar o fôlego.

Na sequência, desamarrou o lenço xadrez no pescoço e o colocou entre as iguarias repousadas.

— O que são aquelas coisas?

Ao escutar a delicada voz da esposa, corrupiou o rosto até a passagem entre os cômodos.

Ela avançava ao mover a cadeira de rodas em ritmo sereno. O sorriso gentil na face escondia sua curiosidade.

Não obstante aos segundos perdidos, em silêncio para que pudesse respirar, o esguio levantou os cantos dos lábios e a respondeu:

— Mamões.

— Oh, mamões? — Encarou as polidas cascas esverdeadas, com um tom ligeiramente amarelado, capazes de reluzirem a luz acesa da cozinha.

— Aham. Achei uns que parecem bem docinhos.

Achou, é? Como os conseguiu, mesmo?

— Ah... — Encabulado, alisou a bochecha com o indicador conforme desviava o olhar. — Uma pessoa aleatória me encontrou no caminho e me deu. Disse que foram colhidos há pouco tempo, então ainda ‘tão em fase de amadurecim...

— Uma pessoa aleatória, é? — Ela aproximou os cílios, mudando completamente a aura de sua feição. — Onde você conseguiu isso?

Antes benévola dos olhos à boca, o fuzilou sem piedade através da encarada.

O homem engoliu em seco ao receber o peso invisível, então recuou alguns passos de forma inconsciente.

Travou uma breve batalha no próprio interior, até encontrar as palavras corretas que o permitissem oferecer alguma explicação:

— E-eu juro, meu amor! Foi por isso que demorei e tudo mais...

— Marcel Warren. — Virou a cadeira de rodas e aproximou-se ainda mais. — Quer me dizer que roubou isso de alguém enquanto andava pela cidadezinha?

— N-não! Por que eu faria isso!? Cathie, ‘pera aí, isso dói!

Conforme a cadeira batia nos tornozelos de um Marcel prensado contra a parede, a pressão feita pela esposa crescia de modo exponencial.

Ainda assim, ele não parecia estar mentindo ou algo do tipo. Isso a fez interromper os peculiares ataques de súbito.

Moveu as rodas na iminência de recuar alguns centímetros.

Enfim oferecia-lhe o espaço necessário para conseguir respirar com tranquilidade.

— Então, menos mal — proferiu através de um fraco suspiro. — Fico feliz que pareça estar perdendo esses hábitos ruins.

— Mas eu não tenho esses hábitos, ‘tá ficando gagá? — Ao murmurar com ironia, recebeu uma nova encarada ameaçadora. — D-digo, pode deixar que eu preparo o jantar hoje!

Após o marido correr desesperado a fim de se desvencilhar da crueldade imposta, Catherine deixou de lado o semblante carregado e soltou uma risada divertida.

Como prometido, Marcel Warren tomou conta dos afazeres domésticos durante o anoitecer não muito duradouro.

Passada a ceia, aproveitaram os mamões recebidos de um estranho como sobremesa.

A mulher pegou-se surpreendida com o sabor adocicado e agradável a seu paladar, ainda que não estivesse totalmente amadurecido.

Sentados no sofá maior, enquanto dividiam a lareira, aconchegavam-se abraçados um ao outro em prol de superarem o clima frio daquele horário.

Os olhos cabisbaixos do marido encaravam as chamas que trepidavam e soltavam estalos de vez em quando.

Por vezes até modificavam a posição da lenha unida sob a parede.

O clima descontraído foi embora, à medida que descansavam da refeição noturna.

Através das mãos canhotas entrelaçadas, Marcel levantou o membro repousado da esposa, onde a aliança prateada se destacava no dedo anelar.

Outro detalhe além daquilo parecia o preocupar.

Puxou a manga de seu casaco fino, a revelar a altura do antebraço.

Fitou o símbolo estampado na pele parda, que se estendia de acima do punho até metade do mindinho.

— Isso aqui parece uma tatuagem... — murmurou próximo ao ouvido dela.

— Carregamos a mesma marca, né? Ainda é difícil de processar tudo isso que aconteceu conosco, desde aquele dia... — Catherine entrefechou as vistas, enquanto acariciava os dedos dele. — Por isso, se esse for um símbolo de recomeço para nós...

Ela não completou a frase, mas sequer era necessário.

Os dois deixaram as palavras de lado e levaram os lábios a se tocarem.

O beijo se tornou mais intenso à medida que os segundos avançavam, as chamas da lareira espalhavam um calor adicional sobre seus corpos agasalhados.

Prosseguiram dessa forma por bom tempo. Ninguém poderia tomar aquele momento deles.

Nem mesmo a luz das chamas tão próximas, que os iluminavam por todo o cômodo escurecido.

Quando despertou na cama somente com as roupas íntimas, Catherine tentou recuperar as memórias da noite recente.

Logo percebeu que nem havia amanhecido ainda. Levou-se a ponderar sobre o motivo para ter levantado tão cedo.

De todo modo, sentou-se no colchão e se espreguiçou.  

Àquela altura teria dificuldades para pegar no sono novamente, portanto, decidiu iniciar o dia a partir do presente momento.

Olhou ao lado na busca pelo marido, com quem tinha compartilhado momentos inesquecíveis há algumas horas.

Encontrou o espaço da cama vazio.

“Ele acordou antes?”, foi tomada pela curiosidade, então seguiu os passos definidos na mente ainda em processo de despertar.

Pendurou as pernas na lateral do móvel.

Incapaz de sentir o contato das solas com o piso, observou a própria impotência através de cabisbaixas vistas, repletas de remela.

Reuniu coragem a fim de posicionar-se na cadeira de rodas ao lado.

Pegou o agasalho no pequeno cabideiro lateral e acobertou o corpo, trêmulo de frio.

Recebendo calor à medida do possível, venceu o gelo arrepiante no repartimento de metal das rodas e as empurrou em frente.

Saiu do quarto movendo a porta com cautela, a fim de não executar ruídos demasiados àquela hora da madrugada.

— Marcel? — chamou baixinho, o suficiente para que o homem escutasse dentro do pequeno chalé. — Querido?...

Mas não recebeu qualquer indício de respostas.

Avançou pelo pequeno corredor até alcançar a sala de estar. A lareira já estava apagada.

Nenhuma fonte de luz podia alcançar o recinto tomado pelo breu.

A ausência de qualquer som ambiente fazia seus ouvidos apitarem um zumbido.

 Engoliu saliva antes de prosseguir lentamente à cozinha. Pegou uma lanterna acima da mesa, a acendeu e mirou contra as trevas.

A iluminação parcial a trouxe um pouco de alívio, mas desconhecer o paradeiro repentino do parceiro ainda lhe deixava desconfortável.

Prosseguiu na procura ao retornar à sala.

Desprovida de resultados no interior, pensou se seria uma boa escolha ir ao lado de fora.

Detalhes como frio e escuridão sustentavam seu desejo de ficar ali, mas a curiosidade caminhava a passos largos para tornar-se preocupação.

Ao ultrapassar a janela mais próxima da saída... o vidro foi quebrado com força, graças a um braço que atravessou os estilhaços.

O barulho estridente espalhado pelo cômodo fez Catherine se assustar com intensidade.

Além de arrancar um grito dela, a fez tombar com cadeira e tudo no chão.

Apesar do baque causado pela queda, rapidamente ergueu o rosto na direção da janela.

O corpo do membro esticado se debruçou sobre o peitoril e caiu todo contorcido dentro da sala.

Aflita por conta do ocorrido inesperado, ela buscou ajeitar a cadeira derrubada ao lado, mas não obtinha sucesso por conta do peso.

Para piorar, o ser estranho se ergueu mais rápido, revelando a aparência digna de filmes de terror.

O rosto estava próximo da completa ossificação.

Suas roupas sujas de terra encontravam-se puídas em diversas áreas e revelavam partes da pele pútrida, responsável por exalar um odor repulsivo.

Entretanto, o temor pungente sobrepôs qualquer outra emoção da dona de casa.

“Movam-se! Movam-se, droga!”, os comandos desesperados alcançavam o cérebro, mas eram bloqueados a partir da cintura.

As pernas imóveis a prendiam contra o perigo que jamais cogitou a existência, nem nos piores pesadelos.

Aquilo era claramente produto da ficção.

Encará-lo dentro da própria realidade fez sua mente congelar, a impedindo de se defender.

A passos lentos e trôpegos, o ser irreal avançou contra a paralisada; os dentes amarelados se abriram, prontos para abocanhá-la.

No fim, Catherine evocou lembranças borradas que pareciam ter congelado o tempo.

Foi um instante na velocidade do pensamento e, ainda assim, sentiu como se fosse arrastado por uma dolorosa eternidade.

Por algum motivo, fez lágrimas quentes subirem os cílios. Nem a presença daquele monstro foi capaz de tal feito.

“Volte... Não volte...”, abraçou os próprios braços estremecidos e os apertou com força. “O que estou sentido agora? Eu não sei...”

Os globos arregalados sequer piscavam.

“Eu vou morrer? Por que não morri naquele dia? Junto com elas...”

Embora a vontade dolorosa dominasse seu peito, uma energia estranha se alastrou por todo o seu corpo, como se o sangue em suas veias estivesse em ebulição.

O resultado veio logo na sequência quando a marca iniciada no antebraço e finalizada no menor dedo despertou um cintilar branco-azulado.

O cômodo foi iluminado por completo, capaz de sobrepor a lanterna ainda ligada no chão.

Seu ondulado cabelo solto, que caía até o início das costas, levitou junto às áreas volumosas do agasalho sobre o corpo magro.

Quando o morto-vivo se situava prestes a alcançá-la, um campo de pressão tênue a olho nu foi gerado em sua volta.

Tanto a criatura quanto os objetos nas adjacências foram empurrados.

A destruição durante as colisões com as paredes foi considerável, portanto, a própria indefesa reagiu assustada perante tais anomalias.

A cadeira de rodas, a lanterna, até mesmo as poltronas e quadros presos foram repelidos por uma energia impactante além de sua compreensão.

Incapaz de se mover, ela observou o monstro pútrido retornar ao solo com a força da gravidade.

Foi o intervalo de tempo certeiro até a porta da frente ser derrubada por mais três deles, a tombarem da mesma maneira.

Na sequência, outros dois adentraram pelas demais janelas, até então intactas ao redor da sala escura.

Catherine desejava se rastejar pelo solo em busca de proteção, mas o estado de choque parecia a eletrizar por dentro e por fora.

Nenhuma atitude consciente conseguia superar aquele medo.

A cadeira de rodas estava longe, lançada pela repulsão indecifrável há pouco.

O brilho no símbolo do antebraço esvaiu, retomando a natureza do breu parcamente iluminado pela lanterna distante.

Não demorou até as criaturas se erguerem, a cercando por completo.

Sem escapatórias, enxergou a morte iminente sorrir rente aos olhos estáticos.

Sem sequer ter a oportunidade de compreender o que acontecia, daria adeus àquele mundo...

“Finalmente... vou poder me juntar a vocês...”, levantou o rosto na direção do teto, como se desejasse enxergar o céu noturno. “Minhas filhas...”

O corpo imóvel relaxou, as escleras cintilaram marejadas.

No entanto quando se entregou ao fim, foi pega de surpresa pela explosão elétrica que atingiu todos os mortos-vivos em simultâneo.

Voltou a piscar, as vistas encharcadas pelos tênues fios de lágrimas acumuladas.

Varreu os arredores conforme os estampidos incômodos descarregavam energia sobre as monstruosidades.  

Puxada de volta à vida, arregalou os olhos espantada até que a eletricidade cessou e derrubou a todos.

Antes que pudesse se questionar sobre a cadeia de eventos irreal, escutou passos pesados alcançarem a entrada derrubada.

Virou o rosto estremecido a fim de encontrar a figura responsável por salvá-la...

— Catherine! — Marcel gritou, ofegante, ao enxergar a mulher de joelhos no chão. Não pensou duas vezes em correr para abraçá-la. — Meu Deus! Você ‘tá bem! Me desculpe por ter saído tão de repente, é que senti algo estranho e fui verificar, e...!!

— Marcel... o que... O que está havendo?...

Graças ao baque ocasionado pelos imprevistos, a voz embargada da mulher interrompeu suas tentativas de explicação descomedidas.

Os dois estavam se esforçando, ao limite.

— No meio da madrugada, senti um arrepio estranho vir da marca. Então acordei. — Ele respirou, retomava o equilíbrio aos poucos. — Não entendi bem o significado, então acabei indo dar uma olhada aqui fora...

Dessa vez, foi o próprio que se pausou ao engolir em seco.

Na sequência, complementou através de olhos arregalados:

— Tem uma pessoa controlando esses mortos.

Catherine ergueu as sobrancelhas ao extremo dessa vez. Tampouco notou a boca aberta em perplexidade.

— O que... disse?

— Ele também possui uma marca! Igual às nossas! — Mostrou seu símbolo no antebraço destro ao elevar o tom de voz. — Ele ‘tá tentando nos matar... A gente precisa sair daqui o quanto antes!

Pegou a mulher nos braços, se levantou antes dos mortos-vivos e disparou do chalé, rumo ao bosque que os rodeava.

Avançaram em boa velocidade mediante o surgimento de novos monstros entre os arvoredos.

À medida que encontravam os inimigos, o marido ajeitava a postura e movia a mão destra na direção deles.

A marca abaixo do punho irradiava um brilho avermelhado e, na sequência, as mesmas descargas elétricas surgiam da palma contra os zumbis.

A energia quente atravessou todo o corpo até alcançar o membro, formada à frente do lado interno da mão.

Deixando Catherine tão perplexa quanto antes, a mistura de luz azulada e escarlate disparou a descarga de raios contra os monstros, em prol de abrir caminho a favor do casal.

Nesse hiato, não muito longe daquela área, uma figura repousava agachada num galho firme, sobre um dos troncos espalhados nos arredores.

De sua bochecha direita, o fulgor alaranjado iluminava a região, conforme mascava um chiclete tranquilamente.

— Não adiante fugirem... — murmurou, a voz cansada trouxe consigo a postura erguida. — Eu já tinha dito quando nos encontramos mais cedo. A vida de vocês já deixou de existir nesse mundo.

Arregalou os olhos pretos, ofuscados pelo cintilar intenso do símbolo que provava sua posição.

Abaixo dele, uma horda de mortos-vivos caminhava na direção de onde a dupla adversária tentava fugir, por meio de passos cambaleantes sobre a terra.

Não obstante a isso, ele era só mais um observador distante daqueles dois.

Foi com esse pensamento delicado que a jovem misteriosa esboçou um sorriso. sobreposta pelo luar.

Opa, tudo bem? Muito obrigado por dar uma chance À Voz das Estrelas, espero que curta a leitura e a história!

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