Volume 1

Capítulo 1: A Voz dos Sonhos

Haa… Haa... Aquilo de novo… — falei entre as ofegadas. 

Com o corpo coberto de suor frio, saí da cama, me sentindo extremamente perturbado por alguma razão.

Tive um sonho, e nele, Keyal — eu — entre todas as pessoas deste mundo, luto como um Herói para subjugar a Maou.

Já nem lembro quantas vezes tenho sonhado com isso, mas já tinha me conformado em ser apenas uma simples pessoa.

Então, esse sonho de ser Herói, para mim, não passava de uma mera ilusão.

Oh, o sol tá raiando.

Olhando para a janela, notei que estava amanhecendo; era a hora certa de acordar, e em seguida trabalhar.

Tirei o pijama, vesti uma roupa amarrotada e saí do quarto. No caminho, comi uma maçã, que estava em cima da mesa, depois peguei um cesto junto duma bolsa, a que eu guardava ferramentas de trabalho e a coloquei no ombro.

— Painho, mãinha, vou indo... — murmurei por hábito, sem esperar alguma resposta.

Meus pais já não estavam mais presentes… Ambos foram mortos por monstros.

 

 

O vilarejo em que vivo era dividido em três partes diferentes: a área comercial, a área residencial e a área agrícola. E em volta disso tudo, tinha uma enorme muralha que nos protegia.

A área residencial possuía um canal d'água extenso, rodeado por uma paisagem verdejante... A partir daí, comecei a me mover em direção à área agrícola.

Embora eu estivesse sozinho, sem um único parente, meus pais me deixaram uma casa e um pomar de maçãs. Graças a isso, pude viver e ganhar a vida sendo um produtor de maçãs.

Chegando às macieiras, percebi que era tempo de colheita.

— Até que enfim.

Olhando para os pés de maçã cheinhos, sorri com muita alegria no peito.

Eu não ia morrer de fome tão cedo.

Subi num dos pés, peguei as maçãs que tavam maduras e as coloquei na bolsa que trouxe.

Mas, de algum jeito, enquanto tô fazendo isso, ainda me sinto incomodado com algo.

Parecia que tinha uma voz falando dentro de mim:

Está satisfeito com isso? Você não tinha algo mais urgente para se preocupar? Não deveria buscar ficar mais forte?

Tch, os galos nem cantaram ainda e já tô pensando nessas coisas, nem sei se vou ter alguma classe...

Quando um humano completava 15 anos, era oficialmente considerado adulto e despertava a sua própria classe — dependendo de qual, atributos diferentes se fortaleciam.

Já pessoas sem classe, nem ao menos eram capazes de lutar. Entretanto, com uma, você poderia obter habilidades especiais que só as pessoas da mesma classe poderiam ter.

Assim: Se a ela for Espadachim, então terá o potencial de ficar realmente bom na espada, e será mais fácil conseguir experiência com uma. Mas, um "Mago" não pode ter as mesmas habilidades que um "Espadachim", e nem vice-versa.

Portanto, mesmo que alguém sem classe possa treinar e brandir sua espada todos os dias, não conseguiria bater de frente com um alguém de classe Espadachim — isso porque uma pessoa sem classe não tem como ter a mesma velocidade de ataque e nem a força de um verdadeiro.

Daqui sete dias, vou fazer 15 anos e eu já tô todo preparado. Dependendo da classe que receber, caso seja boa, planejo deixar esse lugarzinho e partir numa aventura. Mas, se for uma ruim, vou ter que continuar vivendo como um fazendeiro.

Atualmente, é época de colheita, o tempo em que meu ano de esforço se transforma em dimdim. Então, se eu sair da vila, terei uma boa bufunfa.

Enquanto pensava nessas coisas, continuei a colher as maçãs sem parar.

 

 

Após pegar o suficiente, o sol já tinha começado a se pôr. Momentos depois, ouvi um grito alto e corri imediatamente em direção. 

Logo vi que, no meio do campo de trigo, havia um ser que não deveria estar lá.

Ô buçanha… Como esse bicho conseguiu atravessar as muralhas?

Havia um monstro do tipo javali atacando algumas pessoas; ele tinha pernas curtas e uma couraça protegendo seu corpo.

Era impossível para nós, simples fazendeiros, fazermos algo a respeito.

E aposto que todos os adultos aqui não tem classe combatente, já que se tornaram fazendeiros a fim de ter algum sustento.

Além disso, eles nem sequer treinaram suas classes. Então era inútil até mesmo tentar algo contra aquele monstro.

Depois de um tempo, os guardas certamente viriam para matá-lo, só que… 

— Anna-san...?

Reconheci um rosto… Da única pessoa que me deu uma mão amiga após saber da morte de meus pais. 

Ela, que era casada, não tinha filhos, mas me tratava como um, e sempre cuidou bem de mim. 

Infelizmente, essa mesma pessoa se encontrava caída no chão, e, a cada segundo que passava, o javali lentamente ia em sua direção.

Nesse ritmo, ela será devorada.

E mesmo que eu vá, seria inútil; não que me falte uma classe de combate, mas sim por nem sequer ter uma.

Não, isso não é verdade. Por que teme um monstro desse nível? Atributos não são as únicas coisas que te fazem forte; o conhecimento também é outra forma de poder!

A voz que estava ultimamente ressoando em minha cabeça surgiu. No entanto, a vontade colocada nela era mais forte do que o normal... Involuntariamente comecei a correr em direção do monstro.

E, por alguma razão, eu tinha conhecimento sobre ele. Tal ser não era um monstro do tipo javali, e sim do tipo toupeira. 

Por isso foi capaz de passar pelas muralhas; tinha escavado por debaixo.

Por sorte, ele possuía uma fraqueza: Sua visão não era propícia ao ar livre, e, assim, provavelmente, quase não conseguia ver nada agora. Isso significava que tinha que confiar em seu focinho para sentir as vibrações do chão e encontrar sua presa. 

E, para não enfraquecer o alcance de sua visão, a sua cara era o único lugar desprotegido; o ponto fraco. 

Então...

Haaaaaaaa!

Após pegar velocidade, pulei em direção ao monstro. Se ele usava vibrações do chão para para sentir sua presa, então, tudo o que eu precisava, para não ser captado, era estar no ar.

Alcançando a couraça do javali-toupeira, me agarrei a ela. Até este momento, o monstro não foi capaz de me sentir. 

Peguei minha faca, na qual usava no trabalho, e perfurei seu focinho, bem no órgão sensorial.

Kyuiiiiiiiiiiiiiiii! — Após grunhir, ele começou a se sacudir, e eu fui atirado para longe facilmente. 

Com os meus atributos atuais, o melhor que podia fazer era feri-lo; já estava óbvio que eu não conseguiria matá-lo.

E por isso cerrei meus dentes em frustração.

Seu objetivo era salvar aquela mulher, mas por que não tenta derrotar o monstro? Se apresse, mate!

Aquela mesma voz ressurgiu. Mas, em pânico, corri em direção a Anna para ajudá-la a escapar. O monstro ainda estava se movimentando como louco.

No final, ninguém mais estava ao seu alcance.

— O-obrigada… Keyal-kun… V-você está bem? Aquele monstro...

— Não se preocupe, ele não pode fazer mais nada.

Tendo seu focinho ferido, não havia como ele nos encontrar.

E isso era suficiente, até porque meu objetivo não era matá-lo, mas sim salvar uma pessoa. 

Agora era só deixar o resto com os guardas e tudo ficaria bem.

 

 

Mais tarde, os guardas que possuíam classes combatentes vieram abater o monstro.

Pela ajuda que dei, fui elogiado por todos, só que fui repreendido por Anna, dizendo que fiz algo muito perigioso.

Mas eu estava estranhamente calmo, pensava também que não tinha feito algo do tipo — mesmo que aquela tenha sido a minha primeira luta contra um monstro. Me pergunto se existia alguma relação com os sonhos que eu tenho todos os dias...

Quando comecei a pensar sobre isso, a voz voltou a falar.

Fique forte, e não confie em ninguém. Recobre todo o seu conhecimento e se torne poderoso. Mas, primeiro, consiga um olho de um espírito estelar; o Olho da Verdade.

— O que tá acontecendo hoje? — Me perguntei. Essa tinha sido a segunda vez que ouvi aquela voz tão clara.

Meus pés logo começaram a se mover sozinhos e eu, de alguma forma, "sabia" que havia um ponto de conexão com o mundo espiritual na floresta perto da vila; lá poderia conseguir um contrato com um espírito e obter o "Olho da Verdade". E também de alguma forma já "sabia" que o período de conexão mais forte seria em 5 dias, e, caso deixasse passar, teria que esperar 34 anos para o próximo. 

Tudo o que eu precisava fazer após chegar lá era citar palavras antigas e fazer o ritual para formar um contrato.

Aconteceu o mesmo quando lutei contra aquele monstro hoje cedo, por alguma razão, eu já "conhecia" seu ponto fraco e como agir. 

É uma loucura se pensarmos nisso com bom senso, mas não pude ignorar. Sinto que se eu deixasse passar, perderia tudo e sentiria uma voz ameaçadora dizendo que ser fraco era um pecado.

Quando obter o olho, lembrará de tudo. Não podemos perder essa chance e repetir tudo aquilo que passamos. Dessa vez, definitivamente levaremos uma vida feliz.

Comecei a me sentir impaciente. Sentia que se fosse lá e conseguisse o tal olho do espírito, seria capaz de entender tudo. 

Agarrando algumas maçãs e enfiando-as em minha bolsa, saí do vilarejo e corri em direção a um lugar no qual eu não deveria conhecer. E percebi que estava sorrindo.

No fim, entendi... Eu estava ansioso para chegar naquele lugar.



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