Volume 1

Prólogo: O Recomeço do Herói Curandeiro


"Os curandeiros só podem curar, e nada mais."

Era o que falavam; os viam apenas como seres inúteis que não podiam fazer nada por conta própria — existências incapazes de se defender, dependendo sempre de outro alguém, e, por serem esse tipo de estorvo, eram explorados.

Sendo um deles, posso admitir esses fatos.

Porém, percebi tal erro tarde demais. A minha vida estava acabada.

Só que agora, eu tenho a chance de fazê-los repensar isso.

 

 

Em uma terra longínqua, desolada e coberta por trevas, subjugávamos a Maou.

A existência mais maligna, o inimigo mais forte da humanidade, tinha a aparência de uma garotinha de cabelos prateados e pupilas carmesins.

Um vestido lascivo era trajado por seu pequeno corpo, que, agora, tremia com suas asas negras farfalhando de nervosismo.

— Humanos malditos! Estão mesmo tentando tomar não só a Terra da Morte, mas até o nosso lugar de descanso!? — rugiu ela.

Ofegava com dificuldade, com inúmeras cicatrizes gravadas em sua pele branca, que escorria sangue.

Diante dela, estava a esperança da humanidade. A equipe mais poderosa, composta pelos maiores Heróis do mundo.

O Herói Espadachim, Blade. Nobre de cabelo loiro e de corpo esguio. Sua arma era uma espada decorada com pedras preciosas, a divina Ragnarok.

O Herói Atirador, Bullet. Um grande homem barbudo e careca. Convertendo a sua mana em balas, as usa como munição. Sua arma era um canhão de prata, o divino Tathlum.

A Heroína Maga, Flare. Uma linda jovem com um comprido cabelo cor de pêssego. Além de ser uma Heroína, também era uma princesa. Sua arma era um cajado, feito a partir da árvore do mundo, o divino Vanargand.

E, por fim, eu... o Herói Curandeiro, Keyal. O único desarmado. Entre os Heróis, sou aquele que não possuía armas divinas.

— Bullet, continue a atacar, não deixe a Maou descansar. Preciso de alguns segundos — comandou Flare.

O grandalhão respondeu: — Entendido.

Após receber a ordem, o Herói Atirador rapidamente continuou o ataque.

A potência de seus tiros se comparava à magia mais poderosa que os humanos poderiam usar. Além disso, cada bala disparada desenhava uma trajetória diferente.

A Maou estalou a língua em aborrecimento e tentou evitá-las em pleno voo, porém, como se estivessem bloqueando a sua rota de fuga, os projéteis logo se aproximaram, a atingindo diretamente.

Durante esse tempo, a Heroína Maga iniciou um cântico... Aumentando seu poder mágico.

— Tudo certo, magia de sétimo grau, Mjolnir.

Um círculo mágico apareceu, composto por 5 camadas e com alguns metros de diâmetro.

Mjolnir era um feitiço que estava dois graus acima do limite do que os humanos normais conseguiam usar, e só podia ser utilizado por um Herói Mago.

Do céu, um raio desabava diretamente sobre a terra — sendo mais preciso, em direção ao inimigo. Sua altíssima tensão o transformava em algo semelhante a um sabre de luz.

A demônia desistiu de fugir e deu tudo de si para fazer uma barreira em pleno ar, tentando interromper o ataque.

Flare gritou: — Blade, agora é com você!

— Deixa comigo! — A espada divina, Ragnarok, foi coberta de luz. — Serei eu quem a matará.

Depois de receber o sinal, o Herói Espadachim começou a correr.

A equipe acreditava que a demônia, ocupada com o Mjolnir, seria cortada.

No entanto… sua expressão se tornou sombria, e ela bravejou: — Não me subestimem!

Aquele pensamento dos Heróis foi muito ingênuo.

Algumas penas das asas da Maou caíram, se tornando espectros negros. Tais monstros logo foram em direção a Blade.

Bullet os bombardeava repetidamente para cobrir o seu parceiro, mas como esperado das forças da Maou, alguns desviaram de seus ataques e outros até mesmo quando atingidos diretamente não caíram.

Blade desesperadamente atacou os espectros com a sua lâmina, mas cada vez que atingia um, o brilho da espada divina se enfraquecia... o tornando incapaz de perfurar o quinto monstro.

Portanto, no momento seguinte, foi atingido de todas as direções. E em confusão, recuou enquanto derramava sangue.

Não só isso. Uma luz negra começou a se misturar com a luz branca do Mjolnir, que colidia incessantemente sobre a rainha dos demônios. — Malditos humanos, sintam o meu poder!

O sabre de luz foi completamente tingido de preto. E, então, tal poder voltou a subir no céu e mais uma vez caiu.

Mas seu destino desta vez era a Maga e o Atirador.

Kyaaaaaa!

Guaaaaaa! 

O inimigo não apenas se defendeu contra o feitiço, mas também o roubou.

Ela furtou a magia da era dos deuses; um movimento especial que estava em uma área além da compreensão humana.

Flare, que tinha alta resistência mágica, se encontrava em um estado grave, já Bullet foi queimado até a morte.

Mesmo estando a apenas um passo de derrotar a Maou, a Equipe Heroica foi encurralada em uma situação catastrófica.

O único sem ferimentos era eu, o Herói Curandeiro.

Ei! Lixo imundo, nos cure. Não temos mais Elixir, rápido! — ordenou Blade.

O Herói Espadachim estava olhando para mim enquanto gritava.

No entanto, apenas ignorei.

Seu rosto ficou vermelho de raiva, e mais uma vez gritou: — Não me ignore! Você só está vivo até agora para nos curar!

Blade sempre me olhou com desprezo. Mas não havia nada que eu pudesse fazer a respeito.

Para começar, os Heróis eram muito fortes, então dificilmente se machucavam, então "curá-los" não era necessário.

Além disso, existia um item especial chamado "Elixir" que podia curar qualquer coisa, exceto partes decepadas; um item muito valioso, dedicado à Equipe Heroica.

Eu, sendo o Herói da Classe Curandeiro, só poderia usar Cura Regenerativa.

Assim, desde que tivessem o Elixir, eu não era necessário. Estou ali apenas como reserva, caso acontecesse de alguma vez ficarem sem.

Ei, você está surdo!? Seu cérebro derreteu por causa das drogas? — Blade questionou com fúria.

Ouvindo a palavra "drogas", involuntariamente esboço um sorriso.

Sim, eu era um viciado em drogas.

A minha magia de cura tinha um efeito fatal.

Claro, era um tipo de magia que podia recuperar o corpo de uma pessoa ao seu estado original. Porém eu não podia usar ela sem saber tudo da outra pessoa. E isso sempre mudava dependendo do alvo. 

Em outras palavras, era necessário sentir o mesmo que a vítima para conseguir exercer uma cura completa.

Por esta razão, a magia coletava todas as experiências que o alvo teve em um instante, como suas dores e medos, para que eu pudesse entender seus danos. 

Tudo aquilo era insuportável demais para uma mente sã.

E, bem, eu até tentei fugir inúmeras vezes por não querer usar esse poder. Entretanto, sempre fui pego e drogado.

No fim, me tornei um viciado sem consciência que não podia nem ao menos se curar por não ter proficiência o suficiente.

O Herói Curandeiro tinha se transformado num brinquedo para sua equipe — sendo usado repetidamente, e até treinado a utilizar alegremente a sua dolorosa habilidade.

— Quem iria curar alguém como você? Eu quero mais que você se foda — falei com gosto. 

— A-a sua… consciência voltou? — Blade levantou a voz em surpresa.

É compreensível. Estou com ele há mais de três anos, porém quando o conheci já estava "quebrado". Naquela época, eu era apenas um simples boneco que seguia ordens.

Felizmente, há dois meses, recuperei minha consciência após finalmente ter adquirido a habilidade "Resistência a Drogas", e também notei que conseguia me curar por conta da minha proficiência na Cura Regenerativa ter melhorado.

Depois de recuperar o meu corpo acabado, continuei secretamente a polir as minhas presas para que ninguém percebesse que eu tinha recuperado minha consciência.

Tudo por este dia.

Eu começo a correr.

Meu objetivo era a Maou. Eu a derrotarei.

— Seu verme, você vai morrer! — O Herói Espadachim berra para mim.

Ignoro a idiotice e continuo a correr. Inúmeros espectros vêm na minha direção. 

No entanto... não era necessário temer.

— Lentos.

Enquanto me esquivava dos ataques dos monstros, os ultrapassei. O que tornou isso possível foi a mais pura arte marcial.

Até agora, usei a Cura Regenerativa em um número incontável de humanos. Entre eles, havia também mestres de artes marciais.

No final, aquele mesmo "efeito fatal" não era tão inútil… Toda vez que usava a minha habilidade em alguma pessoa, algumas de suas experiências eram mantidas em mim. Em outras palavras, eu aprendia algumas de suas técnicas.

Meus movimentos de agora certamente superavam os do Herói Espadachim.

Ah, eu chamo isso de…

— Cura Mimética.

Quando voltei à razão, fiquei realmente surpreso. Afinal de contas, havia muito conhecimento e técnicas dentro de mim. E muitas eram de mestres ou de sábios.

Depois de ver como eu era rápido, os espectros se revestiram de luz negra.

A velocidade deles aumentou drasticamente, e com isso vieram me atacar simultaneamente dos quatro lados.

Tch.

Mesmo que eu tenha tomado as ações mais adequadas até esse momento, desviar agora seria impossível. Não importa como vejam, era fisicamente impossível. 

Basicamente, nesta situação atual, eu fui submetido a um xeque-mate.

Portanto, não tenho outra escolha a não ser aumentar meu poder também.

— Cura Transmutativa.

Normalmente, a Cura Regenerativa é uma habilidade que retorna a aparência do alvo para o seu estado original.

Se tal poder pode causar mudanças, deve ser capaz de mudar não apenas para a aparência original, mas também para o visual que desejo.

Com a Cura Transmutativa, reconstruo meu corpo em um que seja adequado para a batalha.

Devido a isso, a minha capacidade física subitamente se elevou, então evitei o ataque que era impossível para o meu eu anterior desviar e me aproximo do meu alvo.

— Como esperado dos familiares da Maou. Eles são persistentes — reclamei.

Mesmo com toda essa esquiva, parece que os espectros ainda não desistiram. 

Eles logo se reuniram em um só lugar e se combinaram.

Não ficaram maiores, mas a força deles deve ter aumentado de forma inacreditável. 

O único espectro recém-formado subiu para o alto e levantou sua garra enquanto se inclinava para baixo. Porém não tinha necessidade de esquivar.

Eu agarrei o braço que veio me atingir, e então… — Cura Degenerativa. — Ativei uma outra magia.

Se era possível restaurar um corpo ao seu estado original e mudar sua aparência para aquela que deseja, destruir também era simples.

As existências vivas eram terrivelmente frágeis; se quebravam com coisas simples, como conectar um vaso sanguíneo em um lugar que não deveria ou apenas deslocar a medula espinhal.

Valia lembrar também que, a magia vinda dum Curandeiro desconsiderava qualquer possível resistência. Em outras palavras, os seres vivos a aceitavam instintivamente.

Com isso, a Cura Degenerativa se torna um golpe mortal que ignora qualquer defesa.

O espectro virou pó.

Enquanto me observava com olhos de medo, a Maou levantou a voz. — Quem diabos é você!? 

— Eu sou o Herói Curandeiro, Keyal. Apenas um fodido qualquer. 

Um Mago de Cura não se limitava apenas a cura; somos capazes de pegar técnicas de outras pessoas, ou mudar o nosso corpo como convém, e com uma habilidade mortal capaz de anular todo tipo de defesa e destruir o alvo.

Se eu tivesse esses poderes há 4 anos, me pergunto se minha vida seria diferente da que vivi até hoje.

Bem, tornar essa ilusão em realidade era meu objetivo agora.

A demônia disparou um incontável número de ataques contra mim.

No entanto, foi inútil.

Com o conhecimento dos sábios, eu já tinha antecipado o tipo de poder lançando, a velocidade e a trajetória deles, depois os evitei usando técnicas marciais enquanto melhorava a minha capacidade física.

Eu atravessei a chuva de ataques mágicos e alcancei a Maou. 

Se eu tocá-la, a vitória é minha… 

Eu consegui. Tudo o que resta é usar minha habilidade.

A Maou disse: — Entendo, então este é o meu fim. É frustrante não ser capaz de proteger…

A figura maligna sorri enquanto lágrimas caem de seus olhos. E por alguma razão, olhando para aquele rosto, senti uma extrema culpa.

No entanto, não posso parar. Eu tinha meu próprio objetivo.

— Cura Degenerativa.

Até mesmo a rainha dos demônios estava indefesa contra a minha habilidade. No fim se transformando em pó.

— Não se preocupe, este vai ser um novo começo — murmurei ao ar.

Agarrei o núcleo — a única coisa que restou do corpo dela.

Um rubi carmesim.

Este era o meu objetivo.

Após pousar no terreno, a voz de uma mulher soou.

— Bom trabalho, Herói Curandeiro, Keyal. Meu pai... não, o rei certamente ficará encantado. E-err... a propósito, essa jóia parece ser muito perigosa, ou pode ter alguma maldição, então deixe que eu, a Heroína Maga, cuide dela.

Depois de recuperar de seus ferimentos do raio negro com um Elixir, a figura com um longo cabelo rosa falava comigo enquanto sorria.

Senti náuseas.

Ela nunca havia sorrido para mim antes. Normalmente, ela olhava para mim como se estivesse vendo um vira-lata sarnento.

Sem contar que, assim que despertei meus poderes, foi ela a responsável por me tirar da minha aldeia, além de também ter sido ela quem me capturou quando tentei fugir e me drogou.

— A Pedra Filosofal... — falei para ela.

No momento em que disse isso, o rosto de Flare ficou em choque.

— Este é o motivo pelo qual vocês vieram matar a Maou, certo? O item mágico capaz de aumentar de forma explosiva qualquer magia… Se vocês tivessem isso em mãos, poderiam até usar magia proibida.

Eu já usei a Cura Regenerativa em Flare antes. Então, sei tudo sobre ela.

Originalmente, existiam dois tipos de monstros: Aqueles que eram controlados pela raça demoníaca e pela Maou, e os seres que apareciam como um desastre natural e eram instintivamente violentos.

Todos eles trabalhavam bem em conjunto com a raça demoníaca e o seu governante.

Entretanto, dez anos atrás, o reino foi subitamente atacado por monstros cruéis.

E todos do país começaram a pensar que precisavam exterminar a Maou e sua raça.

No final, dez anos de guerra se passaram, e hoje foi o último dia para um dos lados.

Oh, você parece saber bastante. Eu não tinha ideia de que o coração da Maou tinha tal nome disse Flare.

— Sim, eu sei. Também sei que vocês têm uma ilusão tola de tentar conquistar o mundo usando magia proibida com isso — zombei.

Por um momento, a face dela se transformou em um rosto tingido de ódio.

No entanto, no momento seguinte, ela fez um rosto sorridente; apropriado para uma princesa.

— Bem… não entendo bem o que você está dizendo. — declarou a Heroína Maga.

— Bem, se é assim, vou usar essa coisinha para o meu próprio bem então.

Bom, foi só por isso que continuei agindo como um demente mesmo depois de ter recuperado minha consciência — tudo para alcançar esse momento.

— O que exatamente você vai fazer? — Ela perguntou.

— A Pedra Filosofal aumenta drasticamente o poder do usuário. Eu poderia até usar algumas magias proibidas. Mas, com este poder, quero desesperadamente consertar algo — expliquei.

Sim, algo está quebrado. E definitivamente não consigo consertá-lo com bom senso. 

— Não me diga…

— Usarei meu poder neste mundo podre, e vou começar antes de conhecê-la, há quatro anos.

Algo impossível de fato, porém, com a Pedra Filosofal, seria possível agora.

A princesa tentou argumentar: — O quê!? Impossível. Não há como você fazer isso. E mesmo que fosse capaz, todas as suas lembranças desapareceriam, e a história se repetiria.

— Sim, isso pode ser verdade — concordei.

Depois de ouvir minhas palavras, Flare tinha um rosto aliviado.

— Nesse caso, não faça algo tão inútil. Se você simplesmente me dar essa jóia, uma vida feliz o aguardará. A família real se encarregará disso.

Eu sorrio e ela estende a mão.

Seus olhos diziam para entregar a Pedra Filosofal.

Que retardada, não tem como eu concordar com ela assim sem mais nem menos.

— Mas isso não vai acontecer. Mesmo que tudo desapareça, eu não esquecerei desse ódio — proclamei.

Todo o desespero e sofrimento no qual passei; estes sentimentos e lembranças foram todos gravados no fundo de minha alma.

E por isso tenho a sensação de que tais emoções nunca serão esquecidas, por mais que esse futuro se apague. Tenho certeza disso. 

O novo eu será definitivamente capaz de encontrar minhas atuais habilidades e começar de novo.

Flare estava para explodir. — Você realmente planeja fazer isso!?

— Até mais, princesa. Quando eu me encontrar com você de novo, vou me certificar de tirar tudo de ti.

— SEU FILHO DA PUTA!!! — berrou.

Ela percebeu que eu estava falando sério e apontou seu cajado contra mim.

No entanto, era tarde demais. Já reuni mana o suficiente, agora tudo que preciso fazer é usá-la.

Da Pedra Filosofal, uma luz vermelha deslumbrante se projetou para fora.

— Cure.

Com essa palavra, uso meu poder neste mundo podre. 

Ele voltará ao estado que desejo. Como se esses quatro anos nunca tivessem acontecido.

Da próxima vez, saberei o que fazer. Certamente saberei.

Mesmo que todas as minhas lembranças desapareçam, a dor cravada nesta alma me fará lembrar de tudo.



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