A Última Ordem Brasileira

Autor(a): Hanamikaze


Volume 2 – Arco 1

Capítulo 55: O verdadeiro Mar

O centauro continuou perseguindo o navio Caleuche com toda sua magnitude. Vestia uma armadura branca de mármore, a metade de baixo do seu corpo, que era a de um cavalo, também vestia a armadura. Com os olhos fechados em posição de reza, prezando pela vida dos seus inimigos. Mesmo seu objetivo sendo eliminá-los.

— Ghost! Controle a direção — ordenou Marine, deixando o leme. Ghost veio em seguida para assumir o controle.

— Direção? Que direção?!

— Apenas siga ao norte!

— E pra onde fica o norte?!

— Para frente!

— Então não tem direção?!

Marine resmungou e desistiu de tentar explicar, sem tempo. Os ataques de luz do centauro continuavam caindo do alto, a visão resplandecida por belas cachoeiras de luz que despencavavam, suaves, dos dois lados ao redor do navio. Os que viriam de longe pensariam que é uma seita divina, mas para a tripulação do navio, era uma tempestade turbulenta. Qualquer que fosse o feitiço daquele ser, era algo realmente místico.

Myaku se sentia cada vez mais eufórica, estar de frente para o perigo era o seu hobbie favorito. Com um giro sagaz desembanhou a foice e saltou até se juntar com Tsukasa e Charlotte. Marine correu e avançou no meio deles, indo até a parte traseira do convés. Logo acima o centauro de Sagitário batia suas patas revestidas pelo mármore com louvor e imponência. Emanava orgulho, refletia pureza, uma face banhada na beleza. Ele era rápido, veloz o suficiente para cavalgar junto ao Caleuche. Embaixo de suas patas, pequenas fagulhas de luz que mantinham seu galope no vácuo.

As palmas das mãos do centauro estavam juntas.  Ele levemente distanciou uma palma da outra e entre elas uma pequena luz foi se formando. Cresceu até formar uma orbe luminosa que simbolizava uma pequena estrela incandecente. Uma sequência de pontilhados dourados apareceu atrás do espectro. O brilho piscou no vácuo até formar pequenas estrelas semelhantes à aquela que nasceu da orbe. Todas dispararam sem cessar uma horda de projéteis de luz, que choveu sobre o navio. Seus tintilares ressoando como uma serenata em meio ao chuvisco.

Myaku foi a primeira a reagir, correu e girou a foice vermelha na mão na frente de todos. Girava tão rápido quanto as hélices de um helicóptero. A arma encantada pelo veneno também repelia o tipo mais puro de magia, como a luz, o que foi suficiente para impedir a passagem da chuva de projéteis.

Charlotte se assustou e saiu de perto de Tsukasa. Saiu voando pelo navio, aflita, e acabou sendo atingida por um dos projéteis de luz. Um amontoado deles foi disparado bem nas costas de Charlotte. O esperado era que a magia apenas atravessasse o seu corpo intangível, mas o resultado foi diferente. Ela caiu no chão do navio como uma mosca morta. Seu corpo translúcido foi envolvido por traços de símbolos dourados e celestiais.

Tsukasa não teve reação quando observou os símbolos se espalhando pelo corpo de Charlotte enquanto ela permanecia inerte no chão. Por mais que fosse repentino, já esperava que ela não tivesse morrido. O feitiço apenas a incapacitou.

— Isso é magia Seigi?

— Se for, é melhor que não te acerte — avisou Myaku. Seu braço estava ficando cansado de tanto girar a foice para evitar os ataques de luz.

Magia Seigi era uma segunda natureza do poder da luz. Não exatamente ligado às estrelas, mas sim ligado aos seres puros. Normalmente, a magia Seigi era manipulada por anjos astrais ou os anjos de Nefer Rá.

— Sem tempo para questionar, andem logo! — Marine jogou a bússola do mar no chão. Uma corrente de água subiu do ponteiro e preencheu o alto na direção dos ataques luminosos. — Nós quatro! Você também Ghost.

A Alquimia dos três, o veneno de Myaku, a nevoa de gelo de Tsukasa, e o brilho dourado da magia comum de Ghost. As três linhas de suas subiram até a camada de água que flutuava sobre suas cabeças, formando um véu por cima do navio. A água estava ganhando mais força… mais poder.

Sigillum Quattor! — recitaram os quatro ao mesmo tempo.

A água acima de moldou em um quadrado meio curvo, exibindo a essência da água. Era uma barreira de quatro colunas que tampava apenas o lado traseiro do navio, onde os projéteis estavam sendo disparados. Todos colidiram contra a barreira do selo quádruplo, a luz tentou atravessar, mas sem sucesso acabou escorrendo pela água da barreira e pingando no chão do navio.

Tsukasa pôs suas mãos no chão, o gelo foi se alastrando até que boa parte do convés fosse coberto pelos cristais frios. Duas colunas de gelo foram subindo até formarem um arco por cima do navio, de frente para o mastro. Uma grande balista se estruturou no centro do arco, bem no alto. Estava apontado para o centauro majestoso.

— Não desperdicem Alquimia, vão vir mais deles — alertou Tsukasa, tentando manter a calma. — Já devem ter nos detectado. Este é só o primeiro deles.

Myaku avançou até a balista do próprio navio e carregou-a com uma grande flecha. Pegou um colar de rubi que tinha guardado nas vestes, seu catalizador de veneno. Aproximou o artefato à ponta da flecha com cuidado. O veneno se espalhou no ar e correu até a ponta da flecha, um encantamento letal.

— Ele não é tão rápido, um tiro deve bastar. — Myaku sorriu e esticou a flecha na balista. — Só não podemos errar.

— Eu vou garantir que acerte — afirmou Marine. Ergueu uma mão ao alto, e nela, a água se uniu até tomar a forma de um sabre. Seis canhões de água apareceram em volta também, todos mirados no pilar de Sagitário que vinha cavalgando.

Oito ataques carregados, apontados em um único alvo. Qualquer um daqueles ataques ferozes seria fatal, mas a única reação do espectral foi continuar com sua reza.

Os três começaram os disparos. Tsukasa disparou um potente e certeiro arpão de gelo de sua balista artificial. Este era bem grande e veloz. Myaku atirou sua flecha grande, envenenada. Marine, abriu fogo com os seis canhões ao mesmo tempo, que em vez de fogo, cuspiram seis rajadas de água na mesma direção. Os disparos atravessaram a barreira quádrupla que conjuraram acima. Nada podia entrar na barreira, mas qualquer coisa podia sair dela.

O espectral permaneceu tranquilo. Suas preces foram ouvidas por alguma entidade superior a até mesmo um dos pilares do zodíaco. Um calor confortável assolou o corpo de todos. De dentro da cortina de luz que o Sagitário emitia, seguido do calor relaxante, uma mão branca meio transparente, com correntes negras no pulso, apareceu do nada. A grande mão traçou o caminho à frente e defendeu todos os disparos ao mesmo tempo. Segurou as balas na palma e jogou tudo na vastidão do espaço em volta.

— Ele defendeu?! — questionou Myaku.

— Ele rebateu as balas — explicou Marine.

— Ele praticamente só deu um tapa nelas… — Ghost riu.

— Tem alguma coisa protegendo ele — ponderou Tsukasa.

Marine, decepcionado, abaixou a cabeça e começou a refletir. O espectral era piedoso e permitiu que tomassem o seu próprio tempo para continuar. Tinha um sorriso caloroso voltado para seus próprios inimigos. Era um ser de pureza magnífica.

— Não entendo o porquê de escolherem o nome Nakamori para representarem o nome de seu grupo… mas posso sentir uma conexão familiar entre eles. Que deus os abençoe… Mas o Sr. Valaric solicitou que eu trouxesse sua irmã de volta a salvo…

— A Charlotte está exposta, vocês têm que a proteger — disse Marine, levantando um pouco o olhar.

— Não sei se aquele cara vai estar de acordo com isso — bradou Ghost, deixando o leme de lado e correndo para tentar segurar Charlotte nos braços. Quando tentou segurá-la, apenas atravessou seu corpo fantasmático e passou direto. Olhou para trás, confuso, até ver que apenas atravessou a garota. — E como é que vamos tirar ela daqui?!

Tsukasa mirou uma mão a ela e a pequena jovem levitou com a magia. Ela veio flutuando para dentro da cabine do navio.

— Não precisa de três de nós para protegê-la. Hawk já dá conta do serviço — disse Myaku, caminhando de volta para a batalha.

— Volte, Ruby. Acho que devemos deixar essa com o Marine dessa vez… — Tsukasa sempre foi quem deu as ordens, e todos sempre estavam de acordo, pois de fato suas ideias sempre pareciam o mais sensato a se fazer. Mas perante aquela situação… nem Ghost nem Myaku estavam muito dispostos a deixar Marine sozinho na luta.

— Por quê? Nós sempre lutamos juntos. Nós somos uma família, nós não podemos arriscá-lo assim!

Tsukasa olhou para Marine, e ele olhou de volta. Os cabelos loiros se movendo perante o olho azul, cintilante. Deu um sorriso amarelo ao Tsukasa, uma mistura de convicção e medo.

— Não confia em mim, Ruby? Hawk disse que não devemos gastar nossa Alquimia… Então, seria melhor se apenas um de nós lutasse enquanto os outros guardam suas forças. Eu sou… a pessoa ideal para isso afinal.

Ghost e Myaku estranharam um pouco a atitude de Marine, mas a ordem foi dada por Tsukasa, não poderiam protestar. Decidiram apenas confiar na palavra dele e entraram para a cabine do navio também.

— Sabe, isso poderia acabar tão rápido… mas sinto que estamos fazendo tudo errado. — Myaku guardou a foice nas costas e fechou a escotilha após entrar.

Marine ficou sozinho, a respiração pesada de frente ao espectral que esperava pacientemente seu inimigo se preparar para continuar a batalha. Marine já se sentia distante dos outros, seus amigos, sua “família”. Observou a marcação de Akane em seu pulso… Era um 6 de fogo, irradiando chamas em seu pulso abaixo da palma. A numeração ia de 6 a 1. Phoenix, a primeira, Hawk, o segundo, Chrono, o terceiro, Ghost, o quarto, Ruby, a quinta e Marine o sexto. Os números definiam o nível de poder entre o grupo, e Marine era o mais fraco.

Tsukasa apenas percebeu que ele queria uma chance para provar não para os outros, mas para si mesmo, que era capaz de enfrentar este problema por conta própria. Sempre se fez o capitão do Caleuche, protetor de uma tripulação. Mas no fim, nunca teve confiança o suficiente para se virar sozinho.

— Então… dessa vez, não posso decepcionar ninguém.

Marine levou hesitante a mão até o rosto, bem no tapa-olho. Removeu-o com um certo peso em cada ato, deixando os cabelos caírem naturalmente pela face. O olho antes tapado foi se abrindo… era diferente do outro olho azul marinho. Este olho era prateado. Quando o espectral olhou para a íris cinzenta daquele olho, por um momento, pôde ouvir gritos de agonia vindo de todas as direções.

— O quê…? Pessoas estão sentindo desespero. Por quê…?

— Logo, você sentirá também — bradou Marine, um pouco confiante.

— Aah… posso entender agora… é o olho de um Banshee…

Banshees eram criaturas arcanas do universo, extremamente raras de se encontrar. Dizem que causavam angústia e tristeza absoluta para os pobres que entravam em contato com este tipo de criatura

A angústia agora penetrava a pureza do espectral. Mesmo sem nada de errado, podia escutar o sofrimento alheio, os gritos agonizantes, os pedidos de socorro, os choros de tristeza genuína. Esta era sua maior fraqueza.

Marine soou frio, resgatou a bússola do mar e segurou firme. Ela ainda brilhava, exalava o cheiro das praias e o soar das ondas.

— Olhos de Banshee, é o que eles dizem… — murmurou Marine, fechando os olhos, estava sincronizando a própria calmaria com a essência da água.

A luz envolveu as mãos do centauro, parecida com o rastro deixado por uma fada. Diferente da Alquimia da luz comum, amarelada, a luz do centauro era completamente branca, assim como sua armadura de mármore.

— Posso sentir o medo vindo de ti… — ele estava simpatizando com Marine, mesmo sendo inimigos no momento. De fato, um ser muito piedoso. — Não temas, em um futuro próximo, este medo que lhe assola se transformará em coragem. — O belo centauro apontou o arco branco com a flecha na direcionava ao peito de Marine. — E coragem, é o único poder necessário para salvar as pessoas que residem no seu coração.

Marine sequer estava ouvindo o que o Sagitário estava dizendo. O foco absoluto nas águas… “Faça a correnteza fluir em seu sangue, até que as ondas naturalmente movimentem seu corpo.”

Um ponto de água foi canalizado, bem abaixo do Sagitário. Pequenas gotas, que juntas formavam uma grande quantia de água. Estava girando em espiral, o formato de um ciclone, semelhante aos portais que abria casualmente. Não era apenas mais um portal, e sim, um invocador. Da água emergiu uma bolha esticada, e dessa bolha, a imagem de uma criatura marítima semelhante a uma baleia se moldou. Uma enorme mandíbula, abrindo lentamente para engolir o centauro que cavalgava sobre a luz pura.

A criatura, mesmo com tamanho massivo, se movia bem rápido. O belo espectral não teve chances de escapar, logo foi engolido pela baleia exótica. Em meio a toda aquela água que construía o corpo massivo daquela criatura, um ponto luminoso crescia como um pequeno farol. Estava preparando uma flecha de luz branca, a mesma que havia canalizado antes. Estava acumulando potência… até que atirou. A flecha de luz cruzou o corpo da baleia, ela não aguentou a energia crescente e explodiu em várias gotículas de água. A flecha continuou traçando o caminho até chegar em Marine, que por sorte, teve uma reação rápida. Cruzou os dois braços, e duas correntes de água saíram do convés do navio. Entraram na frente de Marine na hora perfeita, chocando contra a flecha carregada e dissipando as duas forças no ar.

Os restos de água que restaram das correntes de Marine se dividiram em várias pequenas gotas e paralisaram flutuando. Marine ergueu o sabre de água mais uma vez ao alto, direcionando as gotas para o Sagitário. Elas voaram até ele velozes, verdadeiros tiros de água. As gotas que flutuavam ao redor do próprio espectral pela explosão da baleia também estava paralisadas, estas, porém, apenas explodiram pois já estavam perto o suficiente. A sequência de explosões de água cobriu toda a visão acima e finalizando o ato em uma calma, serena e breve chuva.

No meio da breve chuva que caía pelas explosões de água, Marine podia observar a luz refletindo da armadura de mármore no alto. Duas mãos grandes, brancas e semi-transparentes adornavam o espectro. Ele estava perfeitamente protegido… Era quase que uma defesa divina.

Marine rangeu os dentes, os cabelos gradualmente úmidos pela chuva que estava acabando de cair.

— Que este povo não tenha que sofrer mais, meu senhor… — rezou o Sagitário. Estava realmente incomodado com as vozes angustiantes causadas pelo efeito do olho prateado de Marine.

— Ele ainda está rezando…

O arco branco e luminoso nas mãos do centauro trocou sua forma. Se reconstruiu com a luz até formar uma harpa radiante. Marine focou a visão naquele instrumento, tentando prever o que poderia acontecer se ele começasse a tocá-lo. Os dedos delicados foram passando pelas cordas da harpa, uma sinfonia pacífica de louvor. O belo som daquela harpa criava grandes ondas de luz que foram emitidas de cada nota, cada dedilhado, que formava a sinfonia divina. As ondas de luz eram grandes o suficiente para envolver todo o navio, como argolas douradas que passavam em volta dele. Os efeitos daquelas argolas de luz era desconhecido, não parecia mudar nada. Mas quando Marine percebeu, já não conseguia ouvir mais nada além da sinfonia tocada pela harpa. Sua visão sendo arrastada, ganhando profundidade mesmo parado. Podia sentir seu corpo sendo arrastado pelas ondas de luz, mesmo permanecendo completamente imóvel… Seu corpo do pescoço para baixo, estava definitivamente paralizado.

O navio Caleuche estava lentamente perdendo velocidade também. O centauro apenas fez isso para que pudesse cavalgar até ele e finalmente estar de pé sobre a superfície do navio. Seria um passo mais perto de Charlotte, seu objetivo de resgate.

“Ele quer… chegar no navio” pensou Marine, prestes a bolar um plano.

Caleuche — o navio reagiu, emitiu uma fraca luz verde. — Prepare-se para um salto de impulso. Precisamos chegar o mais longe possível, direção norte.

O navio pareceu reagir, a luz verde e fraca agora piscava ofuscadamente. — Muito bem… Iniciar partida em três…

— Sinto muito, mas é tarde demais — disse o Sagitário, quando seus cascos tocaram a superfície do navio.

— Dois…

— Você ao menos está me ouvindo?

— Um…

Foi apenas um segundo, um único segundo de estabilidade restante para o espectro. Seus olhos se arregalaram antes mesmo de sentir a força do impulso, tudo pareceu mais lento, mas ao mesmo tempo, absurdamente rápido. O navio foi envolvido por uma aura de água poderosa e saltou adiante. Em linha reta, em milissegundos quebrou a barreira do som, e um instante depois, quebrou a barreira da velocidade da luz. O cenário se despedaçou completamente como cacos de vidro, tudo ficou completamente negro. Poucas luzes eram visíveis ao redor do navio enquanto a realidade se comprimia em um único ponto de fuga. Como um buraco apertado, apenas com a força da velocidade. Teve que se agarrar ao chão para tentar manter alguma estabilidade, mas era impossível se mover além disso.

O navio era tão veloz, que das casas flutuantes no espaço vago do centro de Cyberion, as pessoas sequer conseguiam o ver passando. Apenas ouviam um som ensurdecedor e um forte impulso ao redor. Suas visões foram ofuscadas por um flash azul, como o flash branco que cega as pessoas próximas de um trovão. Todos que ouviram o som do navio impulsionado ficaram surdos por alguns minutos, e cegos pela luz azul. Era rápido demais, potente demais.

As argolas de luz douradas da harpa do centauro foram deixadas para trás em um segundo. Era impossível que aquelas argolas, mesmo rápidas como a luz, alcançarem Caleuche naquelas condições.

O navio apenas desacelerou e parou quando já estava de frente a um núcleo de energia azul, com várias linhas brancas atravessando-o e fazendo curvas perfeitamente retas. Um núcleo holográfico, bem no centro de Cyberion.

Quando tudo acabou o belo centauro estava com uma expressão de terror, abismado com o que acabou de presenciar. Nunca sentiu nada com essa potência na vida. Estava tonto, quase não conseguia se manter de pé mesmo com quatro patas de cavalo.

— Acho que você ficou meio enjoado! — Marine riu. Pôs sua bússola no chão mais uma vez, agora demonstrando um pouco de confiança, mesmo que seu coração ainda estivesse acelerado. O ponteiro que marcava o norte girou para todas as direções assim como da outra vez. Uma roda circular de símbolos azuis apareceu ao redor de Marine, no chão do convés. Em seguida, uma segunda roda de símbolos apareceu, circulando a primeira. Os símbolos aquáticos giravam, anunciando algum tipo de feitiço. — Maris Illusio!

Todos os símbolos ejetaram água para cima, no mesmo ponto. A água foi contaminando o ambiente, se espalhando ao redor do navio. Formou uma grande bolha que cobria uma área redonda, uma bolha perfeita e flutuante de água. Dentro dela, o navio Caleuche, Marine e o espectro flutuavam imersos na água.

Ainda um pouco confuso, o espectro olhou ao redor enquanto seu corpo naturalmente flutuava para cima. No topo da grande bolha de água, a figura de uma frota de navios era visível parados acima. Todos navegando acima daquela pequena simulação de mar.

— Ele conjurou uma frota…? — As bolhinhas de ar saíam da boca do centauro quando falava embaixo d’água.

Tsukasa e os outros observavam do lado de dentro do navio, nas pequenas janelinhas. Charlotte já tinha acordado e estava observando parte da batalha também. Ghost e Myaku pareciam bem preocupados com a situação de Marine.

— O que é isso… como pode ter esse tanto de água nesse vácuo? — questionou Charlotte, se aproximando da janelinha.

— Este é apenas o verdadeiro poder de Marine. Apesar de poder se locomover para onde quiser, ele sempre foi muito apegado a sua casa. Então, adaptou um próprio feitiço de domínio… Por ser um viajante, sempre tem que estar longe de casa. Mas o seu poder trás sua casa até ele. Em outras palavras… Marine consegue basicamente simular o mar. Também consegue criar navios pelo seu pacto com Caleuche.

Pequenas algas orgânicas cresciam no navio Caleuche, no fundo da bolha. O que deixava o clima bem mais marítimo. A sensação de estar no fundo do mar misturada com a angústia incessante e os gritos de tristeza causados pelo olho de Banshee… Era um combo assustador. Principalmente para um ser tão puro quanto o Sagitário.

Os navios da frota no topo da bolha dispararam com seus canhões, literalmente para baixo. Os tiros vieram junto da correnteza, com o único alvo brilhante e chamativo das águas. Os sentidos de visão e audição estavam bem deteriorados pelo peso dos mares, mas mesmo assim, os ataques foram repelidos pelas mãos divinas que protegiam o espectro.

Quando os tiros cessaram, dois tubarões de água se moldaram do mar e avançaram famintos. Tentaram abocanhar o centauro que aparentemente não sabia nadar, mas as duas mãos divinas entraram no caminho. Os tubarões apenas morderam as palmas daquele “deus”.

— Aquelas mãos… parecem apenas poder defender. — Marine lançou os tubarões apenas para fazer uma análise. — Se pudessem atacar, já teriam vindo para cima de mim ou amassado os tubarões. Ele tem uma defesa absoluta… mas que apenas defende. Ele nunca tenta chegar perto, talvez sua arma principal seja aquele arco. Considerando que um humanoide tem apenas duas mãos… Talvez esta defesa tenha também.

As duas mãos estavam ocupadas defendendo os tubarões, e o centauro preparou mais uma flecha em seu arco, novamente, apontada para Marine. — Mas aparentemente ele se esqueceu disso…

Um dos navios da frota acima soltou sua âncora, que desceu furiosamente até o Sagitário. A âncora não era tão discreta quando os tiros dos navios, então o espectro percebeu. Mudou o alvo da flecha e atirou na âncora antes que lhe acertasse. A flecha atravessou a âncora e seguiu perfurando até atravessar o navio fora da bolha. Ele explodiu em água, assim como as outras estruturas. Apenas comprovou para Marine que sua defesa se baseava em apenas duas mãos divinas.

Percebendo que Marine entendeu como funcionava sua defesa, o centauro foi sagaz. Ergueu seu arco e banhou a flecha em um encantamento celestial, a flecha de Seigi. Apontou para o alto, e então atirou…

Iudicium Angelorum!

O mar simulado se clareou com o brilho da flecha, que de uma vez só, iluminou tudo à volta como um sol em meio ao oceano. Marine ficou completamente cego pela luz, com o ouvido apitando, condenando a audição também.

— Ele me cegou… de novo.

“Mas não desta vez… ninguém pode enxergar com toda essa claridade. E provavelmente… ele também não pode!”

 Seguiu nadando com a maestria de uma sereia. Marine usou suas correntezas para se impulsionar até alcançar o centauro, que por não saber nadar, provavelmente estava no mesmo lugar. Seu punho se encheu com a magia das águas, e quando sentiu que estava perto o suficiente, desferiu o ataque que seria certeiro… Um baque nas águas chacoalhou toda a estrutura da bolha. Se este golpe tivesse acertado, seria fatal. Mas acabou errando.

Apenas por alguns centímetros errou a localização do centauro, que agora, estava logo atrás de Marine, prestes a atirar com o arco. Realmente, foi muito azar.

— Flecha de Seigi…

Ele atirou. A flecha acertou o peito de Marine e atravessou, deixando seu encantamento do julgamento dos anjos. Os traços celestiais, dourados, começaram a consumir o corpo de Marine aos poucos. Lentamente estava perdendo a consciência enquanto sentia seu corpo queimar de forma lenta.

— Não…

Marine começou a afundar, impontente, nas próprias águas. Afundar nas próprias profundezas, na própria escuridão que criou. Seu corpo lentamente consumido pelo selo celestial do poder Seigi. Esta, seria sua derrota. O resto da Nakamori teria que cuidar do espectro… Afinal, Marine não acertou um ataque sequer.

— Eu só queria… uma chance de me provar suficiente. Mas eu acho que eu não vou poder mais… — Seus olhos se fechavam, seu corpo afundando até o final da bolha, onde a luz já não entrava. — Desaparecer nas próprias águas, quem teria uma derrota assim? Talvez só um inútil que nem eu…

“Não temas, em um futuro próximo, este medo que lhe assola se transformará em coragem. E coragem, é o único poder necessário para salvar as pessoas que residem no seu coração.”

“Coragem… para arriscar perder tudo…”

A água começou a ferver, o corpo de Marine estava respondendo. As marcas douradas de Seigi estavam regressando…

— Eu não posso… perder.

Toda a água da bolha, todo o mar artificial, toda a magia foi entrando para dentro do corpo de Marine. Um ciclone se criou no topo da bolha, absorvendo toda a água para o centro de seu corpo… O mar simulado se tornou uma espécie de armadura de água. Não era dura como ferro, mas flutuava como uma nuvem de água ao redor de Marine. Seu segundo olho prateado brilhava e emanava uma névoa cinzenta na armadura de água, um verdadeiro cavaleiro do mar. O centauro caiu no convés do navio quando o mar foi absorvido, e Marine, com sua nova armadura, pairou até a superfície também. Sua face foi ofuscada por uma máscara de águas que acompanhava a armadura, semelhante a máscara que Tsukasa costuma usar quando está com a identidade "Hawk". Marine brandiu seu sabre, e apontou para o Sagitário.

— Sua luz é realmente radiante. Mas desta vez, também usarei todo o meu brilho.

Em algum lugar próximo, no centro do núcleo de Cyberion, onde a batalha de Marine era travada, um certo evento acontecia. Androids quebrados eram usados como combustível para o núcleo de Cyberion… Era um amontoado deles, completamente inativos. Porém, entre todos os cyborgs desativados, um se esforçava para se levantar. Sua face destruída, os sistemas lutando para resistir e as fiações faiscando. Em suas costas, o nome Atlas-K17 estava gravado. Os olhos azuis do cyborg olharam adiante, com um certo ódio.

— Preciso proteger… a Srta. Cornélia.

Notas:

Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.

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