A Última Ordem Brasileira

Autor(a): Hanamikaze


Volume 2 – Arco 1

Capítulo 52: Relações entre Pai e Filho

Já não bastava a morte de meus dois irmãos, um atrás do outro, bem diante de meus olhos. Minha mãe foi a próxima vítima da pequena carnificina familiar. E o principal responsável por todas as três mortes, estava logo à frente, acompanhado de três homens que haviam acabado de balear a mãe de seus filhos. Era o meu pai, a desgraça da minha vida.

— Tsu… kasa… — Minha mãe vinha até mim, passo por passo, manca, sem muitas forças restantes. Apesar de todo sangue escorrendo de seu corpo, manchando suas roupas, sua carne ardendo e queimando com a dor, ela ainda era capaz de sorrir. Um sorriso genuíno, como se estivesse vendo seu filho pela primeira vez na vida. — Tsukasa… mamãe está… passando por uns momentos ruins, mas eu prometo que vai ficar tudo bem… — Ela chegou até mim e me abraçou, encostou cuidadosamente minha cabeça em seus peitos e acariciou meus longos cabelos ondulados. — Quando tudo isso terminar, vou fazer aquele macarrão com queijo que você adorava comer quando era mais novo… você… sente saudade de comidas diferentes, não sente? Me desculpa por não ter… condições de fazer por você antes…

Os toques nos meus cabelos eram tão aconchegantes, o único cafuné que eu lembraria para o resto da minha vida. Os dedos delicados e cuidadosos da minha mãe, era como estar flutuando entre as nuvens. Mas minha angústia não cessava. Ainda mais quando senti junto dos dedos delicados, lágrimas caírem sobre meus cabelos.

— Não fique com raiva do seu pai por essas coisas bobas… eu tenho certeza de que… ele só quer o seu bem. — Sua voz falhava com o choro, mesmo tentando fingir que estava tudo bem. Os quatro homens no fundo apenas observavam, corpos vazios, sem empatia. — Vai ficar tudo bem… mas acho que é melhor você ficar na casa do Sr. Zhang por alguns dias… Mas prometo que quando… — A voz falhou mais uma vez, os soluços do choro. — Quando você voltar… vou te receber com o mesmo sorriso de sempre… tudo bem? E vamos fazer uma casinha bem legal… para o Kuro juntos…

Ela colocou as mãos no meu rosto, lentamente se esforçando para me fazer olhar diretamente em seus olhos. Minhas pupilas tremiam, meus olhos estavam profundos de tanto chorar pelos eventos que se seguiam. A última gota de lágrima da minha mãe se aproximou dos meus cabelos. Quanto mais perto chegava dos fios, mais gelada a lágrima ficava. Até que se tornou um pequeno cristalzinho de gelo, que quando chocou-se no meu cabelo, transformou os fios que antes eram negros como a escuridão, em fios brancos como a neve. Era o despertar da Alquimia de gelo, a adaptação da mais profunda tristeza.

Minha mãe percebeu isso no último momento, então me disse suas últimas palavras. As palavras que me marcariam pelo resto da minha vida.

— Sua magia mudou de forma… você vai ser tão gelado quanto um iceberg — ela disse, mantendo o sorriso meigo para mim. Eu não fui capaz de rir de volta. — Quando você crescer… não seja frio pelas coisas que aconteceram aqui… Em vez de ser frio como o gelo, tente ser fofo… como a neve… Faça isso pela mamãe… Eu te amo, meu filho… Tsukasa…

Foram as últimas palavras ditas pela minha mãe antes de se apagar para sempre. O peso de seu corpo caiu sobre o meu, mas mesmo após a morte, seus braços ainda me envolviam em um caloroso abraço. Cuidadoso com o corpo delicado da minha mãe, levei-o para dentro da casa. Os homens responsáveis por assassiná-la estavam prestes a atirar em mim também, mas meu pai levantou uma mão em sinal para que não se intrometessem, então os homens permaneceram parados.

Kuro me seguiu para dentro da casa, seus olhos amarelos esbugalhados observando todos os quatro assassinos, mas suas pupilas dilatadas estavam fixas em meu pai. Ele apontou o dedo para o gato, afirmando que seus capangas podiam matá-lo à vontade. Os três ergueram suas armas, todas apontadas na cabeça de Kuro. Ele não se moveu, apenas o observou.

Mesmo com minha sanidade destruída, percebi os atos repugnantes daqueles desgraçados. Meus olhos azuis se arregalaram, observando os três ao mesmo tempo. Eles olharam para mim de volta. Minha expressão não era de surpresa, nem tristeza, muito menos medo. Era algo muito mais feroz, um ódio puro e profundo que eu jamais havia sentido antes. Os três não se atreveram a se mexer, mas eu me atrevi.

Três grandes espinhos de gelo emergiram quebrando o chão de madeira da casa, atravessaram seus corpos e se estenderam pelas paredes. Os espinhos ficaram tão grandes que engoliram metade da casa, com as três pontas fincadas nos peitos dos assassinos. Meu pai não teve reação, Kuro também não teve. A tensão no ambiente era tão densa quanto o frio liberado dos meus cabelos esbranquiçados e do gelo dos espinhos.

Continuei caminhando e carregando o corpo de minha mãe, falecida, até o quarto dela. Coloquei-a de um jeito gentil e delicado sobre a cama. Ajustei os lençóis, e então a cobri. Era como se ela estivesse apenas dormindo após uma manhã cansativa. Era uma cena que me dava nostalgia ao lembrar dos dias felizes, mesmo difíceis, pela energia positiva e gentil que minha mãe exalava. Mas ao mesmo tempo, sentia angústia, pois ao observar os seus olhos fechados, eu já sabia que eles nunca mais iriam se abrir para a luz do dia.

Meu pai observava toda a cena da porta do quarto, encostado na parede.

— Por quê…? — perguntei, minha voz era fraca como um sussurro vazio. Ele não respondeu de primeira. — Eu… te fiz uma pergunta. — Na segunda frase, a voz estava mais séria.

— O santuário na mansão Hayami… desde o início, foi projetado para testar você. Ele nunca foi uma construção física, e sim uma invocação de domínio demoníaco. — Ele caminhou até a cama e se sentou, como se ainda fosse bem-vindo naquele quarto. — Mas o feitiço estava desativado desde que foi lançado. O santuário serviu como um enfeite… um feitiço demoníaco interrompido no meio do processo, que foi usado como uma “decoração” do jardim. Dissemos que foi um presente para a Hori, e adorou a ideia de ter um lugar secreto apenas para ela. Isso fez com que vocês… ficassem sempre ao redor do santuário. E após todos esses dias de treinamento, era a hora perfeita para testar você. Como você se sairia numa situação real de vida ou morte em que a vida dos seus mais próximos depende de você? Com esse pensamento, levei vocês para visitar sua irmã antecipadamente. — Ele respirou fundo antes de completar, era embaraçoso contar tudo isso a mim depois de cometer tais atos. — Sempre foi um grande teste. E os seus irmãos morreram, o que significa que você falhou. Mas de alguma forma… apenas você saiu ileso.

— Um… teste.

— Em que você falhou. — Ele puxou uma caixinha de cigarros e acendeu um com o isqueiro. Tragou uma vez, soltou a fumaça e voltou a falar. — Como eu disse antes, seria melhor se Arashi tivesse nascido com suas habilidades.

— E por que você… matou ela? — perguntei, referindo-me à minha mãe.

— Sua mãe? Esta resposta é um pouco mais simples — disse, tragando mais um pouco do cigarro. Por algum motivo, ele parecia tão sereno. — É porque eu… odeio essa mulher.

— Odeia…? — De repente, tudo começou a fazer sentido para mim. Meu nascimento, meus irmãos, minha mãe, a mansão Hayami. A minha vida inteira sempre teve um propósito. Uma pequena risada, ele ouviu de mim. Segundos depois, ele ouviu mais uma, desta vez era um pouco maior. Meu pai largou o cigarro e se levantou da cama, olhando desconfiado. Em seguida ele me ouviu gargalhar, rir tanto quanto nunca ri antes na vida enquanto olhava para o teto. — Obrigado, papai… obrigado por ter essa rivalidade com o Kenny. — eu o olhei, meus olhos arregalados, um sorriso esquisito no meu rosto. Me aproximei, lentos passos, o ar denso e frio.

— Você não precisa se preocupar em me xingar. Não preciso mais de você, você mesmo se mostrou inútil. — Mas eu não parei. E quando ele notou isso, começou a se afastar enquanto eu me aproximava.

— Obrigado por se inscrever naquela empresa idiota e fazer parte da classificação de hierarquia da defesa de Tóquio… Você deve ter almejado tanto ser um dos classificados da lista, não é?! — eu perguntei, com uma voz irônica. O sorriso continuava enquanto eu gargalhava. — Obrigado por escolher a mulher mais pobre e fácil de se manipular que encontrou nas ruas… você foi tão gentil que construiu uma cabana inteira só pra ela, não é?! — Ele se afastou tanto que chegou até uma das paredes. Agarrei-o pelo casaco e o joguei na mesa, derrubando as cadeiras e obstáculos pela frente. — Você por conta própria não tem poder o suficiente para ser classificado, então resolveu engravidar aquela pobre mulher de propósito esperando que seu filho tivesse poder suficiente para passar e você entrar também… NÃO É?!

— Tsukasa… cala a merda da boca.

— MAS INFELIZMENTE, SEU PRIMEIRO FILHO FOI UMA MULHER, NÃO É? — Eu berrava enquanto gargalhava, meus passos lentos e profundos rangiam a madeira no chão. — ENTÃO SUA MELHOR IDEIA FOI AMALDIÇOAR SEU PRÓPRIO FILHO COM FEITIÇOS PROIBIDOS, MAS TUDO DEU ERRADO E ENTÃO NASCERAM GÊMEOS, NÃO É?!! — Eu soquei a mesa tão forte que meu punho atravessou o marfim. — Mas é claro que você não se importou… AFINAL O SEU FEITIÇO DEU EFEITO EM UM DOS GÊMEOS!

— CALA, A BOCA! — Ele berrou, tão desesperado quanto eu. Se rastejou para agarrar o facão na pia, mas eu o lancei no chão.

— OBRIGADO POR CONSTRUIR TODA ESSA FAMÍLIA — Eu subi em cima dele, enchendo os punhos de magia. — MESMO SABENDO QUE NEM EU — dei um soco na cara dele, tão forte, que um espinho de gelo emergiu do chão fora da casa. — NEM A HORI — dei um segundo soco com a outra mão, e outro espinho irrompeu do lado de fora. — NEM O ARASHI, NÃO SIGNIFICAMOS PORRA NENHUMA!

Dei o último soco, com as duas mãos, enterrando nós dois para dentro do chão. A madeira que sustentava se quebrou e nós caímos no porão da pequena casa. Tudo estava escuro, nem eu e nem ele podíamos ver nada. Ele se levantou, desesperado, tentando fugir para alguma direção. Seus olhos já não eram úteis, mas ele pôde sentir algo cortando o ar bem atrás dele, passando como um vulto. Era rápido demais para ser tocado e furtivo demais para fazer algum som. Por sorte, havia uma espingarda na parede do porão também, que ele usou para se armar.

— AFASTE-SE DE MIM!

Eu não respondi, eu não era visível, ele não podia me tocar, nem me ouvir, nem contra-atacar. Eu era intangível, indestrutível, inevitável. Ele odiava a minha mãe, mas ela sempre teve muito carinho por ele. Isso apenas me fazia sentir mais raiva.

— Se você escolheu odiar a minha mãe… — Eu disse, minha voz saindo da pura escuridão. — ENTÃO EU ESCOLHO ODIAR VOCÊ TAMBÉM!

Minhas risadas ecoaram e voltaram por todo o porão, ele não sabia de onde. Começou a atirar para qualquer direção aleatoriamente, esperando que acertasse algum alvo. Uma das balas de fato foi na minha direção, mas a própria bala da espingarda não era veloz o suficiente para me tocar naquele momento. Uma pequena adaga de gelo se moldou na minha mão, e da minha mão foi parar nas costas daquele desgraçado. Ele berrou, mas as facadas continuaram. Uma, duas, três, e ele gritava mais. Seus gritos não eram grandes o suficiente para ocultar minhas risadas.

Mesmo com tantas facadas nas costas ele ainda teve forças para correr. Se guiou pelo tato das mãos até encontrar a pequena escada que levava as portas de saída do porão. Correu para fora, sangrando, desesperado, pelo bosque. Eu peguei a espingarda que estava no chão e o acompanhei. Meus passos continuavam lentos, ele não poderia ir tão longe de qualquer forma.

Kuro de repente caiu de cima do telhado da casa e me acompanhou. Seus olhos esbugalhados fixos no homem manco que corria como uma cadela um pouco mais à frente.

— Meow, meow.

— Exatamente, Kuro…

Ele ronronou.

O homem não parava de correr, estava desesperado, logo agora que eu finalmente estava me divertindo com meu pai pela primeira vez. Kuro parecia incomodado, então eu parei de persegui-lo para acariciar os pelos macios do gato. Ele se esfregou na minha perna. Senti como se minha conexão com o gato estivesse mais forte, mas eu não sabia o porquê.

— Pare-o, Kuro.

— Meow. — Quando ele miou, as folhas das árvores pararam de cair. O tempo adiante aparentemente tinha parado, assim como o homem que tentava fugir. Nós nos aproximamos dele, agora imóvel, e ficamos bem à frente dele.

— Se você pudesse se ver, papai… — eu ri, genuinamente. — Cê tá com uma cara horrível. Mas eu prometo que vou consertar isso. — Apontei a espingarda bem no centro dos olhos dele, um pouco acima do nariz. Meu sorriso retornou, empolgado e ansioso. Kuro ficou mais agitado também. — Você não vai poder se desculpar com a mamãe, infelizmente. Ela é pura… deve estar fazendo um banquete com a Hori e o Arashi nas nuvens agora. Mas não se preocupe, pai. Porque eu vou acompanhar você para o mesmo lugar que você vai. Nós vamos dançar e treinar bastante lá embaixo.

Eu atirei, bem na cara dele. O sangue jorrou e o corpo caiu, mas meu entretenimento não finalizou. O primeiro tiro foi seguido de mais cinco, descarregando todas as balas da espingarda para abrir um buraco bem bonito na face daquele homem. — Mas quando chegarmos lá, quem vai testar você, serei eu.

Joguei a espingarda descarregada no chão, e usei o gelo para criar mais uma lâmina. Esta era um pouco maior que a primeira. Kuro olhou para mim, como se estivesse discordando da minha decisão. Apontei a ponta da lâmina para a minha cabeça, o sorriso ainda estava no meu rosto. Kuro se apressou para arranhar minhas pernas, mas não faziam efeito algum.

Eu estava prestes a enfiar a lâmina e encerrar toda minha vivência até agora. Este era o plano, antes de eu notar que a lâmina simplesmente derreteu na minha mão, pois o clima tinha ficado quente demais. Olhei para o gelo que se tornou água, e Kuro parecia aliviado.

— Você não ia fazer isso mesmo, né?! — era uma voz feminina. Veio correndo até mim, e deu um tapa na minha cara. — Seu imbecíl.

Eu fiquei sem palavras por um instante, mas meus olhos se viraram para encará-la.

— E por que logo você se importa, Akane?

Notas:

Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.

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