A Última Ordem Brasileira

Autor(a): Hanamikaze


Volume 2 – Arco 1

Capítulo 50: Santuário Hayami

Ren sentia calafrios passarem pelo seu corpo quando Kazuma empunhou aquela espada negra em sua direção. Eram lentos passos, mas quanto mais se aproximava, mais os sentidos de alerta de Ren gritavam em desespero. Alguma coisa não estava certa com aquele jovem, ele tinha algo especial.

— Meus olhos? Como você sabe sobre eles? — perguntou Ren, dando um passo para trás.

— Vamos pular essa parte. A questão é se você vai me emprestá-los do jeito mais rápido, ou do jeito mais complicado — disse Kazuma, com um sorriso meigo e tranquilo no rosto. — Sua escolha.

— Eu seria louco se concordasse com isso.

Kazuma não respondeu mais, aquela última frase foi suficiente para compreender que teria que arrancá-los à força. Mas já era o esperado, até porque Ren seria de fato maluco se concordasse em só entregar os seus olhos simplesmente porque Kazuma pediu com jeitinho.

Ren deixou o desespero de lado e começou a se acalmar, era uma situação delicada e não tinha muitas saídas visíveis, teria que enfrentar o perigo. Quando Kazuma se aproximou o suficiente, o chão ao redor deles rachou com a pressão da gravidade alterada. Kazuma sentiu dificuldade para ficar de pé, mas não se deu ao luxo de cair no chão.

— Heh — Ren debochou, exibido como sempre. — Vai roubar meus olhos? Você nem consegue chegar perto de mim.

— É, não consigo — Kazuma olhou para baixo, seu corpo ainda sendo pressionado pela atmosfera. — Mas ele sim.

Aconteceu tão rápido que Ren nem entendeu de começo. Uma mão quase transparente, de coloração azul, saiu do chão e agarrou a perna de Ren. Não deu tempo dele olhar para baixo; foi arrastado para o subsolo pela mão misteriosa. Ela o fez dar uma volta inteira por baixo da terra, e então o jogou para fora com tudo. Ren voou quebrando o asfalto, e a mão o acompanhou saindo do chão também.

Por estar despreparado, Ren rolou pelo chão até conseguir ficar de pé. A mão se aproximava rápido, então não podia ficar muito tempo parado. Fez proveito da sua habilidade de alterar a gravidade para jogar pressão sob um prédio, fazendo-o subir verticalmente na parede sem problemas. A mão subiu acompanhando, até que quando chegaram a uma altura elevada, Ren saltou do prédio, invertendo a gravidade no ar, fazendo com que ele próprio flutuasse em vez de cair.

Flutuando ele pôde desviar, e a grande mão transparente passou direto, com o seu braço extenso que ainda se erguia do chão como se fosse uma cobra azul. Mas o que Ren não esperava, era que havia uma segunda mão.

A segunda saiu com tudo do asfalto e agarrou o garoto no ar, prendeu-o firmemente no punho, e então voltou para o chão e chocou-se contra o concreto. Uma nuvem de poeira subiu, e Kazuma não perdeu a chance de avançar com a espada negra em mãos esperando que Ren estivesse enterrado no buraco que se abriu com o impacto. Porém, teve que parar às pressas quando viu o campo gravitacional que crescia enquanto a poeira baixava.

A pressão roxa causada no solo era uma pequena área circular. A força da magia de Ren era visível pressionando o ambiente, como um campo de ondas sonoras roxas. Que no caso, eram ondas gravitacionais.

— Esse é o seu limite? — Ren ficou intrigado com a pergunta de Kazuma. — Não consegue expandir o campo além desse tamanho, não é? Por isso esperou com que eu chegasse perto da primeira vez.

Ren não respondeu, pois estava se concentrando e planejando seu próximo passo. Estava posicionado no meio do campo gravitacional, e tinha que agir rápido antes que a mão azulada translúcida voltasse para perseguí-lo.

— Isso que você usa também não é Alquimia… acho que deve vir da sua espada, ela é diferente. Isso é manipulação de almas, não é?

— Talvez.

— Então… elas não podem me ferir.

Ren levantou uma mão para o alto lentamente, como se estivesse puxando algo para cima. E de fato estava, puxou a gravidade daquela região e inverteu-a para cima. Os carros começaram a cair para o céu devagar, e tanto Kazuma quanto Ren flutuaram lentamente.

Os carros foram se juntando em um ponto no ar, o local em que Ren estava apontando sua mão, formando um ponto único de atração no espaço. Lixeiras, postes e pedaços de chão se uniram com os carros naquele ponto, formando uma grande bola de entulhos que se enchia cada vez mais. Ren fez um movimento em direção ao Kazuma, jogando aquela massa de coisas que ele atraiu em cima do jovem. Kazuma não se esforçou muito para evitar o ataque que vinha; apontou sua espada para a maçaroca, e um corte perfeito de Alquimia pura dividiu a bola de carros ao meio sem nenhum movimento da espada.

“Ele cortou com magia, e não com a lâmina?!” Kazuma era mais experiente do que Ren imaginava.

Aproveitando a posição que sua espada estava agora, Kazuma apenas a apontou para baixo, planejando seu próximo movimento.

Emerja das Trevas.

Naquele instante, a única coisa que Ren pôde ouvir foi o som de uma gota d’água caindo sobre um mar imensurável. Mas o som não era do ataque que vinha, apenas anunciava o seu começo. Uma horda de almas pequenas e azuladas, um pouco translúcidas, se ergueu do chão por trás de Ren. Ele rapidamente converteu a gravidade para o seu estado padrão, e quando caiu no chão, correu com toda a velocidade que podia para fugir do exército de almas que se espalhava pelo ar.

Ren deslizava pelo chão, saltava nas paredes com a ajuda da gravidade, usava os postes e placas como apoio para ganhar mais impulso, mas nada adiantava; eram almas demais. Quando se viu sem escolhas, teve uma ideia rápida. Usou um poste para saltar no ar e então inverteu a gravidade novamente, fazendo-o flutuar. Kazuma acompanhava por baixo, seguindo Ren e as almas, caminhando.

O garoto apontou um dedo ao Kazuma, e uma pequena esfera dourada de Alquimia se acumulou ali, emanando uma forte pressão.

Fulmen! — bradou, e a bolinha dourada avançou como um tiro na direção de Kazuma. Ele não fez muito esforço novamente, apenas ergueu a espada e partiu a magia no ar, dividindo a bolinha em duas e repelindo as duas metades ao mesmo tempo.

Mas o objetivo não era acertar o jovem, e sim tomar um impulso por causa da pressão do ataque e ser jogado pelos ares. Com a ajuda da gravidade baixa, Ren foi repelido para bem distante com aquele tiro, dando uma volta no ar e então caindo em cima de um trem-bala que passava em uma linha de trem no centro de Tóquio.

Agora, era improvável que Kazuma o alcançasse novamente. Porém, as almas que ele conjurou continuavam se espalhando pelo céu, acompanhando o trem-bala.

Ren não se preocupou mais, Kazuma não alcançaria o trem. Sua tranquilidade ficou estável até ele ver o jovem em cima de uma grande placa com um telão LED que exibia um anúncio sobre idols. Kazuma estava mirando bem no rosto de Ren, e então, atirou sua espada. Era tão rápida quanto uma bala de sniper, se Ren não tivesse virado o rosto, teria acertado em cheio. Mas mesmo assim, uma força azul puxou Ren junto da espada, fazendo-o ser levado para dentro de um metrô junto com a lâmina.

Reúna-se! — profanou Kazuma, e as almas azuladas que pairavam no ar se reuniram em um conjunto e adentraram o metrô, todas atravessando o peito de Ren diretamente contra a parede.

Ren ficou paralizado, ouvia vozes por toda parte e sua visão foi assombrada por inúmeros espíritos malignos que gritavam seu nome por toda parte. A visão escureceu, e durou até que todas as almas atravessassem seu peito. Mas até este momento, Kazuma já havia chegado no metrô.

O jovem pegou sua espada de volta e tornou a se aproximar de Ren debilitado no chão. Estava confiante de que tinha acabado, mas baixou a guarda. Quando se aproximou o suficiente, o campo gravitacional o prendeu no chão mais uma vez.

— Merda! Você continua consciente?!

Ren não respondeu, apenas colocou suas mãos adiante, se preparando para usar seu último recurso.

“Gravidade não afeta esses espíritos, então…”

Estado Xamã: Primeiro Julgamento…

Correntes brancas se extenderam pela pele de Ren, adornando os braços, abraçando a sua alma. Kazuma riu, tentando se afastar lentamente para sair da área do campo gravitacional.

— Então você quer um round dois?

Ren fez um pequeno triângulo com as mãos juntas, e apontou para Kazuma, que estava lento demais para fugir do feitiço.

Possessão.

O coração de Kazuma palpitou, e seu corpo parou de responder por um momento. Baixou sua cabeça, incapaz de controlar seu próprio corpo. O feitiço de Ren possuía a pessoa em que o mesmo mirava o feitiço.

Agora, a batalha finalmente havia se finalizado. Ren dissipou seu campo gravitacional, e se aproximou lentamente de Kazuma para finalizá-lo. Ergueu uma mão adornada em Alquimia, e estava prestes a apunhalá-lo, mas dissipar o campo gravitacional foi sua pior decisão. Kazuma segurou o pulso de Ren antes que ele pudesse atacar.

— Me possuir vai ser um pouco mais difícil que isso. Infelizmente no meu corpo sou apenas eu quem domina.

— O quê?! Mas como?!

— Você deve ter atingido a alma errada… — uma pequena alma azulada saiu de dentro de Kazuma, e esta sim, estava possuída por Ren. O jovem atirou Ren na parede, e apontou sua espada em sua direção. — Plano Astral.

Uma rajada azulada saiu da ponta da espada em direção ao pequeno Ren, adornando-o em uma esfera. Dentro da esfera, sua única visão era um mar de almas que circulavam o lugar, formando um estado astral com gravidade zero, o que deixava os poderes oculares de Ren inúteis, inclusive o campo gravitacional.

Kazuma lentamente entrou dentro do plano astral. A gravidade funcionava apenas para ele, que caminhava sobre uma superfície de água que refletia as almas que flutuavam acima.

— Me pergunto… como é possível alguém que manipula a gravidade perder em uma luta? Ainda mais com Estado Xamã ativo. Que vergonha, foi humilhado por um zé ninguém com Alquimia comum. — Ren não sabia o que responder, apenas assistia aterrorizado Kazuma se aproximando lentamente, desta vez, sem poder fazer nada. — E assim como eu prometi, vou pegar seus olhos emprestados. Mas espero que não faça falta. Queria saber o que Kenny está pensando... Ele não vai simplesmente calçar um par de olhos novos como se fosse um tênis. Na verdade, é bem a cara dele.

Quando tudo acabou, Ren estava desacordado. Seu corpo era arrastado por Kazuma, e seus dois olhos foram arrancados à mão. Sangue e mais sangue escorria de seu rosto e pingava sobre suas vestes, como as lágrimas daquele que perderia para sempre sua maior virtude e ambição.

Ao amanhecer, eu e Kuro não perdemos tempo para sair de casa e atravessar o bosque para me encontrar com mestre Zhang e Ren novamente. Minha mãe já havia preparado o café quando acordei, então pude sair mais rápido. Diferente do meu pai, minha mãe era a pessoa mais amável e pura que eu já havia conhecido na vida. Dividi metade do meu pão com Kuro, que comeu ao lado da cadeira no chão.

Zhang estava sentado em uma pequena poltrona em frente a uma mesa de madeira na frente de sua cabana, com um bule de cerâmica em cima da mesa guardando o chá que ele estava tomando em uma xícara. A primeira coisa que Zhang perguntou quando eu cheguei era se eu aceitaria uma xícara de chá.

— Não, não, eu acabei de tomar café..

— O café amplifica sua energia. Já o chá… é um laxante para a alma. Misturar os dois causaria um certo desequilíbrio no fim.

— Meow. — Kuro parecia concordar com a frase.

Zhang terminou seu chá e se levantou da mesa, preparando as coisas para recomeçarmos o teste mais uma vez. Eu senti que algo estava faltando naquela hora, e então me lembrei de que alguém havia prometido que me veria passar no teste inicial de Zhang.

— Sr. Zhang… o Suzuki apareceu por aqui esta manhã? Ele já chegou?

— O garoto que lhe acompanhou no treino de antes? Não, não. Esperei por sua chegada sozinho, ninguém veio para te assistir.

Fiquei desapontado com aquela resposta. Ren havia prometido que viria, e de fato ele não tinha muita coisa melhor para fazer. Normalmente ele ficava no lago alterando a gravidade para fazer os peixes flutuarem para fora d’água. De fato, um prodígio da pescaria.

— Acho que ele deve ter se atrasado… mas não tem problema. Vamos finalizar isso então, mestre.

Zhang me entregou a katana e a venda, e eu a coloquei nos olhos mais uma vez. Me posicionei, preparado para qualquer ataque que viria. Uma posição defensiva que exalava minha determinação para concluir o treinamento imposto pelo meu mestre. Por mais que eu detestasse lutas, ainda assim, sempre me satisfez a sensação de orgulho nos olhos dos mais próximos a mim. E por acharem que eu fui uma espécie de obra divina, todos tinham uma expectativa muito grande sobre mim, e eu sempre acabava decepcionando todo mundo.

— Vejo que está determinado hoje, Hayami. Mas apenas determinação não abrirá suas asas. Você tem que saltar ao vento e deixar que suas penas abracem a liberdade.

— Abracem a liberdade…

Com aquelas palavras, eu me concentrei profundamente, abandonando o sentido da visão como se eu nunca o tivesse antes. Os sons da natureza ficaram cada vez mais claros e simples de ouvir. Os passos de Zhang sob a grama me falavam exatamente onde estava o mestre. Porém, ainda havia um problema; assim como eu, Zhang era muito veloz.

Eu pude ouvir o movimento de sua adaga, o sopro do vento que passava por ela enquanto a pequena lâmina traçava o caminho até minha pele mais uma vez. Meu corpo instintivamente direcionou a katana naquela direção, e o tinido das lâminas se chocando aprofundou-se nos meus ouvidos.

Mas o mestre não pegaria leve comigo, ainda mais após perceber que eu finalmente estava pegando o jeito da coisa. Logo recuou a adaga e partiu para cima, tentando efetuar um ataque direto. Mais uma vez eu o repeli, meio desajeitado, mas não era impossível. Notei que Zhang estava se aproximando a cada ataque, então meu corpo ia se afastando enquanto mantinha a defensiva.

Cada toque das lâminas fazia o vento correr na direção contrária, e o som do metal colidindo se repetia a cada segundo. Pela velocidade de Zhang, mesmo podendo prever a maioria dos seus ataques eu ainda não conseguia repelir todos sem enxergar. O que acabou resultando em vários cortes nos meus pulsos e na extensão dos meus braços.

Zhang se equivocou de propósito para ver como eu reagiria, abrindo uma brecha perfeita para mim. Com um movimento equivocado ele recuou a adaga e a mirou diretamente no meu peito mesmo ciente da minha defensiva. Era a brecha perfeita que ele abriu para mim. Meu corpo naturalmente se esquivou para o lado, um movimento tão fluido e sincronizado que parecia quase que automático. Naquele momento, eu não ouvi mais nada, apenas o calor da vitória. Minha katana foi imbuída com Alquimia sem que eu percebesse, e com uma velocidade extrema demais até para Zhang, apunhalei o ar em direção ao peito do mestre. Ele já estava preparado, então saltou para desviar no último instante antes que a lâmina o tocasse. Mas não foi suficiente; a Alquimia dourada imbuída na katana foi expelida com tudo, pulverizando o próprio ar e as folhas de algumas árvores acima. O ataque acabou carbonizando a pele e a carne do braço direito de Zhang, deixando uma grave ferida nos seus músculos.

— Sr. Zhang! — após efetuar o ataque, me dei conta do que havia acabado de fazer. Tirei a venda e corri em direção ao mestre. — Desculpa! Eu… eu não… — Eu estava aterrorizado, nunca havia machucado ninguém daquela maneira na minha vida.

— Está tudo bem, você foi ótimo — disse Zhang, surpreendentemente ignorando a grande queimadura no braço. — Mesmo sendo apenas um treino, se eu não tivesse saído naquela hora, eu provavelmente estaria morto agora…

Kuro caiu na minha cabeça de repente, estava observando tudo de cima do galho de uma árvore. Eu fiquei completamente aterrorizado e perplexo com o que meu mestre havia falado. Eu acidentalmente poderia ter tirado uma vida, eu nunca me perdoaria por isso. Eu sempre me senti horrível por tudo de ruim que já fiz até que a pessoa me perdoasse, e se isso tivesse realmente acontecido, Zhang não estaria mais aqui para me perdoar um dia.

— Me perdoa! Por favor… — eu me ajoelhei na frente de Zhang, e Kuro deu uma patada na minha cabeça. Provavelmente pensava que eu estava sendo dramático demais.

— Não conseguirá o meu perdão desta vez.

— Por favor, eu não…

— Não te perdoarei justamente porque você é muito mole, Hayami.

O próximo teste de Zhang consistia em treinar os meus reflexos. Eu já havia adquirido uma boa habilidade defensiva, mas meus reflexos não eram os melhores ainda. Por isso, me atingiu várias vezes com a adaga apesar de eu já saber por onde ele iria atacar. Mas sinceramente, quando eu vi a ideia de Zhang no segundo teste, achei simplesmente absurdo. Até mesmo Kuro saltou de cima da minha cabeça e fugiu de perto do campo.

— Como é? Você quer que eu destrua essa coisa?!

Uma máquina gigantesca de artilharia estava posicionada em um campo cercado por pedras marrons. Haviam vários furos na máquina, onde seriam ejetadas inúmeras flechas apontadas na minha direção.

— E com a venda nos olhos.

— É uma brincadeira, não é?!

— Meow, meow.

A venda foi colocada nos meus olhos mais uma vez, e até mesmo Kuro olhava para mim como se aquele fosse o último dia da minha vida. Acho que Zhang estava de fato colocando confiança demais em um garoto que acabou de aprender a se defender. Ele estava prestes a ativar a máquina de flechas, mas eu o interrompi.

— Como é que você espera que eu destrua essa coisa, afinal?

— Descubra por si só, é para isso que estamos treinando.

— Vai a merda…

De repente as flechas voaram em minha direção, Zhang apenas ativou a máquina sem nem avisar. As duas primeiras cravaram-se nos meus ombros, e as próximas três eu repeli com a katana. Era uma chuva de flechas que cobria o meu corpo inteiro, mas apenas chegavam em mim as que eu estava na frente do trajeto. Uma, duas, três, quatro, eu repeli. Uma, duas, três, quatro, me perfuraram. O número continuava a aumentar… cinco, seis, sete… Porém, a velocidade das flechas aumentou e eu perdi a estabilidade. Várias passaram de raspão em mim, e era quase impossível me concentrar com tanta adrenalina. Eu focava em proteger meus pontos vitais, e os pontos menos importantes eu comecei a ignorar se fossem atingidos ou não.

Cinco minutos se passaram com aquela coisa ligada, e eu parecia estar fazendo progresso com a coisa de melhorar o reflexo. Estava ficando mais fácil de repelir, pois elas sempre vinham no mesmo padrão. Porém, eu não estava nem perto de achar um jeito de destruir aquela máquina, e aparentemente Zhang não iria desligar tão cedo. Ou aquela coisa caía, ou eu mesmo caía.

— Meow. — Kuro miou, e naquele instante, o tempo parecia ter ficado mais devagar. Eu ouvia as flechas cortando o vento na minha direção lentamente, mas eu podia me mover na mesma velocidade que antes.

— O que é isso? Elas perderam velocidade…

— Mexa-se.

Mais uma vez, eu pensei ter ouvido Kuro falar alguma coisa, mas estava acontecendo tanta coisa ao mesmo tempo que eu simplesmente ignorei. Mas ainda assim uma palavra consumiu meus pensamentos… “Mexa-se”.

— Sim… estão lentas agora… eu posso me mexer.

Eu comecei a andar em direção às flechas, me movimentar entre elas em vez de tentar repeli-las. Quando eu chegava em um ponto onde tinham flechas demais para poder passar entre elas, eu simplesmente rebatia como se estivessem paradas no ar.

O tempo estava lentamente voltando ao normal, e quanto mais velocidade as flechas adquiriam enquanto o tempo voltava, mais rápido eu me movimentava, me adaptando à própria velocidade das flechas. Até que finalmente elas voltaram ao normal, e Zhang se impressionou com o que viu. Um vulto negro passava entre as flechas e era impossível acompanhar com os olhos. Às vezes, ele ouvia o som de flechas sendo rebatidas. Para mim, a situação era a mesma quando as flechas ficaram mais lentas, pois eu aumentei a velocidade gradualmente também. Aquilo por algum motivo parecia fácil demais quando eu me adaptei aos poucos. Eu poderia não ser um gênio e nem o mais forte de Tóquio, mas com certeza, eu sempre fui o mais veloz.

Não só as coisas pareceram mais fáceis agora, mas também, mais leves. Eu mesmo estava mais leve. Eu parei de me concentrar por um instante, me afundando na sensação de ser praticamente intangível. Meu corpo automaticamente foi saltando de flecha em flecha como se fossem uma escada. Eu parei no ar, abri os meus braços, e a katana mais uma vez foi adornada por Alquimia. Meu corpo parecia tão leve como se eu estivesse afundando no mar.

De repente, uma memória de Ren veio à minha cabeça.

“Aqui diz que Lumen Solidáriun exerce uma quantidade de Alquimia extremamente absurda, mas o problema não é liberá-la, e sim controlá-la no sangue. Invocar e manter a lua no ar requer um controle da própria corrente sanguínea de maestria de nível Saikai… Mas acredito que você consiga efetuar. Mas se você falhar…”

— Fluxo do sangue…

Eu sentia o sangue se espalhar junto com a Alquimia, indo do coração e se espalhando pelo peito, dos peitos para os braços, do braço para a mão e da mão para a lâmina. E ainda mais além da lâmina, eu pude sentir a magia se afinar ainda mais além, um equilíbrio perfeito entre o meu corpo e o movimento. Uma magia tão fina que era capaz de cortar.

Meu corpo girou uma vez enquanto pairava entre as flechas, e após este movimento, a horda de ataques acabou. Eu caí ao chão, confuso com o que tinha acontecido. Parecia que eu não estava consciente esse tempo inteiro, e quando eu tirei a venda dos olhos, a cena chocou a mim e ao Zhang.

— Isso… fui eu quem fiz isso…?

Uma gigantesca fenda foi aberta no chão. A cratera perfeita de um corte que se estendia por uma boa parte daquele campo até a máquina de flechas, que estava dividida ao meio.

— Tsukasa… — Zhang estava sem palavras. — Você não partiu só o chão… dividiu o fluxo do vento para duas direções diferentes… você partiu o ar com magia. Seu pai estava certo…

— Certo… com o quê? — eu me levantei do chão, ainda abismado com aquela fenda aberta no solo.

— Você é a propagação…

— Propagação?

— Meow.

Eu voltei para casa com aquela palavra na cabeça, “propagação”. Por que eu seria a propagação? E a propagação do quê exatamente? Eram perguntas que eu provavelmente não teria a resposta tão cedo. E não podia pensar muito sobre isso, pois em breve iríamos visitar a minha irmã Hori.

— Infelizmente não posso te levar, Kuro — disse, acariciando os pelos macios do gato, que estava deitado na minha cama. — Então, fique quietinho aqui, tudo bem? Eu volto em breve. Se estiver com fome peça a mamãe para te dar alguns biscoitos, acho que ela vai entender se você miar bastante…

Tive que deixar Kuro em casa e sair com Arashi e meu pai. Ele nos levou em seu carro até a Infinity Astra no centro de Tóquio. Por algum motivo, eu odiava aquele lugar. Passamos pela recepção e então fomos até o subsolo, onde ficavam os pontos de teleporte. Só pessoas com acesso reservado podiam usá-los para chegar em outros planetas instantaneamente, o que era o caso do meu pai. Quando entramos no ponto de teleporte, a visão se parecia com um grande túnel de várias cores diferentes. Eu já estava acostumado com esse tipo de viagem, e não durou menos que dez segundos para que aparecêssemos em um quarto branco. As paredes eram revestidas por pinturas e retratações que marcaram a história de um dos primeiros portadores da magia, Aquiles Numinor. Ele era retratado como um herói.

Aquele lugar era uma mansão bela e refinada, que refletia a cultura chinesa em cada cômodo ou decoração. Meu pai não ligou muito para mim ou para o Arashi, apenas disse para nos comportamos e então saiu a procura de sua esposa pela mansão. Ele era casado com outra mulher, se separou da minha mãe quando recebeu a notícia de que teria filhos gêmeos.

— Ei, Tsukasa, Arashi! — exclamou uma voz delicada logo atrás de nós quando fomos largados no corredor da mansão. Era óbvio que aquela voz pertencia a minha querida irmã, Hori Hayami.

Ela tinha belos cabelos brancos assim como os da minha mãe, e olhos amarelados do meu pai. Sempre ficava ansiosa quando nos via chegando.

— Ei, Hori! — exclamou Arashi. — Adivinha só quem recebeu treinamento exclusivo com o Wu Zhang.

— Você?

— Quase lá.

— Tsukasa finalmente aceitou treinar com alguém?

— Na mosca!

— Eu… não aceitei.

De repente o olhar de Hori se fixou ao meu lado, no chão. Ela parecia encantada com alguma coisa, e eu logo soube o que era.

— Que fofo! Onde vocês acharam esse gato?

— Meoow!

— Quê?! — exclamei, e então olhei para baixo. Kuro estava logo ao meu lado, e foi agarrado por Hori como se fosse um bichinho de pelúcia. — Não te falei para ficar em casa Kuro?

— Meow… meow.

Minutos depois, eu, Hori, Arashi e Kuro estávamos do lado de fora da mansão, em um santuário próximo a uma fonte. Hori acariciava Kuro, encantada, como se nunca tivesse visto um animal de estimação antes. O que era bem provável na verdade.

— Se lembram desse santuário? — perguntou Hori.

— Claro — respondeu Arashi. — Nós sempre ficamos aqui. Lembro perfeitamente do dia em que estávamos jogando moedas na fonte, e eu não tinha nenhuma… Vocês me fizeram jogar os sapatos.

— Você jogou porque você quis — respondi, quase não segurando uma risada.

— Papai sempre nos diz que quando o dia chegasse, o santuário nos mostraria o caminho para o céu. Mas acho que isso é bobeira, deve ser alguma lenda chinesa…

— É, mas muitas pessoas vem aqui para rezar desde que ele disse isso, esperando que ele mostre o caminho para elas também.

Hori notou alguma coisa estranha no céu, acima da mansão enquanto conversávamos. Seus olhos se arregalaram, e ela apontou para o alto.

— O que é aquilo ali?!

Uma espécie de espírito azul flutuava acima da mansão. E não era só um; vários espíritos foram surgindo, sobrevoando o lugar.

— É um fantasma? Que merda é essa… — Arashi pareceu um pouco assustado.

Dentro da mansão, o caos se instalava. Um jovem de cabelos alaranjados levantava uma lâmina negra no ar, enquanto ela expelia almas azuis sem parar. Ele caminhava lentamente pelo corredor da mansão, e os desesperados que corriam e acabavam encostando nas almas, perdiam a consciência na hora.

A esposa do meu pai estava ajustando um enfeite na parede, não esperando que aquele jovem apareceria logo atrás dela e a prenderia contra a parede, ameaçando-a com a espada.

— Me disseram que Tsukasa Hayami estaria aqui neste horário. Você é a dona da mansão, não é, Arwen? Então onde ele está?

— Quem é você?! O que você quer com ele?!

— Resolver alguns assuntos importantes, que infelizmente convocaram logo a mim para resolver.

— Eu não sei onde ele está… eu nã-

No mesmo momento em que ela respondeu “não sei”, Kazuma a executou. Perfurou sua cabeça com a lâmina negra, e então jogou o corpo morto no chão.

— Que merda… espero que Kenny dê uma boa promoção ao San quando tudo isso acabar. Odeio lidar com esse tipo de gente. — Do lado de fora da mansão, nós víamos os espíritos preencherem o céu. E logo, nos avistaram. Uma garota de cabelos brancos e olhos amarelos, e dois gêmeos de cabelos pretos e olhos azuis. — Então eles acharam. Agora a questão é… qual dos dois é o Tsukasa?

Um dos seguranças da mansão secretamente mirou sua magia em Kazuma, que não percebeu até que uma barreira de esmeralda se erguesse em volta de seu corpo.

— Não vai fugir! Laranjinha de merda. Identifique-se!

— Laranjinha? Pelo menos é melhor que “cabelos de fogo”...

Kazuma ergueu a espada negra para o alto mais uma vez, e os espíritos destruíram o chão em volta, formando um tornado de almas berrantes que destruiu o teto da mansão e dissipou a barreira de esmeralda do segurança. O amontoado de almas se uniu no ar e voltou para dentro da mansão, abrindo mais um buraco no telhado e consumindo completamente o corpo do segurança.

Kazuma caminhou para fora da mansão, e avistou os três em frente ao santuário Hayami.

— Temos que fugir! Temos que-! — Hori tentou gritar, mas foi interrompida por um par de garras que a agarrou pelo torso. Do fundo do santuário, uma face obscura e demoníaca sorria para a Hori. A criatura abriu sua boca e a puxou para dentro, engolindo a jovem completamente.

— Que porra é essa?! O santuário tem vida! — exclamou Arashi, que tentou fugir por um momento, mas as mãos cheias de garras saíram mais uma vez e agarraram Arashi, arrastando-o para dentro do santuário também, e o engolindo.

“Espera…” eu parei para pensar por um instante. “Papai só nos leva para visitar a Hori no natal ou na páscoa… Ele nos levou hoje mesmo sem ser uma data comemorativa. ‘O santuário mostrará o caminho…’”

— O santuário é uma armadilha! — deduzi, finalmente descobrindo aquele quebra-cabeça.

— É — Kazuma continuava se aproximando, arrastando a ponta da espada no chão. — Alguém por aí deve te odiar bastante.

Eu dei um passo para trás, assustado. Mas então me lembrei que Arashi e Hori foram engolidos por aquela armadilha nojenta que um dia foi nosso santuário da paz. Olhei para os grandes olhos e a boca sorridente dentro da escuridão do santuário, como se fosse um portal para o inferno.

— Ele levou Kuro também…

— Eram seus irmãos, não eram? — começou Kazuma, parando no meio do caminho ao lado da fonte. — Também tenho dois irmãos, um menino e uma menina, assim como você. São a coisa mais importante para mim, meus irmãos. Estou aqui por eles.

— O que quer dizer com isso? — eu me preparei, entrando novamente em uma pose defensiva.

— Somos parecidos em algumas coisas, e acho que nisso também. — Kazuma olhou para o chão, relembrando de San e Akane. Os dois sorrisos que limpavam sua mente. — Peça desculpa aos seus irmãos por mim quando os encontrar lá embaixo. De verdade, eu não queria estar aqui te caçando agora.

Em um instante, Kazuma resolveu avançar, aproveitando o terror que adornava a minha mente. Mas ele não pôde chegar até mim. Seu corpo foi paralizado, tornando-o incapaz de se mover. Era o último resquício da magia de Ren, que o mesmo lançou a partir do pequeno fantasma que tinha possuído antes, que acabou se misturando com as outras almas que Kazuma conjurou.

— Tá tentando me parar?! Parece que tá difícil — caçoou Kazuma.

O feitiço parou Kazuma apenas por um momento antes de ele lançar com tudo sua lâmina negra na direção do meu rosto. Eu pude ver a ponta da lâmina se aproximar, quase atingindo minha testa, porém eu fui sagaz. Deixei com que meu corpo tombasse para trás, caindo na escuridão do santuário Hayami. A espada atravessou o santuário e se cravou em uma árvore próxima.

O santuário me engoliu por completo, e então começou a se afundar na terra. Não era um santuário de verdade, e sim um portal invocado desde o momento em que eu nasci, apenas esperando por esse momento.

Kazuma, decepcionado, se aproximou do buraco onde o santuário estava antes. Parecia uma queda infinita, e ele continuava descendo aparentemente sem um destino próximo. Kazuma não teve disposição para descer ali também apenas para me caçar.

— Se você é o mais forte de Tóquio mesmo, acredito que vá voltar. Pelo menos vai dar tempo de preparar a festa surpresa do aniversário de San daqui duas semanas... Espero que ele não tenha perdido o colar da Akane de novo, ela sempre fica uma fera.

Notas:

Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.

Me siga nas Redes Sociais:

Twitter | Instagram | Discord

Confira outras Obras:

Outras Obras

 



Comentários