A Última Ordem Brasileira

Autor(a): Hanamikaze


Volume 2 – Arco 1

Capítulo 49: Seu Nome, vai ser Kuro

O Bastião do Titã foi encerrado com a vitória de Hifumi, marcando pontos para Aniônius e desempatando o placar. A platéia aplaudia e exaltava Hifumi, mas ele parecia não se importar muito. Afinal, não estava ali para receber atenção ou reconhecimento das pessoas. A única coisa que importava, era a sua missão.

— Será que a missão secreta de Hifumi está relacionada ao coliseu? — perguntou San, excitado com o desfecho da rodada. — Se for, tivemos sorte de ir exatamente no lugar onde ele estaria.

— É verdade, provavelmente foi isso que aconteceu! — Kyoko ficou bem empolgada, a euforia de San sempre contagiava Kyoko.

Enquanto os dois especulavam e ficavam cada vez mais animados com a ideia, Arashi ficava cada vez mais preocupado. Ele parecia bem mais desconfortável que o comum, e não era pelos ossos quebrados e nem pelo fato de que tinha que se apoiar sempre para não cair. Arashi havia sentido aquela sensação de novo.

— Vejo que não está compartilhando do mesmo sentimento que os outros dois, Hayami. Não está contente? — questionou Kali Iyer, sentada no banco atrás de San. Estava com os dedos entrelaçados nos cabelos dele.

— Não é isso, é que… tem uma coisa que não consigo esquecer…

Aquilo que tanto incomodava Arashi era a presença de seu irmão gêmeo, Tsukasa Hayami, que estava bem embaixo da arena em que todos estavam agora. Nos calabouços do bastião, onde goteiras aleatórias pingavam e quebravam o silêncio dos corredores metálicos. Várias jaulas prendendo criaturas diferentes, e dentre elas, estava um simples jovem com um objetivo sombrio.

— Então foi assim que você derrotou o Oliver naquela nebulosa? Ele é um idiota mesmo, não é? Caiu em um feitiço tão bobo! — caçoou Charlotte, agarrada no braço de Tsukasa dentro da jaula. Ela demonstrava um certo interesse afetivo por Tsukasa, mas ele apenas a via como uma criança com excesso de energia.

— É. Mas o zero absoluto não é um feitiço bobo, sabe, é um dos mais fortes que eu tenho.

Tsukasa na missão nebulosa, a primeira missão em que estiveram na Infinity Astra, usou um feitiço que trazia à tona o frio mais intenso possível fisicamente. O zero absoluto, com a ajuda de um feitiço amplificado pela lua de gelo. O feitiço trouxe a derrota certeira de Valaric na época.

— Mesmo sem tentar, você se gaba demais! Isso é tudo por causa desse seu gelo esquisito aí. — Charlotte se acomodou um pouco mais, quase se deitando em cima do braço de Tsukasa. — Inclusive… você nunca me contou nada sobre você. Sabe, esse gelo, essa máscara, sua… origem.

— Origem? Por que quer saber isso?

— Por que eu quero saber mais sobre você. E também, não temos mais muito sobre o que conversar… Não tem problema nenhum se eu souber, né?

— Não… acho que não. Pelo menos, não até uma certa parte.

— Então me conta! Quero saber como você conheceu a tal Akane também…

— Se for assim, acho que preciso voltar no início…

Quando eu não era ninguém. Ou pelo menos, quando eu queria que eu não fosse ninguém.

Ainda me lembro daquela noite, naquela casa fria no meio do campo. Morávamos eu, minha mãe e meu irmão Arashi. Minha mãe era tão bela… seus cabelos eram tão brancos quanto os pelos de um coelho, seus olhos eram azuis, assim como os meus um dia foram, e assim como os de Arashi hoje são. Eu não nasci com olhos vermelhos, quando pequeno, eu não carregava esta maldição… mas isso não facilitou a minha vida.

Eu estava no meu quarto, deitado na minha cama tentando adormecer com todos os trovões e a chuva forte que despencava ao lado de fora. Eu não conseguia dormir, e desejava que meu pai não chegasse para me ver acordado. Eu preferiria estar morto do que ter que encará-lo mais uma vez.

Meu pai morava em um lugar bem distante do Japão. Eu nunca soube ao certo onde ficava, mas talvez nem fosse no planeta Terra. Eu também tinha uma irmã mais velha, que morava com o meu pai. Nós raramente nos viamos. O nome dela era Hori Hayami.

A noite mesmo turbulenta ainda parecia desmasiada calma sem a presença do meu pai. Mas essa paz não durou por muito tempo, quando eu estava prestes a finalmente pegar no sono, um rombo na porta me avisou que a minha desgraça havia chegado.

— Anda logo, Tsukasa. Hoje começa o seu primeiro treinamento com o mestre Zhang.

Eu me levantei da cama, não tinha escolha afinal. Cocei o olho por causa do sono, mais eu não podia só deixar com que se repetisse de novo sem tentar fazer algo a respeito.

— Eu nunca concordei em…

— Cala a boca, Arashi! — meu pai gritou, um grito que por um momento calou a casa inteira. Até mesmo a chuva do lado de fora parecia ter se silenciado. O grito foi para o Arashi, que estava fazendo muito barulho enquanto decifrava livros antigos da minha mãe. Ele era apenas uma criança, eu também era. — Continue, Tsukasa.

— Não era… nada…

— Ótimo. Bem, espero que você saiba a importancia do seu treinamento. As pessoas precisam de você, meu filho. Você nasceu herdeiro do título de protetor de Tóquio. Você é o único capaz de mudar alguma coisa, meu filho — disse, abaixando-se para ficar cara a cara comigo.

Eu já sabia que aquele papo era furado. Meu pai queria me transformar em um monstro, uma máquina assassina que conclui os desejos dele “em prol de Tóquio”. Eu nasci diferente dos outros, eu sou alguém especial. Herdei uma força misteriosa que diziam ser celestial. Por isso, mesmo sem treinar, na cabeça deles eu era o mais forte de todos. Ele quer que eu defenda Tóquio mas eu não sou um herói, eu não quero machucar ninguém, nem lutar com ninguém, nem proteger ninguém. Eu só queria ter uma vida comum, eu só queria ser um ninguém.

Um pouco depois de meu pai ter tentado me convencer de suas ideias, um som de prato caindo ecoou pela pequena casa. Foi Arashi, que como sempre tinha energia demais e acabou gastando ela no que não devia.

— Peste! — meu pai se levantou furioso em direção ao Arashi, que se encolheu no chão. — Não consegue ficar quieto por um minuto?!

Ele levou seu punho para dar um soco em Arashi, mas naquele instante, foi quando meu corpo instintivamente agiu. Eu não vi o que aconteceu, foi rápido demais até para mim. Apenas senti o vento passar pelo meu corpo, e em um piscar de olhos, eu estava segurando o punho do meu pai.

— Tsukasa! Você não precisa… — começou Arashi, mas eu o interrompi.

— Foge daqui! Não vou deixar ele fazer nada com você dessa vez.

Arashi não pensou muito; observou a cena por mais uns segundos e então fugiu. Meu pai ficou furioso, mas eu não o deixaria passar. Eu nunca gostei de lutas, sempre tive medo então evitava qualquer confronto direto. Mas contra o meu pai, por algum motivo, eu sentia meu próprio sangue borbulhando.

— Não! Parem! — gritou minha mãe, vindo do porão e se deparando com a cena.

Meu punho estava prestes a colidir contra o rosto do meu pai, um caminho tão curto, mas que parecia tão longo. Era certo que eu odiava aquele homem, tudo que ele fazia e sempre fez, porém, idependente da raiva que eu estivesse naquela hora, eu não tive coragem de continuar. Como consequência, o soco dele foi o que me acertou e me jogou no chão.

— Você é patético, Tsukasa. Era para sentir orgulho de ser o mais forte, mas você apenas sente desgosto de uma obra divina tão mal aproveitada quanto a sua. Você sente raiva contra mim, que apenas quero o seu bem, e contra os inimigos você sente pena… — ele parou para respirar, rosnando com raiva. — Seria melhor se a sua força tivesse ido para o Arashi. Você é um fracasso.

— Sim, eu sou o seu fracasso — eu me levantei lentamente, caminhando até a porta da saída. — Não o meu.

A chuva continuou bem forte do lado de fora da casa. Arashi havia desaparecido, e eu estava me dirigindo à cabana do sr. Zhang. Ele estava me esperando para o treinamento que eu tanto relutava, e eu não queria decepcioná-lo assim como decepcionei meus pais.

Porém, em meio a toda aquela chuva, de repente senti que as gotas fortes de água não caíam mais sobre minha pele. Olhei em volta, e vi um guarda-chuva azul escuro me cobrindo, junto de um garoto familiar. Seus cabelos eram amarelos loiros e seus olhos eram roxos e brilhantes. Seu nome era Ren Suzuki.

— Ah, oi, Ren.

— E aí? Vi que a donzela estava na chuva, então vim oferecer uma sombrinha — disse Ren, com um sorriso. — Pelo caminho que está fazendo, suponho que está indo treinar?

— É.

— Quanta animação, hein? — Ren estava lendo um livro enquanto andava com o guarda-chuva. — Sei que não gosta dessas coisas de lutar e tal, mas ainda assim ter um treinamento direto com o sr. Zhang é uma honra que poucos tem na vida.

— E que livro é esse que você tá lendo?

— Fala sobre deuses da mitologia grega. Sabe, queria ter um poder irado igual o deles.

— Hum. E qual o seu favorito até agora?

— Com certeza o Chrono, deus do tempo. Imagina poder controlar as estações do ano, o dia e a noite?

— É, seria legal, eu acho.

— Você acha que eu combino com o Chrono, Tsuki?

— Seu poder não tem nada a ver com o tempo, Ren. Mas é um nome legal, combina com você.

— Haha! Então é isso, a partir de hoje, me chame de Chrono.

Ren era sempre tão otimista, um amigo que me acompanhava simplesmente porque gostava do meu estilo de cabelo. Fazia tempo que eu não via motivos para sorrir genuínamente, mas com aquele comentário, eu finalmente soltei uma leve risada em muito tempo. Uma risada compartilhada com o único amigo que eu tinha.

— Sai dessa, Ren. Chrono não ia gostar se você começasse a usar o nome dele assim.

Quando chegamos na cabana do sr. Zhang, Ren ficou assistindo da varanda para não se molhar. Eu e o mestre estávamos no gramado sob a chuva. Ele era um pouco velho, por volta dos sessenta anos. Usava um kimono preto e faixas brancas e pretas na cabeça, deixando apenas uma parte dos cabelos brancos escapando de dentro das faixas. Empunhava uma adaga comum, enquanto eu empunhava uma katana refinada.

— Antes de começarmos o combate, Tsukasa, coloque isto. — Zhang me deu uma venda preta para colocar nos olhos. Eu estranhei de início.

— Por quê?

— Você já possui a força adequada. Bem superior a minha, inclusive. Este treinamento não faria sentido, e só servirá para a sua sobrevivência pessoal.

— O que esta venda tem a ver com a minha sobrevivência?

— Coloque-a e vamos ver como você se sai.

Eu fiquei um pouco hesitante, mas então decidi acolher a ideia. Coloquei a venda sobre meus olhos e empunhei a lâmina, sem ter qualquer visão do campo à minha volta.

— Ótimo. Agora, se defenda até encontrar a brecha perfeita para me atacar. Seu objetivo é acertar um golpe da lâmina e tirar qualquer quantidade de sangue minha.

Eu não esperava que Zhang fosse me atacar exatamente na mesma hora que terminasse de falar. Nem deu tempo para responder, eu apenas senti os cortes da adaga acertarem meu braço. Desnorteado, tentei desviar para um lado, mas acabei tropeçando e deixando a katana cair.

— Você falhou. Aqui, você já estaria morto.

Foram inumeras tentativas e parecia que eu não tinha progresso nenhum. Tentando me esquivar dos ataques de Zhang eu batia nos troncos das árvores sem querer, perdia o senso de direção por causa da chuva, meus ataques não eram eficientes o suficiente para causar algum dano. Eu de fato parecia patético.

— Já chega — anunciou Zhang após a sétima tentativa. — Depois de amanhã continuamos.

Ofegante, eu tirei a venda e a entreguei ao mestre.

— Mas… qual o sentido da venda, sr. Zhang? Eu ainda não sei.

— Aqui eu pude ver a sua fraqueza. De que adianta ser mais forte e mais ágil que os outros, se você não consegue sobreviver com uma fraqueza comum de todo ser humano?

— Fraqueza… comum?

— Se estivéssemos em uma luta real agora, sabendo que você usa mais agilidade nos seus ataques, você deixa o seu rosto vulnerável pela velocidade. Sabendo disto, seria fácil de acertar com precisão sua fraqueza e você seria derrotado em seguida.

— A fraqueza da agilidade fica no rosto?

— Me diga, o que você faria se eu arrancasse os seus olhos agora?

Com aquela frase, eu entendi a minha fraqueza. A agilidade é inutil se eu não tiver senso de direção nenhum, e o meu único senso de direção perfeito era a visão.

Eu suspirei, e então Ren se juntou a mim mais uma vez.

— Bem, se quiser passar no teste do mestre Zhang, vamos ter que praticar.

Enquanto todo o treinamento com Zhang ainda estava em andamento, coisas obscuras aconteciam na sede da Infinity Astra. Naquele instante, Kenny Williams, o diretor, dava ordens para um de seus subordinados.

— O garoto é uma ameaça. Não a nós, mas a nossa reputação na cidade. Os Hayami a muito tempo vem tentando se infiltrar na força civil, pensando que possuem algum lugar nesse canto de ratos. Até o momento isso nunca foi um alerta, sequer fez alguma diferença. O real problema… foi quando aquele jovem chegou. Sem treinamento nenhum suas habilidades são avançadas demais para o normal, e isso dá uma vantagem futura para eles que talvez nos prejudique bastante…

— Então, o que exatamente você quer que eu faça? — perguntou aquele que estava diante de Kenny.

— Sua nova missão é simples, acredito que você não terá problemas. Terá que aniquilar alguém… Mate Tsukasa Hayami. Talvez você tenha problemas com Ren Suzuki, que é o guarda-costas do jovem. Não o mate caso o encontrar; preciso dos olhos dele.

— Certo… — o jovem embainhou sua espada negra, preparando-se.

— Sei que não vai me desapontar, afinal, você é o melhor que nós temos… Kazuma Hiroyuki.

Ren já havia voltado para casa, no próximo dia iríamos treinar sozinhos para poder passar do desafio do sr. Zhang. Eu não queria voltar para casa, não naquele momento. Me escondi em uma viela estreita das ruas de Tóquio e me encolhi, comendo um pouco de sushi que havia comprado antes de ir para ali.

De repente, ouvi um som ao meu lado. Aparentemente era algum animal escondido naquela mesma viela.

— Meow.

Era um gato preto.

— Oh… oi, amiguinho. Está com fome?

Dei um pouco do meu sushi para ele, o gato pareceu bem satisfeito. Sentou-se no meu colo e ficou por ali mesmo. Eu decidi ficar mais um tempo com o gato, afinal era bem mais confortável do que ter que enfrentar meu pai mais uma vez.

— Meow.

— Será que você já tem um nome? Acho que não… você não parece muito bem cuidado. Bom, acho que posso dar um nome para você. Deixe-me ver…

Segurei o gato e o levantei na altura do meu rosto, olhando-o diretamente nos olhos amarelados.

— Kuro.

— O quê?!

Por um momento, eu pensei que aquele gato tivesse falado alguma coisa. Mas talvez tenha sido apenas impressão.

— Meow.

— Bom, acho que já sei então… seu nome, vai ser Kuro.

Eu passei o resto da noite naquela viela com o gato no meu colo. Ele parecia tão confortável, adormeceu em alguns minutos. Quando ficou de manhã, o gato não parava de me seguir enquanto eu fazia o caminho para voltar para a minha casa. Então, eu decidi que não seria uma má ideia se eu ficasse com ele.

Pelo menos, não seria até eu finalmente chegar em casa e dar de cara com aquele homem mais uma vez.

— Está atrasado como sempre, Tsukasa. — Não demorou muito para que ele notasse o gato preto que me seguiu para dentro de casa. — Que porra é essa?! Desde quando permiti esse tipo de praga dentro de casa?!

— Meow!

— Não é praga, pai. Ele tem nome, e se chama Kuro.

— Foda-se o nome dessa coisa. É melhor você sumir com ele antes da viagem de amanhã — ele pegou uma espingarda que estava presa na parede, e a apontou para o gato. — Se não, eu mesmo vou fazer ele sumir.

— Viagem?

— Sim. — Ele guardou a espingarda nas costas, e se sentou na mesa para tomar café. — Vocês vão visitar a Hori. E eu não quero esse gato na minha casa quando chegarem lá, entendeu? E nem pense em chegar perto da sua irmã com essa barata de rua.

Baratas e mais baratas, era o termo que meu pai sempre usava para definir aqueles que ele mais odiava ou considerava inferiores. Provavelmente na mente dele eu talvez fosse uma barata que sabe voar, por isso ele não conseguiu pisar ainda. Se eu usasse a mesma lógica que meu pai, acho que as baratas para mim seriam… todas as pessoas que vivem em Tóquio, que transformaram a minha infância em uma espécie de estudo militar.

— Meow — o gato pulou de cima das prateleiras para a minha cabeça, se escondendo entre meus cabelos pretos.

— Inclusive, já está na hora de cortar esse cabelo, Tsukasa.

Arashi estava sendo cuidado pela minha mãe, recebendo curativos e massagens nas partes que doíam. Meu pai o usava como saco de pancadas quando ficava estressado, e apenas fazia isso quando eu estava longe. Talvez ele tivesse medo de mim, mas ao mesmo tempo eu sempre fui incapaz de fazer alguma coisa a respeito.

Depois de tomar meu café, saí de casa e voltei para o campo, um pouco distante da casa de Zhang. Ao lado de um lago que também era um ponto de pesca, Ren Suzuki me esperava para começarmos a praticar. Ele estava com mais um livro nas mãos e um sorriso singelo.

— Tsuki! Olha! — ele correu até mim, ansioso. — Encontrei um livro de feitiços antigos. São bem complexos, da era em que a magia foi descoberta pelas pessoas. Talvez algum feitiço daqui te ajude com a parada de lutar sem enxergar.

— Você acha que eu consigo aprender um feitiço da era primordial?

— Sim! Você tem bençãos celestiais, por que não conseguiria?

— Eu não sou nenhum gênio, Ren… Mas nós podemos tentar, eu acho.

Passamos algum tempo procurando algum feitiço minimamente útil para esse tipo de situação naquele livro. Apareciam nomes importantes da época antiga e os feitiços desses magos lendários. Minha curiosidade foi despertada quando encontramos o nome “Lity Numinor”.

— Olha, o rei demônio! Imagine só se você conseguisse aprender um feitiço que ele usava! — exclamou Ren, claramente abraçando a ideia.

— A Alquimia dele era adaptada em um estado astral chamado singularidade. A minha Alquimia sequer tem adaptação… Como é que você espera que eu use algum feitiço de Lity?

— Bom, tem um aqui que talvez seja útil. Invoca uma lua minguante no céu… Ela era considerada um símbolo da morte, pois quando Lity a invocava, a barreira entre o Abismo e a realidade se distorcia, fazendo com que os demônios voltassem da escuridão.

— E no que isso vai me ajudar?

— Aqui diz que uma das propriedades da lua é criar um campo de magia que funciona como um rastreador lunar. Isto é, qualquer coisa que entre em contato com esse campo de magia fará você sentir o movimento. Seria como enxergar sem poder ver.

Na época eu achei a ideia ridícula e completamente impossível, mas não custava nada tentar. Eu também não sabia dos riscos que isso poderia ter.

— Então vamos lá — começou Ren. — Aqui diz que Lumen Solidáriun exerce uma quantidade de Alquimia extremamente absurda, mas o problema não é liberá-la, e sim controlá-la no sangue. Invocar e manter a lua no ar requer um controle da própria corrente sanguínea de maestria de nível Saikai… Mas acredito que você consiga efetuar. Mas se você falhar…

— Ok, ok, já entendi — afirmei, mas eu não sabia o que me aguardava. — Liberar energia e controlar o fluxo… achei que fosse mais complicado. — Eu ergui dois dedos em frente ao meu rosto, e uma aura de Alquimia dourada emanou calmamente do meu corpo. — Lumen Solidáriun.

De início, nada aconteceu. Mas após alguns segundos eu senti uma dor que pensei que nunca iria sentir na minha vida inteira. Eu sentia o sangue ferver por baixo da pele, meus braços começaram a tremer, minha visão embaçou e um zumbido adornou meus ouvidos. Eu lentamente caí sentado no chão, Ren tentava gritar pelo meu nome mas eu não podia ouvir, nem responder, nem me mexer. Meu cérebro simplesmente havia parado de funcionar, enquanto eu podia sentir o sangue subindo até ele como se fosse explodir.

— Tsukasa!!

— Meow!!

Kuro e Ren estavam ao meu lado quando eu finalmente acordei daquele tranze. Não sabia quanto tempo havia durado, mas a expressão de Ren já me dava a resposta de que não foi tão rápido quanto foi para mim.

Ren me estendeu a mão e me ajudou a levantar. Kuro parecia aliviado também.

Quando tudo se acalmou, Ren se aproximou de mim e me deu uma máscara branca de kitsune em que os olhos dela estavam fechados.

— Para que isso?

— Não adianta nada treinarmos aqui com você de olhos abertos. Eu não tenho nenhuma venda então acho que isso vai servir.

Olhei para a máscara em minhas mãos, e então olhei para Ren novamente.

— Por que você tem uma máscara que não dá para enxergar com ela?

— É um acessório de parede, mas dá para usar no rosto. Vai, coloca aí.

Hesitei da mesma maneira que hesitei para colocar a venda antes, mas então lentamente coloquei a máscara branca de kitsune. Eu não podia ver absolutamente nada com ela.

Conforme íamos praticando, tentávamos novamente usar o feitiço. Talvez com adrenalina eu seria capaz de efetuar pelo menos por um instante. Mas na terceira tentativa, vimos que aquilo não daria certo.

— Lumen Solidáriun!

E o mesmo efeito se repetiu. Meu corpo parecia paralizado enquanto o sangue aquecia e subia para o meu cérebro. Novamente eu não sabia quanto tempo durou, mas quando eu retornei, Ren parecia desapontado.

— É… realmente, você não é nenhum gênio.

— Eles estavam errados sobre mim. Eu não sou o mais forte, nem o mais habiloso. Eu sou só… rápido demais.

— Bem… se esse é o caso, teremos que usar outra técnica. Você vai apenas defender enquanto eu vou atacar você… tente achar uma brecha para me atacar. Foi o que Zhang te disse, não foi?

— É… foi exatamente o que ele ensinou.

De repente, uma terceira pessoa apareceu. Estava assistindo esse tempo inteiro.

— Logo você falhando, Tsukasa? Pensei que fosse o escolhido.

Uma garota com cabelos alaranjados e olhos roxos. Naquela época, era uma das pessoas que eu mais odiava.

— O que você quer, Akane?

— Ha! Nada, nada. Só estava passando. Só fiquei impressionada que o grandioso aqui não consegue fazer um simples feitiço.

— Some daqui, Hiroyuki! Ninguém te chamou — bravejou Ren, meio irritado.

Akane riu, e então seguiu seu caminho pelo bosque. Ela pensava que eu também concordava com o que os outros pensavam de mim, que eu era capaz de derrotar um deus ou algo do tipo. No fundo, eu queria de verdade que ela soubesse o quanto eu odiava essa ideia também.

Em seguida, nós fizemos o treinamento que Ren disse pelo resto da tarde, até o sol começar a se pôr. Eu estava pegando o jeito da coisa, prever o próximo passo de Ren apenas pelo som se tornou fácil demais. Meu segundo senso de direção, era o som.

Mas Ren também era muito exibido na época. Quando eu finalmente encontrei a brecha para atacá-lo, ele usou o seu poder contra mim. Meu corpo foi forçado contra o chão, me deixando parado no mesmo lugar. Como se três toneladas estivessem se firmando contra minhas costas. O poder de Ren, que não vinha da Alquimia e sim de seus olhos, era o poder da gravidade.

— É! Você quase conseguiu. Com certeza vai impressionar o mestre Zhang quando voltar!

Ofegante, eu tirei a máscara e entreguei ao Ren. Treinamos a manhã e a tarde inteira, eu não aguentaria mais uma rodada. Kuro se esfreregava na minha perna, aparentemente orgulhoso dos meus resultados.

— Obrigado, Ren… Bem, acho que preciso voltar agora. Não posso deixar Arashi sozinho por tanto tempo. Se cuida, e vê se não se esquece de me ver lutando contra o Zhang amanhã.

— É, eu sei. Quando chegar a hora eu vou estar lá. Até amanhã então, Tsuki…

Kuro me acompanhou mais uma vez até em casa pelo bosque, e Ren fez o seu caminho para voltar à cidade de Tóquio. Ele também estava bem cansado de todo aquele treinamento, estava procurando alguma loja para poder comer alguma coisa. A rua estava deserta, e foi então que ele avistou alguma coisa em cima de uma casa.

— Hum? O que é que aquele cara tá fazendo ali em cima? Tá me encarando… que estranho.

O jovem tinha cabelos alaranjados como o fogo, e olhos roxos assim como os de Ren, olhos que também se pareciam muito com os de San Hiroyuki. Ele sacou sua espada negra e desceu para as ruas, ficando de frente com Ren.

— Olá — disse o jovem, com um sorriso. — Me chamo Kazuma Hiroyuki. Estou procurando por um garoto chamado Tsukasa Hayami… Suponho que você saiba onde ele esteja.

Ren viu a espada negra mas mãos de Kazuma, e percebeu que aquilo não parecia boa coisa.

— Infelizmente, não sei de quem você tá falando.

— Não sabe? Bem, vou perguntar a outra pessoa então…

— Tudo bem — respondeu Ren, e então voltou a caminhar. Ainda em alerta com a presença de Kazuma.

— Espera aí. Ainda tem uma coisa que eu queria te pedir.

Ren estranhou, mas então se virou para ver Kazuma mais uma vez, e o olhou sombriamente.

— O que é?

— Seus olhos… são tão bonitos quanto os meus. Mas os seus fazem uma coisa que os meus não fazem. Então… poderia me emprestá-los, só por um momento?

Kazuma ergueu a sua espada negra, e naquele momento, Ren sentiu uma ameaça naquele jovem.

Notas:

Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.

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