A Última Ordem Brasileira

Autor(a): Hanamikaze


Volume 2 – Arco 1

Capítulo 37: A Casa dos Miller

O novo objetivo foi denominado. Agora a próxima parada seria Ice Rings, em busca de reencontrar a vidente do antigo vilarejo esquecido. Kali Iyer tirou um pequeno frasco de dentro de seu casaco, que continha grande quantidade de Alquimia dentro. Quando o abriu, uma magia saiu estrondosamente e correu até a estrada, começando a materializar aos poucos uma nave espacial inteira. Feiticeiros costumavam guardar suas naves de Alquimia em pequenos recipientes como aqueles. Hifumi também fazia isso com suas naves.

A nave de Kali tinha um formato parecido com uma adaga reta. Era bem fina, e bem pontuda também. A energia vermelha traçava o caminho energizando as linhas que contornavam a carcaça da nave, e os visores brilhavam por fora, ofuscando a visão para que ninguém pudesse ver lá dentro. A luz que irradiava do visor era vermelha também, como se fossem dois olhos sanguinários.

— Ooh! Essa é sua nave, Srta. Iyer? — perguntou Arashi, já ficando entusiasmado.

— Sim. Podemos usá-la para viajar até Ice Rings. — O grupo foi entrando na nave um por um quando a porta se abriu, e as pequenas escadas se estenderam até o asfalto. Kali entrou por último, e antes de passar pela entrada, deu uma última olhada para a nave do lado de fora. — Chamo ela de Afrodite… pois sua beleza me encanta como uma poção do amor.

Se passaram algumas horas desde que a nave havia decolado. Voava pelo espaço em velocidade extrema, até mais rápida que Falcon, a nave favorita de Hifumi. San estava tentando ganhar uma partida de Likkho contra Kyoko, mas ele era péssimo neste jogo. Consistia em dois jogadores controlarem uma moeda no chão com suas Alquimias, e então a moeda rolaria ao encontro da outra. Assim, os dois colidiriam as moedas até que uma fosse derrubada, e o vencedor ficaria com as duas. Porém, para a surpresa de ninguém, San era horrível nisto.

Cornélia estava bem no fundo da nave junto de seu cyborg, Aiden. Ela estava sentada em uma poltrona vermelha bem confortável, que só de estar sentada ali a deixava tão sonolenta que teve que pedir a Aiden que lhe desse leves choquinhos para que ela não adormecesse a viagem inteira. Cornélia adorava ver a vista do espaço nesse tipo de viagem, e obviamente não poderia apreciar se estivesse dormindo.

— Sabe, Aiden… por que me salvou naquela hora? Você parecia… com raiva…

— Fui programado para servir e proteger o proprietário, que no momento, é você, Srta. Cornélia. Sinto muito se não estou desempenhando bem esta função.

— Hum, deixa para lá… esqueci que você é só um robô idiota, não deve sentir nada mesmo…

— Deseja que eu entre em um modo mais afetivo, Srta. Cornélia?

— Não, Aiden, não precisa fazer nada…

Arashi estava no banco ao lado de Kali, que estava pilotando a nave. Arashi estava apaixonado pelo design daquele painel de controle. O material que o compunha era negro, com várias linhas vermelhas brilhantes passando entre os botões. Pequenas bolhas e flashes de energia eram visíveis passando pelas linhas.

— Você parece bem experiente com isso, já trabalhou em alguma corporação espacial ou algo do tipo? — perguntou Amélia, se aproximando do banco de Kali, que estava pilotando a nave.

— Não, na verdade não. Sou apenas uma amante das estrelas, que ama explorar e conhecer novas constelações.

— Entendo… — Amélia olhou para os cabelos de Kali, e percebeu que estava adornado por uma corrente de cabeça, normalmente usada pelo povo do deserto. Eram pequenas pedrinhas de ouro em um cordão, com várias jades vermelhas em sua extensão. — O que são essas jóias? Posso ver?

Amélia ficou encantada com o brilho das jades vermelhas. Não pôde esperar a resposta de Kali, e lentamente levou a mão até a jóia. Porém, uma voz a despertou para a realidade.

— Amélia — disse Luke, do outro lado da nave.

— Ah! Oh, claro. Me precipitei.

Amélia logo se afastou de Kali, e retornou para o lado de Luke. O jovem samurai olhou para Kali, desconfiado. Ela retribuiu com um sorriso, acompanhado de um olhar profundo de seus olhos vermelhos como sangue quente.

Não demorou muitas horas para que avistassem de longe o planeta congelado. Um pequeno planeta coberto por gelo e neve, adornado por três grandes anéis de gelo que flutuavam ao redor dele. A característica única dos anéis de gelo, e a fascinante história deles era o que dava o nome daquele planeta, “Ice Rings”.

Quando pousaram, todos saíram da nave um por um e então Kali puxou novamente seu pequeno frasco para fora de seu casaco, e sugou a Alquimia da nave para dentro do recipiente.

— Bom, já estamos aqui. Agora precisamos encontrar a casa dos Miller — disse Kali, tampando o frasco com uma rolha e o guardando novamente entre seu casaco branco e vermelho. — Tem alguma ideia de onde possa ficar o vilarejo, San, Arashi?

— Não… estamos no meio do nada aqui. E faz um ano desde a última vez que estivemos em Ice Rings, não faço a menor ideia de como chegar até lá — explicou San, e Arashi concordou, acenando com a cabeça.

— Bom, e o que podemos fazer então… — disse Kyoko, olhando para baixo, pensativa.

O clima estava bem frio, com o vento levando a neve consigo. As árvores de tronco escuro tinham suas folhas cobertas por pura neve, e as folhas se moviam com a forte ventania. A respiração de todos, menos de Aiden, era visível e abafadas pelo ambiente, como pequenas nuvens.

— Hum? Achou alguma coisa, Luke? — perguntou Amélia, do nada. Luke não havia dito nada, mas aparentemente ele queria mostrar alguma coisa. Ele se virou para a direção que queria, e apontou para uma pequena cabana isolada entre as árvores.

— Espera… aquela não é a cabana da Myaku?! — exclamou Arashi, e San ficou animado também. Os dois correram até a pequena cabana de madeira, e o resto do grupo acompanhou lentamente, deixando suas inúmeras pegadas marcadas na neve. Porém, o vento forte logo fazia a neve cobrir as pegadas novamente.

Arashi e San subiram as escadinhas até a sacada da cabana, e bateram na porta algumas vezes. Segundos depois, nenhuma resposta. Arashi tentou mais uma vez, e sem respostas de novo.

— Eeei! Myaku! Somos nós, se lembra?! Tem alguém aí?!

Não teve nenhuma resposta, apenas o assobio do vento vindo atrás da cabana.

— Não deve ter ninguém em casa — comentou Kyoko.

Logo, Arashi abriu a porta da cabana. Realmente, estava vazia e a lareira estava apagada. San e Arashi ficaram levemente frustrados. Realmente estavam com uma certa saudade de Myaku Yukari, mesmo ela sendo uma das membras da organização mais encrenqueira da galáxia, a Nakamori. Seu codinome na organização era “Ruby”.

O grupo entrou na cabana para se aquecer. San apontou um dedo para a lenha na lareira, e uma faísca de chamas correu até a madeira, acendendo o fogo e aquecendo o interior da cabana. Arashi ficou xeretando as tralhas de Myaku, até que encontrou algo interessante nas gavetas. Era um mapa bem antigo e bem estranho também.

— Olhem só isso aqui! — exclamou, jogando o mapa aberto por cima da mesa. — É um pergaminho bem velho.

O mapa estava completamente ofuscado por nuvens acinzentadas que se mexiam, como se fossem de verdade, mas estavam dentro do papel.

— Interessante… — começou Kali, se aproximando da mesa. — É certamente uma magia bem antiga lançada pela Hyoten no Megami. A Saikai do gelo não decepciona… Bem, acho que posso dar um jeito nisso.

Kali segurou um cabo de madeira que estava encostado à parede junto de algumas ferramentas, e o aproximou de um de seus anéis. Este em questão, tinha uma jóia esbranquiçada como gelo. Conforme ela foi passando o cabo pela jóia, ele foi adornado pelo frio e gradualmente congelando-se. O pequeno traço de vento era visível passando e o congelando, mas este tinha uma cor azul bem mais escura.

Quando o cabo inteiro foi coberto por aquela magia, Kali aproximou a ponta da madeira às nuvens no mapa. Logo, as nuvens se afastaram, mostrando um pequeno ponto ao redor do cabo no mapa. O local que Kali iluminou era exatamente em cima do reino de Hyoten.

— Incrível! Srta. Iyer é capaz de lidar com esses artefatos antigos, então.

— Talvez, alguns.

Kali continuou deslizando o cabo congelado pelo mapa, abrindo um rastro pelas nuvens. Encontrou a pequena cabana de Myaku no mapa, e então deslizou mais um pouco, encontrando uma floresta de árvores vermelhas. E bem no centro desta floresta, um vilarejo ocultado pela neblina.

— É esse mesmo! Me lembro bem dessas árvores. Encontramos! — afirmou Arashi.

— Me pergunto onde será que está a Myaku essas horas… — disse San.

— Myaku Yukari deve estar em Cyberion, se preparando para o Coliseu Anisium — respondeu Kali.

— Coliseu Anisium? Você conhece a Myaku, Iyer?

— Podemos dizer que sim.

A viagem caminhando até o antigo vilarejo oculto foi longa. Por mais que Ice Rings fosse um planeta pequeno, a distância entre a cabana de Myaku e o vilarejo não deixava de ser um pouco extensa. O cachecol de San voava como uma cauda com a ventania. O clima estava bem frio, porém a luz que irradiava do cabelo de Kyoko acabava esquentando um pouco em torno dela. Todos estavam aglomerados ao redor de Kyoko para não passarem frio, enquanto Kali liderava o caminho, com uma expressão curiosa para investigar a situação dos Miller.

Quando adentraram na floresta de árvores escuras de folhas vermelhas, perceberam que já estavam bem próximos do vilarejo. No mapa, ele ficava ocultado bem no centro daquela floresta em que as árvores poluiam cada vez mais a visão e os arbustos consumiam os arredores do caminho esbranquiçado pela neve.

Aiden não era capaz de sentir frio, mas estava preocupado com o estado de Cornélia. Então, traçou o caminho todo por trás da jovem com os braços enrolados no pescoço dela, liberando um pouco de calor para aquecê-lá. Era natural que Aiden sempre tentasse deixar Cornélia o mais confortável possível, por isso ela não ficou surpresa com o ato do cyborg.

Quando atravessaram à orla da floresta, tiveram uma visão surpreendente. O vilarejo estava afundado em um amontoado de neve densa, com várias estacas de madeira espalhadas aleatoriamente pela neve, como se as casas tivessem sido levadas por uma avalanche.

— O que raios aconteceu por aqui?! — exclamou Arashi, intrigado.

O vilarejo havia sido completamente soterrado pela neve de alguma forma. Talvez todos os aldeões estivessem mortos, ou então evacuaram a vila antes que o desastre acontecesse. Superficialmente, não eram visíveis rastros ou vestígios de corpos ou utensílios pela neve também, o que mostra que talvez, eles tenham evacuado o vilarejo antes da catástrofe.

Logo adiante, um homem de chapéu preto e vestes pretas vinha se aproximando com uma espingarda na mão. Quando se aproximou do grupo, apontou-lhes a espingarda ofensivamente.

— Quem são vocês?! São Mysthrums? — Logo, o guarda avistou Arashi e San, e os reconheceu. — Oh! São vocês, os feiticeiros que capturaram a cobra. Se este é o caso, bem-vindos de volta. Desculpem-me pela inconveniência.

— Está tudo bem, Joe — exclamou San. — Mas o que aconteceu por aqui afinal?

— Foi Hyoten… do nada ela decidiu que não precisava dos vilarejos e colônias além do próprio reino dela, e nos deram cinco dias para evacuar todas as vilas, pequenas cidades e aldeias em Ice Rings que estavam presentes no mapa dela. Ninguém sabe o porquê dessa decisão, mas assim foi feito. Alguns tiveram que deixar o planeta ou se virar sozinhos pela floresta. Muitos perderam suas vidas… Hyoten não é uma deusa, é uma tirana.

 — Como ela foi capaz de aniquilar seu próprio povo dessa maneira? — questionou San, com a memória de Zephyria Astralis vindo à tona, que tinha feito o mesmo que Hyoten em Nephthar, porém, ela não deu avisos.

“Zephyria!” pensou San. “Por que não me contou sobre o que Hyoten estava fazendo por aqui?”

“Eu não sei de tudo que acontece no universo, San. Muito menos sobre os assuntos em Ice Rings. Este planeta é tão isolado que eu sequer consigo sentir a presença de um Saikai Primordial vindo de lá.”

— Eu não sei — respondeu Joe. — Ninguém sabe…

— E para onde foram as pessoas do vilarejo então?

— Nós tivemos que deixar nossas casas. Nos unimos e nos ajudamos, tendo que viver na floresta e dormir ao relento. Suportar todo aquele frio foi um inferno… um inferno gelado. Isto durou uma semana inteira, até que encontramos nossa nova toca. Uma caverna bem esquisita no norte, que tinha toda uma estrutura em seu interior. Os que sobraram conosco agora estão todos morando naquela caverna, como uma nova civilização subterrânea.

— Entendo… mas, você sabe onde fica a casa da Srta. Miller? Estamos no meio de uma investigação aqui.

— A casa da senhora Eva? Bom, ela não foi completamente soterrada pela neve. Na verdade, foi a única que resistiu à avalanche. Mas Eva não vive mais lá, ela migrou para a caverna também. Mas se quiserem dar uma olhada na casa, fiquem à vontade, irei os guiar até lá.

Joe liderou o caminho pelos amontoados de neve que preenchiam o antigo vilarejo, e o grupo o acompanhou. A única casa ainda de pé em toda aquela neve era a casa dos Miller, uma casa de dois andares, bem antiga, e que coincidentemente era idêntica a casa número 4 na rua Dogenzaka em Shibuya.

— Perfeito… vamos dar uma olhada então — disse Kali, e Arashi se aproximou da entrada. A porta estava com bastante neve tampando-a embaixo, mas não era o suficiente para tapar a passagem. Ele e San fizeram um certo esforço para empurrar a porta enquanto a neve se arrastava para dentro da casa.

A casa da Srta. Miller era idêntica a casa 4 por dentro também. E mesmo com aquela catástrofe em Ice Rings, a casa parecia intocada por dentro. Ainda tinha um aspecto bem velho, com teias de aranhas nos cantos e uma madeira bem deteriorada.

O grupo dessa vez decidiu não se espalhar como antes. Todos andaram em conjunto, com Kali liderando o caminho. Joe ficou do lado de fora esperando que eles saíssem, pois aquela casa ainda lhe dava um certo arrepio.

Amélia se aproximou de uma das paredes, e alisou a madeira com uma mão, tirando a poeira. Ela pôde sentir uma energia bem diferente vindo da estrutura daquela casa.

— Espíritos viviam aqui…

— Consegue sentir o rastro? Interessante… — comentou Kali, se aproximando do balcão da cozinha. O grupo ficou junto de Amélia, fazendo perguntas sobre o que ela estava sentindo em relação a casa. Enquanto isso, em cima do balcão, Kali encontrou algo curioso. Uma adaga de ferro com runas gravadas nela, e rachaduras amarelas que brilhavam fracamente. — Hum… — ela guardou a adaga em seu casaco, e se uniu aos outros novamente. — Certo, não tem nada de diferente nesta casa. Temos que encontrar a própria Eva Miller. Vamos seguir o guarda florestal…

Logo, todos deixaram a casa abandonada dos Miller. Joe liderou o caminho até a caverna em que o povo do vilarejo estava vivendo agora. Ela ficava de frente para um lago congelado, e em frente à caverna, havia o grande corpo de um Yeti congelado com uma de suas mãos faltando. O Yeti estava tentando se arrastar para fora do lago antes de ser congelado por Tsukasa a muito tempo atrás.

A caverna tinha a aparência de uma cobra com a boca aberta, e quatro presas ao redor de sua mandíbula. Seus olhos brilhavam com duas tochas presas no centro.

— Espera, vocês estão vivendo nessa masmorra? — perguntou Arashi. — Já passei por aqui antes… se não me engano, Ishida estava preso aqui, não é, Ishida? — Arashi olhou para o grupo, e não viu Ishida em lugar nenhum. — Onde é que está o Ishida?!

— Não me diga que o deixamos naquela casa asquerosa! — exclamou San, ficando angustiado pelo amigo.

— Não, não se preocupem — disse Kyoko. — Ele está aqui. Tinha se transformado para que não se perdesse, quando viu que aquela casa podia mudar a própria forma…

— Se transformado? Como assim?

No ombro de Kyoko, havia um pequeno passarinho preto, aconchegado, dormindo. Ele já estava ali fazia um bom tempo, e aparentemente dormiu a viagem inteira.

— Saia daí, Ishida! — vociferou San, com um pouco de ciúmes.

Logo, o passarinho acordou de seu sono profundo e voou, dando voltas no ar até pousar na neve, e lentamente retomar a forma do bruxo envolvido pelo manto, Ishida Majutsu.

— Ele é assim mesmo, se transforma e dorme no meu ombro para não ter que fazer nada.

— Como é que você deixa uma coisa dessas acontecer?!

Ishida coçou a própria nuca, meio constrangido, mas ao mesmo tempo segurando para não rir do rosto avermelhado de San pelo ciúme. Kali logo se aproximou de San, e acariciou a bochecha dele. O rosto dele ficou mais vermelho ainda, mas dessa vez era de constrangimento. Logo ele se calou e todos seguiram para dentro da masmorra.

Joe puxou um lampião que estava amarrado em sua cintura, e todos seguiram. Pelos corredores, várias pessoas cobertas por mantos marrons encapuzadas passavam, desviando olhares tortos para os feiticeiros que perambulavam em seu novo território. Passaram por vários corredores e salas, até que chegaram à uma porta no fim de um dos corredores. Joe abriu a porta, e Eva Miller nem lhe deu tempo para dizer uma palavra.

— Mande-os entrar, Joe.

Todos entraram naquela sala, e uma espécie de ritual estava em andamento. Um grande pentagrama verde desenhado no chão brilhava abaixo de uma cadeira com um Mysthrum atormentado amarrado por correntes de aço. Eva estava fazendo movimentos lentos com as mãos em volta da cabeça do Mysthrum, com olhos fechados, enquanto profanava palavras indecifráveis.

Ela de repente ergueu as duas mãos, e uma alma negra saiu das narinas e da boca do Mysthrum, purificando-o e o tornando um humano normal novamente. A alma negra se acumulou em uma esfera nas mãos de Eva, como uma nuvem de fumaça redonda.

— Olá, Hiroyuki, Hayami, Yoshizawa, Iyer, Majutsu, os Harris, o cyborg e a jovem das cidades grandes. Por favor, sintam-se à vontade para perguntarem qualquer coisa que desejarem a mim.

Eva caminhou com a alma corrompida até um caldeirão com água morna, e lentamente colocou a esfera de fumaça dentro da água, que acabou ficando completamente negra. Aquela água se tornou sangue de Mysthrum.

— Então, Srta. Miller, estávamos interessados em saber mais sobre… sua residência em Tóquio, que anda causando certo desconforto nos moradores de Dogenzaka — explicou Kali, se aproximando lentamente e então cruzando os braços.

— Ah, é claro… Aquela casinha antiga. Bom, não há muito o que dizer sobre ela… antes de nos mudarmos para Ice Rings, morávamos em Tóquio, naquela casa. Éramos uma família comum, bem próspera e sem problemas aparentes. Mas apenas decidimos mudar de cenário e então viemos para Ice Rings, e com magia, instalamos uma casa idêntica à nossa antiga naquele pequeno vilarejo. A casa em Shibuya ficou abandonada desde então.

— Entendo… realmente não existe nenhum motivo… alarmante para vocês terem deixado aquela casa?

— Que eu me lembre, não, Srta. Iyer — Eva juntou as mãos à frente da cintura gentilmente. O homem que havia sido purificado ao lado estava desmaiado, porém fazia grunhidos estranhos periódicamente. Aparentemente, mesmo que uma pessoa deixasse o sangue de Vorthis Crepitus para trás, haviam sequelas e efeitos colaterais.

— Sei… — disse, e então colocou a mão por dentro do casaco. — Então me diga, o que é isto aqui? — Kali tirou a adaga de ferro com rachaduras amareladas que tinha achado na casa dos Miller um pouco antes.

Eva ficou paralisada ao rever aquela adaga. Sem palavras, deu um passo para trás. Sua expressão pela primeira vez era de um certo desespero.

— Algum problema, Srta. Miller? — perguntou Ishida, sentindo algo estranho vindo dela.

— Não… não é nada. Nada mesmo. Mas se querem saber o real motivo de termos deixado aquela casa… eu acho que não é problema se eu os mostrar…

Eva se afastou até uma bola de cristal que estava em cima de uma mesa. Ela deu um leve toque na bola, que começou a refletir imagens. Talvez, memórias da própria mulher. Uma casa escura e mal-iluminada, assim como a casa dos Miller era. Ao fundo, uma criança de cabelos prateados no fim do corredor. Aparentemente estava maluca, transtornada e passando por uma crise. A criança estava tentando matar seu próprio irmão mais velho, de cabelos louros. O pai não estava em casa. Pelo menos, era o que Eva achava.

— Oh meu Deus, Jeff! Jeff! Me ajude! Sua filha enlouqueceu, Jeff!

O marido não respondeu. Estava no andar de cima, foi a última vez que Eva o tinha visto antes do destino final.

— Papai está dormindo, mamãe… — murmurou Charlotte, com uma faca ensanguentada nas mãos, e seu próximo alvo era Oliver, que estava desesperado se arrastando contra a parede.

— Charlie! Para! Largue isto!

Charlotte não a ouvia mais. Estava com um sorriso diabólico marcado em seu rosto, com as vestes e os cabelos prateados ensanguentados. Prestes a matar Oliver, filho de Eva, bem diante dos olhos dela. Ela não podia deixar que aquilo acontecesse, aquilo não podia acontecer. A primeira coisa que ela achou, foram algumas lâminas presas à parede. Eram as armas que Jeff utilizava no trabalho. Eva logo segurou uma adaga e partiu para cima da própria filha, e a apunhalou pelas costas, antes que Charlotte pudesse reagir.

Naquele momento, Charlotte gritou. Um grito agudo o suficiente para estourar os tímpanos. Seu corpo começou a brilhar, e a ferida criava rachaduras pela adaga e pelo corpo de Charlotte. Rachaduras amarelas, prontas para selar a alma da garota dentro da arma. Este era um dos selos de Eva, que estaria usando em sua própria filha. Mas não foi suficiente, Charlotte foi capaz de escapar, deixando apenas seu corpo morto ao chão, ensanguentado. A alma de Charlotte era forte o suficiente para abandonar o selo antes que se concluísse, mas ainda assim não deixou o corpo físico. A garota se tornou uma mistura de espírito com pessoa viva. Seu corpo, intangível e prateado, mas podia encarná-lo repentinamente, sem controle de seu próprio estado.

A bola de cristal se apagou, e todos olharam boquiabertos para a Srta. Miller.

— E foi por isso. Dois cadáveres amaldiçoando aquela casa… meu falecido marido, Jeff, e minha própria filha, Charlotte… Eu e Oliver fugimos para Ice Rings, mas eu acabei o perdendo também. Perdi meu marido, meus filhos, minha casa, meu vilarejo…

O clima ficou melancólico. Ninguém ficou feliz em descobrir a verdade, porém, agora sabiam o que estava assombrando aquela residência. Era a alma abandonada de Charlotte, incapaz de voltar a um corpo totalmente físico, incapaz de ter uma morte digna, e também incapaz de se tornar um espírito por completo.

Porém, Eva acabou por quebrar o clima. Notou uma energia vindo de San, uma energia que nunca sentiu na vida. Vendo por trás do cachecol, ela viu a marca do X irradiar um brilho avermelhado. Eva se precipitou, e ergueu uma mão na direção do pescoço de San. Mas o movimento logo foi parado por Kali, que segurou a mão da mulher.

— O que pensa que está fazendo, Miller?

Eva olhou com um certo desgosto para Kali. Uma energia verde vagando pelas suas veias e seus olhos. Mas logo, Eva desviou o olhar para o fundo dos olhos de San, e ali, ele foi condenado.

Notas:

Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.

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