Volume 2 – Arco 1
Capítulo 34: Aprisionado aos Espíritos
San continuou a observar aquela mulher à sua frente. Ela tinha um sorriso atraente, que permanecia na mente. A mão esquerda da mulher acariciava o rosto de San, Yami e Yui observavam atrás, confusas. San pareceu paralizado no primeiro momento, mas então seu corpo arrepiou e ele retornou a realidade.
— Como você…
— Senti a calamidade envolvida na sua mente… e apenas fiz com que parasse. Se sente melhor agora?
— Acho que sim… obrigado.
Kali Iyer observou os três jovens de cima a baixo. Seus olhos vermelhos penetravam na alma, deixando uma presença superior acima deles.
— São feiticeiros? Da Infinity Astra talvez…
— Uhum! — exclamou Yui. — Você é alguma amiga do San?
Por mais que aquela pessoa fosse estranha, e tenha vindo com uma aparição repentina, ela não passava desconfiança para Yami ou Yui. Na verdade, sua presença dava uma sensação de segurança a elas, como uma mãe protetora.
— Não sei — disse Kali. — Se ele desejar, sim.
San ficou sem resposta. Estava desconfiado, mas ao mesmo tempo não conseguia suspeitar muito. Não conseguia sentir desconforto na presença daquela jovem. Porém, sua mente ainda estava focada em outra coisa. Olhou para os telões nos prédios, mas não exibiam mais os relógios romanos. Agora transmitiam variadas propagandas comerciais.
— Que esquisito…
— Algum problema, meu bem? — perguntou a jovem, levando a mão da bochecha de San até o cabelo.
— Acho que não… é só impressão. Enfim, obrigado senhorita Iyer. Bom, precisamos ir para a Corp logo.
San deixou Kali para trás, e as outras duas o acompanharam. Kali os observou, com um sorriso agradável.
A personalidade de San havia mudado um pouco desde o ano anterior. Ele se tornou um pouco mais rude que antes, talvez por ter se acostumado às missões e a lidar constantemente com situações e pessoas complicadas. Realmente, no começo era mágico, mas com o passar do tempo passou a ser desgastante.
Demorou um pouco até que chegassem à sede da Infinity Astra. Eram três grandes prédios pontudos, com um anel dourado em volta deles, simbolizando os anéis de um planeta. Entre os três prédios, havia uma energia radiante. Assumia o formato de uma estrela rosada. E para concluir, havia um letreiro mágico que brilhava entre os prédios à frente da estrela, exibindo o nome “Infinity Astra”.
Os três entraram, e San se separou de Yami e Yui. Elas tiveram que pegar o elevador para ir até o Plumo Astral, que era uma mesa holográfica que exibia todos os pontos do universo como um mapa interativo. Esta ficava no último andar do edifício, e era lá que as equipes se reuniam para discutir as comissões. San seguiu em frente pelo salão de entrada, e a recepcionista o recebeu com um alegre boa-tarde, como de costume. Ele acenou para ela, e então passou direto.
Logo avistou várias pessoas reunidas pelos corredores do térreo. Dentre essas pessoas, estavam Arashi Hayami e Kyoko Yoshizawa, conversando juntos. Arashi era um dos companheiros de San em sua equipe. Era um pouco estúpido, porém conseguia lidar bem com as situações. Tinha longos cabelos negros, amarrados, e olhos azuis. Estava usando uma camisa preta com uma jaqueta de couro, e calças pretas.
Kyoko Yoshizawa, uma garota bem próxima de San. Era da equipe Z, mas sempre estava andando junto de San nos tempos livres. A relação entre os dois não passava de amizade até então, mas San não poderia deixar de admitir que sentia algo quando estava junto de Kyoko. Ela tinha cabelos dourados e brilhantes, com olhos amarelos cor-de-ouro. Usando roupas completamente brancas.
— Arashi! Kyoko! Cheguei um pouco tarde hoje.
— Ei San! — exclamou Arashi, eufórico como sempre. — Como vai?
— Vou indo. Soube que Hifumi saiu para uma missão secreta, realmente só eu que não fui avisado?
— Bom, acho que sim. Ele saiu hoje cedo… mas ninguém sabe para onde ele foi.
— Assuntos do Kenny — comentou Kyoko, cruzando os braços. — Duvido que seja coisa boa.
Já fazia um tempo que Kyoko desconfiava das atitudes do chefe da Infinity, Kenny Williams. Ela vem o analisando há quatro meses, e era suficiente para estar ciente de que ele não estava exatamente preocupado com o bem-estar das pessoas e sim em seus próprios interesses. Mas querendo ou não, ele ainda se preocupava com a galáxia.
— Acho que você tem razão… — concordou San. — Mas espero que não esteja encrencando o Hifumi.
— Inclusive, o Tsukasa também desapareceu esses dias. Não o vejo faz um tempo.
Tsukasa era irmão gêmeo de Arashi. A única diferença entre os dois era que Tsukasa tinha cabelos mais longos, e estranhamente tinha olhos vermelhos. No ano anterior San havia descoberto um dos segredos de Tsukasa: Ele era líder da Nakamori, a mesma organização que a irmã de San fazia parte. Porém, San nunca revelou isto a ninguém, pois concordou em manter este segredo de Tsukasa consigo como agradecimento por ter salvo sua irmã do câncer.
— Como assim o Tsukasa sumiu?
— Não sei… mas acho que ele está bem. Ele tem o costume de desaparecer do nada, mas não a longo prazo desse jeito — explicou Arashi. — De qualquer forma, ele deve estar bem.
Em um local muito distante da Terra, escuro e úmido, com paredes de metal e jaulas espalhadas por cada corredor. Era como uma prisão, ou um tipo de bunker ou fábrica. No andar de cima do local obscuro, em um corredor acima das jaulas, havia uma figura prateada. Era uma garota adolescente, aparentemente tinha quinze anos. Seu corpo era semi-transparente e prateado, como um tipo de espírito. Estava olhando para as jaulas abaixo, com um olhar mórbido, melancólico.
— Ficando triste novamente? Charlie, Charlie… que ÓTIMO trabalho! — exclamou um homem vindo do corredor. Estava usando um terno vermelho e calças também vermelhas, tinha cabelos loiros e olhos amarelos, e tinha um cajado branco com dados estampados nele. — Suas expressões emotivas são ótimas para nossa apresentação!
— Me deixa em paz, Oliver… — disse Charlotte, irmã mais nova de Oliver, que era a fantasma adiante. O mágico a apelidava de Charlie.
— OLIVER NÃO! — berrou, e então fez alguns segundos de suspense, analisando o cajado que tinha em mãos. — Este nome é fútil… me nomeei como Valaric, e é assim que você vai me chamar… não é mesmo? — perguntou o mágico, Valaric. Charlotte apenas acenou com a cabeça em resposta.
A fantasma continuou encarando as jaulas com receio em seu rosto.
— Eu não quero machucar ninguém, “Valaric”...
— Não… você quer sim — ele disse, e então soltou uma risada de satisfação. — Já o temos em nossas mãos, e é você quem vai arrancar os olhos dele…
— Já disse que não quero matar ninguém!
— Além do Tsukasa Hayami…
A expressão de Charlotte mudou na hora. Olhou um pouco mais adiante, e viu dentro da cela. A silhueta daquele que estava aprisionado e isolado. Era Tsukasa Hayami, com seus longos cabelos negros e olhos vermelhos, vestindo uma camisa preta com calças largas. Ele parecia um tanto entediado.
— Tsukasa… Hayami…
No fundo das memórias de Charlotte, lembrava de estar confinada em uma cela como aquela por muito tempo. Não sabia que lugar era aquele, ela só queria sair dali. Ela só queria que as pessoas gostassem dela, assim como gostavam dele.
As regras eram severas, quase não tinha direito a comida ou água. A sociedade acreditava que ela era algum tipo de monstro por ser uma espécie de fantasma. Naquela época, ainda não conseguia atravessar as paredes pois seu corpo ainda era físico, e era apenas um pouco transparente. Charlotte observava as crianças das celas vizinhas, sofrendo e suplicando para que retornassem para suas famílias. Ver a dor dos outros deixava Charlotte um pouco mais confortável consigo mesma. Mas às vezes os pensamentos começavam a obstruir sua mente.
— Eu matei ele… — dizia ela, repetindo várias vezes na cela. — Eu o matei… não foi culpa minha… Todos eles me odeiam… Mas eu os entendo… eu me odeio também…
Ela estava alucinando na própria cela. Quando olhou para frente, viu uma das jaulas sendo abertas adiante, e uma pessoa seria levada dali. Novamente, era o mesmo garoto. O mesmo garoto que sempre era levado, mas sempre retornava. Charlotte sentia inveja, Charlotte queria ser levada também. Charlotte queria ser testada, Charlotte queria ser alguém.
O semblante daquele que saía da cela aberta em direção aos superiores para ser levado, o garoto de cabelos negros e olhos vermelhos. Na época, devia ter por volta de treze anos de idade. Aquele era Tsukasa Hayami, porém seus cabelos não eram tão longos. Chegavam até a beira do pescoço. Ele desviou o olhar para Charlotte, que o encarava profundamente, invejando sua sorte. Invejando seu corpo, invejando seus olhos, seus cabelos, seus poderes, ele era tão belo… Ele era tão perfeito.
— Por que ele não se mata…? — perguntou ela, sem tirar os olhos de Tsukasa. — Por que ele não se mata? Por que ele não se mata… — sua visão começou a embaçar lentamente, e então ela voltou à realidade. Oliver tentou acalmá-la, pois ela iria enlouquecer. — POR QUE ELE NÃO SE MATA?!
O mágico deu um pulo para trás quando ela berrou, mas então lhe deu um sorriso.
Tsukasa das celas abaixo, disse a ela.
— Vou morrer quando você deixar de ser covarde.
Aquelas palavras afetaram Charlotte por dentro, mas logo ela se recompôs. Flutuou até a cela de Tsukasa abaixo, e o encarou de frente. Ela se aproximou do jovem aprisionado, e o abraçou levemente.
— Eu daria até mesmo meu coração se fosse para ter você… Mas Akane Hiroyuki não permitiria… — disse ela, em um tom de rigidez. — Mas já que eu não posso te ter então… eu vou matar você…
Tsukasa não a respondeu, e apenas se afastou do abraço de Charlotte. Seus braços eram intangíveis no momento, então ele apenas os atravessou.
— Não sei por que toda essa obsessão comigo. Eles me livraram do Gavião naquele dia, você sabe disso…
— Tsukasa… — começou Charlotte, se afastando para sair da cela. — Eu nunca vi alguém mentir tanto quanto você… “Hawk”.
San, Arashi e Kyoko ainda conversavam em Tóquio sobre o que teria acontecido com Tsukasa. Arashi acreditava que ele estava bem, então não estava tão preocupado assim. Mas se ele não aparecesse logo, provavelmente o irmão ficaria desesperado.
— Logo ele aparece, Arashi. Deve estar ocupado fazendo baderna por aí…
San estava ciente que Tsukasa poderia estar tramando alguma coisa com a organização da Nakamori, e por isso desapareceu por tanto tempo. Mas nenhum dos presentes ali imaginava que Tsukasa estaria aprisionado. Todos menos Arashi, que suspeitava que as coisas não iam bem.
— Bom, você já conheceu os novos integrantes da equipe, San? — perguntou Arashi.
— Ainda não… na verdade, eu vim aqui justamente para isso. Já os viu por aí?
— Um deles está bem ali — disse, e então apontou para uma jovem vestindo um quimono branco, parecido com o que Tsukasa usava antigamente. Porém este tinha flores vermelhas estampadas nele. A jovem tinha cabelos castanhos claros, acompanhados por olhos azuis cristalinos. Parecia um pouco perdida andando pela Infinity Astra.
San, Arashi e Kyoko caminharam até ela, acenando amigavelmente. Ela os viu de longe, desconfiou no início, e então devolveu o aceno.
— Olá! — exclamou San. — Suponho que você seja a novata.
— Hum… e eu suponho que você esteja correto. — Ela estendeu uma mão ao San, comprimentando-o. — Amélia Harris, é um prazer.
— San Hiroyuki — retrucou, apertando as mãos. Amélia comprimentou Kyoko e Arashi também. — Falaram que seriam dois novatos… Você sabe quem é o outro?
— É o meu irmão — respondeu Amélia. — Seu nome é Luke Harris. Ele não costuma aparecer em lugares muito… movimentados. Deve aparecer apenas quando chamarem para uma comissão ou eu chamar o nome dele.
— Chamar o nome dele? — perguntou Kyoko.
— Sim. Vocês entenderiam se eu demonstrasse… mas não acho que ele gostaria de aparecer apenas para dizer oi à vocês. Ele não é… muito sociável.
— Saquei. Mas e então, que tal dar uma volta? Sozinha aqui não vai ter muito o que fazer — convidou Arashi.
— Claro, pode ser.
Amélia era uma jovem bem culta e educada. Normalmente andava com as mãos juntas, cobertas pelas mangas de seu quimono. Tratava as pessoas com gentileza, mas também usava poucas palavras. Ela levantou o pulso, e puxou a manga do quimono para descobrir o antebraço. E ali estava um pequeno relógio de pulso, que aos olhos de San, estava rodeado de números romanos. O som dos ponteiros novamente o incomodou ao fundo da alma, e ele foi o primeiro a se afastar, nervoso.
— Vamos sair daqui logo… está meio abafado.
Arashi teve vontade de comentar sobre San usar sempre o cachecol, por isso estaria abafado, porém ele e Kyoko já sabiam sobre o X marcado em seu pescoço. Quando ele lembrou deste pequeno problema, decidiu não comentar nada.
Os sons metálicos continuavam a ecoar pelas paredes daquele confinamento aparentemente subterrâneo. Algum tipo de evento aconteceria em breve, e os funcionários tinham que se apressar para não decepcionarem aquele que estava no comando. O chefe era um tanto lunático e exigente demais. Tudo teria que estar funcionando com exito para que seu show pudesse ser perfeito. Este homem era Oliver Miller, também conhecido como o mágico Valaric.
— Minha doce Charlie! Os portões do Coliseu Anisium se abrirão em alguns dias. — A expressão de Charlotte continuava cabisbaixa, encolhida em frente a jaula em que Tsukasa estava aprisionado. — Deveria se animar mais. Ou melhor, não precisa! Amo sua expressão de frieza! É tão seca, porém tão emotiva! Você definitivamente tem talento.
Valaric seguiu andando adiante pelo corredor, segurando seu cajado em mãos. Desferiu um último olhar rabugento ao Tsukasa antes de deixar o lugar. Ele queria dar um troco no jovem a muito tempo atrás. Já haviam se encontrado em uma nebulosa instável, e o confronto foi completamente favorável ao Tsukasa, que humilhou o mágico Valaric em pleno show. Mesmo sem platéia alguma.
— Oliver é tão estressante… — disse Charlotte, abraçando os joelhos com os braços. Tsukasa não a respondeu, estava com uma bolinha vermelha em mãos. Jogava ela na parede, ela quicava e então voltava para suas mãos. — Por que ele não se mata…
— Você continua tão esquisita quanto antes — disse Tsukasa, jogando a bolinha na parede pela vigésima vez. — Ou acha que ninguém ouvia você alucinar sozinha de madrugada?
— Você não sabe de nada… Você é perfeito, você é lindo… Mas preferiu a lixada da Hiroyuki…
Tsukasa não respondeu. O clima entre eles ficou silencioso por mais alguns minutos, até que ele jogasse a bolinha mais uma vez. — Mas isso já não faz diferença mesmo… não tenho motivos para viver. Virei a merda de um espírito…
— Algum dia você vai encontrar o seu motivo.
— Se é tão simples assim… então qual é o seu motivo de seguir em frente…?
Tsukasa parou de jogar a bolinha, e deixou ela rolar pelo chão até sair da jaula pelas aberturas entre as grades.
— Talvez sejamos semelhantes nisso — disse, e então cruzou os braços, observando o teto composto por camadas de metal. — Porque eu também não tenho nenhum.
Notas:
Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.
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