Volume 1 – Arco 4
Capítulo 24: Vinhas contra Correntes
San agora se encontrava em um lugar estranho à primeira vista, porém, familiar. Um quarto pequeno, com uma cama no canto, um armário feito com madeira de carvalho escuro encostado a parede à direita, uma grande espada recostada bem ao canto do quarto, e um garoto de cabelos alaranjados e olhos roxos sentado em cima da cama de lençol azul. Ao lado, a janela aberta, mas não havia nenhuma paisagem. Apenas uma luz forte o suficiente para tapar completamente a visão a partir dali.
— Perdeu o colar de novo, San? — perguntou o garoto, enquanto virava uma página de um livro sobre magias de fogo. — Akane vai acabar dando seu colar para outra pessoa.
Os olhos de San ainda estavam meio embaçados, não conseguia ver direito. Aparentemente, havia acabado de acordar ali. A pouco tempo atrás estava no hotel… então, que lugar era aquele? Olhou para o garoto à sua frente, e notou que ele estava falando sobre “Akane”. Este era o nome de sua irmã, desaparecida há algum tempo, após ficar em coma por um grave câncer de sangue. O garoto à sua frente, era o seu irmão mais velho, Kazuma Hiroyuki.
— Ka… Kazuma…? — perguntou, esfregando os olhos.
— Sim? — respondeu seu irmão, sorrindo para o garoto.
San o encarou por alguns segundos, e seu corpo tremia. Sua boca estava aberta, paralisada, e seus olhos arregalados como os de uma coruja. Aquele na sua frente era realmente seu irmão, que ele não via fazia anos. Kazuma, desaparecido em uma missão espacial da Infinity Astra.
— Kazuma?! — exclamou, com seus olhos enchendo-se de lágrimas.
— O que foi, San? Você parece assustado — disse Kazuma, levantando-se da cama, e aproximando-se de San, repousando uma mão em seu ombro. — Eu sei, é assustador ver Akane com raiva… então, que tal irmos procurar o colar que você perdeu antes que ela repare?
O garoto, ainda trêmulo, não conseguia responder. Lágrimas escorriam de seus olhos, e pingavam sobre suas roupas abaixo. Kazuma falava algo sobre um colar, e quando San olhou para baixo, realmente não estava usando o colar que dividia com sua irmã. Estranhamente, San sentia que já tinha vivido aquele momento antes.
— O colar… sumiu…? — perguntou, com voz rouca pelo choro, e susto de rever seu irmão após tanto tempo.
— Aparentemente, você o perdeu de novo — respondeu Kazuma, calmamente. — Não precisa chorar… vou te ajudar, ok? Vamos lá, quero ver um sorrisinho nesse rosto feioso.
Sem responder, San demorou um pouco, mas então um sorriso se abriu em seu rosto. Um largo e sincero sorriso, e ele abraçou seu irmão com força. Kazuma pode sentir o desespero do garoto naquele abraço, e o acolheu de volta, dando tapinhas em suas costas.
— Daqui duas semanas é seu aniversário… vai fazer treze anos, não é? — perguntou o irmão, enquanto limpava as lágrimas no rosto do garoto.
— Treze…? — questionou San, confuso. Naquele momento, o garoto já tinha dezesseis anos de idade. Até mesmo fazia parte da mesma corporação que seu irmão, a Infinity Astra.
— Sim, treze. Você ainda tem doze, pequenino… não tente bancar o grandão! — caçoou Kazuma, acariciando a cabeça de San suavemente. O pequeno garoto olhou para baixo, e seu corpo estava relativamente menor do que o comum. Kazuma também parecia bem maior do que deveria.
Ao lado dos dois, sem nem bater na porta, Akane empurrou-a com tudo. Adentrando-se no quarto, e colocando as duas mãos na cintura. A pequena garota tinha treze anos naquela época, e estava aborrecida pois seu irmão mais novo havia deixado o colar na mesa da cozinha de novo.
— Posso saber o porquê de você não estar com o colar, San?! Não me diga que esqueceu de colocar depois do banho de novo… — exclamou, emburrada.
O garoto não teve reação, ele só conseguia olhar para Akane com a mesma expressão que teve ao ver Kazuma novamente.
— Hum? Que foi? — perguntou Akane, tombando levemente a cabeça para o lado, como um cachorrinho confuso.
— Akane… — murmurou San, para si mesmo. — Haha… hahaha! Akane! — exclamou, e logo em seguida se levantou, correndo em direção a ela e jogando todo o peso de seu corpo em cima da garota.
Sem entender, a garota apenas aceitou o abraço de volta, e agora estava envergonhada sem saber como reagir a aquele afeto repentino.
Logo atrás dos dois, Kazuma se levantou e pegou sua espada, que estava recostada no canto do quarto. — Bom, já que se reconciliaram, estou de saída. Tenho uma missão de muita importância para cumprir na Infinity amanhã… e é melhor já estar presente, para ser pontual — disse, enquanto estocava sua espada de volta a bainha, em sua cintura.
Naquele momento, San se lembrou de tudo. A missão, o desaparecimento, os três anos perdidos, sem a companhia de seu irmão mais velho, companheiro para o resto de sua vida. Ou que pelo menos, era para ser.
Enquanto Kazuma saia lentamente pela porta iluminada por um clarão exagerado, San o via se afastar, e o mundo a sua volta lentamente começava a desaparecer, restando apenas um caminho. Que era a distância entre ele próprio, e seu irmão mais velho. Ele correu, estendeu a mão, e tentou gritar: “Kazuma!!” mas, nenhuma voz saiu de sua boca. Estava mudo, e seus movimentos eram lentos demais. Kazuma alcançou a porta, e ela se fechou instantaneamente após ele passar por ela.
Quando a porta se fechou, e o som da batida ecoou. San levantou-se da cama no quarto de hotel, assustado. Tudo aquilo, na verdade, foi apenas um sonho. Olhou para baixo, e seu colar estava ali. Um colar com cordão vermelho, e um pingente de coração partido. A outra metade do coração estava no colar de Akane, e se conectariam quando aproximados. San segurou o pingente na mão, com angústia.
“Sim… Kazuma… Akane… estava esquecendo minhas prioridades. Só entrei para a Infinity Astra por vocês… e esperem por mim, quando eu os encontrar… ficaremos juntos novamente, para sempre.” pensou, com uma chama de determinação acendendo em seus olhos. As missões na Corp e todas as aventuras o fez esquecer de seu maior peso, a perda de seus irmãos. Mas este sonho o relembrou desse objetivo, sua verdadeira e única missão nesse universo inteiro.
Logo após acordar, determinado, levantou-se da cama e correu para fora do quarto. Enquanto isso, todos estavam reunidos na cozinha, papeando como sempre. Wei, cozinhando o café da manhã, Arashi andando pela cozinha ansioso, Thomas monotonamente observando a janela, e os outros sentados à mesa, conversando.
— Já vai fazer um dia que o San está desacordado… será que… aconteceu algo muito grave com ele? — perguntou Kyoko, preocupada.
— Já tomei as medidas necessárias, Kyoko. Os sinais vitais dele estão todos normais, coração em ritmo natural, temperatura corporal também e tals. Não se preocupe, está só desacordado — tranquilizou Wei, pegando alguns pratos para servir o café.
— Ei… vocês perceberam uma coisa? — perguntou Arashi, indo até a janela que Thomas observava.
— O que foi agora, Arashi? — questionou Sakura, com uma mão apoiando a cabeça.
— O Sol… está quase completamente vermelho.
Tsukasa arregalou levemente os olhos ao ouvir isso, e então, retomou sua postura tranquila. Thomas o olhou com um ar de suspeita novamente, e Tsukasa retrucou o olhar, pacificamente.
— Ele anda ficando avermelhado. Até semana passada, estava laranja, indo para vermelho. Sei lá o motivo disso, deve ser algo acontecendo em Nefer Ra.
Wei colocou o bacon com ovos nos pratos, e foi distribuindo para todos, sobre a mesa. Arashi, que não estava com fome, se movimentou até a entrada do quarto. Quando olhou, notou que San finalmente havia acordado.
— Oh! O San acordou e foi embora. Que canalha — disse Arashi, virando-se para todos.
— Como é que é?! — exclamou Kyoko, com bacons na boca, levantando-se da cadeira e batendo as duas mãos na mesa.
Do lado de fora do Hotel, San estava treinando suas habilidades de Alquimista. Mirando as duas mãos para o tronco de uma árvore, em um pequeno campo ao lado do hotel. Yui Kobayashi estava sentada em uma pedra atrás do garoto. Ao lado da pedra, havia um pequeno lago, com água tão cristalina quanto um diamante.
— Adeptio! — recitou San, mirando as mãos para o tronco. A madeira suavemente brilhou em dourado, e logo, o brilho se apagou. O garoto colocou as mãos nos joelhos, enquanto suspirava.
— Acho que precisa treinar mais, Sanzinho — comentou Yui, assistindo o garoto fracassar em seu feitiço. Estava sentada na pedra com as pernas cruzadas, e uma mão apoiando a cabeça, com o cotovelo nas pernas.
— Calada! Vou conseguir na próxima… você vai ver — exclamou San, olhando para sua mão esquerda. Um brilho quase transparente era visível envolvendo sua mão. Eram os resquícios de sua enorme quantidade de alquimia, que era difícil de manter desativada.
Vindo da direção do hotel, Yami Hikari vinha andando em direção aos dois. Estava com um olhar mais aberto do que o de costume. Normalmente, sua expressão é a mesma de um morto vivo. Ela estava usando um belo chapéu preto, e vinha serenamente em direção e eles.
— Estavam preocupados com você lá em cima, San. A primeira coisa que vem fazer após acordar, é praticar magia? — perguntou, posicionando-se ao lado do garoto. Ele olhou para ela, e então voltou o foco para o tronco da árvore.
— Não me interrompa, Yami — disse, e então estendeu as mãos para a árvore de novo. — Adeptio! — recitou mais uma vez, confiante.
O tronco se encheu de alquimia novamente, e brilhou mais forte desta vez. Mas segundos depois, o brilho no tronco desapareceu.
— Está tentando tomar posse daquilo? Oh, é simples, veja — disse Yami, sem sequer levantar a mão, apenas olhando para o tronco. — Adeptio — recitou calmamente, e um brilho dourado bem radiante envolveu o tronco inteiro. Era tão forte, que San não conseguia olhar diretamente. Teve que colocar uma mão a frente do rosto, e olhar por entre os dedos.
Aquele era um feitiço padrão de alquimia, que não necessitava de nenhuma natureza para ser executado. Consistia em tomar posse de um objeto físico, e transmutar sua matéria para alquimia pura. Desta forma, este objeto se torna uma saída de magia para o usuário poder controlar, a partir daquele ponto. Assim como Yami fez, o tronco da árvore havia se tornado pura magia, e agora ela poderia liberar magia como quisesse, a partir daquele ponto.
Quando desviou o olhar do tronco ao garoto, o brilho dourado no tronco desapareceu. — Mas como você…?! — questionou San, surpreso com a audácia de Yami ao fazer aquilo logo em frente ao garoto.
— É um feitiço simples, San. Acho que você está fazendo errado… está focando em adicionar alquimia, e não em controlá-la. Veja suas mãos, estão brilhando com tanta alquimia que desferiu para uma simples árvore.
San observou as palmas de sua mão novamente, e o brilho dourado continuava a envolvê-las. — Talvez se usasse uma dose mais controlada, a alquimia não recuaria da árvore.
San soltou um suspiro de cansaço, e recompôs sua postura.
— Parece saber bastante, Yami. A propósito, qual é a natureza da sua alquimia? Até agora, me pareceu bem única.
— Não tenho. Minha alquimia é pura, assim como a sua no momento — respondeu, olhando para o brilho nas mãos de San que gradualmente ia desaparecendo.
— Pura? Mas como? Vi você usando uma magia obscura a um tempinho atrás… aquilo não era alquimia?!
— Não, não era. Não fique me perguntando sobre isso, eu não vou saber te explicar, e você não vai saber entender. Por isso não gosto que me perguntem coisas, esta é sempre a primeira questão.
— Entendo… desculpe, então — disse o garoto, coçando a sua nuca.
Entediada, Yui se levantou da pedra em que estava sentada, e se aproximou dos dois. — Então, já que você quer treinar agora, que tal um Duelo de Alquimia? — perguntou Yui, animando-se. Um duelo de alquimia consistia em dois feiticeiros, usuários de alquimia, duelarem sem intenção de ferir o inimigo. Sendo permitido apenas magia, sem contato físico. O objetivo deste duelo é capturar o oponente, e caso ele fique sem ações, ele perderá.
— Hum… não é uma má ideia — disse o garoto, virando-se para Yui. — Eu aceito, veremos do que suas vinhas são capazes!
Os dois já estavam posicionados dos dois lados daquele pequeno local em que San estava treinando antes. Yami sentou-se na pedra em que Yui estava, para poder assistir ao duelo. Os dois estavam se encarando, com o vento batendo em seus rostos, movimentando seus cabelos e roupas consigo. A tensão inicial era comum no início deste tipo de duelo, pois o primeiro a se movimentar, dependendo da agilidade, estaria em desvantagem.
Yami apenas ouvia o som do vento movendo as folhas das árvores, enquanto os dois se observavam friamente. Yui, sem perder tempo, deslizou com o pé um pouco para a direita, sobre a grama. Com este pequeno movimento, três raízes bem grossas saíram de dentro do solo, fazendo um movimento curvo no ar — como um arco — e descendo em direção ao garoto. San, atento aos movimentos, deslocou-se para trás com um salto. A primeira raíz adentrou-se no chão agressivamente, e as outras duas vieram em busca de San.
Ele se movimentou rapidamente para a direita, deixando outra raíz passar direto para o chão. E na última, deu um mortal para trás, desviando com perfeição. As habilidades de San haviam melhorado bastante desde a missão em Nephthar. Quando pousou ao chão, seus pés deslizaram um pouco pela grama com o impulso do salto de antes. Mas antes que pudesse perceber, pequenas vinhas se ergueram sobre os pés dele, prontas para engoli-lo em um abraço mortal. San girou seu corpo para a direita, partindo assim as vinhas que se grudaram nele. Criou pequenas plataformas de alquimia sólida à sua frente, e foi pulando entre elas, como uma escada pelo ar.
A garota, olhando de baixo, tomou posição ofensiva e ergueu sua mão para o alto. Com o movimento, uma quarta raiz saiu de dentro do solo. Esta era maior que as outras, e vinha com mais velocidade também. San, que já estava em uma altura bem elevada, saltou de cima das plataformas e fez um movimento no ar para cair sobre a raiz que vinha em sua direção. Materializou uma foice de cabo curto em sua mão esquerda, e fez um movimento giratório com o corpo, fazendo a raiz passar direto. Aproveitou a brecha, e cravou a ponta da foice na extensão da raiz, e usou isto como base para avançar sobre ela, até alcançar Yui.
A garota não iria deixar San apenas se aproximar como desejasse, e da mesma raiz que agora ele usava como ponte, surgiram várias vinhas menores, correndo para alcançá-lo. San se movimentou rapidamente para desviar das vinhas, e saltou de cima da raiz. Com a ponta da foice ainda presa nela, criou uma extensão de uma corrente, conectando sua mão à foice. Na outra mão, criou outra corrente com uma pequena foice na ponta
Outra raiz gigante vinha se aproximando do garoto também, pelo lado contrário que a primeira estava. O garoto desviou, girando o corpo, e enrolou a segunda corrente sobre a raiz. Enquanto pairava pelo ar, girava seu corpo com eficiência para que as correntes se enrolassem mais ainda pelas raízes. Quando estava caindo, já estava bem em cima de Yui. Virou as correntes para ela com um movimento de X para frente, mas a garota criou uma barreira de alquimia antes das correntes a enrolassem também. San usou a barreira como apoio, e se jogou para trás, dando mais um mortal. Enquanto caía, brandiu as duas correntes com raízes enroladas, e puxou-as em direção ao chão, com força. Fazendo assim as raízes gigantes se chocarem estrondosamente contra o chão, e se partirem com o impacto das correntes, liberando poeira por todo o cenário.
Com um sorriso no rosto, San olhou para a face de Yui. Sua expressão também não era diferente, tinha o mesmo sorriso de excitação que o garoto. Logo, vindo do chão, as três raízes que Yui lançou no começo se reergueram do solo. Partindo para cima do garoto ao mesmo tempo. Ele segurou suas correntes com mais força, e atirou suas extensões para o alto. Em seguida, movimentou seus braços e corpo de um modo aleatório, fazendo as correntes voarem para todas as direções enquanto se movimentava. Criou pequenos espinhos na extensão das correntes, fazendo as raízes que se aproximavam serem totalmente mutiladas por elas.
Nos últimos pedaços de raiz que caiam do céu, o garoto enrolou-nas as correntes e pegou um impulso, jogando-se para o ar novamente. Yui não perdeu a chance, vendo que estava vulnerável, ergueu mais e mais vinhas do chão para atingi-lo por baixo. Ao observar isso, San criou um escudo liso e curvado para baixo. As vinhas que se chocaram contra ele deslizaram pelo escudo e passaram direto, indo aos céus. O garoto usou o escuro criado como base, e saltou para frente, enquanto girava seu corpo como uma broca.
O movimento giratório fez com que as correntes se enrolassem completamente ao redor de seu corpo, e se prendessem a ele. Yui, não entendendo o movimento, acabou baixando a guarda. E antes que pudesse retomar o foco, San passou como um canhão ao lado dela, enquanto girava para o lado contrário, desenrolando as correntes de seu corpo. Quando passou pela garota, pousou ao chão, segurando apenas a ponta de uma das correntes na mão direita. E quando olhou para trás, a garota estava completamente enrolada pelas correntes douradas.
— Argh! — rosnou Yui. — Eu perdi… que saco!
— Haha! Acho que quem precisa treinar mais é você — caçoou San, enquanto as correntes lentamente desapareciam.
— Foi uma bela luta, pessoal. Senti que os dois estavam se divertindo, e é isso que importa — disse Yami, acenando para eles de cima da pedra.
Enquanto isso, das janelas do hotel, estava Kyoko, observando o duelo de longe. “San… você evoluiu… que gracinha!” pensou, batendo pequenas palminhas delicadas.
Notas:
Aviso: Todas as ilustrações utilizadas na novel foram geradas por IA. Perdoe-nos se algo lhe causar desconforto visual.
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