Volume 1
Capítulo 18: O Viajante do Tempo
"Em vez de resistir às nossas emoções, devemos aprender a dançar com elas, permitindo que nos guiem para um lugar de maior compreensão e aceitação."
(A Dança das Emoções, Ren Yamamoto)
5ª Lua Cheia do ano 1647
Lua da Sombra, dia 25
Existe uma infinidade de palavras que poderiam descrever o que se passou na cabeça de Yuri ao ouvir aquela pergunta. Ele piscou repetidamente, seu olhar fixo em Shin. "Quem é você?" As palavras ecoaram em sua mente. Não havia dúvida, Shin tinha dito exatamente isso.
Podia sentir todo seu corpo tremer a medida que seu rosto parecia cada vez mais gelado. Seus lábios se abriram, mas nenhum som saiu. A incerteza o dominava. O que poderia responder? O que Shin sabia?
Shin se levantou de repente, atravessou o espaço entre eles e parou bem próximo de Yuri. Com um gesto rápido, estendeu a mão e entregou um papel.
— Isso é seu, não é? Você deixou cair quando desmaiou.
Yuri desdobrou o papel com mãos trêmulas. Precisou reler várias vezes para absorver a informação escrita em sua própria caligrafia: "Akemi irá perecer no Porto Hama na 3ª Lua Cheia de 1648."
“Aquilo não foi um sonho?” Sentiu uma dor profunda no peito, como se uma lâmina o atravessasse.
— O que isso significa, Yuri? — A impaciência de Shin transparecia em sua voz, ecoando pelo aposento. — Essa data é daqui a meses, e essa localização... onde você conseguiu isso?
Yuri engoliu em seco, encarando o papel em sua mão. Seu corpo se inclinou levemente para frente, as palavras saindo quase em um sussurro. — Shin, eu sei que pode parecer loucura, mas... — Sua cabeça girava e seu estômago se retorcia num ritmo angustiante — isso... eu sei o que vai acontecer no futuro.
— O q-que quer dizer com isso?
Yuri sempre se considerou medroso, sempre fugindo quando precisava tomar decisões importantes. Mas agora, sem saber de onde vinha aquela coragem, ele escolheu dizer a verdade. Endireitou o corpo e olhou diretamente nos olhos de Shin. — Exatamente o que você ouviu. Eu vim do futuro.
Shin manteve uma expressão séria, mas não disse nada.
— Eu sei que você esteve me observando durante todo esse tempo. Mas a verdade pode ser mais surpreendente do que qualquer coisa que você possa ter imaginado. — Yuri indicou o pedaço de papel. — Isso aqui é uma prova física de que eu venho não só de outro lugar, mas de outra época. Por isso... eu sei o que vai acontecer.
O olhar sério de Shin se intensificou, e ele deu um passo para trás. — De. Outra. Época. — Repetiu atônito, como se cada palavra tivesse um peso diferente e fosse difícil pronunciá-las.
Yuri assentiu. — Eu sei que parece loucura, mas é a verdade. Eu vim do futuro.
Então Yuri contou tudo. Ele falou sobre sua época, o dia em que Akemi apareceu diante dele, sua primeira viagem ao passado, e o manuscrito que continha os eventos prestes a acontecer. Não omitiu nenhum detalhe.
Shin caminhou pelo quarto, passando as mãos pela cabeça, como se esse movimento pudesse tornar aquela informação mais fácil de engolir. — Você está certo. Eu estive te observando durante todo esse tempo porque havia algo em você que eu não compreendia. Você não parecia ser estrangeiro, mas também não se encaixava em lugar nenhum aqui. Sabia de informações importantes, mas em outros momentos não sabia de nada... e na noite em que apareceu em Vale Profundo... seus ferimentos quase se curaram completamente em poucas horas. Eu esperava descobrir algo sobre seu passado, por isso estava investigando secretamente. — Ele sorriu, tentando dissipar a tensão. — Mas acho que nunca teria descoberto nada. — Shin se aproximou de Yuri. — Eu acredito em você.
Yuri se recostou na parede, mas seu corpo ainda estava rígido e apreensivo. Será que Shin realmente acreditaria em tudo tão facilmente? — Então espero que saiba que não sou seu inimigo — respondeu finalmente. — E estou disposto a responder suas perguntas.
Shin assentiu, parecendo relaxar um pouco. — Eu sei — cruzou os braços, pensativo. — Então essa informação sobre Akemi... é real?
— Sim. — Yuri se curvou um pouco, apertando os punhos com força. — Eu vou evitar isso. A qualquer custo.
— No momento, não posso fazer nada além de concordar, desde que não atrapalhe meu objetivo, a vida de meus subordinados são algo que vale o risco. Se estiver ao meu alcance, farei o que for possível, mas de outro modo, ficará por sua conta.
— Obrigado.
— Quanto você é capaz de prever?
— Tudo. Seus movimentos, movimentos inimigos, alianças, emboscadas...
— Ótimo. De agora em diante, todas as nossas estratégias e táticas passarão pela sua aprovação. — Shin sorriu. — Parabéns Yuri, você foi promovido à ministro.
Yuri fez uma careta. “Isso está indo longe demais.”
Nesse momento, a porta do quarto se abriu devagar, e o médico entrou, inclinando-se profundamente ao ver Shin. —Príncipe Shin, perdoe-me por interromper — disse o médico baixando a cabeça respeitosamente. — Preciso verificar o estado de saúde do jovem Yuri.
Shin descruzou os braços e deu um passo para trás, permitindo ao médico se aproximar de Yuri. — Claro, prossiga — Shin respondeu com um leve aceno de cabeça, se afastando um pouco mais, enquanto o médico começava a examinar Yuri.
O médico tocou suavemente o pulso de Yuri, verificando sua pulsação e depois colocando uma mão na testa dele, sentindo a temperatura. Yuri tentou relaxar um pouco, mas seus olhos continuavam observando Shin e o médico com cautela.
— Yuri está se recuperando bem, só precisa de um descanso. — Informou o médico, voltando-se para Shin.
O médico fez uma reverência a Shin antes de se afastar um pouco da cama de Yuri, indo até uma mesa próxima onde havia vários instrumentos e ervas medicinais. Ele começou a preparar uma pasta de ervas, esmagando folhas e misturando-as com água morna em uma tigela de cerâmica.
— Isso deve ajudar a aliviar a dor e acelerar a cicatrização. Yuri precisa descansar bastante e evitar esforço físico por alguns dias — concluiu o médico, dirigindo-se novamente a Shin.
— Faremos o possível para garantir que ele descanse e se recupere completamente — disse Shin com um tom firme. Ele olhou para Yuri, que estremeceu sob o olhar intenso.
Yuri assentiu, sentindo o enjoo retornar. O cargo de ministro era algo que ele não tinha previsto, mas talvez fosse uma oportunidade para aplicar seus conhecimentos de maneira útil.
O médico fez uma última reverência a Shin antes de sair do quarto, deixando os dois sozinhos novamente.
— Você ouviu o médico, Yuri. Descanse por agora, faremos uma reunião mais tarde. E, quando sentir vontade de se jogar no chão, verifique se tem alguma pedra embaixo antes — brincou Shin, com um sorriso no rosto. Por mais que fosse irritante, aquilo foi o suficiente para acabar de vez com a tensão.
— Ah! — Shin sorriu novamente enquanto deslizava a mão pela dobra de sua vestimenta, retirando de lá um objeto familiar. O celular de Yuri. — Parece que você esqueceu isso aqui da primeira vez. — Disse, entregando-o a Yuri com um olhar travesso.
Yuri ficou surpreso ao ver o celular, pensando que ele tivesse se perdido para sempre. Nunca imaginou que o encontraria novamente. Encarou Shin desconfiado, preparado para qualquer pergunta que pudesse vir. Mas Shin não disse nada, apenas manteve um sorriso enquanto se dirigia para a porta.
— Só me diga uma coisa. Eu vou conseguir? — Shin falou, olhando por cima do ombro.
— Sim — respondeu Yuri. — Você vai.
Com isso, Shin deixou Yuri sozinho. Yuri permitiu que seu corpo relaxasse, curvando-se para frente, finalmente sentindo o peso desaparecer. Ele encarou o celular em sua mão, segurando-o firme. Sua vida no futuro parecia tão distante agora. Por instinto, apertou o botão lateral, e a tela acendeu, surpreendentemente ainda com bateria.
Horas se arrastaram enquanto Yuri observava as sombras alongarem-se pelo quarto. O desconforto nos músculos aumentava a cada minuto que permanecia na cama. O médico, entrava ocasionalmente com bandejas de comida e chá, sempre apressado, trocando poucas palavras antes de se retirar. Finalmente, Yuri empurrou o cobertor para o lado e, com cuidado, se levantou. Com um leve tremor nas pernas, caminhou até a porta e, com um suspiro, abriu-a devagar.
Caminhou pela rua piscando os olhos até se ajustarem a luz externa. A neve tinha parado, e o céu estava pintado de tons vibrantes pelo sol poente atrás da muralha. Observando ao redor, notou a familiar agitação das ruas de Ayatsuri. Pessoas passavam apressadas, vendedores anunciavam suas mercadorias com vigor, e crianças corriam despreocupadas, rindo e gritando.
Yuri inalou profundamente o ar fresco, sentindo-se revigorado pela movimentação à sua volta. Precisava esticar as pernas e clarear a mente. Sem um destino em mente, começou a caminhar, observando as barracas coloridas e as pessoas que passavam.
Um aroma apetitoso logo capturou sua atenção. Seguindo o cheiro, encontrou uma pequena taverna com mesas de madeira desgastadas e um forno a lenha do lado de fora, onde um cozinheiro assava espetos de carne e legumes.
Então, ele a viu. Sentada em uma das mesas, banhada pela luz alaranjada do pôr do sol, estava Akemi. Seus cabelos prateados refletiam a luz suave do entardecer, e ela parecia surpreendentemente tranquila.
Yuri parou, surpreso. Pegou o celular e, em um movimento rápido, tirou uma foto dela. Ele hesitou antes de se aproximar, sem querer interromper aquele raro momento de paz, mas a curiosidade e a necessidade de falar com ela foram mais fortes.
Atravessou a rua com passos decididos, aproximando-se de Akemi. Contudo, a poucos passos dela, uma sensação estranha de vertigem tomou conta de seu corpo. O mundo ao seu redor começou a girar, as cores da cidade se fundindo em um borrão. Ele tentou se manter firme, mas a sensação de desorientação aumentou, como se o chão estivesse sendo puxado sob seus pés.
Antes que pudesse chamar por Akemi, tudo escureceu, e, num instante, Yuri desapareceu.
Ele despertou de repente, deitado no chão frio de seu apartamento. A luz das lâmpadas da rua passava pela janela, projetando sombras nas paredes, e o som distante do trânsito soava como um eco constante em seus ouvidos. Yuri piscou, tentando ajustar seus olhos à realidade familiar, mas ao mesmo tempo estranha.
Sentindo-se desorientado, ele se levantou devagar, ainda com a imagem de Akemi gravada em sua mente. Arrastou-se até o sofá e se jogou nele, sentindo o estofado afundar sob seu peso. A viagem no tempo estava se tornando algo rotineiro, mas sempre deixava uma sensação de vazio que ele não conseguia preencher.
Enquanto se acomodava no sofá, um som de batidas ecoou pelo apartamento. Yuri franziu a testa, curioso e um pouco preocupado. Levantou-se e caminhou até a porta.
— Otsu?
— Yuri, você está bem? — perguntou ela, os olhos examinando-o com preocupação.
Ele tentou sorrir, mas a sensação de deslocamento ainda pairava sobre ele.
— Estou bem, só... um pouco cansado. Entre, por favor.
Otsu entrou, olhando ao redor do apartamento com curiosidade.
— Mas, e essas roupas, hein? — comentou ela, notando a túnica que Yuri ainda usava. Ele corou de leve, percebendo o quão fora de lugar parecia.
— Ah, não é nada — respondeu rapidamente, correndo para o guarda-roupa. — Mas o que te traz aqui?
— Você está de folga hoje, certo?
Yuri lançou um olhar discreto para o calendário em cima da estante. Não fazia ideia de que dia era.
— Hã... estou?
— Claro que está, é feriado! — Otsu sorriu ao ver a expressão confusa de Yuri. — Vamos, se troque rápido. Você precisa me levar para tomar sopa!
— Tá bom, tá bom. Espere aí no sofá. — Sair para comer sopa no Dia da Purificação havia se tornado uma tradição para os irmãos. Yuri estava aliviado por poder estar ali.
Vestiu uma calça e uma camiseta simples, com uma jaqueta grossa por cima. Ao se observar no espelho, notou algo diferente em si mesmo. Seu rosto era o mesmo, mas havia uma mudança sutil. Tocou a parte de trás da cabeça, ainda dolorida, mas consideravelmente melhor após a aplicação da pasta de ervas.
— Vamos? — disse ele a Otsu, que despertou de seu estado sonolento e levantou-se animada.
— Também quero fazer a Queima de Desejos dessa vez. — Yuri ficou surpreso. Ela sempre dizia que não acreditava nessas coisas.
— Tudo bem — sorriu com ela.
Ao deixarem o prédio, a noite já havia caído e o vento frio do inverno os envolvia. Caminharam em direção a um restaurante, com Otsu a passos leves e animados. Yuri a observava, impressionado com o quanto ela havia crescido. Queria perguntar sobre sua vida, sobre a escola, mas preferiu esperar que ela falasse por conta própria.
Chegaram ao restaurante em poucos minutos. Estava movimentado devido ao feriado, mas conseguiram uma mesa no canto. Yuri fez o pedido enquanto Otsu cantarolava baixinho, olhando ao redor.
Um garçom trouxe dois pratos fumegantes e o aroma da sopa encheu o ar ao redor deles. Yuri agradeceu com um aceno de cabeça, sentindo o calor reconfortante.
— Parece delicioso! — exclamou Otsu, assoprando a sopa antes de tomar um gole.
Yuri concordou, apreciando a primeira colherada.
— Estou feliz de estar aqui com você, Yuri! — disse Otsu, sorrindo.
Mas, de repente, o sorriso de Otsu desapareceu e ela abaixou a cabeça.
— O que você faria se pudesse voltar no tempo, Yuri? — perguntou ela, deixando Yuri desconcertado.
Otsu olhou para ele, corou e desviou o olhar.
— Desculpe, fui muito grosseira. Esqueça o que eu disse. — Ela se espreguiçou e levantou-se, virando-se de costas para ele. Yuri pensou ter visto uma lágrima brilhar em seus olhos, mas quando ela se virou, estava sorrindo novamente. — Meu aniversário está chegando, você vai, não é?
— Claro, eu não perderia isso por nada!
A Queima dos Desejos acontecia em um amplo espaço aberto, cercado por árvores que lançavam sombras suaves sobre o chão, diferente de Akimitsu que acontecia no parque central da cidade. Lanternas de papel coloridas balançavam com a brisa noturna e no centro, uma grande fogueira crepitava, lançando faíscas douradas em direção ao céu escuro.
Ao redor da fogueira, pequenos altares estavam decorados com flores frescas, incenso e velas acesas. As pessoas se reuniam em círculo, segurando seus pedaços de papel com desejos e arrependimentos.
Yuri e Otsu receberam pequenos pedaços de papel e canetas. Sentados juntos em um banco, Otsu começou a escrever algo em seu papel. Enquanto Yuri encarava a fogueira, pensativo.
"O que você faria se pudesse voltar no tempo?"
Segurando o papel, sentiu uma pontada de culpa. Pensou em Misaki, a pessoa que teria voltado para salvar. Enquanto escrevia, uma lágrima caiu no papel. Quando terminou, viu que Otsu já estava de pé, esperando alguns passos à frente. Yuri secou a lágrima com pressa e se juntou a ela.
Ao observar os papéis se transformando em cinzas, Yuri sentiu como se uma parte de si estivesse sendo levada embora. Sob o céu estrelado, percebeu pela primeira vez que algumas coisas de seu passado nunca poderiam ser mudadas.