Volume 1
Capítulo 6: Confie em Mim, Por Favor!
Diferente de outras áreas dessa caverna, essa “sala” era realmente escura. Muito escura.
Enquanto as outras partes tinham algumas pedras que iluminavam o lugar – não me peça para explicar, pois não conseguiria –, aqui, realmente não há nada que faça esse trabalho. Porém, devido minha característica racial, eu consigo enxergar desde que não seja tão longe.
Quando não há nenhum tipo de luz, minha visão ganha alguns tons acinzentados, como se eu estivesse vendo um filme preto e branco, porém, os detalhes se perdem quanto mais longe estiver. E por isso, também possuo uma sensação semelhante ao carregar uma lanterna comigo que ilumina regiões próximas, mas de alcance bem limitado.
Mesmo que eu não entrasse na sala totalmente, só o fato de colocar a cabeça para dentro, já conseguia ver as garotas humanas.
Togo que ainda estava levantando a cortina-cigana, me encarava.
— Você também vai entrar? — perguntei.
— Não. É perigoso sem luz.
Estranho pensar que os goblins que vivem nessa caverna ainda precisam de luz para enxergar. Bem, considerando a luz natural das outras áreas, teria aí sua explicação.
Dei alguns passos, entrando na sala. Togo então me avisou:
— Yami, é realmente perigoso entrar...
— Não se preocupe, eu consigo enxergar sem luz.
— Mas...
— Já disse. E sem “mas”! — ordenei.
— Como desejar — respondeu Togo.
Olhei novamente para o centro da sala.
São todas humanas, mulheres, assim como ele disse, e para minha surpresa, são bem novas.
Há três que estão sentadas de cabeça baixa e estão acorrentadas na parede. Outras duas estão deitadas em uma pedra que mais lembra uma mesa, também acorrentadas à parede.
Por último, uma está me encarando intensamente. Além disso, ela carrega consigo um pedaço de osso na mão. Mesmo que o osso fosse pequeno, não há dúvidas, ela seria capaz de acabar com os goblins caso eles se aproximassem desatentos.
E falando nisso, dá para ver que esta mulher é uma aventureira. Interessante. Sua classe também é um título? “Cavaleira de Lóthus”. Wow! Esses números, são os mais altos até agora, e sem comparação com os valores dos goblins.
Vida: 5872, Mana: 1499, Ataque:76, Defesa: 76, Magia: 54, Resistência: 54, Velocidade: 32 e Sorte: 32.
Nem Gogo, o Hobgoblin, conseguiria enfrentar essa mulher.
Sistema: [Sheyla Bilterfon – Habilidades]
- [Maestria com Lança – aumenta a eficiência de combate quando equipado com lanças em (5xNível da Habilidade). Atual: 35%]
- [Maestria com Montaria – aumenta a eficiência ao domar, montar e lutar junto a uma montaria em (5xNível da Habilidade). Atual: 30%]
- [Perícia em Magia Branca – aumenta a eficiência de magias de suporte e cura em (5xNível da Habilidade). Atual: 15%]
- [Resistência Física]
- [Conhecimento Nobre – melhora os testes sobre etiqueta e informações desse tipo. Garante benefícios extras quando aplicados à classe]
- [Golpe com Lança]
- [Brandir Lança – um ataque que atinge seus adversários em área depois de girar a lança]
- [Estocada – um ataque certeiro com a ponta da lança, feita para perfurar as defesas dos adversários]
- [Palavra de Cura: Rest – recupera um pouco da fadiga e trata ferimentos]
- [Palavra de Cura: Vitta – recupera um pouco da fadiga e cura ferimentos]
Ela tem muitas habilidades e, apesar de estarem relacionadas a um combate com lança ou montado, duvido muito que ela não seja tão poderosa com aquela espada em mãos.
Se não fosse traída pelos seus companheiros, tenho a certeza de que ela conseguiria limpar essa caverna sozinha. Apesar que lutar com uma lança nesse lugar apertado talvez não seja uma boa ideia. Talvez seja por isso que carregava consigo uma espada?
Percebendo o perigo, fiz questão de virar-me para o Togo e alertá-lo:
— Togo, realmente é melhor que você não entre, mesmo que algo aconteça. Certo?
— Mas...
— Já disse sem “mas”, não? Tentarei falar com ela... sozinho — comentei enquanto a encarava, depois de uma pausa, continuei: — E pela sua força, mesmo presa as correntes, temo que se você se aproximar, irá morrer — falei com um tom seco.
— Certo, eu entendi. Ficarei aqui.
Concordei com a cabeça e caminhei em direção a garota, ou melhor, a Sheyla Bilterfon.
Mesmo que ela pareça não me ver, deve ter nos escutado discutindo, pois, assim que me aproximei, ela começou a se comunicar.
Sistema: [Tradução Mágica Ativada].
— Não se aproxime, criatura, esteja avisada.
Sheyla segurou o osso ainda mais firme como alguém que segura um punhal.
— Espere, não quero te fazer mal — respondi.
— Suas palavras não me intimidam, criatura! — apesar de ter gritado, ela tossiu.
Mesmo que não pareça ter ferimentos graves, seu corpo demonstra sinais de desnutrição e alguns ferimentos leves como arranhões, cortes e hematomas. Dá para dizer que os goblins entregaram apenas comida ou água para que ela não morresse de fome ou sede.
Agora, sobre esses cortes e hematomas, será que isso também foi obra dos goblins? E, se realmente ela foi envenenada, isso deve estar afetando-a ainda mais.
Ela não parece entender o que eu falo... O que devo fazer?
Sistema: [Você possui uma nova Habilidade à Aprender: Linguagem Comum].
Oh? Tão simples quanto um popup de vírus. Por que isso não apareceu quando tentei me comunicar com aqueles outros aventureiros? Parando para pensar, com aquela aura ativada, duvido muito que eles iriam querer conversar mesmo se me entendessem.
Parei na frente dela, porém, em uma posição segura. Mesmo que o menu seja visualmente chamativo, pelo jeito, ninguém o vê. Então fiquei manipulando as janelas ali.
Sistema: [Linguagem Comum – a língua mais comum falada pelos humanos, semi-humanos e demi-humanos].
Interessante. Vamos melhorar essa habilidade... porra, acabei colocando-a no máximo sem querer. Bem, agora já foi, vamos ver se ela consegue me entender agora.
— Agora você me entende?
Se fosse para determinar alguma diferença entre falar a linguagem dos monstros ou língua comum, para mim é indiferente, pois tudo soa como japonês.
— O quê? Você... Consegue falar? — Ela tentou ajustar seu corpo de acordo com minha voz. Estava querendo a qualquer custo ficar de frente para mim. — Não! Truques baratos não irão funcionar comigo, criatura.
— Por favor, não precisa ficar me chamando de criatura — disse enquanto olhava para sua mão e o osso que ela queria fazer de arma. — Além disso, você poderia abaixar esse osso? Não há necessidade disso, como eu estava tentando dizer antes, não quero te machucar.
— Merda, pensei que goblins não conseguissem ver no escuro... — disse Sheyla baixinho.
Ela tentou manter essa afirmação para si, no entanto, apenas se eu não estivesse minha trapaça: [Percepção Passiva].
— Me desculpe parecer um tanto inconveniente, mas, você está bem?
— Quê? Monstros agora tem compaixão?
— Você não parece ferida, mas, se continuar assim, do jeito que está, você não vai conseguir se recuperar... — dei uma pausa. — E muito menos escapar, certo?
— Está zombando de mim, criatura?
— Não, não — fiz um sinal de negação, mas duvido muito que ela tenha visto. — Apenas deixando-a ciente sobre isso.
— Você acha que te deixarei fazer o que quiser? Eu posso muito bem me livrar disso — ela pegou o osso e apontou para o próprio pescoço.
— Espere! Não tem por que ir tão longe.
— A morte seria uma salvação, não acha?
Essa garota... Ela realmente quer se matar ou é apenas um blefe? Melhor, se eu fosse realmente um monstro, daria o luxo de perder tempo para evitar que isso acontecesse?
— Ótimo, se quer tanto se matar, por que não o faz? Você não é a única nesta sala.
Houve silêncio. Ela até ameaçou fazê-lo, porém, vi que suas mãos, mesmo segurando firme o osso, estavam tremendo. Ela hesitou por um instante antes de perguntar:
— O que você quer dizer com isso?
— O que eu quero dizer? O que isso importa agora? Você não iria se “salvar”?
— O que você pretende fazer com as outras garotas? — gritou, e logo tossiu novamente.
— Quem sabe — retruquei para ver o que ela faria agora.
— Me... me desculpe. Não faça nada contra elas, por favor.
Ela mudou completamente seu jeito de falar e agir. Por acaso realmente está preocupado com as outras garotas?
— Olhe, Sheyla Bilterfon, se você cooperar, podemos nos ajudar, certo?
— Ah! — disse surpresa. — Como você sabe meu nome?
— Isso? Bem, é meu segredo.
— Você... O que é você?
— O que acha que eu sou?
Ela olhava ao redor, provavelmente procurando algo que lhe ajudasse a entender sua situação, porém, sem muitas informações, apenas continuou:
— Pelo jeito que fala de maneira tão... sarcástica, é um demônio?
— Oh! — Soltei um leve sorriso. — Um disparo certeiro no escuro.
— Hmmm — ela murmurou sem entender o ditado popular.
— Você acertou. Sim, sou um demônio. E não qualquer um... — Será que posso revelar isso diretamente para ela? Não custa nada tentar. — Já ouviu falar sobre “demônio-real”?
Pude ver ela engolir a seco depois que escutou tais palavras, além disso, sua expressão “firme” logo se tornou uma repleta de medo e incertezas.
— Isso... é impossível, não pode ser... — Ela voltou a encarar os arredores. — Eles são considerados tão poderosos quanto os deuses... Você está tentando me enganar!
— Sheyla, você pode ou não confiar em mim. Mas, você não acha estranho tudo isso que aconteceu?
— Como assim?
— Eu consigo ver sua força e seus poderes, e sei o quão forte é. Nenhum goblin teria possibilidade de vencê-la em um combate. Então, achas mesmo que foram eles que te derrotaram e te trouxeram aqui?
— Eu... não me lembro.
— Pelo que eu escutei, você ainda estava com seus companheiros... Você e eles foram derrotados por míseros goblins?
— Isso não, nunca.
— Está muito claro para mim o que aconteceu, e para você?
— Ainda não consigo te compreender, demônio.
— Seus “amigos” te traíram. Me disseram que você foi envenenada e morreria sem nem saber o que aconteceu.
— Quê? Isso... poderia ser real?
— Não confia em mim? Bem, não há o que fazer... — dei uma pausa antes de continuar: — Desistiu da sua salvação? De qualquer forma, irei conversar com as outras garotas.
— Espere!
— O que há agora?
— Você disse que não quer me fazer mal, então, o que seria?
— Eu preciso de informações. Informações que você tem. Achas que é uma barganha ruim, sua liberdade por informações?
— Um demônio oferecendo um contrato... isso é realmente minha única opção?
— Não sei sobre isso. Porém, é o que tenho a oferecer. Melhor que ficar aqui presa para sempre ou buscar sua “salvação”, certo? Eu vi sua reação quando comentei sobre as outras garotas... Então, o que me diz: Você me ajuda e eu prometo que irei libertá-la junto com as outras.
— E o que me garante que você não irá nos trair depois de obter as informações que deseja?
— Ah, entendi... — Agora, como posso resolver esse impasse? Realmente, se fosse eu no lugar dela com toda essa aura altruísta, seria incapaz de acreditar em um demônio.
Suspirei.
Sistema: [Você deseja utilizar Teste Persuadir?][Sim][Não].
Sim, por favor.
Sistema: [Você jogou 1d20 e obteve 6+99, resultado: Sucesso].
Dei alguns passos para frente e comecei:
— Sheyla, irei me aproximar de você. Se quiser me atacar, sinta-se livre, eu não irei revidar ou muito menos esquivar. Porém, saiba que o que estou oferecendo é benéfico para nós dois. Estou confiando em você e espero que acredite em mim quando eu digo: não quero te fazer mal.
O Sistema acabou de me fazer dizer tais palavras, e aparentemente estou me aproximando lentamente. Porém, e agora? O que eu faço se ela me atacar? Apesar de dizer que o teste funcionou, ela ainda não parece amigável, além disso, não jogou o osso fora.
Outra vez estou à mercê do sistema.
Dei alguns passos a mais e, apesar de ela começar a olhar para o lado errado, fiz questão de avisar onde estava para que ela virasse para minha direção.
Agora que estou tão próximo, dá para ver como ela é bonita. Isso lá é aparência para uma guerreira de combate corpo-a-corpo?
Que alívio, ela não me atacou.
— Você ainda está ferida, então não se esforce tanto. Assim só irá retardar sua recuperação — disse após ficar frente-a-frente com ela.
— Sua voz... você realmente é uma criança?
— Pode se dizer que sim.
— Não é uma alucinação ou fantasia da minha mente?
— Não. E qual é dessa pergunta, por que isso agora?
Ela deu um leve sorriso. Por quê?
— Não é nada, é que apenas fiquei surpresa porque um demônio estava falando comigo com uma voz infantil.
— Achou que demônios tinham vozes macabras e grossas?
— Sim... acho que sim.
Ela parece bem mais calma agora. Só que acho que ainda dá para melhorar essa relação repentina. Se ela de fato confiar em mim, então eu não precisaria seguir por meios considerados ilegais para obter as informações que tanto quero.
— Vejo que você consegue se curar. Eu sei que tens habilidades para curar a si mesmo.
— Como você sabe disso? Espere... sabe até meu nome, isso seria o de menos para um demônio, certo?
— E então, consegue se curar?
— Sim, porém, tenho pouca mana. Não seria suficiente para cuidar desses ferimentos.
— Por favor, se cure.
Sheyla não conseguia ver nada, por isso ela estava falando apenas para o breu. Mesmo que eu estivesse logo à frente dela, era como estar invisível. Bem, diferente de mim, ela não conseguia enxergar no escuro.
— Por que eu devo gastar minhas últimas reservas de mana... se isso não serviria para nada?
— Como assim?
— Você não sabe?
— Não é por ser um demônio que eu sei de tudo.
— Não sei se é por causa da sua voz... — ela suspirou, o que foi isso? — Ok, vou te explicar. Criaturas com exaustão de mana serão forçadas a dormir quase como se uma magia de sono caísse sobre elas. Por isso é considerado um tabu alguém usar magia além do seu limite.
Olhei para as outras duas que estavam dormindo.
— Tão ruim assim?
— Sim. Eu... eu confio que você não queira me fazer mal, porém, pedir isso já é demais. Você está falando apenas por você, certo? E os outros goblins? Eles ainda estão nessa caverna.
— O que está insinuando?
— Eu não me lembro como apareci aqui, mas eu sei que há outras garotas aprisionadas neste lugar. Eu não posso adormecer agora, não quando as outras dependem de mim para salvá-las.
— Entendi. Sheyla, eu posso... — Como eu digo isso sem parecer algo estranho? — Afagar sua cabeça?
— Quê?
— Já disse, não quero lutar. E olhe, se você realmente quiser me atacar, se souber onde eu estou, não tem erro, certo?
— E por que afagar minha cabeça? O que isso significa?
— Nada de mais, vai deixar ou não?
— De onde vem toda essa confiança?
— Se eu dissesse, você não acreditaria — respondi soltando um suspiro.
— Certo, mas, não tente nenhuma gracinha. Ainda consigo me proteger, mesmo nesta situação.
— Acalme-se. E... Sheyla, eu sou pequeno, então você terá que se abaixar um pouco.
A corrente não permitia que ela se levantasse totalmente, porém, por ser humana, mesmo naquela condição ela ainda era maior que eu. E seria estranho ter que erguer nas pontas do pé apenas para tentar usar tal habilidade.
— Ok — respondeu enquanto se abaixava, ficando de joelhos.
— Vou te tocar agora, ok?
— Ok.
Então eu encostei no topo de sua cabeça.
Apesar do medo que sentia, esperando seu ataque, ela não o fez. Seria essa garota tão ingênua assim para confiar nas palavras de um “demônio”? De qualquer forma, quero remover quaisquer chances disso se tornar uma chacina posteriormente, e será que essa habilidade pode me ajudar com isso?
Sistema: [Você utilizou Apaziguar].
É estranho que essa habilidade parece ao mesmo tempo mágica quanto apenas mundana, de fato, fiquei acariciando o topo de sua cabeça e aparentemente, assim como pedir para que o Sistema faça aqueles testes, ao usar tal habilidade, senti a necessidade de tecer um comentário sutil de maneira automática:
— Tudo ficará melhor agora, não precisa se esforçar tanto, Sheyla. Pode confiar em mim.
Ela começou a lacrimejar como se alguém estivesse falando as palavras certas que ela mais gostaria de ouvir.
— O quê? Por que estou chorando? — perguntou enquanto olhava para o breu. — O que você fez?
— Nada. — Não é bem nada, mas ela não precisa saber disso. — Você pode se curar agora?
— Sim... tudo bem. Obrigada. Se eu morrer depois disso, ao menos escutei palavras doces... um conforto extra para minha alma.
— Você gosta de elevar o drama, hein?
— Você está certa, me desculpe... — Ela deu um leve sorriso.
Sheyla largou o osso no chão e enxugou os olhos cheios de lágrimas. Depois disso, recitou algumas palavras e suas mãos emitiram um pequeno brilho esverdeado. Esse brilho iluminou como uma pequena luz de celular e, apesar de rápido, foi forte o suficiente para revelar boa parte daquela sala.
Sistema: [Você possui uma nova Habilidade à Aprender: Palavra de Cura Rest].
Era então esse o motivo dela reconhecer onde estava a porta e aparentemente se preparar para emboscar os goblins.
Quando ela se curou, também pôde me ver por um momento e por causa do susto, caiu de bunda no chão.
— Você é mesmo uma criança? — perguntou enquanto apontava para minha direção.
— Eu disse que sim antes, não?
— É que... — disse enquanto estava meio sonolenta. — Um demônio com aparência de criança?
Enquanto ela tentava ficar acordada, seu corpo parecia não a respeitar, pois o máximo que conseguiu fazer foi se apoiar antes de deitar-se no chão. Por causa das correntes, teve que se ajustar para não se machucar durante esse “sono” repentino.
Então é isso que acontece quando você gasta toda a sua mana. Estava ao mesmo tempo sonolenta, também exausta. Quase não tinha forças para abrir os olhos, mas encarava o máximo que podia antes de desacordar.
— Obrigado, Sheyla.
Ela está dormindo agora. As outras duas parecem estar com o mesmo problema. No entanto, é melhor eu me resolver com uma de cada vez.
Vejamos, a nova habilidade: Rest, parece que vai me servir. Se a descrição estiver correta, deve ajudá-la tanto para os ferimentos, quanto nessa exaustão causada pela ausência de mana. Agora, eu só coloco todos os pontos nessa nova habilidade e pronto, consigo recuperá-la, certo?
Sistema: [Você utilizou Palavra de Cura: Rest]
Ao usar tal habilidade minhas mãos esquentaram e ardeu um pouco. Não vi a Sheyla demonstrar sensações desconfortantes enquanto usava tal habilidade, então, por quê? Será por que sou um demônio? Talvez, nesse mundo, um demônio utilizar magia de cura já seria demais para a lógica do mundo, inclusive até mesmo para o Sistema.
E, parando para analisar os resultados, não parece que eu apenas “tratei” os ferimentos. Os arranhões e cortes superficiais que ela tinha, desapareceram quase no mesmo instante. E, pelo jeito, tanto seus pontos de vida, quanto de mana estão sendo restaurados rapidamente.
Uma coisa que não posso esquecer de mencionar é que, igual ao que aconteceu com Sheyla, a habilidade [Palavra de Cura: Rest] emitiu seu próprio brilho esverdeado, no entanto, a luz que saiu de minhas mãos foi tamanha que iluminou toda a sala e quase me cegou.
Togo que ainda estava lá fora, ficou surpreso quando minhas mãos brilhavam mais que um farol. Ele fez menção de entrar na sala, porém, eu o fiz recuar.
— Yami, você está bem? — perguntou Togo mesmo assim.
— Não se preocupe comigo. Está tudo bem. — disse enquanto olhava para Sheyla que ainda aparentava estar dormindo. — Avise o líder Yaga e peça para que ele venha até aqui.
— Entendido. Irei avisá-lo agora mesmo — disse Togo antes de sair.
Sheyla começou a abrir os olhos. Ou minha habilidade era realmente forte, ou essa garota tem um ótimo metabolismo.
— Você... consegue utilizar magia branca, mesmo sendo um demônio? — disse com certa dificuldade.
— Oh, já acordaste? Sim, graça a você — respondi.
— O que mais você pode me surpreender? — Ela deu um leve sorriso, quase como se estivesse incrédula pelo que aconteceu.
— Como se sente, melhor?
— Sim... e você vai mesmo me obrigar a isso?
— O quê? Te obrigar? — respondi sem saber do que ela estava falando.
— Me fazer agradecer.
— Não tem razão para isso — afirmei.
— Não. Eu realmente preciso... — disse enquanto voltava a se sentar e depois de uma reverência, agradeceu: — Obrigada demônio.
— Sabe... você pode me chamar de Yami.
— Você tem nome?
— Sim, tenho.
Ela tentou se levantar, com um pouco de dificuldades, mas, depois de ficar por um momento imóvel – como se estivesse pensando no que fazer em seguida – ela se prontificou em uma verdadeira dogeza, e isso me surpreendeu.
— Por favor, Yami... Por favor, ajude também as outras garotas. Eu, eu farei o que você quiser, mas, salve elas.
— Ah, isso... — Olhei para as outras. — Sheyla, eu não sou uma pessoa bem altruísta, mas, se você me ajudar e se elas também puderem me ajudar com qualquer coisa, eu não medirei esforços para retribuir o favor.
— Por favor!
Manter toda essa máscara de alguém de bom coração é realmente cansativo.
Mas que caralhos, por que tenho que me submeter a isso? Seria tudo mais fácil apenas... Não, não dá para tentar seguir pelo caminho mais rápido ou fácil se eu não souber quais consequências isso pode me trazer. Apenas vamos continuar com todo esse teatrinho.
— Ok, ok... aliás, eu já te prometi, certo? Eu iria ajudá-las de qualquer forma.
— Obrigada.
Ela deixou escorrer algumas lágrimas e apesar de conter o choro, era visível que estava bem emocionada.
Essas correntes... isso ainda é algo que preciso solucionar. Será que consigo soltá-las de alguma forma?
Sistema: [Sua Força atual é mais que suficiente para quebrar esse material: Corrente de Ferro].
Obrigado, Sisteminha. Mesmo não vendo qual é minha força, saber que essa corrente não é páreo para esses bracinhos, é um tipo de “alívio”. Porém, se eu quebrasse as correntes agora, ainda haveria chances de ela simplesmente escapar e até mesmo acabar com todos os goblins. Não, nisso não posso me arriscar.
É melhor eu verificar todas outras garotas antes disso.
Se a Sheyla decidir fugir, mas eu encontrar outra garota tão forte ou capaz quanto a ela, não precisaria me preocupar tanto. E se ela resolver me atacar, eu terei que ser obrigado a usar a [Aura Demoníaca] o que provavelmente iria destruir quaisquer chances de abrir um diálogo decente com as outras.
Enquanto ela estava soluçando por causa do choro, fui até as outras duas.
Sobre as outras... hmmm...
Meril Armani, Conjuradora com título de Professora.
Ninx de’Lanoche, Ladra com título de Rapineira.
Apesar de não fazer ideia do que se trata suas classes, seus status e habilidades estão no mesmo nível – um pouco menos – que da Sheyla. Ou tive bastante sorte, ou azar, mas se as três se juntam contra os goblins ou contra mim, isso seria uma chacina.
As duas estão com a tal “exaustão de mana”. E pelo que entendi, quando isso acontece, é quase impossível se recuperar da fadiga naturalmente.
Estava pensando em curá-las individualmente, só que, isso pode levar muito tempo e tempo é o que não quero desperdiçar agora. Então, vamos apenas curá-las de uma vez.
Sistema: [Você utilizou 2x Palavra de Cura: Rest]
Pronto, agora só preciso que suas manas se recuperem o suficiente para elas acordarem. Espero que elas não surtem quando isso acontecer, já que conversei apenas com a Sheyla até agora. E não dá para dizer que a pessoa consegue ouvir ou perceber ao redor quando se está com tal fadiga, então, todo meu teatrinho não serviria para nada.
Já as outras três...
Parecem apenas garotas normais, e bem jovens por sinal. Uma está com o status [Terminal] e outras duas estão grávidas. Será que devo curá-las? Se você acordasse e descobrisse que está grávida de um monstro, a primeira coisa que faria é... Não, sem considerar as piores alternativas aqui... pelo menos não por enquanto.
Por via das dúvidas, é melhor garantir que elas não consigam se machucar mesmo se quisessem.
Fui até onde estavam e procurei qualquer pedra, osso, seja lá o que elas pudessem usar para se ferir ou retirar suas vidas.
Feito.
Acredito que assim, elas devem me ouvir antes de fazer qualquer loucura.
Finalmente fui até elas para curá-las.
Sistema: [Você utilizou 3x Palavra de Cura: Rest].
— Isso é impensável — disse Sheyla enquanto me acompanhava com a visão.
— O que? — perguntei.
— Um demônio curar.
— É, estranho, não?
— Estranho? Sim! Nunca ouvi histórias sobre demônios capazes de curar... Você tem certeza de que é um demônio?
— Sim, sou um demônio — afirmei, e apontei para meus chifres apesar da escuridão. — Você viu os chifres e o rabo, né?
— Sim...
A sala tinha parecido uma boate já que toda vez que uma habilidade era usada, uma luz intensa aparecia.
Olhei para garota com o status [Terminal] e ele foi removido. Não sei dizer o que isso significa, porém, se ele continuasse aí, certamente ela morreria. Espero que eu tenha conseguido salvá-la... afinal, essa tem habilidades únicas que eu realmente quero desfrutar.
Diferente das outras duas garotas, essas três são consideradas “comuns”, por isso a habilidade [Rest] demonstrou-se bem mais eficiente. Elas rapidamente recobraram a consciência e acordaram também.
Agora é só aguardar as outras duas acordar e poderei conversar com todas elas de uma vez.
Olhei para Sheyla. Espero que você me ajude a convencê-las, não quero que tudo isso tenha sido uma perda de tempo e energia.