Volume 1
Capítulo 5: Aparência Frágil é meu Poder
Apesar de ter demorado muito mais do que o normal para escolher entre aquelas três opções, uma realmente me colocou em uma fase pensativa. Tal como o goblin Yaga disse, muitas criaturas iriam me subestimar pela aparência indefesa de uma criança, por outro lado, nunca fui de usar dessa artimanha para conseguir algo que gostaria.
Que impasse...
Tina que estava aguardando, olhou para Saga esperando que ela entendesse minha demora, porém, Saga também estava confusa.
— Princesa... Yami, algum problema? Não gostou das roupas? — perguntou Tina.
— Oh, não... Não se preocupe, só imaginando qual seria a melhor para mim — respondi depois de um longo suspiro.
Apontei para o vestido.
Mesmo que isso fosse de certa forma humilhante, posso usar isso ao meu favor, logo é melhor garantir todas as vantagens que tenho. Elas ficaram felizes na mesma hora, era essa a opção que vocês gostariam que eu usasse? Então, por que mostrar as outras?
O vestido era feito de um pano branco, porém, por causa da poeira do local e a sujeira em si, ele tinha algumas manchas e não era tão bonito visualmente. As outras roupas também não estavam nas melhores condições. E, se eu comparar com o que Tina e Saga vestem, pode-se dizer que estou ainda melhor que elas.
Elas fizeram questão de me ajudar a vestir mesmo dizendo que eu poderia fazer sozinho.
— Você ficou linda, Yami! — disse Saga euforicamente. Ela também deu alguns saltos e bateu palmas, antes de continuar: — Eu sabia que esse modelito seria perfeito para você.
— Como é? — perguntei, e “modelito”, como assim?
— Não tínhamos tantos materiais para usar, então esse parecia ser o único que iria cair-te bem. — Tina caminhou até a mesa e deixou as outras duas opções.
— Bem, melhor do que ser um pirata.
— Pirata? — perguntou as duas ao mesmo tempo.
— Esquece, não é nada — respondi.
Caminhei um pouco.
Apesar de ser um pouco largo, foi um bom trabalho elas terem conseguido fazer daqueles vários pedaços de pano um vestido. Mesmo assim, sinto um belo vazio aqui embaixo, afinal não estou usando nenhum tipo de roupa de baixo.
— Aqui há algum tipo de espelho?
— Espelho? — perguntou Tina.
— Sim, aquilo que... bem... — Ora, como elas falam tão bem, e mesmo assim ainda ficam certas dúvidas no ar? Goblins, são goblins, preciso me acostumar com isso. Continuei: — para ver meu reflexo, sabe, minha própria imagem.
— Ah, sim! Não temos isso aqui. Nós podemos usar isso... — Tina correu até a estante ao lado e trouxe um pedaço de placa, tenho a certeza de que é parte de alguma armadura.
Então peguei aquilo e tentei me ver, mas, como imaginei, nada. Mesmo que houvesse algum tipo de reflexo, a luz era muito ruim naquele quarto e o reflexo em si, era todo desfigurado.
Apenas fiz um sinal negativo e entreguei a peça.
— Acho que há um no quarto do líder Yaga — disse Saga.
— É, isso! Há um “espelho” no quarto do líder Yaga — repetiu Tina.
— Se é assim, então vou falar com ele depois.
Mesmo que fosse um vestido, e eu estando nesse corpo, é indispensável que eu esteja bem apresentável. Se a ideia é parecer uma garotinha frágil, tem que parecer em todos os sentidos.
Então comecei a sair da sala, as duas que ainda estavam com algumas linhas e pedaços de tecido presos ao corpo e cabelo, logo se arrumaram e me seguiram.
Para onde devo ir agora? Conversar com o Yaga? Preciso saber o quanto antes que lugar é esse e entender minha situação e minhas opções a partir de agora.
Dei alguns passos para fora daquele quarto e vi Togo. Aparentemente ele estava indo para outro corredor.
— Togo! — gritei e acenei.
Ele parou e procurou quem o tinha chamado, e me vendo, veio em minha direção e ajoelhou-se como um verdadeiro servo.
— Princesa Demônio! — disse enquanto ainda mantinha a reverência.
— Me chame apenas de Yami, e não precisa se ajoelhar.
— Mas, minha senhora...
— Apenas Yami! — afirmei já um tanto enfurecido.
Ele fez um sinal positivo e logo se levantou.
— O que posso te ajudar, Yami? — Togo perguntou.
Então olhei para as outras duas que ainda estavam do meu lado. Aguardei por um momento, esperando que elas se tocassem para sair, porém, isso não aconteceu. A cara de paisagem das duas não tinha fim.
— E vocês duas? Já não acabamos aqui? — perguntei para elas.
— Ah? Sim? Então devemos voltar? — perguntou Tina.
— Certamente.
— Se precisar de algo, basta nos avisar, Yami — afirmou Saga.
— Então até outra vez, Yami — respondeu Tina.
— Sim, sim, eu aviso se precisar — afirmei.
As duas saíram saltitantes como se estivessem conversando com seu ídolo de infância.
Togo que tinha me perguntado ficou observando toda a cena, inclusive aguardou as duas se afastarem e tomar seu próprio rumo. Depois, virou-se para mim e me encarou.
Togo não era tão alto quanto Yaga, no entanto, eu poderia considerá-lo como do meu tamanho, e neste caso, estávamos meio que olhando um ao outro diretamente.
— Yami, eu gostaria de pedir desculpas novamente pelo que aconteceu mais cedo — disse Togo enquanto abaixava a cabeça.
— Não se preocupe com isso. E, sim, você pode me ajudar. Na verdade, — apontei para o outro corredor — quero saber o que há na sala do tesouro, e...
— Minha Princesa....
— Yami!
— Yami, lá é... bem...
— A sala com as escravas, certo? As duas me falaram sobre isso.
— E tudo bem você ir para lá?
— Ora, vocês precisam que eu confirme algo que já acabei de confirmar?
— Me desculpe, é que...
— Só me leve lá, Togo.
Ele concordou com a cabeça.
Não dá para saber se sua preocupação é sobre o que posso fazer ao chegar lá, ou se ele tem algum tipo de consideração por estar levando uma “criança” até lá. E, pelo que entendi das outras duas garotas, parece que somente os goblins machos podem acessar essa parte da caverna. Isso só deixa as coisas mais estranhas, certo?
Depois que ele concordou, partimos em direção ao corredor mais profundo.
Realmente, essa parte da caverna é bem mais monótona. Diferente das outras no qual passei, essa quase não tinha goblins. Era basicamente um deserto. Se vimos três goblins diferentes, seria muito.
Andamos por alguns minutos até que chegamos no final do corredor em um lugar que parecia uma grande porta. Do lado dela havia um goblin... não, o sistema avisava outra coisa, é um Hobgoblin.
Esse “cara” é realmente alto, tão alto quanto um humano padrão e seu corpo bem mais atlético e forte. Além disso, diferente dos outros goblins – e até mesmo do Togo – ele era o único que estava vestido com proteções que cobriam todo o corpo, e do seu lado havia uma espada e um escudo. Tudo fazendo jus ao seu título: Elite.
Seu nível e status são bem maiores do que Togo e poderia até dizer que são do mesmo nível que Yaga.
Como ele não falou nada, apenas me virei para o Togo e perguntei:
— E quem é esse?
— Esse é Gogo, ele é nosso único Hobgoblin dos Goblins da Montanha. Não é muito de falar, mas é um exímio guerreiro.
Então o “analisei” ainda mais com o [Analisar].
Sistema: [Gogo – Habilidades]
- [Linguagem de Monstros]
- [Pacto das Sombras – melhora a eficiência das magias e comandos das sombras em (10xNível da Habilidade). Se estiver próximo ou sob as ordens de um General Sombrio, estes valores aumentam. Atual: 30%]
- [Aura Intimidadora – sua aura ameaçadora atrai a agressividade dos adversários e, para alguns, pode servir como um bônus para Teste de Intimidação]
- [Resistência Física – aumenta a eficiência para resistir a um teste físico em (5xNível da Habilidade). Atual: 15%]
- [Maestria com Escudo – aumenta a eficiência de combate quando equipado com uma arma e um escudo em (5xNível da Habilidade). Atual: 25%]
- [Golpe com Escudo – ataque poderoso que utiliza o escudo e logo em seguida sua arma]
— Ele é realmente forte... — Soltei um leve suspiro. — Porém, não vai nos trazer nenhum problema, certo?
Togo deu alguns passos para frente e ficou frente-a-frente com o Gogo. Seu tamanho era colossal se compararmos nossos tamanhos. Além disso, por estar de armadura, ele tinha uma aura intimidadora sem nem ativar sua habilidade.
— Gogo, essa é a Princesa Demônio, Yami! O Líder Yaga deu a permissão para ela ir para qualquer lugar, inclusive a sala do tesouro.
Como estava um pouco afastado dele, não consegui ver bem seu rosto.
Sistema: [Você deseja utilizar Teste Seduzir?][Sim][Não].
Quê?
[Você jogou 1d20 e obteve 19+99, resultado: Sucesso]
Quê?! Como?
— Pff… — Gogo soltou alguns sons estranhos.
Não sei o que aconteceu, porém, assim que nossos olhos se encaram por um instante, era como se ele tivesse levado uma pequena descarga elétrica, rapidamente se virando para o outro lado e olhando para a parede. Ele apenas confirmava com a cabeça enquanto se afastava da “porta”, permitindo que passássemos por ela.
— O que foi isso agora? — perguntei.
Togo olhou para mim, com aquela cara sem expressões e me respondeu:
— Parece que ele gostou muito de você, Yami.
— Como assim “gostou” muito de mim? O que aconteceu?
Como Togo apenas continuou o percurso, eu o segui. Porém, ao olhar para trás, pude ver o tal Gogo me encarando fixamente enquanto nos afastamos. Não me diga que, holy shit... Eu... espero não precisar fazer alguma coisa contra aquele “cara”.
De qualquer forma, assim que atravessamos o corredor, chegamos até um grande salão.
O salão não é tão grande quanto os outros que passamos, mas tem seu tamanho considerável, além disso, ele está dividido em duas áreas, pois no seu meio há um tipo de parede feita pelas pedras do lugar.
O primeiro lugar, onde estamos agora, está repleto de coisas que parecem ter um certo valor. Desde utensílios como cálices, pratos e talheres. Há também alguns baús, barris e caixas, entre várias outras coisas. Do lado oposto a estas coisas, há diferentes tipos de armas e alguns outros equipamentos, desde armaduras até elmos e luvas.
Nada parecia devidamente organizado, mas, aparentemente fizeram questão de separar em “categorias”, se é assim que posso chamar.
Caminhei até uma das espadas e a retirei do chão. O [Analisar] também funciona com objetos inanimados? Que conveniente.
Sistema: [Espada de Ferro Arkano Singular, a qualidade deste item está em 34% e isso pode afetar sua eficiência de maneira geral].
Deixei a espada de lado e peguei agora um Machado.
Sistema: [Machado de Ferro Arkano Singular, a qualidade deste item está em 38% e isso pode afetar sua eficiência de maneira geral].
— A maioria dos equipamentos aqui estão com uma péssima qualidade — perguntei enquanto olhava para o Togo.
— Não possuímos ferreiros ou alguém com habilidades para fazer manutenção nas armas. Por isso não a usamos, mas, também elas ficam assim, largadas aqui.
— Entendi. Hmmm… — olhei para o outro e vi que ali havia equipamentos bem mais chamativos. Enquanto caminhava, continuei: — E de onde vocês pegaram essas armas?
— Aventureiros costumam vir para a floresta para caçar algumas criaturas como Coelhos-da-Lua e alguns dos outros monstros...
— E pelo que sei, goblins também, certo? — cortei ele.
— Sim, inclusive nós, Goblins.
— E então?
— Quando eles são fracos, acabam fugindo e abandonando seus equipamentos. Às vezes eles também morrem e a gente pega o que for útil.
— E os corpos?
— Deixamos lá. Seria muito arriscado trazer os corpos para a caverna quando há muitos animais capazes de rastrear o cheiro da morte.
— Bem inteligente da parte de vocês.
— Líder Yaga nos ensinou isso.
— Bem, méritos ao Yaga então. — Continuei observando o redor por um momento e continuei: — Mas, se eles caçam os goblins, por quê?
— Não sei responder, Yami.
— Entendi — suspirei.
De qualquer forma, mesmo não visualizando os status ou as habilidades daquele outro grupo de aventureiro, eu tenho a certeza de que nenhum goblin aqui seria capaz de ameaçá-los, nem mesmo o Yaga ou Gogo. Olhei novamente para ele e perguntei:
— E quando vocês encontram algum aventureiro?
— Quando isso acontece, a gente foge. Muitos irmãos morreram nas mãos dos aventureiros, porém, quando Líder Yaga apareceu, ele nos ensinou muitas coisas, inclusive como fugir dos aventureiros. Desde então, é muito difícil perdemos alguém para os aventureiros.
— E só há aventureiros de perigo aqui? — perguntei.
— Às vezes há Coelhos-Tigre. Estes são tão perigosos quanto aventureiros e bastante agressivos. Sugiro que tenha cuida... — ele parou por um momento, achou que iria me ofender se me pedisse para ter cuidados? De qualquer forma, depois da pausa, continuou: — Há também criaturas mais adentro da floresta que são perigosas, como os Lobos-Negros e o Urso-de-Pedra.
— E todos estes vocês já os enfrentaram antes?
— Não. Eles são muito fortes. Se algum goblin os encontrar, é melhor que ele tente levá-lo para longe da caverna.
— Como um sacrifício heróico, então?
— Hmmm. Creio que sim.
Caminhei até chegar noutra parte do salão de tesouros, este, havia não só armas como também alguns equipamentos da mais alta classe. Por que estes itens são tão diferentes dos outros?
Peguei a espada que estava colocada de pé apoiada na parede.
Sistema: [Espada de Aço Valleano Espetacular].
O Sistema sequer ousou dizer algo sobre a qualidade da arma, e é nítida como ela é tão melhor que as outras que seria redundante avisar sobre. Levantei a espada, mostrando-a para o Togo, e perguntei:
— Ei Togo, e esses equipamentos? Por que estão em um nível tão diferente?
— Estes chegaram há poucos dias, Yami. Essa espada pertencia a uma aventureira de alto nível. — Ele apontou para outras peças de armadura. — Este equipamento também estava com ela.
— E ela estava morta? — perguntei.
— Não, mas estava envenenada. Aparentemente seus amigos a traíram e a deixaram morrer com veneno. Quando a encontramos, trouxemos ela para o líder Yaga e ele cuidou dela.
— E o papo sobre levar um corpo até a caverna?
— Bem, ela ainda não estava morta.
— Entendi. E onde ela está agora?
— Hmm… Ela… — Ele apontou para a outra parte desse salão.
Olhei para a outra parte, em direção a um espaço aberto coberto por uma cortina-cigana. Então, este é o lugar onde ficam as escravas?
— Quantos escravos vocês têm? — perguntei, enquanto me aproximava da porta.
Apesar da incerteza no primeiro momento e de ele agir como se eu não devesse ir até ali, se recompôs e respondeu:
— Atualmente temos 6 escravas, Yami.
— Humanos?
— Sim.
— Todas mulheres?
— Sim.
— E para que vocês as utilizam? Não vi uma sequer enquanto estava aqui dentro.
— Como posso dizer… — ele olhou para um lado e para o outro antes de continuar: — elas servem para aumentar nossa população e servir como prêmio para os Caçadores.
Sério isso? Quero dizer… não é como se eu realmente estivesse abalado por isso, mas, mesmo assim, me dá um certo desconforto. E, parando para lembrar agora, nas histórias que aqueles maníacos escreviam, realmente tinha esse tipo de assunto, certo?
No entanto, ele está falando de uma maneira tão natural e eu o entendo como se fosse algo tão comum que, provavelmente, eu não fiz nenhum tipo de expressão. Talvez por causa da [Linguagem de Monstros], minha percepção ao comum ou não, esteja sendo afetado.
— Certo, quero vê-la.
— Espere, Yami.
— O que foi?
— É só que…
— Não se preocupe, quero apenas conversar, nada demais.
Ele apenas abaixou a cabeça, concordando, e foi até a “porta”, empurrando a cortina como se abrisse a passagem para mim. E, apesar de bem escuro, logo minha visão começou a se ajustar.
Parando para pensar, não senti desconforto em nenhum momento pela falta de luz, tanto nesta caverna quanto lá fora na floresta – ao menos nas partes mais densas – será que...
Sistema: [Demônios-Real possuem Visão-Verdadeira. Até uma certa distância, você consegue ver, além de objetos, criaturas e monstros, inclusive se elas estiverem invisíveis, em outros planos ou como ilusão].
Bom saber isso. Apenas mais um item roubado para minha coleção de itens roubados.
Será que irei conseguir conversar com elas? Quero dizer, isso se elas não tentarem me atacar na primeira oportunidade...