Volume 1
Capítulo 22: As Frágeis Faces das Mentiras
Após passarmos pelo posto de guarda, tudo pareceu mais fácil. Conseguimos um “documento” que, ao ser apresentado aos guardas, nos permitia entrar na cidade sem problemas.
Era impressionante o contraste entre o movimento dentro e fora dos muros. Do lado de fora, havia pessoas, mas nada se compara à agitação do lado de dentro.
A arquitetura era claramente inspirada nas favelas da América do Sul, com casas amontoadas umas sobre as outras, construídas nas encostas das montanhas e com ruas estreitas e sinuosas. Apesar disso, a vista era de tirar o fôlego.
Nunca havia estado em um lugar como esse, e mesmo com a precariedade, havia um certo charme no ambiente. Não conseguia esconder minha curiosidade e surpresa, mas, ao mesmo tempo, a coleira em meu pescoço me lembra da difícil situação em que me encontro. Por quê? Eu sabia o motivo, mas era tão bizarro que pensar a respeito me dá dor de cabeça.
Caminhamos por alguns minutos entre as casas apertadas, tentando avançar em meio à multidão composta por uma grande variedade de raças. Para minha surpresa, muitas delas não eram humanas, e comecei a entender por que viviam ali.
Algumas tinham corpos humanoides, mas com cabeças de animais; outras, asas no lugar das mãos, chifres e caudas demoníacas; e ainda outras, cores de pele, olhos e cabelos em tons variados. Essas combinações exóticas nem sempre resultam em uma aparência agradável aos olhos, o que me fazia pensar que, além de serem tratadas como "não-humanas", serem consideradas lixo, como Ninx mencionou, começou a fazer sentido.
Você não gostaria de ficar ao lado de uma criatura de braços e dedos longos, salivando pela boca como se estivesse sedenta por sangue, certo? Talvez isso pudesse se aplicar aqui. No entanto, o que me parecia estranho era que, dentre todas as pessoas que encontrei, incluindo as garotas-goblins e as humanas, muitas delas possuíam uma beleza que supera os padrões da Terra.
E quando chegamos aqui... é muito diferente.
Apesar de estar sendo conduzido por Sheyla, ao olhá-la e ver as outras garotas, percebi que elas não pareciam intimidadas com a situação... exceto Meril. Meril era a única entre nós que tentou evitar contato com os outros ao máximo. Contudo, considerando a falta de espaço, ela acabou sendo tocada pelas pessoas da cidade de vez em quando.
Em suas expressões, notei nojo e medo. Será que uma mulher como ela teria essas reações? Bem... não há muito o que dizer sobre isso. Eu mesmo evitei encostar em alguns dos tipos peludos e outros de aparência bizarra.
De qualquer forma, o maior problema aqui era a falta de espaço. Não era como se eles quisessem nos atropelar ou atrapalhar, mas havia tão pouco espaço para andar que isso está acontecendo.
Sheyla nos levou por este caminho para evitar a rota principal usada pelos aventureiros e pela guarda da cidade. Embora isso garantisse uma passagem mais discreta, nos apresentou tais situações não tão agradáveis.
Por causa dos símbolos na armadura de Sheyla, as pessoas perceberam rapidamente que ela era uma Cavaleira de Lóthus e abriram caminho. No entanto, isso nem sempre funcionou, e quando funcionava, nem sempre era bom para nós.
Houve uma vez em que os moradores ficaram tão assustados que, ao recuarem, acabaram caindo no meio do caminho e quase sobre nós. Felizmente, Sheyla e Ninx agiram rapidamente para evitar que nos atingissem.
"Sinto muito, as coisas são assim às vezes", disse Sheyla sorrindo, tentando disfarçar que aquilo tinha sido perigoso. "Para nós, humanos, essa parte da favela é bem... diferenciada. Então, tome cuidado, Yami", explicou Ninx, encarando outros para que se afastasse de nós.
Caminhamos até chegarmos a uma área mais ampla e com menos casas amontoadas. Esse lugar me lembra uma feira, tanto pelo espaço quanto pela disposição das pessoas e das pequenas barracas.
— Derk do Diabo, Frutas Kamekaki, Motabe fresquinha!
— Compre agora! Lã de Giyaanti!
— Ovos de Zor, ovos de Zor...
Mas que diabos? O que são essas coisas? São nomes estranhos que nunca ouvi antes, e até mesmo o jeito diferenciado em seus dialetos sugere que são itens vindos de regiões bem distintas.
A [Tradução Mágica] está fazendo um ótimo trabalho permitindo que eu entenda parte das frases e do que eles falam, mas ao não compreender os nomes das coisas aqui, sinto que tudo é muito perigoso ou suspeito.
— Espere, Yami! — afirmou Sheyla, parando nosso movimento enquanto nos escondemos atrás de uma das casas antes de entrar na área aberta.
— O que foi, Sheyla?
— Guardas da cidade... por que estariam aqui?
— Hmmm... — Olhei na direção em que ela está apontando, mas devido ao meu tamanho, muitas “pessoas” me atrapalham e por isso não consegui entender do que se trata. — Você não disse que basta estarmos do seu lado?
— Sim... mas não aqui, não nessa parte da favela.
— Sério?
Ninx se aproximou de mim, agachou-se e tentou explicar a situação:
— Até eu preciso concordar com Sheyla agora. Como você pode ver, essa parte da favela é para os inumanos. Só o fato de estarmos aqui já causaria confusão, e se os guardas nos verem, pior ainda.
— E o que está acontecendo lá?
— Pelo jeito alguém está... — Ninx se afastou, observou por um momento e depois voltou a me dar atenção — ... vendendo algo perigoso na feira. Os guardas foram chamados para resolver isso.
— Resolver? Como?
— Você vai ver... — explicou Ninx com tristeza em seu tom.
Assim que ela terminou de falar, alguns inumanos começaram a gritar e correr, se afastando daquela área. Por causa disso, consegui ver a cena pela primeira vez:
Uma criatura que parecia uma espécie de dromedário está no chão, caída sobre uma barraca improvisada de produtos – um verdadeiro camelô – e os guardas, pelo menos cinco deles, cercando-a. Usei meus sentidos aguçados para compreender melhor o que estava acontecendo.
Apesar de ser humanoide e andar em duas pernas como os outros inumanos, sua aparência era um tanto perturbadora. Suas pernas e braços eram longos e magros e no lugar dos pés, havia cascos. Além disso, possuía uma cabeça alongada com um focinho largo e côncavo.
— Veja bem, seu desgraçado... já não falamos para parar de vender essas coisas aqui? O que há com essa sua cabeça enorme? — disse um guarda dando alguns passos e se inclinando em direção à criatura. — Por acaso está vazia?
— Vai com calma, Thorn... Os outros estão nos olhando.
— Dane-se! São por causa desses desgraçados que nós temos esse trabalho infernal... Eu odeio ficar nesse lugar que fede a rato-morto... — gritou, encarando todos ao redor.
Os outros guardas pareciam não querer acabar o show nem mesmo abaixar a intensidade. Ainda assim, o outro continuou tentando acalmá-lo.
— Sim... eu entendo... mas, veja, há uma criança com ele.
Apesar de apontar para aquela “criança”, era algo como um pequeno filhote de dromedário vestido com roupas velhas. Ela parecia trêmula e indecisa no que fazer, claramente seu “pai” ou responsável está em uma situação desfavorável.
O que é isso? Ao mesmo tempo em que sinto indiferença com a situação, sinto raiva igualmente... Como esses “humanos” estão ousando tratar aquelas criaturas como... “lixos”?
Não sei qual expressão fiz, porém, cerrei meus punhos com muita raiva.
— Sheyla, não vai ajudá-los? — perguntou Ninx.
— ... — Sheyla não respondeu nada.
— É, bem o esperado dos Cavaleiros de Lóthus... — complementou Ninx enquanto voltou a atenção para a cena.
Pelo jeito, os Cavaleiros de Lóthus é uma organização pós-humana.
Os guardas foram até o que sobrou da barraca daquela criatura e chutaram o resto, destruindo-a.
— Ouçam aqui, seus desgraçados... se pegarmos vocês vendendo essa maldita droga de novo, serão seus crânios e membros destroçados no chão — gritou o guarda de antes, se afastando.
Os outros apenas lhe deram cobertura enquanto saíam.
— O que foi essa cena? O que aconteceu?
— É areia vermelha... — disse Ninx — aquele inumano foi repreendido por vender areia vermelha.
— “Areia vermelha”?
— É algo usado por alguns tipos de inumanos para manter seus corpos aquecidos... aqueles do tipo cobra e lagartos costumam tomar algumas porções dessa areia. Por ser uma região montanhosa, suas casas às vezes ficam escondidas da luz por muitas horas.
— Sério? Ou seja, algo que é para eles sobreviverem nesse caos?
— Podemos dizer que sim...
— E por que os guardas destruíram aquela tenda se isso é necessário?
— Bem, a areia vermelha é como uma droga para os humanos. Uma droga poderosa. Mesmo em pequenas quantidades, é viciante a ponto de os humanos roubarem e matarem por isso...
— Ah...
Talvez por isso Sheyla não agiu contra os guardas, afinal, ela precisa proteger todos... “humanos”.
— Aí, eles vieram e destruíram tudo? — indaguei de certa forma irritado.
— É o jeito deles passarem o recado.
— E os superiores não sabem sobre isso? — perguntei.
— Como eu disse, Yami, os linhos-dourados não se preocupam... nem com os lixos, nem com os pobres. — Virou-se para Sheyla — certo, Sheyla?
— ... — Sheyla esperou um momento antes que pudesse responder: — Sinto muito que você tenha visto isso, Yami, mas é... nós também possuímos alguns problemas que estão além de simplesmente o bem contra o mal.
Depois do incidente, os moradores do lugar começaram a voltar como se nada tivesse acontecido. Aqueles dois “dromedários” ainda estão tentando colher seus produtos destruídos no chão.
— Quando não possuem essa areia vermelha, o que acontece?
— Inumanos ainda podem se aquecer usando fogo e tecidos especiais, no entanto, materiais como lenha e os próprios tecidos não são baratos... ou melhor, são vendidos ao olho da cara — explicou Ninx.
— Mesmo estando próximo de uma floresta?
— Sim... A Floresta de Erthemon é conhecida por ser um lugar com muitos monstros. E, além disso, a cidade proíbe que não-aventureiros saiam para buscar lenha.
— Que confusão... E de onde vem a lenha então?
— Vem de uma cidade menor chamada Brestin, ao Leste. Apesar de serem alguns dias de viagem até lá, é o jeito para conseguir esse material, que por ser o “único” jeito, é muito caro.
Ninx sabe bastante sobre estas coisas, né? E eu pensando que seria Meril aquela a tomar a liderança dessa explicação. Falando nisso, Meril não disse nada até agora.
Lancei um olhar para Meril e, para minha surpresa, encontrei-a encolhida em um canto. O que teria acontecido? Foi então que percebi um estranho "humano" nos observando fixamente... o que era aquilo?
Ele possuía apenas um olho enorme e redondo no meio da testa. Sua pele era grossa e cinza-esverdeada, com cabelos negros e emaranhados que desciam até seus ombros. Ele era visivelmente maior e mais musculoso do que qualquer outro humano que já havia visto, com cerca de três metros de altura.
— O que é isso? — perguntei, afastando-me e me posicionando atrás de Sheyla.
— Não se preocupe, é apenas um ciclope — respondeu Ninx.
Apesar de sua aparência intimidante, ele não parecia agressivo, apenas curioso, balançando a cabeça de um lado para o outro enquanto observa nosso grupo.
— O quê? Não são monstros perigosos?
— Monstro? — Ninx riu. — É verdade que sua aparência pode ser assustadora, mas os ciclopes estão entre os inumanos mais amigáveis da favela. Ele está apenas curioso.
Foi a primeira vez que vi Ninx sorrir de maneira genuína, sem sarcasmo ou ironia. Ela chamou a atenção da criatura e pediu que se afastasse.
— Você se dá bem com eles?
— Se você está me perguntando se gosto de inumanos? Posso dizer que aprecio muito mais do que os muitos "humanos" por aí — Ninx recuperou sua expressão habitual. — Fui criada por alguns inumanos "descartáveis" enquanto meus pais e outros humanos me ignoraram... então, posso dizer que sim, me dou bem com eles.
Melhor não comentar nada por enquanto.
— Vamos continuar, Yami — disse Sheyla, enquanto olhou para Meril. — Você também, Meril, levante-se.
Meril, ainda um pouco abalada, levantou-se e nos juntamos novamente. Continuamos a caminhar pela favela, tentando evitar atrair atenção indesejada.
Enquanto seguíamos em frente, notei que a relação entre os humanos e inumanos nessa cidade era mais complicada do que eu pensei.
Para meu conhecimento sobre “não-humanos” e outras raças de histórias de fantasia medieval, isso foi uma verdadeira surpresa. Essa experiência está me mostrando que cada um deles tinha seus próprios problemas e desafios, e que, assim como os humanos, eram capazes de ser amigáveis ou hostis, dependendo das circunstâncias.
À medida que caminhamos pela favela, eu percebi que Ninx era uma pessoa mais complexa do que eu havia pensado inicialmente. Ela parecia ter uma conexão genuína com os inumanos, e isso era algo que eu não esperava.
Ao longo do caminho, encontramos outras criaturas interessantes e exóticas. Eu me pergunto, algum dia conseguirei me acostumar com esse tipo de ambiente e me relacionar com essas criaturas sem sentir medo ou estranheza?
Apesar disso, comecei a perceber que a favela tinha sua própria beleza. Havia uma energia e vivacidade nas pessoas e nas criaturas que viviam ali, algo que eu nunca tinha experimentado antes. Era como se, apesar de todas as dificuldades e desafios que enfrentam, eles ainda conseguissem encontrar forças para viver e seguir em frente.
Ao abandonarmos a área movimentada, nos deparamos com uma longa escadaria. Sheyla se aproximou de mim.
— Peço desculpas a vocês, Meril e Yami... não poderia imaginar que enfrentamos tantos problemas e que isso seria ainda mais difícil para vocês. Como disse antes, este era o melhor caminho para evitar um caos maior.
Fiz um sinal de entendido para Sheyla e depois lancei um olhar sério para Ninx.
— Então, quando você disse que "bastava estar ao lado de Sheyla", era uma ironia?
— Talvez... — Ninx tentou disfarçar.
— Mesmo com a ideia de transformá-lo em um escravo e entrar pela cidade, Yami, precisávamos evitar espalhar rumores sobre a Comandante dos Cavaleiros de Lóthus adquirindo um meio-demônio e, pior, permitindo que ele circulasse livremente pelas favelas — explicou Sheyla ignorando a resposta de Ninx.
— Bem, pelo menos ninguém nos descobriu... então, acho que está tudo bem. Mas teria sido melhor se vocês tivessem me avisado ou, melhor ainda, explicado com seriedade o que está prestes a acontecer.
— Nunca passei por isso... — comentou Meril, se recuperando da tensão. — E quando atravessei os portões, não passei diretamente pela favela...
— Sim, percebi que você também está tão abalada quanto eu...
— Mais uma vez, peço desculpas a vocês — disse Sheyla.
Ninx esticou os braços e estalou os dedos.
— Bem, agora não há mais o que se preocupar. A pior parte passou. — Ela apontou para a escadaria. — Agora, basta subirmos e estaremos próximos da área "nobre", certo, Sheyla?
— Sim... — Sheyla se afastou e observou a escadaria. — Apesar de ser claramente um lugar não recomendado, será útil para nós.
— Por que não é recomendado? — perguntei.
— Bem, chamamos este lugar de Favela e, como você viu... tem seus próprios problemas. Portanto, qualquer caminho que dê acesso à favela é considerado não recomendado para os cidadãos da cidade.
— "Cidadãos da cidade", disse nossa comandante... — Ninx reclamou.
— ... — Sheyla não respondeu.
Percebi que as duas têm visões bem diferentes sobre o assunto. Ninx foi criada por inumanos e tem quase nenhuma empatia pelos humanos, já Sheyla foi criada de tal forma que é uma paladina convicta que busca o bem... para os "humanos".
— Tudo bem, garotas, não precisam ficar assim. Então, se subirmos as escadas, sairemos da Favela, né? — tentei diminuir o clima tenso.
— Não, Yami. Primeiro, subimos as escadas e, ao chegarmos lá em cima, ainda teremos que atravessar um túnel que corta boa parte da montanha.
— Interessante... — comentei, observando a favela atrás de nós.
Estamos em uma região bem mais alta do que as áreas anteriores, proporcionando uma visão única do local. Dali, podíamos ver o mar verde da Floresta de Erthemon e até mesmo as montanhas, inclusive aquelas onde os goblins habitavam.
E pensar que estamos cruzando acima da "cidade" para chegar ao outro lado.
— Bem, vamos subir.
— Teremos que encarar toda essa escadaria... que situação — lamentou Meril.
E assim começamos a subir a escadaria.
Nesse ponto mais alto, quase não havia casas, apenas algumas estruturas que pareciam pequenas guaritas e torres, mas sem ninguém por perto.
Nos dirigimos ao que parecia ser a entrada do túnel. Este possuía algumas aberturas laterais semelhantes a janelas e fora construído próximo à margem da montanha, junto ao desfiladeiro.
Era como um daqueles túneis na borda de uma montanha que, além de permitir atravessar a própria montanha, proporciona uma visão do cenário ao redor. No entanto, essa vista se limita a outra montanha à frente e parte da favela vista de cima, ou seja, uma paisagem simples.
Ao chegarmos à entrada dessa "caverna", dois homens saltaram de caixas de madeira pesadas. Vestiam roupas com um símbolo e cores semelhantes, lembrando membros de gangues de motoqueiros.
— Olha só o que encontramos, irmão! Três mulheres encantadoras e... uma escrava.
Mas quem diabos são esses? E por que estão falando conosco dessa maneira com sotaque e gírias de yankee?
Sistema: [Você deseja realizar o Teste Intimidação?][Sim][Não].
Detesto esse tipo de gente que acha que quebrar as regras da sociedade é o mesmo que ser descolado.
Sistema: [Você jogou 1d20 e obteve 17+99, resultado: Sucesso].
— Ei, seus imbecis! Acham mesmo que temos tempo para brincar com vira-latas? — Avancei alguns passos e me posicionei entre eles e nosso grupo. — São pessoas como vocês que degradam nossa sociedade!
— Yami? — Sheyla perguntou surpresa.
Já não gosto de Yankees e, ao analisar seus status, vejo que são fracos: um é nível 10 e outro nível 7. Como alguém tão insignificante está nos importunando com tanta arrogância? E olha esse nome ridículo: “Murdkqestla”! Alguém bateu a cabeça no teclado quando o batizou?
O segundo se chama Dao Nethan e, tanto em aparência quanto em força, é irrelevante. Se enfrentasse um Coelho-da-Lua, certamente acabariam mortos.
Tempo é sucesso! Não vamos perder mais tempo com esses punks.
— Sua escrava imunda! Como ousa falar assim comigo? — gritou Murdkqestla.
— O quê?! — gritei enfurecido.
Dao interveio, impedindo seu amigo de continuar.
— Espere, Murd, veja esse símbolo! — apontou para Sheyla. — Não é o símbolo dos Cavaleiros de Lóthus?
Murd e Dao pararam por um momento, provavelmente ponderando o que fazer a seguir.
— ... Vocês tiveram sorte que eu sou um cavalheiro — disse Murd de maneira arrogante.
Sheyla, vendo a mudança na situação, fez uma leve reverência.
— Agradecemos por isso, não queremos causar confusão — disse, olhando para mim e depois pedindo desculpas aos outros.
Droga, minha experiência anterior me fez agir por impulso e quase estraguei minha máscara de garotinha fofinha.
— Espere, Sheyla! Como assim não “causar” confusão... esses porcos ousaram não só obstruir nosso caminho, mas também chamar Yami de imunda... Eles não deveriam ser abatidos e dissecados?
Wow, Meril... de onde tirou toda essa coragem? E esse jeito sádico de falar... bem, não que eu estivesse contra isso. Não depois de me chamarem de escrava imunda.
— O que você disse?! — gritou Murd.
Uma estranha voz ecoou acima de nossa discussão:
— Mas que caralhos é essa confusão na minha área, Murd?
Uma presença imponente surgiu entre a sombra das construções próximas. O líder deles, claramente o "Aniki" do grupo, caminhou lentamente em nossa direção. Com um olhar severo e um sorriso sarcástico, ele avaliou a situação.
Ele era visivelmente mais forte que os outros, mas ainda assim, seu nível está abaixo da média do nosso grupo. Seu nome, Mervakon, tinha um ar de zombaria. Embora todos os três tivessem a classe de Ladino, o líder possuía atributos mais similares a um guerreiro.
Acompanhando-o, outros cinco homens surgiram - meros capangas com níveis ridículos, em torno de 5. Seus nomes eram tão idiotas que decidi chamá-los simplesmente de capanga 1 ao capanga 5.
— Ah, irmão mais velho! Não o vi chegar... — ele correu e ficou do lado do seu chefe. — São apenas 3 mulheres... e essa escrava!
O líder, com uma expressão séria, cruzou os braços e analisou a cena à sua frente. Seu cabelo está puxado para trás em um estilo típico de yakuza, e ele exala uma aura de poder e controle. Vestindo uma roupa escura e ajustada – que me lembrava um terno preto –, ele parecia alguém que não deveria ser provocado.
O líder olhou para nós com um olhar penetrante, avaliando nosso grupo cuidadosamente. Percebi que esta era a oportunidade perfeita para testar algo antes de prosseguirmos, especialmente considerando que estamos fora do campo de visão de guardas e pessoas "normais".
É hora de mostrar a esse grupo que eles não devem subestimar nosso poder. Com um plano em mente, me preparei para enfrentar o líder e seus capangas, determinada a ensinar-lhes uma lição que não esquecerão tão cedo.
Fiz questão de me alongar e estalar os dedos, depois disso, tirei o capuz.
— Bom, vou estar aqui se precisarem de qualquer coisa — disse Ninx sentando-se no muro próximo e atuando como uma telespectadora.
— Yami! Você não deveria sujar suas mãos com esses porcos...
— Se afaste, Meril...
— Tudo bem... — Meril se afastou e ficou próximo a Ninx.
Sheyla sem saber o que fazer apenas se afastou igualmente.
— Seja lá quem for, pode vir com tudo! — gritei para eles. Eu sabia que esse tipo de pessoa tem pavio curto e sentem-se na obrigação de se parecer para o chefe. E isso deu certo, rapidamente vieram dois capangas. — Vamos começar!
— Mas que filho da puta! Como ousa falar assim para nosso irmão mais velho!
— Vamos lá... [Capanga 3], vamos dar uma lição nessa garota!
Dois capangas se aproximaram de mim, o Capanga 2 e o Capanga 3. Felizmente, estar vestida com esses trapos e ter um corpo de criança me dá uma vantagem. Eles não suspeitam de nada e nem pareciam ter a habilidade de [Analisar] ou um instinto apurado como Ninx ou Sheyla.
Eles tinham diversas aberturas em seus movimentos.
No entanto, ser uma criança também tinha suas desvantagens. Apesar de eu ter experiência em karatê e judô, a maioria das técnicas seriam extremamente difíceis de usar contra eles. Portanto, deveria contar com o Sistema roubado e seus atributos injustos para me auxiliar.
Tsuki Ottoe não era apenas um rostinho bonito, e eu ia provar isso agora. Estou pronta para lutar corpo-a-corpo e mostrar a esses capangas o que uma “criança” bem treinada era capaz de fazer.
O Capanga 2 se aproximou de mim com os braços abertos, como se quisesse me agarrar como um saco de batatas.
Mas eu não sou tão fácil de capturar.
Com um movimento rápido, me abaixei e segurei suas mãos, usando a força e velocidade dele contra si mesmo.
O capanga foi jogado para trás e caiu de costas em algumas caixas de madeira, parecendo desorientado.
As três garotas ficaram surpresas com meu movimento de judô. Não é todo dia que se vê uma criança dando conta de um adulto robusto, certo?
O Capanga 3 hesitou por um momento, mas logo percebeu que eu ainda era uma criança e partiu para cima de mim com um soco. Mal sabia ele que eu não era uma criança indefesa, mas sim uma lutadora habilidosa.
Com um movimento rápido de karatê, aparei seu golpe e pude aproveitar sua base ruim para desequilibrá-lo com um chute certeiro entre suas coxas.
Ele caiu de lado, tentando se apoiar nos joelhos, mas eu não lhe dei nenhuma chance.
Entrei em uma posição ofensiva e desferi uma série de golpes em seu peito, destruindo toda sua força de vontade e resistência.
Não satisfeita, girei-me e acertei um chute em seu rosto, fazendo-o ser lançado para o lado com força.
Seu companheiro, o Capanga 1, ficou completamente atônito com a cena e não sabia o que fazer. Não perdi tempo e avancei em sua direção, usando suas mãos a meu favor para dar-lhe um belo voo sobre as caixas de madeira que estão empilhadas do outro lado. Ele caiu de costas, gemendo de dor.
Eu estou completamente concentrada no combate, mas não pude deixar de notar a expressão de choque das garotas que assistiam à cena.
Eu não gosto de violência, mas precisei me defender e não podia deixar que me subestimassem... Eles não sabiam com quem estavam lidando.
— O que é isso?! Nunca vi uma criança lutar assim antes... — disse Sheyla confusa com a situação.
— Que técnicas de combate avançadas, onde você aprendeu isso? — indagou Ninx bem energética.
— Só não se esqueça que ela é um demônio — complementou Meril.
— Que palhaçada é essa? — gritou o chefe deles.
— Senhor... essa criança não é normal!
— Normal? Por acaso vocês são idiotas? Ataquem todos de uma vez.
— Pensei que não iriam se empenhar mais, afinal, depois de toda aquela cena de gangue, apanhar para uma criança deve ser bem desmotivador... — gritei para eles.
— Sua escrava maldita!
— Espere chefe — disse Dao.
— O que foi?
— Aquela mulher... ela faz parte dos Cavaleiros de Lóthus! — gritou enquanto apontou para Sheyla. — Essa criança não pode ser normal, certo?
O que há com esse papo sinistro agora?
— Quem se importa? Depois de me tirar do sério... elas vão ter que pagar nessa porra! Se não for dinheiro, será com seus corpos!
— Oh... ótimo, me poupou o trabalho de entender seus motivos, agora já sei que são apenas escórias.
Depois que confirmei que não preciso me conter tanto contra esses desgraçados, parti em direção ao chefe deles. Assim como antes, a sensação de correr livremente pela floresta, aqui não era diferente.
Senti-me bem e livre!
Minha velocidade foi tamanha que só pude ver os rostos contorcidos dos homens com espanto e dúvidas, afinal, com um piscar de olhos, já estava diante deles.
Os outros dois capangas, Capanga 4 e 5, tentaram se colocar na frente contra minha investida, porém, esquivei de seus movimentos com uma finta rápida, passando entre eles e segurando seus braços.
Por causa dos meus atributos de Força, mesmo sem saber o valor numérico exato, pude lançá-los para cada um lado. Voaram em direção aos muros daquela parte com força. Pude escutar o som de agonia e dor quando eles caíram.
Merda, tenho que ter cuidado com minha força.
Mud e Dao também entraram na frente. Sem hesitar, desviei de seus golpes com extrema facilidade e dei um soco em cada um, na boca do estômago e outra na lateral do corpo respectivamente.
Eles foram lançados para longe assim como os outros.
Mud e Dao tentaram se recuperar do impacto, e, mesmo eu diminuindo a força dos golpes dessa vez, tinha sido além de suas capacidades.
O chefe vendo tudo aquilo, retirou de seu casaco preto uma adaga.
— Yami! Cuidado! — gritou Sheyla.
— Seu desgraçado! — comentou Meril.
Eu vi a adaga ser disferida em minha direção, porém, com toda minha velocidade e percepção, todo esse combate está sendo feito em uma espécie de câmera lenta.
Quando o golpe “me atingiu” eu já estava para o lado contrário do movimento de seu braço, e bastou eu apenas o segurar.
Assim que o segurei, puxei seu braço para cima e o estiquei de maneira que ele não poderia mais segurar a adaga, desarmando-o. Fazendo isso, também o forcei a ficar no chão ajoelhado.
Seu braço está em uma posição que seria facilmente quebrado mesmo sem muito esforço de minha parte.
Apesar de não conseguir ver meu próprio rosto, era óbvio que minhas expressões estão com um tom sinistro. Ao menos eu sabia: estive sorrindo com tudo aquilo.
— Nossa... sequer consegui ver o que aconteceu — comentou Ninx.
— Meu braço! Meu braço! Se fizer isso, vai quebrá-lo! Não me machuque!
— Que patético — disse baixinho, próximo de seus ouvidos. — Depois de tudo que você falou, agora está aí, implorando por algo tão trivial?
Sheyla se afastou da mureta e se aproximou de nós com alguns passos.
— Espere Yami! Eles já não podem mais lutar... estão todos derrotados. Você não precisa fazer isso!
— Lembra-te da condição, Sheyla?
— Condição... do contrato?
— Sim — ainda mantive o braço do chefe virado para trás. — Eu não preciso me segurar quando alguém está tentando me ferir... certo? Ele tirou essa faca e tentou me atacar...
— Tudo bem... tudo bem, Yami. Mas, agora ele não está mais nas condições para isso, então podemos nos acalmar...
— Já que você insiste tanto...
— Sua filha da puta, eu vou te matar! — maldito, ele fez aquela cena para tentar virar o jogo, né?
O problema é que ele é muito burro, essa posição já é um xeque-mate. No momento que ele tentou forçar, seu braço estalou como um galho sendo partido. O osso estalando ecoou naquele silêncio e depois, começou a gritar.
Eu o larguei no chão enquanto ele se arrastou gritando de dor.
Sheyla, vendo aquilo, ficou sem saber como agir. Ela está bem apavorada com a situação. Afinal, tinha acabado de ver uma “criança” acabar com 7 bandidos e um suposto chefão da gangue como se fosse nada.
Ela sabia que eu poderia destruir essa cidade tão facilmente quanto quebrar o braço desse homem.
— Não precisa fazer essa expressão, Sheyla... Só dei o que eles pediram... um pouco de educação.
— Magnífico... Perfeito, Yami! — disse Meril se aproximando de mim. — E pensar que você fez isso tudo apenas com suas mãos... Porém, seria prudente deixá-los escapar?
— O que está sugerindo Meril? — perguntou Sheyla nervosa.
— Você sabe, eles não são porcos, são baratas. Se deixar as baratas vivas, elas continuariam a se reproduzir.
— Quê! Não são baratas, Meril, são pessoas!
— Espero que você não esteja insinuando que por serem “humanos” eles podem fazer o que quiser, Sheyla — disse Ninx a encarando.
Vendo a situação, respirei profundamente e fiquei entre elas.
— Acalmem-se vocês. — Virei-me para Sheyla — Como você disse, Sheyla, já terminou. Agora, basta atravessarmos pelo túnel, ok? Então vamos prosseguir.
— E eles? — perguntou Ninx.
— Deixa eles para lá, não é problema nosso.
— Tudo bem.
Peguei a capa que tinha caído no chão depois desta confusão e a vesti novamente.
Como imaginei, seus níveis são ridículos comparados aos meus. Apesar de não saber o quão forte estou, meus golpes "normais" foram muito mais efetivos contra eles do que eu poderia imaginar.
Se são membros de alguma gangue local, é provável que estes deveriam ser os que tentam intimidar os outros moradores da favela. Pelo menos, observando os aventureiros, como Sheyla e as outras duas, pude perceber que, em geral, são muito mais fortes. Por isso, não posso usar essa laia como referência.
Começamos a caminhar pelo túnel.
Sheyla se aproximou de mim e perguntou baixinho:
— Yami... você não iria realmente matá-los, certo?
— Você não percebeu o que eles fariam conosco? Depois de tudo, ainda está preocupado com eles? — suspirei, mas continuei: — De qualquer forma, deixamos eles vivos, ok?
— Eu... — Sheyla respirou profundamente e continuo: — eu sei o que eles disseram, não sou ingênua.
— E por que está me perguntando isso, então?
— É que... suas expressões... você esteve muito feliz enquanto lutava contra eles. Se divertiu com tudo aquilo?
— Bem... — será que eu realmente estava feliz com isso? — Eu tenho meus motivos por não gostar de pessoas como eles, então talvez tenha me divertido enquanto descontei minha raiva na situação, mas, não precisa se preocupar.
— Yami...
— Apesar de não parecer, que fique bem claro, eu não sou uma pessoa que encara a violência ou o sadismo com bons olhos. E você mesma deveria entender a situação já que há um tempo decidiu “testar” minhas habilidades de um jeito estranho.
Sheyla lembrou do que aconteceu e concordou.
Apesar de Sheyla ter falado isso, Meril e Ninx parecem dar a mínima para a situação. Meril realmente possui algum grau de sadismo e Ninx... parece odiar os “humanos”.
Depois de atravessarmos o túnel, saímos no que parecia a segunda parte da “Favela”. No entanto, havia menos casas aqui e estão escondidas atrás de um grande prédio.
Apesar de não saber o que era, e nem ter perguntado para as outras, parecia ser um galpão abandonado no meio da montanha. Provavelmente algum que dava acesso a uma mina ou caverna.
O lugar ao redor era também abandonado e a partir dele, um acesso a uma ladeira que logo se torna uma grande escadaria. Desse ponto já era possível ver a cidade.
Não estávamos no lugar mais alto, porém o panorama era incrível. Várias casas criam um tipo de floresta de pedra e havia pouquíssimas árvores ou "verde" na paisagem.
No centro da cidade, erguia-se uma estrutura que lembra uma torre, rodeada por muralhas altas como a de um castelo. Se lá não fosse o "castelo" do rei ou o centro dessa cidade, me perguntava o que seria.
No horizonte oposto, a coloração azulada da noite já se mostra visível. Nuvens pesadas que indicam que choveria mais tarde...
Apesar dessa sequência de incidentes, finalmente estamos na “cidade”... Será que terão mais eventos como esse?