Volume 1
Capítulo 19: Os Rastros do Passado — Parte 2
O quão fantasioso é essa história com direito a resistência contra demônios, “escórias da humanidade" e tudo mais? Pode ser que eu esteja indo para um lugar tão bom quanto um lixão, mas, também possa ser uma mina de diamantes. Que intrigante. Sabendo dessas coisas, fica ainda mais difícil encontrar “valor” nas pessoas dessa cidade.
De qualquer forma, se eu não for ver com meus próprios olhos o quão “ferrado” estão essas pessoas, não conseguirei planejar meus próximos passos. Até mesmo se considerar o que aquele deus disse, eu não poderei confiar cegamente no uso do Sistema para meu próprio bem-estar.
Todo o meu bom-senso ou parâmetros de comparação podem ser destruídos no momento que eu pisar naquela cidade, mas, isso é necessário para que eu não cometa erros aqui. E, pelo fato de ter conversado com goblins até agora, isso se torna ainda pior.
Goblins normalmente são criaturas fracas onde nos jogos e nas histórias não se dá muito a mínima. Às vezes considerado apenas um inimigo qualquer para o jogador derrotar. Então, se eles forem meus únicos parâmetros de comparação, estarei ferrado.
E se considerarmos as garotas aventureiras, elas claramente são superiores aos goblins, tanto quanto aos números que o Sistema me apresenta, quanto suas habilidades e jeito de agir. Porém, elas são as mais fortes de seus grupos? Quero dizer, se apareceram presas daquela forma na caverna dos goblins, isso só significaria que elas são tão fracas quanto eles, certo?
Maldição... muito mais dúvidas...
De qualquer forma, prosseguimos pelo caminho em direção ao ponto de início dessa história.
Aproveitei que elas estavam comigo e fiz algumas perguntas simples acerca do mundo. Por exemplo, esse lugar era conhecido como a floresta de Erthemon, uma região repleta de florestas e montanhas e lar de inúmeras criaturas de nível baixo.
Porém, depois que houve a batalha contra os demônios, essa região foi abandonada e deixada de lado pelos humanos e por isso algumas criaturas e até mesmo demônios de nível inferior adentraram na floresta.
É dito que o habitat muda do dia para a noite, e quando fica de noite, criaturas mais fortes aparecem e espalham a morte e caos para todos que entram em seu caminho. Dito isso, aventureiros são avisados para não sair muito tarde durante suas missões ou mesmo perambular pela floresta à noite.
Apesar de ter escutado essas explicações, não vi nenhuma criatura que me desse medo ou que se mostrasse forte. Na verdade, diferente dos goblins, não vi criatura nenhuma. A única que não foi um goblin, foi o coelho-da-lua – já morto.
Será que essas informações são apenas lendas criadas para impedir que os humanos perambulem pela floresta à noite? Vai saber...
Com minha habilidade de [Analisar] eu conseguia obter informações privilegiadas de muitas coisas, sejam elas coisas vivas até coisas mortas como pedras e objetos. Agora, quem está me passando essas informações? O próprio Sistema? Aquele deus?
Foi apenas questionar que de repente o Sistema veio com um novo aviso: [Você concluiu os requisitos, deseja aprimorar o Sistema?] [Sim][Não].
Novamente com isso... e que requisitos foram dessa vez? Sem respostas... Certo, quero aprimorar.
Mais uma vez a janela se balançou e sumiu da mesma forma que apareceu, porém, partículas voaram sobre meu redor até que se juntaram para formar um novo botão. Desse novo botão, há um nome peculiar: "Diário".
O que é isso?
Sistema: [Agora você pode acessar o Diário. No diário haverá anotações sobre temas, itens, figuras e entidades. Você pode alterar as descrições a qualquer momento manualmente e de acordo com eventos específicos].
Mas que diabos, agora tenho meu diário particular? Pensando bem, todo jogo que se preze tem algum tipo de registro.
Olhei para as garotas e elas sequer perceberam o que aconteceu.
Certo, vejamos...
Cliquei naquele novo botão e ele criou a janela. Ela era simples, mas em suas diversas opções, estavam organizadas como o explorador de arquivos do Windows. Então é como se estivessem separadas em categorias, grupos, pastas e subpastas. E...
Wow, e pensar que já teriam informações... muitas informações. De tudo que analisei, parece ter criado uma nota. E de tudo que escutei até agora, também. Nomes como do mestre do Yaga, tal como informações referentes a Cidade da Fronteira. Há até informações sobre as garotas aqui...
Mas quem escreveu isso?
— Yami, algum problema? — perguntou Sheyla. — Você parou de se movimentar...
Oh, erro meu... se eu ficasse lendo essas notas aqui e agora, só iriam me dar como uma “criança” doida da cabeça. Respire, inspire. Fiz um sinal negativo e logo voltei a andar.
— Está tudo bem, não precisa se preocupar. — Como Meril e Ninx também tinham parado, acho melhor já tentar responder uma de minhas dúvidas — Garotas, estive aqui me perguntando... vocês possuem capacidade de [Analisar], certo?
— Sim — responderam Meril e Ninx.
— Desculpe, Yami, eu não a possuo. Apenas minha experiência com batalhas — comentou Sheyla.
— Entendi. Então... — olhei para as outras duas — o que vocês veem no analisar?
— Não entendi, Yami. Você também não possui essa habilidade?
— Sim... mas queria ter certeza de uma coisa... Quando vi Yaga usar a dele, percebi que seus olhos brilham e provavelmente ele está usando magia.
— Oh, isso? Entendi, deixe-me explicar — Meril fez a mesma pose de antes: — Muitas pessoas e criaturas possuem [Analisar], no entanto, dependendo de sua origem ou forma de uso, seus efeitos podem variar. Por exemplo, no meu caso, quando eu uso analisar, eu consigo ver o fluxo de mana do alvo. Esse fluxo me dá informações que eu posso usar para determinar suas ações, suas habilidades e magias... E é claro, seu nível de força.
— Então cada [Analisar] é tratado de uma forma diferente... e você, Ninx?
— Ah... como posso dizer isso... acho que a minha habilidade é semelhante ao que acontece com Meril, no entanto, podemos colocar como um nível de ameaça? — o que há com essa dúvida, ela não reconhece os efeitos de suas próprias habilidades? — Digo, se o alvo que eu estiver usando meu [Analisar] for muito mais forte que eu, essa habilidade... meio que sinaliza que é extremamente perigoso enfrentá-lo. Algo como calafrios?
— Não é normal a pessoa sentir isso quando está com medo?
— Bem, sim. Mas, usando você como exemplo, mesmo com sua aparência original sendo muito parecida como uma criança humana, meu [Analisar] apitou de maneira louca para eu não te enfrentar.
— Hmmm... interessante.
— São poucas criaturas que podem usar [Analisar] como você ou eu, Yami — explicou Meril. — E as poucas que podem usá-la, são consideradas extremamente perigosas.
— Foi por isso que você desistiu do duelo de antes?
— Também, mas não foi a única razão.
— E Yaga? Ele seria considerado perigoso? Ele também pode usar o [Analisar].
— Esse é outro caso raro. Nunca vi ou escutei falar sobre um goblin, sendo ele feiticeiro ou xamã, usar [Analisar], então... ele não é comum.
Olhei para Sheyla.
— Então a Sheyla é a única que não tem essa habilidade aqui...
— Pelo jeito, sim — afirmou Sheyla. — Ainda consigo sentir o nível de ameaça de uma criatura, porém, isso está vinculado a sua aparência. Criaturas grandes, com garras e presas, ou membros extras são aquelas cujo nível de ameaça eu consigo analisar. No entanto, se eu olhasse para você, Yami, desde antes seria impossível para mim distinguir que você era tão forte.
— Certo. Obrigado pelas explicações de vocês, garotas.
Elas concordaram e continuamos nosso caminho.
Bem, com essas respostas, ficou óbvio que nenhuma delas tem acesso ao Sistema, ou ao menos as janelas de um jogo eletrônico. Isso significa que o que aquele deus disse era verdade. No entanto, não compreendendo todos os detalhes em suas explicações, isso não pode ser descartado completamente.
“Traços de Mana”, “Nível de Ameaça”, “Pontos de Medo”... tudo isso são termos relacionados a jogos, certo? Talvez a [Tradução Mágica] esteja afetando o meu entendimento sobre isso de qualquer forma.
O que nos resta é continuar pelo caminho.
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Finalmente chegamos aonde eu despertei.
O lugar não mudou nada e pelo jeito, também não há nada aqui. E eu pensando que tinha deixado algo passar pela surpresa ao acordar em outro mundo. As garotas deram alguns passos pelo lugar, mas sem saber o que fazer, aguardaram minhas palavras.
— Bem, finalmente chegamos. É aqui que eu... apareci nesse mundo.
— Você diz do seu “outro mundo”? — perguntou Ninx.
— Sim.
— Ainda que você diga isso, Yami, se realmente fosse teletransportada para cá, seja por um portal, magia ou ritual, haveria marcas e resquícios desse evento. No entanto, para mim essa parte da floresta está tão normal quanto as outras — disse Meril.
— Também não vejo... — Ninx tinha iniciado seu discurso, mas logo que viu algo no chão, parou por um momento. Depois de analisar com mais cuidado o solo, continuou: — Espere, Yami... aqui, vejo que tem algo aqui que não é normal.
— O que você viu?
— Encontrou algo? — perguntou Meril.
Sistema: [Percepção Passiva Ativada].
Sistema: [Você possui uma nova Habilidade à Aprender: Rastrear].
O que foi isso? Uma nova habilidade agora, mas por quê?
— Sim... vejam, apesar de bem fraco, há rastros de carruagem ou carroça, mas não tenho tanta certeza já que nunca tenha visto rodas desse tipo.
— Carruagem?
O que ela está vendo? Mesmo com minha percepção passiva, não consigo entender o que ela está dizendo. Então, será melhor eu pôr pontos nessa habilidade para ver o que ela está vendo.
Pronto... incrível!
Só foi colocar pontos na nova habilidade, nível máximo obviamente, que do nada, de maneira fluorescente, um rastro azul se intensificou em meu campo de visão. Tal rastro ganhou forma e assim que vi, quase soltei um berro de surpresa. Eram marcas de pneus, pneus do meu carro!
Ninx que estava atenta a cena, logo me encarou.
— Você sabe do que se trata, Yami? — perguntou Ninx.
— Sim... é como você disse... é um tipo de “carruagem”...
— Porém os rastros vão em direção a floresta... e para este lugar, há uma descida muito íngreme.
— Mesmo que vocês digam isso, como uma carruagem poderia chegar até aqui? Até mesmo nós tivemos dificuldades de atravessar o lugar. Se isso fosse possível, haveria muito mais traços e a natureza ao redor não estaria intacta — argumentou Meril.
— Parece ser uma descida perigosa se continuarmos por este lado, ainda assim, não posso negar minha curiosidade se é aqui que você “apareceu”, Yami — disse Sheyla.
— Não precisa pôr ênfase nessa palavra. Você, querendo ou não acreditar, não muda o fato que foi aqui que acordei.
— Bem, ao menos não há sinal mágico nos arredores — argumentou Meril. — Para onde está direcionando os rastros? Para esse declive?
— Sim — respondeu Ninx.
Meril olhou para o céu e depois de uma pequena pausa, virou-se para nós e continuou:
— Bem, de qualquer forma ainda temos tempo antes de escurecer. Acho que poderíamos dar uma olhada e ver se encontramos essa carruagem. Com a Yami do nosso lado, não teremos problemas.
— Como assim?
— Como posso dizer isso... sempre escutei falar dessa floresta como uma região habitada por inúmeras criaturas. Mesmo que aquelas próximas da cidade não sejam tão perigosas, era para ter uma abundância considerável. E ainda assim desde que saímos da caverna dos goblins, não encontramos nenhuma criatura.
— E o que isso significa?
— Que por estarmos do seu lado, as criaturas não estão ousando nos enfrentar.
— Errr — isso eu não posso negar. — Mesmo assim, vocês não deveriam ficar tão despreocupadas assim.
— Yami!
— O que foi, Ninx?
— Deixe-me ver mais a frente se é seguro, ok?
— O que há com essa pergunta? Não precisam da minha aprovação para tudo.
— Tudo bem.
Ninx pulou pelas raízes e saltou pelos galhos como um verdadeiro animal selvagem. Sua destreza era tanta que até as outras duas pareciam surpresas pelo que viram. Mesmo tendo um nível relativamente baixo, não dá para acreditar que todos os humanos seriam capazes de agir e saltar igual a ela. Ou seja, Ninx também seria alguma figurinha especial?
— E pensar que ela tem essa energia toda...
— É normal um humano fazer isso?
— É claro que não... Bem, dependendo das habilidades da pessoa, ela poderia aprimorar seu físico, só que fazer isso, dessa forma, não.
— Você conseguiria fazer isso, Sheyla?
— Não... muito menos com essa armadura.
— Viu, te disse...
— Então o que explica ela fazer isso com tamanha facilidade?
Pode ser que o mundo não seja como um jogo eletrônico, porém elas estão classificadas com números e habilidades especiais, o que de alguma maneira é uma forma de medição. Se o valor de “Força” e “Agilidade” refletem o quão habilidoso e poderoso é uma pessoa, eu deveria prestar atenção nesses números primeiros.
— Pode ser que eu esteja errada, Yami, mas deve ter sido por causa do contrato.
— Você diz o meu contrato?
— É claro. Assim que aceitamos, recebemos parte dos seus poderes, só que da forma como você fez a separação, creio que recebemos essa força de acordo com nossas próprias habilidades. Me sinto muito mais poderosa, mas não a ponto de fazer o que a Ninx faz — explicou Meril.
— Faz sentido, afinal vocês têm vantagens e desvantagens bem óbvias.
— Como assim? — perguntou Meril.
— Ah, esquece.
Meril apesar de ter percebido minha capacidade de “analisar” mais que o normal, apenas conformou-se com minhas respostas e deixou de fazer perguntas.
Sheyla que esteve em silêncio até agora deu um sorriso para mim.
— O que foi?
— É que você... sabe tanta coisa e ainda assim se considera um ignorante desse mundo.
— Talvez meu conhecimento de antes esteja me ajudando, só isso.
Levou-se alguns minutos e Ninx ainda não tinha voltado. As outras começaram a ficar impacientes com a situação.
— Será que ela tenha fugido... mesmo aceitando o contrato? — perguntou Sheyla.
— Não, ela não fugiu — disse Meril, convicta. — Só está demorando mesmo.
— E como você sabe disso?
— Só sei que sim... quero dizer, algo me diz que ela não fugiu.
Sheyla encarou Meril por um momento e depois olhou para mim.
Naquele momento, Sheyla tinha razão ao duvidar de Meril, porém, a verdade era que Ninx ainda continuou próximo de nós, só que muito mais dentro da mata densa. Por causa do meu “mapa” eu conseguia ver sua localização, andando de um lado para o outro. O que ela está fazendo? Isso ainda permanece um mistério.
— Ninx ainda está lá, investigando. Não se preocupe com isso.
— Se você diz, Yami...
E voltou a ficar um silêncio.
Sheyla tentando quebrar o clima, começou:
— Yami, se você é realmente de outro mundo, o que pode nos dizer sobre ele?
O que eu posso falar que não torne tudo uma confusão? Já sei, vou apenas dizer algumas coisas básicas e genéricas.
— Como posso dizer isso, ele era simples. Eu era bem famoso naquele mundo e posso dizer que vivi uma vida tranquila e confortante. Mas, depois de um incidente, acabei aqui.
— Interessante!
Apesar de eu não ter falado nada, Sheyla mostrou-se bem feliz com aquelas palavras.
— Isso soa tão... bom estudar! — disse Meril.
— O quê? Meril, fique na sua!
— C-certo, Yami.
— De qualquer forma, Yami... se você quiser falar mais sobre seu mundo, eu adoraria ouvir suas histórias.
— Mesmo eu sendo um demônio?
— Errr... acho que sim? Quero dizer, sim! — Sheyla sentiu-se encurralada pelo que responder, no entanto, bastou um pequeno tempo para sua convicção voltar. — Na verdade, eu quero parar todo esse conflito, gostaria muito que você pudesse explicar um pouco mais do mundo dos demônios... Talvez tenha algo que nós possamos oferecer para evitar essa batalha, certo?
— Isso? Bem, talvez mais tarde.
— Agradeço, Yami.
— E eu, você também pode me contar suas histórias, Yami! — argumentou Meril.
— Bem, digamos que você precisará merecer.
— Perfeito! Você não irá se arrepender.
Ninx começou a voltar para nossa direção.
— Ninx está voltando.
— Oh, certo — respondeu Sheyla.
Algumas folhas mais à frente começaram a balançar e podíamos escutar alguns galhos sendo quebrados, de repente Ninx aparece saltando de uma árvore e caindo do nosso lado. Seu salto foi tão gratificante quanto uma apresentação de saltos ornamentais, porém, para que tudo isso? Por acaso está querendo nos cativar com suas habilidades?
Ninx apesar de estar vestindo roupas simples de aldeão, aparece toda suja de terra. Mas que diabos, por que ela está tão suja assim? Não me diga que, enquanto pulou, caiu das árvores direto no chão?
— Então, Ninx... o que viu lá? — perguntei de maneira direta.
— E o que aconteceu, caiu enquanto pulou das árvores? — perguntou Meril tentando ser irônica. Ela realmente fez essa pergunta, né?
— Ah, isso? — Ninx olhou para seu próprio estado e fazia um sinal de negação. — Não, não caí. De qualquer forma, Yami, você precisa ver isso. Nunca vi nada parecido, mas como você disse que é do outro mundo, talvez saiba o que é.
— Eita... o que você viu?
— Algo que parece uma carruagem, mas sem suporte para cavalos ou qualquer outra criatura. Está meio escondido pelas raízes e por terra, por isso tive que me esforçar um pouco e acabei me sujando.
— Interessante...
— E considerando sua força, creio que você seja capaz de remover os obstáculos facilmente.
— Certo, me leve lá.
Carruagem, né? Acho que ela está falando do carro... meu carro?
Apesar de Meril e Sheyla não falarem nada, nos acompanharam.
No início o caminho era apenas uma ladeira engolida pela mata densa, no entanto, um tempo depois tornou-se extremamente difícil de continuar. Sheyla teve que sacar sua espada para cortar as vinhas e raízes para conseguir avançar.
Meril quase escorregou uma vez, mas Sheyla a ajudou. Pelo jeito, seu orgulho a impediu de agradecer, mas para mim tão pouco importa. O importante aqui é chegar até o lugar onde está essa “carruagem”.
Ninx nos alertou antes de prosseguirmos para a última área. Afinal, naquele instante estávamos de frente para um verdadeiro precipício. A queda daqui até o chão lá de baixo seria fatal para qualquer um que caísse. Mesmo tendo um rio na base da parede do penhasco, espero que ninguém caia sem querer.
— E pensar que tinha algo assim há apenas alguns metros de onde acordei.
— Você não tinha vindo até aqui antes, Yami?
— Não, quando caminhei, fui para a outra direção — até porque esse lugar era ameaçador logo no início da trilha. — De qualquer forma, onde está essa carruagem?
— Aqui, vem um pouco para cá — comentou Ninx.
Fui até Ninx e ela começou a apontar a direção para qual eu deveria olhar.
É estranho que depois de ter me acostumado um pouco com esse corpo, a sensação de liberdade e total controle que ele me passa é única.
Não que eu tivesse fobia de lugares altos, mas era certo que eu evitaria estar tão próximo assim de uma queda dessas.
— Está vendo? Ali, não sei como ele foi parar tão longe.
— Meu carro!
— Carro? Carruagem? — todos se perguntaram.
— Sim, algo parecido... mas como foi que isso aconteceu... como ele foi parar lá?
Realmente, que porra é essa? Meu carro está com toda sua parte dianteira enterrada na parede, além disso, ele está inclinado como se caísse de bico daqui de onde estamos até lá, doutro lado da grande queda.
O que isso significa? Se eu me lembro bem, eu bati na mureta da ponte e caímos no lago. Mas ele afundou verticalmente... da forma como ele está, parece mais como se quem o dirigisse, estivesse correndo em velocidade máxima e intencionalmente o largasse no precipício.
Mas, se isso acontecesse, provavelmente ele teria sido amassado, o que não parece estar sendo o caso. Daqui eu consigo ver o vidro traseiro e o porta-malas intactos.
— E então, Yami? Consegue retirá-lo dali?
— Você diz isso parecendo tão fácil. Em primeiro lugar, ele está do outro lado do precipício. E para piorar, está enterrado na parede.
— Sim, mas para você é fácil, certo?
— Claro que não... — Eu não quero ter a chance de cair e morrer... — Mas, se tivéssemos as ferramentas certas, acho que até dá.
— Ferramentas? Quais?
— Alguns cabos de aço, um pé de cabra, coisas desse tipo.
— O que são estas coisas?
— Vocês não têm algo parecido como isso? — o que estou falando, é óbvio que não. — Esquece... da forma como está, seria melhor arranjarmos um jeito de atravessarmos primeiro.
— Eu fui até lá.
— Quê? — perguntei surpreso.
— Quero dizer, tive que passar por ali — Ninx apontou para duas árvores, uma de cada lado que quase se tocavam. — É só ter cuidado para não cair e está tudo bem.
— Não, está nada bem... e se tu caísses? — por que estou tão bravo com ela? É melhor me recompor. — Certo, ok... E você conseguiu alcançar a “carruagem”?
— Sim. Mas não dá para abrir. Tem também algo que lembra algum tipo de cristal, mas é tão escuro que não consegui ver o que há dentro.
— Você está falando do vidro traseiro, certo?
— Espere aí, Yami, você disse que aquilo é vidro?
— Hã? Sim, mas não é como se fosse em toda a carruagem... qual o problema?
— Nada, é só que apenas nobres costumam usar vidro com tamanha abundância... e pensar que você é realmente uma princesa — explicou Meril.
— Que conclusão foi essa? De onde você tirou isso?
— Oh, me desculpe.
— De qualquer forma, será que na cidade conseguiríamos algo? — desde que eu não tenho a chave comigo, não há como abrir o porta-malas, isso se ele ainda funcionar. — Algo como uma barra de ferro com a ponta curvada?
— Ah, talvez uma alavanca serviria?
— Creio que sim. Então, se lá tiver esse tipo de ferramenta, poderemos voltar aqui. Pelo jeito, a carruagem não irá sair dali tão cedo.
— E como ela foi parar lá, em primeiro lugar? — perguntou Sheyla.
— Isso é o que vamos descobrir depois.
— Certo, eu posso te ajudar com isso Yami — respondeu Meril.
— Eu também — afirmou Ninx.
— Certo, vamos voltar pela trilha e ir para a cidade.
Todas concordaram e decidimos voltar para a cidade.
Finalmente algo que eu reconheço nesse mundo que não é deste mundo. Mas, como ele foi para lá? Não tem sentido algum. É como se estivesse mergulhado direto na parede, e sem considerar qualquer lei da física já que ele está literalmente colocado na parede.
Bom, agora tenho um motivo verdadeiro para ir para a cidade. Como vim parar aqui e por quê? Mesmo se eu não tiver as respostas dentro do carro, talvez eu consiga algum tipo de pista.