Volume 2
Capítulo 93: A VOZ DA TENTAÇÃO
Havia muito caos.
Kai estava bem no meio de um furacão que se erguia até o céu, mais distante do que seus olhos poderiam ver. Grãos de areia salpicaram sua pele, obstruindo sua visão periférica.
Mas havia desolação. Havia ruínas. Construções destruídas, caindo aos pedaços, pegas pela tempestade que era, estranhamente, silenciosa e barulhenta.
O mundo tremeu e rugiu de dor, mascarando uma angústia crescente do ambiente ao redor. Kai degustava um sufoco, uma inquietação crescendo no seu peito.
Algo aqui o preocupava, e talvez fosse o fato de que seu chi não se estava completamente recuperado, assim impossibilitando-o de uma de suas melhores armas: Radar.
Era como estar despido de roupas. Ou pior, como se sua pele tivesse sido arrancada, e não houvesse nada para lhe proteger e a sua carne. Infelizmente Kai sabia como era isso, literalmente. Um gosto amargo inundou sua boca.
Kai respirou fundo e engoliu em seco. Apesar de Vento Noturno ao seu lado, ainda era muito desconfortável não perceber os arredores. Isso impedia que ele pudesse reagir a tempo. Estava cego.
Contudo, ele tinha de continuar. Kai começou a andar, seus passos lentos e comedidos. Aqui, a tempestade não era muito forte, então os grãos de areia o atingiram com pouca intensidade.
Enquanto caminhava, Kai manteve a mão em Vento Noturno. Seus passos eram surdos e afundavam na areia maciça que se prolongava por todo o lugar.
Quanto mais ele se afastava de onde esteve nos últimos dias, mais a tempestade se intensificava, e os grãos de areia eram bem mais fortes agora. Seus passos se tornaram mil vezes mais lentos, e afundaram cada vez mais na areia. Em dado momento ele teve de erguer a gola de sua capa e retirar uma máscara que recebeu de Shemesh antes de sua partida.
Estava mais para capacete, na verdade… ele posicionou a máscara em seu rosto e pressionou um botão na lateral. Em poucos segundos uma série de placas de metais surgiu envolvendo toda sua cabeça.
Agora com a gola alta, as mangas esticadas, luvas poderosas e uma capa densa, além do capacete, Kai conseguiu continuar.
Mas quanto mais ele seguia, mais incômodo era, pois agora a areia batia em suas panturrilhas, e a areia agora era acompanhada por ventos fortes. Mesmo completamente coberto, ainda era ruim ter seu corpo salpicado por pequenos grãos. Era como se a qualquer momento ele fosse ser arremessado pelos ventos.
Kai continuou e então uma hora se passou. Nada se passava por sua mente, a não ser encontrar a criatura que o manteve no controle mental por dias. Mas quanto mais ele andava e mais o tempo passava, essa vontade ia perdendo a força.
Claro, ele atribui isso ao fato de estar sendo controlado pela criatura, que se mantinha em uma distância considerável. Ele prosseguiu, caminhando eternamente.
Logo ele chegou num lugar onde os ventos não eram tão fortes, e sua mente estava bem nublada. Por alguns momentos ele considerou o que estava fazendo ali e qual era seu propósito…
Mas era como se uma fina voz tentasse se comunicar com ele. Instintivamente ele agarrou o cabo de Vento Noturno, que estava preso ao baldrico enrolado firmemente em sua cintura. Sua mente ganhou avidez e perspicácia, trazendo novas tonalidades e sabores para sua percepção.
Kai piscou várias vezes e respirou fundo, observando ao redor. Seu olhar varreu e ele acabou se virando para o leste. A direção em que viera era muito mais nebulosa do que a que ele estava agora.
Claro… a criatura o fez mudar de curso, o tirando do caminho que levava até ela. Isso significava que ele estava certo em seguir por lá.
Mas tinha de tomar cuidado, sua fraqueza mental era grande e ele não conseguiria se manter são mesmo com Vento Noturno ao lado. Felizmente, ele sorriu e agradeceu por ter a espada ao seu lado.
Respirando fundo e fechando os olhos, Kai se concentrou em seu chi e nos arredores. Quando se concentrava, Kai conseguia tudo. Havia uma energia forte e distante emanando, mas era difícil de distinguir sua direção.
Só que Kai não era responsável por caçar sob o mando dos Murphy sem razão. Ele era tido como um bom caçador, e se procurasse nos lugares certos e com paciência, encontraria o que buscava.
Kai abriu os olhos, seu rosto se tornando sombrio e desejoso ao mesmo tempo. O que quer que ele estivesse procurando, estava a nordeste.
***
Dias se passaram, Kai continuou sua busca ferrenha a nordeste, mas era realmente difícil lutar contra algo que não se tinha noção de como era.
Até aqui nesta guerra, Kai tinha perdido quase todas as batalhas possíveis contra esse ser. Claro, eram batalhas mentais.
A criatura vinha confundindo Kai e o tirando de sua caminhada por muito tempo. Ele se pegou diversas vezes caminhando para o norte, para o sul, até mesmo retornando pelo caminho que viera…
Mas uma coisa parecia resistir bem contra os ataques mentais, e era Vento Noturno. A espada era muito proficiente em impedir os ataques. Mas somente isso não era o bastante.
Kai tinha a sensação de que estava dando murro em ponta de faca… mas isso não era realmente um sentimento seu. Era a criatura tentando desestabilizar sua mente que não estava nas melhores condições. Apesar das dificuldades, Kai nunca desistia de uma caça.
E mesmo com o cansaço, a dor de cabeça e a irritação crescente, ele não desistiu. Assim uma semana se passou. E duas… e três… quatro… Um mês inteiro.
Kai não sabia para onde ir nem para que lado seguir. Estava sem perspectiva, como se cavasse um poço sem fundo, atrás de água onde havia apenas seca.
Será que ele um dia encontraria a criatura ou somente iria vagar para sempre pelo território hostil da criatura…?
O pior de tudo era que Kai não via nada, nem um pé de alma. Nem mesmo algo para duelar, ou tirar sua mente da profunda inclinação sombria para qual ele se direcionava…
A espada parecia lhe ajudar com os momentos de clareza, mas era muito pouco. A criatura vinha vencendo ele no cansaço, e a cada dia que se passava, mais fraco Kai ficava.
Estava magro, desidratado, sujo… apenas caminhando sem rumo.
Nem mesmo um traço de pensamento lógico permeava sua mente, nublando mais e mais sua mente prestes a se quebrar. Neste momento Kai era como uma refeição prestes a se entregar. Ele era uma refeição ou uma sobremesa? Não sabia…
Então continuou caminhando… e caminhando… e caminhando… Até que seus pés doíam, doloridos demais para seguir. Sua cabeça não formava pensamentos concretos e estruturados, ele mal respirava.
O chi parara de ondular há muito, e tudo que sobrou…
Ah…! Uma voz queria se espreitar para fora… mas não tinha forças, tinha?
“Por que hesita tanto em se usar isso?”
Kai piscou, olhando para cima, seus olhos não focando em nada exatamente. Finalmente enlouqueceu?
Ele não respondeu, até porque não era capaz de pensar e formar palavras por mais de um ou dois segundos.
“Você sabe que é o melhor a se fazer… você viu o que pode conseguir se… usufruir disto.”
Kai balançou a cabeça. Era velho demais para fantasiar pensamentos. Não deveria conversar consigo mesmo, não era saudável.
“Vamos. Você viu a força disso… você poderia sair desta prisão… poderia ser livre… não é isso que quer?”
A voz fazia sentido, mas algo nela fazia ele ficar inquieto. Era sua própria voz… mas modificada, diferente. Não era o seu jeito de falar.
“Pense na grandeza… Pense na riqueza… Pense no reinado…”
Kai abanou a cabeça e continuou a andar sem rumo, pouco instigado pela voz nervosa que falava com ele.
“Ah…! Você ainda é muito, muito fraco… será se é o hospedeiro certo?”
Desprovido de qualquer funcionalidade do chi, de repente Kai voltou-se para dentro de si. Ele não sabia a razão para ter feito isso, nem sabia se era realmente uma vontade sua, mas o fez.
Perto de seu Tanden… uma energia maciça e poderosa urrava, transbordando em poder e… em um tom negro bruxuleante.
“Venha… você sabe que quer… isso é seu, apenas… queira…”
Ele começou a mandar comandos mentais, inclinado a circular aquela energia voraz que queimava em fria vontade dormente de ser usada.
Um bloqueio surgiu na mente, e uma forte dificuldade para comandar a energia se apossou dele… mas ele queria tanto, tanto, tanto…
Mas o bloqueio era forte, trazendo clareza e foco. Era como se uma batalha ocorresse dentro dele, uma força bradando para ser manuseada, e a outra lutando para que isso não ocorresse.
No entanto, Kai estava fraco, e sua mente era sua, afinal de contas. No fim, ele não resistiu, até porque estava fraco demais para encontrar razão em suas próprias ações.
E quando ele acessou essa energia e ela foi solta de sua prisão, uma explosão ocorreu, varrendo tudo ao redor em quilômetros e quilômetros de distância. O centro era Kai Stone.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios