Volume 2

Capítulo 94: TEMPESTADE INTERNA

Kai tombou para frente, lutando para respirar enquanto uma quantidade exorbitante de energia fluía dele.

Ele arranhou o capacete, buscando ar, mas era inútil pois nada funcionava. Ele tirou as luvas, enfiando os dedos nas grevas de metal e amassando febrilmente o capacete engenhoso dos atonianos.

Kai gritou, sua pele ficando vermelha e veias surgindo por seu pescoço. Havia algo queimando em seu ser, como se fosse mergulhado em ferro líquido.

Não… era como se garras se gravassem em sua alma, arranhando e abrindo-a. Ela estava se quebrando, e a dor era insuportável.

Energia pura e insidiosa fluiu por seus canais de chi, alargando a eles e suas veias. A dilatação na carne era puro tormento.

Sua pele ardia e sua carne queimava… sua alma, sendo espetada por diversos espinhos venenosos. Era como se alguém enfiasse as mãos na sua alma e a dividisse em mil pedaços, depois amassasse nas mãos feito areia movediça.

Kai apertou o rosto, deixando marcas de dedos quase impossíveis de não se notar. Gritos de horror e dor sentida soaram, mas naquela confusão de areia e tempestade, era como uma gota no oceano.

O corpo de Kai esquentou e a tensão pressionava seus pontos de chi. Ele não conseguia controlar o poder que ardia em seu corpo, e então sua pele se iluminou, os olhos, bocas, narinas e ouvido irradiando uma luz cegante e clara.

Energia pura explodiu outra vez, varrendo tudo num raio de dez quilômetros, uma grande cratera se formou a partir dele, a areia sendo queimada e devorada pela energia poderosa demais para ser controlada.

Entrementes, nenhum pensamento passava pela mente de Kai a não ser dor, angústia, medo… ressentimento. Uma fúria ancestral pairava também, mas muito pouco discernível. Ele não conseguia identificar o motivo de sentimentos tão ambíguos e abstratos, mas percebia que parte desses sentimentos não eram seus. Era como se algo propositalmente nublasse seus pensamentos, esperando que o descontrole fosse fruto de um medo regado à semente.

E tão pouco preocupado com isso, foi o que aconteceu.

Os pensamentos dele eram um caos, nada sendo real ou falso o bastante para que pudessem lhe dar um norte de como se livrar desta dor.

Kai cerrou os dentes, sua voz ganhou novos tons de dor e raiva. Ele rugia feito uma fera perdida e arruinada. O pior para lidar era a dor nunca indo, sem contar a lembrança de tudo desde o princípio.

Como não podia esquecer de nada a não ser que estivesse num controle mental muito forte, Kai lembrava-se até mesmo da dor. Mesmo que isso fosse algo impossível para o ser humano, não era para Kai. Não para alguém com uma maldição tão cruel e insidiosa.

Ele queria rasgar sua pele e enfiar o dedo em sua carne, para ver se a dor cessava. Queria enfiar a mão no próprio peito, mas tudo o que conseguia era rasgar a pele superficialmente.

E em meio à dor opulenta e degradante, uma série de visões passaram em sua mente.

Era tudo caos. Reinos destruídos, civilizações perdidas. Povos escravizados e martirizados, dor, raiva, perda. Fogo, incêndio, guerra.

Todas as visões retratavam a mesma coisa, sempre mudando o lugar. Numa delas havia uma ilha sendo devastada por uma enchente, a maré alta destruindo casas e palácios altos. Noutra, uma cidade erguida sobre as falésias à beira mar, queimava e um véu branco se erguia ao céu, resistindo até mesmo à chuva pesarosa e alarmante.

Um cheiro agridoce e nojento surgiu, corpos banhando um campo de batalha imenso. Haviam dezenas, centenas… milhões deles. Despargindo-se pelos campos antes verdes, agora inundados pelo horror e pela praga. Sangue, dor, perda…

Morte, morte, morte… tudo se resumia a isso. E havia um único ser pairando acima de todas essas visões. Era imponente, irradiando uma energia quente e cegante… era o responsável por todas essas quedas. 

Então tudo se acalmou. 

***

Quando a dor passou, Kai observava a areia espiralar no alto distante, imutável.

Ele permaneceu deitado na cratera por horas, entendendo e aceitando o que acabara de acontecer.

Por fora, sua carranca era nada mais do que uma calma indiferente e imaculada. Pálido, Kai era a cópia igual de um morto vivo, seus olhos vazios encarando o nada.

Mas havia vida ali… por dentro, energia queimava e borbulhava, mantendo um fluxo constante de chi puro… e sombrio.

Kai observa, internamente, sua própria energia. E claro, ela estava muito diferente.

Mas o que ele poderia dizer sobre isso? Algo mentalmente havia mudado também.

Estranhamente, Kai estava calmo, pacífico, resoluto. Sua mente tão afiada quanto poderia… mas algo mais acontecia.

Era como se ele estivesse e não estivesse ali… seu rosto uma carranca obscura e sombria. Era um vaivém de duras emoções. Reais, inebriantes, indistintos.

O ponto de confluência em seu âmago havia crescido, como se seu Tanden pudesse gerar e absorver mais chi do que devia. Isso era bom. Mas Kai não estava feliz. Visitar seus amplos e mortais salões da mentalidade era um ponto difícil, perigoso… e Kai buscava se aprofundar nisso. 

Depois de horas percebendo o mundo e a si mesmo, ele se ergueu.

Sem o capacete, deveria ser difícil de respirar, mas ele conseguia.

Kai se limpou da quantidade absurda de areia que o envolvia e subiu rapidamente pela lateral da cratera. Uma vez lá em cima, ele respirou fundo e fechou os olhos.

Isso, no entanto, não durou mais de meio segundo. Ele rapidamente abriu os olhos e encarou o leste, uma careta sombria surgindo em seu rosto.

Uma clareza sombria permeava sua mente, resistindo, por pouco, ao ataque mental da criatura que se escondia. E agora, finalmente, era hora de caçá-la.

Cerca de dois dias depois, Kai estava mantendo um ritmo lento e constante para o leste.

Uma voz melodiosa ameaçava, zombeteiramente, tentar tirá-lo do prumo. Mas como estava muito mais focado e recuperado, nada podia abalá-lo por completo…

Mas não se podia dizer o mesmo sobre a tempestade, que tornou quase impossível o fluxo de Kai. Mas ele persistiu, e não descansou um dia sequer.

De gola levantada e capuz sobre a cabeça, ele seguiu. Kai não pensava em nada em específico, sua mente tão silenciosa quanto ele.

Quanto mais para o interior da tempestade ele ia, mais ela se tornava intensa, com a areia quase chegando em seu peito. Era como caminhar na areia movediça. Mas de vez em quando ele saltava por ela, conseguindo se manter sobre os montes que ousavam se formar.

E também tinha a claridade. Quanto mais fundo, mais escuro e sombrio se tornava…

Então finalmente no início do terceiro dia, algo mudou. Agora, a voz melodiosa era clara e arrepiante.

Kai tinha se acostumado a ponto de poder ignorá-la, mas nesta parte em específico era quase impossível.

Parecia um grito odioso e triste, eternamente mantido no mesmo tom. Qualquer um enlouqueceria, e talvez fosse isso que a criatura quisesse.

O grito era quase humano. Triste, voraz, insuportável.

Então quando ele parou, Kai ficou um pouco aliviado. Mas também desconfiado, pois nunca, nem por um segundo, mesmo de longe, a voz tinha cessado. E Kai não esquecia de nada, nem de promessas…

Por isso que quando ela cessou, a tempestade também diminuiu. Kai de repente arregalou os olhos, como se pudesse enxergar no escuro. Mesmo que isso não fosse possível, ele viu. 

Cerca de duas dúzias de coisas surgindo de algum lugar... e sua quantidade somente aumentava...

Foi aqui que as coisas começaram a piorar. 


 

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