Volume 2
Capítulo 88: A SOMBRA DA MORTE
Kai inclinou a cabeça, encarando a poça de sangue lamber a sola de seu sapato. O pinga-pinga da cabeça caindo no chão ecoava em sua mente, misturando-se ao silêncio sepulcral que se seguiu.
Os mestres estavam paralisados, seus olhos fixos no corpo de Shimon. Yaqoobh parecia prestes a vomitar, enquanto mestre Yohmai tinha uma expressão de choque e horror.
Kai olhou para o corpo de Shimon, sua expressão vazia e distante, o rosto lavado de sangue. Seus olhos pareciam perder o foco, como se estivesse olhando para além da cena.
Então isso passou, e um sorriso sombrio se espalhou por seu rosto, os olhos brilhando com uma satisfação quase palpável.
No mezanino, o silêncio se instaurou. Os mestres não sabiam o que dizer ou como reagir. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor, e o restante dos mestres manteve os olhos arregalados, uma mistura de choque e medo.
– Você… você o matou. – Sussurrou Yaqoobh, sua voz tremendo de raiva e horror.
Kai desviou o olhar, sua atenção claramente em outro lugar. Seus ombros relaxaram, como se estivesse aliviado por eliminar um problema.
Sua preocupação era em dois sujeitos: Shemesh e Shaul. Por isso, já circulava o chi, para caso de um embate ser necessário. Não tinha lá muita certeza se venceria, mas tinha finalmente arrancando aquela sensação ruim que crescera em seu peito desde que acordou.
Era uma minúscula centelha de que algo não estava certo. E não estava mesmo. Mas o espinho havia sido arrancado. Um peso a menos. Finalmente poderia respirar, já que agora cumprira com o que prometeu.
E não foi uma promessa. Kai se reconhecia, e esse espinho, essa ponta afiada vinha alfinetando seu cérebro em pequenas doses, lhe causando uma dor de cabeça. Ele não mentira em parte alguma, pois não era alguém tolo com as palavras.
Kai respeitava a si mesmo, ciente de que deveria se colocar em primeiro lugar sempre. Mesmo que ele tendesse a não fazê-lo. E, na grande maioria das vezes, não tendia.
Essa foi a segunda morte em que Kai sentiu realmente prazer. Prazer genuíno e renovador, em que ele sequer parou para pensar se teria consequências para seus atos. Ele simplesmente não se importava.
A primeira foi afundar o rosto do mercenário, quando não sabia controlar ainda o chi e usou energia em excesso.
Naquela ocasião, mesmo que não tenha dito nada em voz alta, Kai sentiu o rebote. Levou semanas para se recuperar.
Agora, com um controle fino e delicado do chi, só bastou se inclinar para frente e lutar para formar uma espada de energia. Não foi fácil, mas também nada difícil.
Voltando ao passado, quando era adepto do mana, ele conseguia controlar a energia numa escala profunda e delicada, quase como se fosse um membro extra. Mas sentia que faltava muito para avançar, já que queria ter um controle aquém de exímio sobre a energia.
Agora, vendo a forma como os vitanti controlavam o éter e tendo a certeza de que havia muito a ser visto e aprendido, Kai teve a certeza de que alcançaria grandes coisas com o chi.
Por sorte, ele aprendia rápido, e não era alguém que seguia à risca as regras e leis. Para ele, regras foram criadas para colocar os poderosos em uma coleira. Pelo menos do que se tratava de mana e magia.
Com o chi era diferente. Não existia alguém para limitá-lo.
Se inspirando na arte de Mael e de outros guerreiros lilás, Kai conseguiu, mesmo que pouco, repetir a criação da lâmina de energia. Não era exatamente o mesmo trato, mas ele estava no caminho.
Portanto, por isso e por ter cumprido com a própria palavra, Kai estava satisfeito. Era o bastante.
– Matei. – Kai disse, sem olhar para ninguém em particular, sua voz ecoando pelo mezanino. Então seu olhar varreu a sala. – Isso é o que acontece quando você não entende o jogo.
Exasperado, Yaqoobh olhou ao redor, e suspirou fortemente.
– Jogo? Isso é um jogo para você?
Kai não respondeu.
Mestre Yohmai avançou um passo, sua expressão severa.
– Tem noção da gravidade disso, jovem? – perguntou, sua voz firme.
Kai sorriu e se virou, erguendo a cabeça do – agora morto – mestre Shimon. Um traço característico de desafio surgiu no rosto do rapaz, o canto da boca se eriçando.
– Sim. Estou bem com isso.
Mestre Shlomô se adiantou, encarando Kai severamente. Este era uma incógnita completa.
– Você é um monstro! – Rosnou ele, sua voz baixa. – Você não tem o direito de decidir quem vive ou morre.
Kai não recuou, seu olhar indo em direção ao mestre, frio e mordaz.
– Eu faço o que é necessário, e se você não gosta, problema seu.
A tensão aumentou, choque varrendo o rosto de alguns deles. Eles sabiam que estavam à beira de uma explosão, só não sabiam como impedir.
Mestre Ta’om avançou, sua expressão se tornando sombria.
– Você matou um mestre, rapaz, e isso é um crime grave. Sabe que será punido por isso, e não haverá interferência no mundo que o fará se livrar disso, certo?
Kai inclinou a cabeça e em seguida rebolou a cabeça do morto para trás na direção dos mestres.
– Eu sei. Quer sair na mão? – A voz de Kai era um desafio aberto.
Ta’om ergueu as pesadas sobrancelhas, sua expressão se tornando mais sombria.
– Não seja arrogante, pirralho – ele rosnou, sua voz baixa e ameaçadora. – Pode ser Kzet Fuhdir ou seja lá quem for, eu te mostro boas maneiras.
Ta'om avançou um passo, sua presença intimidando o ambiente. Kai não recuou, seus olhos fixos nos de Ta’om, como se estivesse esperando por isso.
Kai sorriu. Quem quer que o conhecesse, saberia que o rapaz era, na grande maioria do tempo, alguém calmo e tranquilo. Ele nunca foi de responder a insultos ou mesmo intencionar os outros a um embate. Quanto menos esforço, melhor.
Mas algo estava errado… mentalmente. E foi desde que aquela coisa mexeu com sua mente. Antes disso ele já vinha enxergando o mundo de outra forma. Agora, no entanto, era como se a névoa fosse dispersada. Era outra visão. Uma visão ensandecida sobre o mundo real.
Kai ergueu uma sobrancelha.
– Ah é? Vamos lá, vamos ver quem se sai melhor nisso.
De repente, uma presença e energia avassaladora saltou de Mestre Ta’om,
Kai arregalou os olhos. O riso cresceu em seu peito e aumentou as ameaças. Um riso nervoso irrompeu e ele observou enquanto os outros seguravam a respiração.
“Essa criança está fora de si!” Pensou Re’uven, observando o desenrolar da trama. Os outros mestres tinham pensamentos parecidos, se perguntando onde estava a sanidade daquele garoto.
A verdade é que eles duvidavam de que Kai fosse realmente o Kzet Fuhdir, símbolo
de renovação em uma cultura. Era alguém esperado por eons, e detinha-se grande expectativa sobre ele.
Muitos achavam que Kzet Fuhdir seria algum Atoniano perdido, escolhido pelo plano alto, pela sacerdotisa sagrada e protetora de Troas, a nova Atom.
Mas ao conhecer Kai e descobrir grande parte de seus feitos - que faziam parte da profecia sagrada de Kzet Fuhdir - eles não deixaram de ter dúvidas. Kai não se encaixava em nenhum dos aspectos do ser esperado.
Pois Kzet Fuhdir era símbolo de resistência, esperança e justiça, o total oposto de Abeekur, que simbolizava anarquia, ditadura e crueldade.
Kai Stone provou ser totalmente oposto a tudo isso. Aos de Abeekur e aos da profecia. Mesmo assim, matar alguém tão importante sem nenhum remorso… era loucura.
E que justiça um Kzet Fuhdir feito esse traria? Por meio de assassinato? Belo jeito de começar.
Indiferente e ignorante a todos esses pensamentos, Kai circulou seu chi e o mesclou com parte daquela energia estranha que se encontrava perto de seu Tanden. Seus olhos se estreitaram, sua mandíbula se apertou e sua respiração se tornou mais rápida. Suas mãos se fecharam em punhos, como se estivesse lutando para conter a raiva que crescia dentro dele. Mas foi em vão. Uma raiva primitiva e selvagem bradou, lutando para se soltar de sua jaula.
O chi de Kai começou a ferver, sua intenção de batalha explodindo em uma energia que parecia não ter controle. Ele nunca presenciara aquilo antes, já que o que fazia com sua energia era apenas enviá-la em ondas, que eram capazes de amedrontar inimigos mais fracos.
No passado, ele vira Enoryt derrotar um punhado de inimigos por vez somente usando sua intenção, e isso não foi nem perto daquilo.
Era como se uma raiva tivesse ganhado cor, cheiro, toque. Saindo do abstrato e indo para o concreto.
Os mestres se alarmaram e Shaul se manteve inalterado. Shemesh logo chegou ao mezanino, sendo capaz de provar um pouco da raiva descontrolada de Kai.
Não era somente intenção e desejo de batalha… era uma aura assassina. Raiva, dor, ódio. Tudo misturado ao chi dele, que não se conteve também, quase agindo como um membro consciente de seu corpo. Uma segunda mente.
A sombra da morte pairava sobre o mezanino, como um corvo que espera pelo momento certo para atacar. Mestre Ta'om avançou, sua presença uma tempestade que se aproximava, ameaçando engolir tudo em seu caminho. Seus olhos, outrora calmos e serenos, agora ardiam com uma raiva que parecia consumir sua alma.
Kai, por outro lado, era uma estátua de pedra, imóvel e impassível. Seu rosto era uma máscara de calma, mas seus olhos... seus olhos eram um poço sem fundo, um abismo de escuridão que parecia sugar a luz ao seu redor.
Shaul observou a cena com olhos experientes, sabendo que algo estava errado. Ele podia sentir a tensão no ar, como uma corda esticada ao limite, pronta para se romper a qualquer momento.
– Chega – disse ele, sua voz firme e autoritária, como um golpe de espada que corta a tensão.
Mestre Ta'om parou, sua expressão ainda sombria, como uma nuvem que não se dissipa. Kai, por outro lado, não mudou sua expressão. Ele simplesmente desviou o olhar de mestre Ta'om e fixou-o em mestre Shaul, como se estivesse esperando por algo.
Shaul podia sentir as inadequações do momento, como um presságio de desgraça. E ele estava determinado a descobrir o que era.
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