Volume 1

Capítulo 59: ASTUTO

 

Enquanto iam apressados pelo corredor, Ómra aproveitou para dar detalhes sobre o que estava acontecendo para Kai.

– Sua tramoia com meu pai não foi realmente aceita por alguns apoiadores de Carmim, que defendiam a opinião de que se você realmente tivesse ido embora, deveriam ter feito uma escolta.

Kai assentiu. Não sabia exatamente o que Cineáltas havia feito para estender a estadia dele ali, mas com as poucas palavras do jovem Echanti, ele compreendeu a situação.

– Carmim ficou cada vez mais irritado com a demora de Mael para acordar, isso somado ao claro descontentamento com os outros lideres do Sínodo. Há dois dias houve uma alteração de energia nessa região, Carmim suspeitou que tivesse a ver com você. O sujeito foi astuto e descobriu que você nunca tinha ido embora.

“Bem como pensei...” Kai analisou os fatos em sua mente.

– Afinal de contas, que droga de energia foi aquela que senti antes de entrar no salão?

Kai sorriu.

– Nada demais, Ómra. Apresse-se, eles estão chegando.

– Como sabe disso?

Kai ignorou a pergunta e começou a correr. Logo chegaram na entrada do local.

Cerca de 50 homens portando escudos e lanças formavam uma parede enfileirada. Mais atrás, outros 250 se posicionavam esperando a ordem.

Estandartes haviam sido erguidos com miosótis desenhados em suas flâmulas.

Kai franziu o cenho. Não sabia que os vitanti usavam símbolos para representar suas casas. Mas soube, naquele instante, quem era o responsável por essa alocação militar.

Distante, bem no meio das tropas de 250 homens, Kai conseguiu distinguir um único homem, montado em uma raposa enorme. Carmim trajava uma veste que Kai nunca viu nenhum vitanti usando, e se surpreendeu com a similaridade com os humanos.

Seus cabelos castanhos ondularam, e seus olhos negros tinham um certo quê de satisfação. Era como se Carmim adorasse dizer que avisou, o simples sentimento de provar que estava certo. Era um homem muito orgulhoso e egóico.

Um dos homens na tropa que formava a parede se precipitou.

– Kai Stone, por lei marcial ordenada pelo líder honorário do Sínodo, Tallanthin da linhagem Eblomdrude, e apoiada pelos chefes provincianos de Tir’Tegeirian, você deveria ter sido escoltado há pelo menos dois meses para fora de Bulogg.

“Contudo, essa lei não foi cumprida, e o chefe provinciano da vila de Rustáceo, Carmim do Alto clã Arruda, veio em pleno direito de seu exercício, prendê-lo até segunda ordem. Caso você mostre insubordinação e não colabore, temos permissão para leva-lo desacordado por meio de violência.”

Ómra apertou os punhos.

– Droga! Meu pai demorou demais para chegar, achei que alertando você, teríamos tempo. O melhor a se fazer é se entregar. Um chefe de vila tem bastante poder...

Kai sorriu, calmo. O vitanti não entendeu como alguém poderia ficar tão irritantemente sucinto num momento como aquele.

Dando um passo à frente, o rapaz bocejou.

– Vamos ver se consegui desenvolver alguma coisa então.

Ómra se virou para ele, alarmado. Como alguém que sempre prezou pela paz, pelo caminho da conversa, agia assim? Kai sempre foi alguém que nunca levantou sua espada de maneira desmoderada. Pelo menos não até achar que estava sendo intimidado e que este era o único método possível.

Mas caramba! Haviam outros métodos, afinal. No entanto, conhecendo bastante o estilo de Kai, ele não iria colaborar como antes.

Havia esse sentimento permeando o jovem Echanti.

Ómra varreu seu olho pelo corpo de Kai, buscando Amencer. Não havia sequer sinal dela. Aliás, não havia sequer sinal de qualquer arma que fosse. Ele estava louco!

– Você é maluco? Não entende que isso pode gerar um desconforto desnecessário para Mael? Ele é o único fio de esperança que temos entre a perdição e esse maluco.

Ómra segurou Kai pelo ombro, que olhou para trás.

– Acalme-se, Ómra. Não sabia que as pessoas tem o direito de ir e vir?

Neste interim, o soldado que deu a informação subiu os degraus da frente do salão, com algemas inibidoras de manti nas mãos.

– Fique quieto e colabore. Não espera dar conta de 300 homens que lutam desde cedo e aprenderam a arte do éter desde praticamente nascerem, não é?!

Kai se virou, sorrindo. Não, não esperava isso. Não era maluco. Mas um único sentimento despontou em seu âmago: a loucura desenfreada de testar seus limites. A adrenalina pulsando em suas veias. A excitação inundando seus poros, ao passo que a serotonina ficava lá no alto.

Ele não experimentava essas sensações há tanto tempo! Que regozijo.

– E se eu não quiser?

Droga! Esse maldito... pensou Ómra. Agindo assim parece até que...

Então a mente do jovem fez um estalo. Ele entendeu o que estava acontecendo ali. Mas isso realmente funcionaria?

O soldado se adiantou, pegando firme no pulso de Kai. O rapaz ergueu uma sobrancelha. Esse soldado, por sua vez, ergueu um sorriso.

– Finalmente está recebendo o que merece, nekedoh! – Sussurrou, um forte sotaque em algumas letras. – Nunca engoli esse seu teatrinho de ser bonzinho demais. Mas com Carmim no comando as coisas vão mudar.

Kai ergueu uma sobrancelha e um sorriso irônico.

– No comando? Esse reverendíssimo besta?

Uma veia saltou da testa do soldado, que apertou o pulso de Kai.

– Como que é?

– Se acalmem. – Ómra colocou a mão no peito do soldado, afastando-o.

O soldado olhou para ele, irritado.

– Tire essa mão de mim, filhote de traidor.

Sem pensar duas vezes, Ómra socou o rosto do soldado com tanta força que sua manti vazou, lançando-o os degraus abaixo.

A parede de 50 soldados ficou a postos. O sujeito que fora socado se ergueu, desnorteado. Sangue escorreu pelo seu nariz.

Kai ergueu uma sobrancelha, ainda risonho.

– Belo soco, Júnior.

– Nem vem com essa – Ómra gritou. – Você me meteu nisso.

– Então fique aqui, não se atole mais do que já está atolado.

– Isso...

VUUU!

Um vento soprou o rosto do Echanti, açoitando seus longos cabelos negros. Num instante Kai estava diante do soldado caído, pousando sem som algum.

Os soldados ficaram alarmados diante tamanha velocidade. Ómra estava perplexo. Apenas num segundo ele estava ali e, num piscar de olhos, estava 15 lances de escada abaixo. Que agilidade!

Saindo do torpor, os 20 soldados rapidamente o cercaram, erguendo suas lanças e escudos.

– Antes de começarmos, quero saber se vocês têm certeza disso.

Um dos soldados piscou sob o capacete ornamentado com folhas de louro cravejadas no topo.

– Certeza de que?! Por nós, você deveria estar morto com aquele maldito xamã.

– Isso! – Soaram alguns em uníssono.

– Então tá bom... – Kai suspirou. – Só não digam que não avisei.

Dois soldados se adiantaram, flanqueando-o com suas lanças. Estocaram para baixo, erguendo uma grande quantidade de poeira. Quando esta baixou, os rostos satisfeitos dos soldados foram desfeitos.

Eles achavam ter pego Kai; no entanto, só encontraram suas lanças se cruzando, perfurando o chão com pequenas crateras abaixo delas.

– Atrás de vocês!

Eles se viraram somente para encontrar Kai balançando a cabeça e um sorrisinho divertido no rosto.

O soldado que os alarmou diminuiu espaço, infundindo éter na lâmina de sua lança. Estocou o ar na direção do estomago de Kai, que, por sua vez, deu um passo para o lado.

O ar foi cortado produzindo um farfalhar indistinto. Era o éter rasgando o manto da realidade, destruindo a mana ambiente. Era uma boa habilidade.

Mas nenhum dos ataques funcionou em Kai, que sorria diante dos movimentos aperreados do soldado.

– Ómra! – Kai gritou. – Achei que esses fossem soldados treinados desde o nascimento. Eles por acaso nasceram ontem?!

Meio aos insultos e provocações, foi cercado por outros cinco. De uma vez só.

No entanto, Kai demonstrou uma agilidade incrível ao desviar dos ataques simultâneos e muito bem coreografados dos soldados. Ficou admirado com o trabalho em equipe deles. Não era de se jogar fora. Mas isso não seria o suficiente se quisessem captura-los.

Queria ver o esplendor dos vitanti! A magia de seus ataques no auge. A feição determinada de não dar espaço a um inimigo poderoso.

Tal e qual viu no dia em que foi resgatado no lar de Pele-pétrea, o grande Gorila branco.

Os soldados suavam, irritados. Por dois motivos: um, por não conseguirem acertar sequer um golpe no rato ardiloso e dois: o rato não os levava a sério. Ficava desviando e dando piruetas pra lá e pra cá. Isso era um desrespeito máximo na cultura vitanti.  

– Por Bulogg! – O primeiro soldado, aquele que foi socado por Ómra, berrou. – É apenas um maldito homem! Matem-no se preciso for.

Ouvindo aquilo, os soldados ficaram inflamados. Alguns deles usavam éter em seus ataques, outros não. No entanto, após a ordem do seu comandante, todos infundiram éter em suas lâminas, aumentando a velocidade.

A cada rasgo e estocada era possível enxergar uma energia translucida ondulando, modificando a realidade.

O éter era poderoso assim.

“Contudo, ainda não estão preparados o suficiente...” pensou Kai.

Nada disso tinha efeito nele. Ele desviava com tanta maestria, com uma série de piruetas e mortais, rindo sempre que um soldado soltava um bufar ou gritava de ódio.

Mas ele soube que não poderia continuar com isso por muito tempo quando viu o restante dos soldados se movimentando. Seriam 50 versus 1, agora.

Respirou fundo, induzindo a energia do chi presente em seus pulmões. Nunca parou de treinar suas técnicas. Agora já tinha se tornado parte de si. Era tão natural quanto o ato de piscar os olhos.

Induzir o chi, respirar e sentir a energia do mundo. Era rejuvenescedor. Era libertador. Era a própria vida.

Um soldado estocou na direção de suas costas, mas ele pressentiu isso. Girou no próprio eixo tão rápido quanto os olhos do soldado puderam acompanhar e com um movimento rápido dos braços, quebrou a lança em dois.

Inalando o ar e sentindo o chi percorrer por suas veias, direcionou-o através de seu braço direito e abriu a palma da mão, acertando em cheio o peito do soldado.

Ao inserir o seu chi no corpo do soldado, o éter que fluía por seu corpo colapsou. O pobre soldado cuspiu sangue e seus olhos reviraram. Ele caiu desacordado num segundo.

Kai girou para o outro lado, correndo em direção aos outros cinco. Pegou impulso com passos largos e saltou, acertando o joelho bem no meio do rosto do soldado. Quando pousou, impulsionou-se no chão em direção ao próximo.

Socou o segundo na garganta, que caiu engasgando. Com um chute de calcanhar acertou a canela do terceiro. Quando este perdeu o desequilíbrio indo para frente, Kai deu um forte soco no meio de sua cara. Pôde sentir os ossos dele rachando.

Correu até o quarto e chutou na parte de trás de seu joelho. O pobre coitado berrou, perdendo o equilíbrio. Kai apagou-o com um forte golpe do seu cotovelo.

O quinto tentou estocar, mas teve sua lança facilmente tomada por Kai, que deu um cruzado de direita e um golpe vindo de baixo para cima, finalizando-o no queixo.

Suspirou, finalmente soltando a lufada de ar que ingeriu antes de finalizar os seis soldados. Estava usando o mínimo de força, mas aparentemente os homens foram burros demais para não se protegerem com éter.

Os seis despargiam-se ao seu redor, nocauteados. O restante dos soldados de 20 olharam aquilo com incredulidade. Kai sorriu, pegando a lança e arrancando fora sua lâmina. Girou a haste com estrema facilidade e respirou fundo, se sentindo bem em muito tempo.

Lançou um sorriso para os soldados parados que o encaravam, observando o restante dos 30 que desfizeram a parede se aproximar.

Que espécie de maluco é esse?



***


Uma veia saltou na testa de Carmim. Droga!

Ele foi ali com seus melhores homens, visando desmascarar o plano astuto do maldito Cineáltas.

Queria desestabilizar o lado de Mael, mostrando ao povo que um de seus grandes apoiadores tomava decisões ignorando o alto conselho, ignorando as ordens do próprio líder honorário do Sínodo e, consequentemente, o próprio mensageiro de Eteyow.

Se as pessoas vissem que até mesmo Cineáltas não obedecia a ordens sob o comando do próximo Neru’dian, quem obedeceria?!

Isso o fortaleceria, o daria a narrativa perfeita de salvador do povo, de herói da pátria. O homem que conduziu os vitanti à um mundo iluminado após a perda de um de seus grandes líderes.

E ele visava a destruição desse método de liderança arcaico. Achava isso tolice. Mensageiro de deus? Balela!

Mesmo que Neru’dian dissesse que era apenas um mediador entre deus e seu povo, Carmim sabia que isso era apenas história para criança dormir. Tudo não passava de uma grande história inventada para controlar o povo a bel-prazer.

Ele visava o cargo máximo. Tudo mudaria sob seu controle. Iria extirpar os humanos, os causadores de tanto sofrimento para ele. Primeiro caçaria os remanescentes do clã dos Gorilas, depois iria além, para os verdadeiros demônios.

No entanto, tudo vinha por água abaixo. Um único sujeito, uma pedra no seu sapato, fazia seus homens parecerem bonecos de pano de treinamento.

Cinquenta homens não foram capazes. Cinquenta!

E ele via com fulgor incandescente pulsando por suas veias como o rapaz fazia parecer fácil.

Ora ele apagava dois de uma vez só, apenas com um ou dois movimentos em cada. Outra fazia uma série de movimentos, usando o próprio movimento e golpes dos soldados contra si, fazendo-os parecer mais idiotas o possível.

– Que acha desta situação, Frian? – Indagou ele, mantendo os olhos firmes no rapaz à sua frente. Usou o viteni para se comunicar com o homem.

Um sujeito de cabelos castanhos e olhos negros surgiu ao seu lado. Frian mantinha os olhos bem abertos enquanto fitava os movimentos de Kai. Estava estudando-o, analisando sua movimentação. Era astuto, e Carmim adorava isso.

– O rapaz é como uma fera enjaulada. – Disse Frian, por fim. – Já derrotou cerca de 35 e sequer mostra sinais de cansaço. Está sendo uma brincadeira para ele.

Outra veia surgiu na testa de Carmim.

– Somos tão fracos assim?

Frian negou com a cabeça.

– O rapaz é simplesmente forte demais. Não à toa derrotou o filho do caudilho mudanti.

Carmim arregalou os olhos e encarou seu subordinado.

– Key’inant, o louco?

Frian assentiu.

– Pensei que o senhor soubesse. Os soldados da tal unidade Fronteira não paravam de se gabar disso. Até mesmo um dos capitães mudanti confirmou a veracidade dos fatos.

Carmim suou frio. Até mesmo ele sabia das histórias acerca de Key’inant. Como um líder de província, era seu dever saber. Key’inant era um dos mais fortes dos mudanti, que eram considerados mais fortes que os vitanti da Orquídea em questão de força bruta. E este rapaz franzino havia derrotado ele?

Mas o sujeito notou um sorriso no rosto do seu subordinado. Ele havia notado algo. Só sorria quando notava algo. Não era um sujeito que agia sem ter total convicção dos fatos. Não era alguém de atitudes impensadas.

– Que é que descobriu?

– Ele sabe que não pode lutar contra outros 250 e sair ileso, ninguém pode.

– Mas você não mandaria 250 homens para cima dele de uma vez, não é? Foge do seu modo de conduta. Qual a outra coisa que descobriu?

Frian fungou, como se fosse um grande descobridor de tesouros.

– Respondendo à sua primeira pergunta: eu não mandaria, mas o senhor sim. E, respondendo à sua segunda: ele é bastante previsível.

Carmim franziu a testa, voltando a encarar Kai, que já tinha derrotado outros oito. Que é que ele descobriu que nem mesmo Carmim pôde perceber? Para ele, o rapaz era perfeito em todos os seus movimentos.

Irritado, encarou Frian de novo. Ele mantinha aquela expressão austera de quando se sentia mais que alguém. Isso o irritava. Não havia espaço para alguém mais egóico que ele mesmo ali.

– Desembuche de uma vez! – Ordenou, a irritação aparente.

Frian assentiu, apontando para o outro lado do campo.

– Veja bem: ele sempre dá dois passos para a direita antes de atacar um oponente.

Carmim olhou e viu Kai fazer a mesma coisa que Frian disse, antes de acertar dois golpes fortes no queixo de seu oponente, finalizando-o ali mesmo.

– E daí?

– Isso quer dizer que ele vai finalizar seu oponente em apenas um ou dois golpes. Nunca mais do que isso. Quando ele flexiona os joelhos e gira o quadril, quer dizer que irá pela esquerda de seu oponente e vai desferir um forte golpe no rosto. Seu oponente fica alarmado e ergue a defesa em cima. No último instante, numa fração de segundos estupidamente rápida, ele muda a direção e visa a abertura que o oponente dá ao focar toda sua defesa num só lugar. Veja!

Carmim olhou. Reparou que o rapaz se inclinou levemente para baixo e girou o tronco superior. Diminuiu o espaço e foi para a esquerda, erguendo o punho direito em direção ao rosto do oponente.

Houve tempo o suficiente para que o soldado erguesse o escudo, mas não tanto para poder rebater. Quando o punho direito de Kai estava próximo de atingir o soldado, que ergueu os braços a frente do corpo para bloquear o golpe, num controle absurdo do próprio corpo, ele parou o próprio punho e avançou com o esquerdo em direção do abdômen do sujeito.

O golpe acertou em cheio. O soldado arqueou e cuspiu sangue, urrando de dor. Em seguida caiu no chão desacordado.

– Ele é um gênio do combate, mas até mesmo gênios tem seus limites e suas restrições. Eu sou a restrição de Kai Stone.

Carmim ergueu a sobrancelha.

– Acha que pode vence-lo?! – Indagou, sarcasmo inundando suas palavras.

Frian o encarou, os olhos negros um tanto frios.

– Eu tenho é certeza.

– E como faria isso exatamente?

– Dando a ele a falsa sensação de controle. Ele luta assim também. Cria o sentimento no oponente de que este pode vencê-lo, de que ele não é isso tudo. Mas ele é. É simplesmente forte demais. E isso porque nem está dando tudo de si.

Apesar de sentir certa inveja e até estar compelido a tirar sarro da cara de seu subordinado, Carmim tinha de dar o braço a torcer. O homem era um dos melhores lutadores da Orquídea, chefe da divisão de combate de Rustáceo. Frian era um homem inteligente e capaz. Se tinha alguém que podia lutar contra aquele que derrotou o louco dos mudanti, era ele. E Carmim também tinha certeza disso.

– E o que é que está esperando?

Frian sorriu, os olhos adquirindo um frio tenebroso.



***


Kai finalizou o último dos cinquenta soldados iniciais e respirou fundo. Uma única gota de suor caiu de sua testa.

Com os dois meses apenas focando em seu corpo, sua resistência se tornou seu alicerce.

Antes ele já tinha habilidades consideráveis, já era forte por natureza. Batia de frente com as grandes promessas de Neve Sempiterna. Bateu de frente com Oren, um mudanti, e quase venceu. Lutou contra Key’inant, um sujeito duro feito ferro, e venceu.

Mas suas habilidades não se resumiam a isso. Era ágil, rápido, focado. E agora também tinha elevado sua durabilidade em combate.

No entanto, sabia que não podia derrotar 300 homens só com a força dos punhos. Ninguém conseguia. Somente um guerreiro de nível arcano. E ele nem sabia em qual nível estava no momento.

Se tivesse que derrotar todos aqueles, teria que apelar para suas habilidades com o chi. E permaneceria, por enquanto, sem usá-las. Não queria matar ninguém. Somente Carmim, se necessário.

Bastava alguns disparos fótons e metade ia pro saco. Era fácil assim. Mas ele não queria essa facilidade. Esse nível de força era perigoso, dava a falsa sensação de poder, de autoridade demasiada. E ele não era um extremista. Nunca teve essa intenção. Não iria se afogar em promessas tão mundanas e passageiras.

Enquanto ele limpava o sangue de seu punho, Ómra surgiu ao seu lado, estupefato.

– Mas que droga foi essa? Você evolui bastante!

Kai bufou.

– Não tanto quanto deveria. Dois meses não foram necessários.

Poxa... pensou Ómra, Se com dois meses você faz isso, avalie com cinco... ou que sabe 12.

Ómra olhou por cima do ombro do amigo e encarou um sujeito vindo em sua direção. Usava roupas de tecido leve e branco, com uma armadura feita de uma liga composta por dolomita, gipsita e calcário. Ele conhecia bem: era Giletio, uma falha tentativa de replicar o ferrofosso. Mas era resistente.

– É Frian do clã Kalsíum. Um dos principais apoiadores de Carmim. – Kai olhou para trás. Ómra tocou no ombro dele, alarmado. – Escute Kai! Talvez seja hora de recuar. Esse sujeito é duro na queda.

Kai o encarou. Não estava reconhecendo o amigo. Ómra era naturalmente alguém que não ligava pra esse tipo de situação. O sujeito chegou até mesmo a ameaçar os mudanti quando estava cercado por mais de cem deles. Porque ser tão comedido agora?

– Que é que está acontecendo com você?

Ómra piscou.

– Isso é ruim pra imagem de Mael e... pra minha imagem. Ser alguém impulsivo, que não pensa antes de agir... isso era antes. Agora há muito em jogo, isso pode prejudicar toda nossa raça.

– Você sabe qual foi a frase que mais usei desde que cheguei aqui?

Ómra negou.

– Eu não sou um vitanti. Isso já diz muita coisa sobre a situação.

O vitanti pigarreou.

– Tanto faz. Mas isso não muda o fato de que o cara é dureza.

Kai somente ignorou o amigo, virando-se de frente para Frian.

– Espero que não esteja trazendo mais ordens infundadas de seu chefe. Afinal, não respondo a ninguém.

Frian sorriu.

– Minha única missão é leva-lo sob custódia, Sr. Stone. Espero que entenda.

– Por parte de quem?

– De Carmim do Alto clã...

– Arruda e blá-blá-blá... – atalhou Kai. – Isso eu já entendi. Mas com que direito ele pensa que pode chegar na vila de um outro chefe de província e cuspir ordens?

“Ele se diz não vitanti, mas conhece bem nossas leis...”

– Apenas à serviço da lei. Como o senhor Cineáltas descumpriu-a, Carmim se viu no direito de também passar por cima delas, a fim de manter a paz e ordem.

– E quem garante que eu não chantageei os Echanti para que permitissem minha permanência em Orquídea?

– Você? Pffffttt! – Frian não se aguentou e começou a rir. – Nem em mil anos um nekedoh como você chantagearia alguém como Cineáltas. Ponha-se no seu lugar.

Kai jogou o braço ao redor do ombro de Ómra e puxou ele para si, apertando sua nuca.

– Bom, eu fiz esse idiota aqui de refém. Não é prova o suficiente?

– Isso é verdade? – Indagou Frian. Ele sabia que era uma mentira, mas se Ómra confirmasse, isso mudaria tudo.

Primeiro que Cineáltas não teria tomado uma atitude proposital, visto que seu filho havia sido pego. Mas uma fagulha surgiu na mente de Frian.

Ele poderia alegar que viu Ómra por aí nos últimos dois meses, refutando a afirmação de Kai. Assim, seria um grande plano em conjunto. Cineáltas perderia crédito e, quiçá seu título de senhor de Pylpunt.

Quase como se lesse os pensamentos de Frian, Kai continuou.

– Plantei uma bomba de energia no coração de Ómra, para explodir a qualquer momento que eu desejasse. Era só um pensamento e BOOM! Toda Orquídea iria pelos ares. Seria uma bela cena, não acha?

– Está blefando!

– Quer testar pra ver?

Frian encarou Ómra. Seus olhos ficaram púrpuras, inundados por éter. Tinha a rara habilidade de checar o interior das pessoas.

Olhou diretamente para o órgão que bombeava o sangue. Envolto no coração, uma grande massa de energia se acumulava, crescendo mais e mais.

Suor desceu por sua testa. Não era um blefe.

– Imagine que durante as últimas quatro semanas, essa energia foi alimentada por uma outra massa de energia, pura e curvilínea. E há cada dia que se passava, mais e mais crescia, acumulando tensão, impulsionada por um único clique.

Kai ergueu a mão esquerda e estalou os dedos, assustando Frian.

– Com apenas esse movimento, eu poderia matar milhares de vocês. Meu divertimento estaria concluído. E sabe o que é mais engraçado? Eu seria imune a tudo isso. E aí, quer testar minha paciência com seus joguinhos ou quer me enfrentar?

Frian rapidamente se colocou em posição de ataque e puxou um sabre preso às costas.

– Todos a postos. – Gritou. – Ómra do clã Echanti foi feito de refém pelo inimigo Kai Stone. Repito: Ómra do clã Echanti foi feito de refém pelo inimigo Kai Stone. Fiquem em prontidão, possível ataque terrorista.

As tropas atrás se moveram, formando um semicírculo ao redor dos três. Carmim permaneceu distante, observando o desenrolar.

Kai se desvencilhou de Ómra, empurrando-o longe.

– Fique aí e observe tudo, Júnior. É assim que adultos resolvem as coisas.

Frian e Kai se sondaram, rodeando um ao outro.

Kai não tomaria iniciativa, sabia que era isso que o sujeito queria. Além do mais, não sabia o seu método de luta.

Então Frian segurou fortemente seu sabre e colocou-o à frente.

– Vamos acabar com isso!

Kai sorriu.

– Achei que nunca fosse pedir.  


NOTAS DO AUTOR

NT1:
Oi gente, aqui é Leonardo, como devem saber. Sei que nos últimos tempos tenho negligenciado bastante a obra, postando em intervalos longos e dissonantes, gerando uma onda de afastamento no leitor que só quer ler capítulos um após o outro (acredite, eu compartilho do mesmo sentimento). 

Há motivos para isso, lógico, as coisas nunca acontecem do nada, mas não estou aqui pra me justificar nem nada. Na verdade, queria apenas alertar que estou mudando isso. A partir do próximo capítulo, irei lançá-los sempre às segundas e quartas, ao meio dia. Aos fins de semana tentarei lançar combos, até mesmo para atrair mais de vocês. Com isso queria pedir que avaliassem e interagissem nos comentários, vocês não sabem como isso anima e cria uma sensação ótima no autor que se esforça ao máximo para trazer um capítulo de qualidade. E, com esse gancho, parto para minha segunda Nota.

NT2:
Poucos sabem, mas recentemente iniciei uma nova novel, aqui mesmo na NovelMania, intitulada O Auto do Despertar. Peço que deem uma olhada e, caso queiram, dar um bom feedback, pois como disse na nota1, impulsiona muito o autor. Os capítulos saírão sempre às terças e quintas, às 11:30 da manhã. Penso em lançar combos às sextas, tal e qual A Odisseia do Príncipe Perdido. 

É isso. Leiam, curtam, se divirtam, e não esqueçam de curtir e interagir à cada capítulo. Seu feedback é importante demais. E antes que me esqueça (essa nota já foi longa demais), peço que acompanhem no instagram de AOPP, o link está nos detalhes da obra; lá posto tudo sobre a vida de personagens ainda não aprofundados e que terão maior destaque no futuro. Agradeço mais uma vez. Bom fim de semana à todos!


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