Volume 1

Capítulo 57: QUADRO RÚNICO GENIOSO

 

Kai tinha de resolver vários problemas, é fato. Tinha de dar explicações também.

Só que algo borbulhava em seu estômago. Uma reação que não lhe acometia a bastante tempo. Era fome de conhecimento.

O rapaz sempre foi alguém inteligente. Não se considerava um gênio, mas era óbvio que tinha mais facilidade ao aprender algo. Tinha uma memória quase perfeita. Lembrava-se do essencial e descartava aquilo que considerava lixo.

Era assim que sua mente funcionava.

Com o up – que ele considerava mais uma maldição – que recebeu de Greylous, sua mente recuperou aquilo que Kai achara ter esquecido para sempre. Era como se estivesse numa parte de seu cérebro, apenas aguardando para ser usado.

Todos aqueles livros que lera na época de academia. Todas as horas em que um mentor passou falando-lhe sobre a importância de saber sobre runas, matizes e selos. Sobre como era importante saber matemática. Sobre como a economia seria essencial em sua vida. Tudo isso que ele achou um saco antes, retornou.

E não é como se tivesse sido completamente descartado. Ele achava todo o assunto um saco, mas sabia de coisas que deveria saber.

E ele agradeceu por isso. Pelo menos uma vez sua maldição poderia lhe ajudar.

Sua mente girava em torno de contas, de runas, de selos... de coisas que ele poderia fazer agora. Tinha certo conhecimento em runas antes. Mas agora... Ah! Agora ele poderia trabalhar com o que quisesse. Muito embora sua vontade anterior em estar no campo de batalha não tivesse mudado.

Depois de muitos pedidos de desculpas, um olhar severo e preocupado dos Echanti, e muita explicação sobre o ocorrido, Kai finalmente conseguiu se livrar do interrogatório.

É obvio que os seus anfitriões não ficaram nada felizes em ver uma parte de seu jardim particular – ou floresta particular – destruída como viram. Mas entenderam que foi um descontrole do anel – por sorte, Fioled vira tudo e pôde confirmar a versão de Kai.

Ao recuperar o objeto, no entanto, ele percebeu que a pedrinha parecia estar numa espécie de transe, adormecida. Não reagiu quando ele tentou inserir chi. E foram horas pra poder se recuperar.

– Tem certeza de que está tudo bem? – Indagou Kai, enquanto seguia Cineáltas por um corredor estreito com paredes de pedra bruta.

O homenzarrão assentiu. Pigarreou em seguida.

– Eu é que devo perguntar isso.

Kai respirou fundo. O homem se culpava por ter dado o anel a ele. Tentou recuperar de volta, com medo de que isso pudesse estar matando o rapaz aos poucos. Mas este fora conciso ao dizer que não era necessário.

– Não se culpe, velho – atalhou Ómra, que caminhava ao lado de Kai.

Depois do episódio em que se prometeu dar sua vida, as coisas pareceram mudar um pouco. O mais velho dos Echanti exalava um ar mais calmo, menos odioso. Kai sentia só de observar ele. Parecia ver até mesmo a cor de sua aura. Se é que essas coisas existiam.

– Isso poderia ter acontecido com qualquer um.

Cineáltas tremeu levemente os ombros, o filho não notou; Kai, sim.

Não poderia não – ele bufou. – Ainda tem certeza de que quer este anel? Sinto que a qualquer momento você pode ser sugado até o último fio de energia.

Kai assentiu para si.

– Cometi o erro de pensar que o anel estava me ajudando... foi um erro meu, algo que não se repetirá.

O homem não adicionou qualquer comentário. Kai sentiu, no entanto, que ele não ficou satisfeito com a resposta.

Caminharam mais um pouco até dar de cara com uma porta de proporções grandes. Larga e alta. Arqueada e feita de um material que Kai poderia jurar ser...

– Ferrofosso. – balbuciou.

Cineáltas sorriu.

– Gostaria de dizer que sim..., mas não.

– É uma junção de ligas de metal que o vovô descobriu.

Kai deslizou os dedos pela superfície lisa.

– Mas parece tão...

– Nobre? – Ómra sorriu. – É mesmo. Mas não tem tanta propriedade quanto o ferrofosso puro.

– Cumpre muito bem aquilo para que foi criado – atalhou o patriarca, gesticulando para Kai dar um passo ao lado.

O homem levou a mão à superfície e pressionou levemente. Sua manti foi inserida na porta, que tremeu e se despregou da parede para dentro. Um vapor subiu e a porta foi para o lado.

– Uau! – Kai piscou, maravilhado.

Ómra ergueu um sorriso amarelo.

– Não pense que somos bichos do mato, Stone.

Kai olhou para o amigo, suavizando sua expressão.

– Nunca pensei... é que vocês não param de me surpreender.

Ómra ruborizou levemente. Kai disse aquilo com tanta sinceridade que o vitanti pôde sentir com sua alma. Que rapaz intrigante.

Cineáltas deu alguns passos para dentro e foi seguido pelos outros dois.

Uma ampla sala se estendeu. Estava repleta de mesas, quadros, objetos pendurados e caldeiras apagadas.

O patriarca ergueu a mão e esta brilhou com sua manti. Em seguida, vários orbes redondos se acenderam e flutuaram pelo salão, iluminando tudo.

Kai abriu levemente a boca, surpreso duas vezes. O salão era maior do que ele imaginou.

– Posso adicionar incredulidade às suas feições? – Perguntou Ómra, sarcástico.

Kai fechou a boca e limpou a garganta.

– É um erro comum – Cineáltas acrescentou. – Ou pelo menos era. Somos uma raça que vive longe das demais há bastante tempo, e quem está de fora é levado a acreditar, em primeiro contato, que somos rupestres. Não somos. Deve lembrar que temos tropas especializadas que viajam o mundo, e Mael... – o patriarca engoliu em seco. – O Neru’dian é o líder dessas tropas. Trouxe muita informação consigo. Os demais vitanti também.

Kai franziu a testa.

– Pensei que só ele saísse da Orquídea.

O mais velho negou.

– Temos cerca de um pelotão em campo no momento. Eles sempre trazem informações interessantes. Não ficamos para trás nem sequer um pouquinho.

Kai assentiu. Para ele, isso era novo. Ter vários vitanti por aí ao redor do mundo, aprendendo sobre as outras raças, descobrindo novos horizontes... isso era fantástico. Mas havia dúvidas para ele.

– Como eu nunca ouvi falar de vocês antes? Com essa tecnologia, devem estar há muito tempo fora...

– Não posso dar muitos detalhes sobre isso – Cineáltas olhou de esguelha para o filho, que franziu a testa. – É confidencial.

Kai compreendeu. Era realmente muito interessante. E se ele topasse com algum em sua jornada?! De repente se tocou de uma coisa: eles provavelmente estariam se camuflando entre os homens.

Os humanos, bem como os orcs e algumas raças selvagens adoravam fazer escravos. Isso não era do feitio dos anões e dos elfos. E pouco se sabia sobre essas duas últimas. Pelo menos no continente de Reiqin. Ou pelo menos entre os homens das terras livres.

Seria provável que, talvez, esses vitanti estivessem nos territórios dos elfos, além das fronteiras do Grande Amarelo?!

Ou quem sabe nas terras montanhosas dos anões, além do Império Wendex e das acomodações do Instituto?! Havia tantas dúvidas quanto respostas.

Mas Kai tornou a lembrar de algo que se proibiu de fazer: saber mais sobre os vitanti. Não lhe dizia respeito e, por mais que tivesse questionamentos, não queria fazer o tipo curioso. Não era de seu feitio.

Ómra piscou, alarmado. Queria lutar para indagar o pai, mas sabia que isso não traria nada de bom. Até certo ponto ambos brincavam, mas quando o mais velho falava com a autoridade de seu cargo, Ómra não ousava contraria-lo. Com Cineáltas a coisa era mais embaixo.

E o assunto morreu, com ambos os três encarando o enorme vão que se alongava.

– Que é que você quer fazer aqui, afinal?! – Indagou Ómra.

Kai piscou, aturdido. Estava um pouco distante com seus pensamentos.

– Trouxe o que te pedi? – atalhou o outro, esticando a mão.

Ómra ergueu as sobrancelhas, mas desistiu e pigarreou. Enfiou a mão no seu colete e tirou um pequeno cubo de proporções geométricas. Sua cor negra era de fisgar o olhar de um.

Cineáltas encarou o pequeno objeto com a testa franzida. Apontou o indicador direito.

– É o que estou pensando que é?!

Kai sorriu, pegando o Quadro Rúnico e agradecendo ao amigo.

– Mael me deu logo após me convocar para a guerra. Disse que é de última geração. Particularmente prefiro o antigo. Mas como nunca tive nem um nem outro, acho que esse da pro gasto.

Cineáltas colocou as mãos nos quadris e franziu ainda mais a testa. Kai pensou que seria impossível.

– Tenho um desses antigos aqui em algum lugar.

Kai ergueu o rosto do cubo, prestes a abri-lo. Abriu a boca levemente e sorriu.

– É? Achei mais fácil de lidar com ele. Gostaria de trocar?

O mais velho saiu andando a passos fundos. Virou o rosto para trás.

– Seria bem útil para mim, gostaria de estudar esse aí e entender as propriedades e novas atualizações. Saber o que mudou.

Kai sorriu e seguiu o homem.

– Eu olhei apenas um pouco, e não gostei do que vi. Parece que os anões acharam o novo modo de xingar quem quer que esteja do outro lado.

Cineáltas gargalhou alto.

– Isso eles adoram fazer. São tão ciosos de seus costumes quanto de suas façanhas.

Enquanto trocavam conversa, Ómra olhava de um para outro extremamente confuso.

– Mas do que raios vocês estão falando?

Kai parou seu passo e se virou par o amigo.

– Achei que soubesse do que se trata. É um Quadro Rúnico, aqui, veja.

Kai inseriu seu chi na pedra e deslizou-a diagonalmente. A pedra pulsou e pulou da mão dele, pairando no ar. Uma janela transparente... o próprio Quadro Rúnico surgiu em forma de holograma.

Ómra franziu a testa e correu até onde estavam, surpreso.

– Mas que coisinha engenhosa, Kai!

Kai assentiu.

Seja bem-vindo outra vez ao novo sistema de Quadros Rúnicos, seu anão podre, fedorento e mal educado. Espero que tenha um bom motivo para ter ficado tanto tempo sem criar. Você já pode inventar, seu maldito comedor de gultrak!

Kai o fechou, irritado.

– E é por isso que eu prefiro o antigo.

Cineáltas piscou, aturdido.

– I-isso... achei que fosse apenas uma gravação manual de voz, mas... isso é alta tecnologia taslarin. Não, não posso aceitar essa troca, há de ser muito útil para você.

Kai olhou para a pedra e depois para o patriarca. O quão sincero ele poderia ser?! Ele sairia ganhando, afinal.

– Não sei se consigo aturar a voz dessa praguinha.

Cineáltas deu um passo à frente, segurando Kai pelos ombros.

– Kai, isso não é uma simples voz de comando. Não é uma gravação qualquer... não sei como eles nomearam, mas é uma inteligência viva... ela vai lhe responder e conversar com você como uma pessoa qualquer faria.

Era fato que as coisas estavam mudando, e os anões estavam sendo os pioneiros nisso. Sempre tomaram a frente em relação à suas construções, suas reformas. E o Instituto, após perder o contato com os Elfos, se tornaram um dos principais sócios dos anões.

Kai suspeitava que o Império Wendex, maior reino humano em Reiqin, também estivesse tirando proveito desta sociedade. Os anões evoluíram. Era provável que toda sua vida estivesse mudada também.

Os humanos que viviam nos outros reinos, os chamados reinos livres, aqueles que não tinham qualquer associação com o Império Wendex comandado pelos Sperb, estavam ficando para trás.

Não muito tempo uma guerra civil acometeu o reino de Zikros fronteiriço a outros três reinos e à própria Floresta de Bulogg.

O próprio reino de Algüros não vivia em bonança: após o rei Brenn Walsh adoecer, seu filho, que tinha treze anos na época teve de subir ao trono. Um sistema com anciões como conselheiros foi criado, visando dar suporte ao jovem rei recém ascendido.

Mas era óbvio que tudo estava se caminhando para uma era sombria. E Algüros, sendo junto de Freödor as maiores potencias das terras livres dos homens, não poderia passar por tamanha instabilidade.

Kai sabia que nunca houve um momento tão propício para os Sperb se apossar dos reinos livres quanto agora. E era a vontade da antiga família: dominar todo o reino do homem.

Se estivessem mesmo se apossando das novas tecnologias dos anões, poderiam estar a um passo disso. Kai sempre prezou pela própria liberdade e, embora não tivesse mais nenhuma relação com Algüros ou qualquer reino, não sabia o que esperar dessa provável mudança.

Uma inteligência viva! Ficaria com o cubo, claro. Kai assentiu e encarou Ómra.

– Pretendo trabalhar no anel.

Ómra o olhou, confuso.

– Como?

Kai apontou para ele.

– Me perguntou o que eu pretendo fazer aqui. Pedi por um lugar onde pudesse trabalhar com o anel e com minha própria energia. Por isso pedi um lugar que fosse fortificado.

Ómra assentiu. Um segundo depois olhou para ele, perplexo. Cineáltas lançou o mesmo olhar do filho ao rapaz. Kai suprimiu o desejo ardente de cair na risada.

– VOCÊ ENLOUQUECEU?



***



Cineáltas passou as próximas duas horas falando sobre como Kai era inconsequente e tolo. Que essa teimosia ia levar ele ao caixão.

Disse que pra ele ter um gênio tão forte e tão inflexível como ele, só poderia ter sido criado por alguém tão taxativo quanto.

Mas se Cineáltas conhecesse Siobhan, mudaria sua opinião rapidamente sobre ser taxativo. O velho Shiv era flexível até demais quando se tratava de leis e limites. Mas duvidava que alguém soubesse disso além dele.


E, após essas horas quase intermináveis, eles finalmente se foram deixando o rapaz sozinho, enfim.

A primeira coisa que ele faria era descobrir mais acerca da IV. Isto é, a Inteligência Viva. Decidiu chama-la assim. Pelo menos por enquanto.

Cineáltas garantiu que teria comida e um bom lugar para comer. Segundo ele, o lugar foi projetado para evitar que quem quer que estivesse ali, não precisasse se preocupar com as necessidades diárias de um ser vivo comum.

Kai sentou-se numa cadeira enquanto encarava o Quadro Rúnico estático. Pensou sobre o que Cineáltas disse. Se fosse mesmo uma Inteligência móvel, viva como ele disse, poderia ser bem útil. Mesmo que fosse projetada para ter o maldito gênio anão.

O rapaz pegou o cubo em sua mão e inseriu chi, em seguida o deslizou para a diagonal.

A janela verde-marinho pulsou como um holograma.

Seja bem-vindo de novo, idiota. Já vai inventar?!

Kai piscou. A voz era grossa e áspera. Ele se sentia incomodado ao ouvi-la.

Não tem ideia de como começar?! Não se preocupe, estúpido, posso dar os primeiros passos a você. Comedor de grumman imundo.

O rapaz resistiu ao impulso de pegar o objeto e rebolar do outro lado do salão. Em vez disso, respirou fundo e contou de dez até um três vezes.

Eu não tenho o dia todo. Então caso você não vá dizer nada, pode ir puxando de volta essa energia nojenta.

Kai franziu a testa. Então era como ele pensou. O Quadro Rúnico foi construído para se adaptar a energias num geral. Os anões provavelmente eram estudiosos desse assunto.

– Que é que você pode fazer por mim?

Resolveu falar, flor?! Bom, sou um Quadro Rúnico, como o nome bem diz. Produzo, feito passe de mágica, runas holográficas e físicas, portanto, se você não souber nem por onde começar, se manda.

– Que é que eu devo fazer? Devo desenhar ou só dizer o que eu gostaria que fizesse?

Ah! Droga, mais um anão estúpido. Use palavras-chave para que eu possa ajuda-lo, dyrekto. Não é como se meu processador fosse de alta resolução.

E mais uma vez foi como Kai imaginara. O QR agia de modo que pudesse ajudar com qualquer dúvida, mas era necessário usar palavras-chave, a fim de não perturbar o sistema. Mesmo que não fosse uma inteligência auto consistente, ainda era muito útil.

A inteligência não parecia distinguir que Kai não era um anão, então não fora projetada para ter total independência. Provavelmente só deveria ser um ajudante, algo que facilitasse a vida do Arcano. Era útil.

– Que é que sabe sobre objetos dimensionais?!

Magia Arcana criada pelo anão Farstrend de Monte-breve em junção com o matemático da asquerosa raça humana Elias Pitts na era de cobre do continente Reiqin.

“É necessário ser mais preciso...”
pensou Kai.

– Certo. Mas quero entender seu funcionamento. Você entende?!

É claro, anão imundo. Quem você pensa que eu sou?!

A voz soou como se tivesse envergonhada. Kai franziu a testa.

– E então?!

Objetos dimensionais ou objetos de armazenamento são construídos usando um conjunto de selos e runas.

– Só isso?!

Hmm! Acho que não entendi direito.

Kai franziu a testa. Só poderia ser uma piada. Sem nada para lhe ajudar, como poderia produzir o que estava pensando?!

Então respirou fundo. Tudo o que precisava estava na sua mente.

Gostava de misturar runas com a finalidade de criar algo único. Acreditava que colocando praticidade e dinamismo, suas runas viriam mais poderosas do que se seguisse as escolas ensinadas.

Kai encarou seu anel. Sabia que havia mais do que o que estava vendo. Sua mente fervilhou.

– Você já tem runas prontas aí?!

É claro! Este sistema possui cerca de Três Aetts.

Kai sorriu. Lembrou-se imediatamente do sistema rúnico dos antigos anões. Um aett eram agrupamentos com cerca de oito runas principais, vinculadas entre si.

– Então me mostre a runa Algiz.

O QR pulsou, alternando a cor verde-marinho com um verde-azul. Em seguida, no topo do holograma, a imagem etérea apareceu: três traços apontando para cima, esquerda e direita, e outro descendo. Kai lembrou que representava o alce.

É só pegar! Soou a voz irritada da IV.

Kai esticou os dedos e pegou a imagem, que ondulou e se iluminou ao toque dele. Em seguida apareceu na mão dele uma pedrinha oval de cor cinzenta, marcada em branco pelo símbolo.

O rapaz inspecionou a runa e inseriu seu chi. Era assim que ele descobria até onde a runa aguentava.

Não demorou mais do que vinte segundos, e a runa rachou ao meio, virando pó.

Bem como ele pensava. Não iria suportar para o que ele queria criar.

– Quero que faça um pentagrama e adicione à Algiz.

Só isso?

– Preciso descobrir pouco a pouco como vai se adaptar aos diferentes tipos de uso – Kai piscou. – Não que isso faça diferença pra você. Adicione ácido fosforoso, ácido metafosfórico e átomos de carbono puro. Adicione um tetraedro e o algoritmo maxerin.

Kai não esperava que o QR fosse atender todas essas exigências, até porque não sabia até onde ia as propriedades mágicas do objeto. Adicionar os componentes que ele pediu poderia ser bem difícil.

A janela pulsou levemente, sem mudar de cor. Dali um pouco, ondulou e brilhou. No topo do QR, bem onde Kai tirou a runa algiz, outra apareceu. Ele esticou os dedos e a retirou de lá. Não havia mudado muita coisa, exceto a cor de sua rocha: adquiriu um tom negro quase translúcido. Kai podia ver o outro lado claramente.

Se concentrou e fechou os olhos, inserindo chi.

Vinte segundos se passaram e ele continuou inserindo o chi. Passaram trinta, quarenta, cinquenta... Um minuto! A runa conseguia claramente suportar a energia a bombardeando.

Então ele levou os dedos ao QR, recolocando a runa no lugar, que pulsou.

Satisfeito? Indagou a IV, sarcástica.

– Como se chama?

Não tenho um nome, anão de merda. Mas caso a madame decida me dar o privilégio de ser nomeado, ficarei honrado.

– Pra uma IV que precisa de palavras-chave para entender um comando, até que você é bem sarcástico.

Não entendi nada do que você disse.

– Isso parece ser comum pra você.

Kai sorriu. Ele estava mesmo se trocando com a droga de um objeto. Então suspirou, afastando esses pensamentos.

– Você poderia analisar isso? – perguntou, removendo o anel.

Isso o quê?

Kai ignorou a pergunta e levou o anel à janela, depositando-o do mesmo modo que fez com a runa. Alguns minutos se passaram. O QR pulsava e emitia um som estranho.

Parece ter grande concentração de energia. Sou incapaz de concluir a quantidade.

“Então ainda é capaz de sugar mais energia, é?!”

– Certo, agora quero que crie três pirâmides, adicione à um triângulo, dois círculos, adicione a runa de eihwaz e o sistema duplo de adicionamento amplo. Quero também que misture os matizes principais das escolas de força e supressão.

Isso será impossível!

Kai franziu sua testa, irritado.

– Por quê?

É naturalmente sabido pelo anão estupido que misturar matizes de escolas inversas é de extrema falta de decoro.

– Que é que você sabe sobre decoro? Pro inferno o decoro! Quero que faça exatamente como eu pedi.

Me recuso.

– Como que é? – Uma veia saltou da testa de Kai. – Faça como eu disse, imbecil.

Eu já disse que não. Seria extremamente errado.

– E desde quando você tem algum tipo de orientação ética?!

Só sei que é errado, droga.

– Certo. Mas não há qualquer regra que o impeça de fazer isso, há?!

Silêncio.

Isso...

Kai deu um sorrisinho diabólico.

– Bom, se não está na lei e eu decerto não vejo um Mestre rúnico por aqui, então acredito que não problema algum. Depois, você tem que fazer exatamente como o anão comedor de gultrak aqui ordena, não é?! Vamos, faça logo.

Um outro silêncio se fez.

– Bem, acho que terei de voltar pro outro Quadro Rúnico. Ele é meio ultrapassado, mas não é tão genioso assim...

Tudo bem! Pigarreou o IV. Kai sorriu maliciosamente. Mas o que pretende criar juntando tanta conta e runa assim?!

– Se eu estiver correto, irei criar uma matriz angular.

Matriz Angular! A ideia de Kai iria ter seus frutos, mas ele pretendia entender como era o funcionamento do sistema do QR para poder seguir em frente.

– Aliás, que tipo de runa foi usado para manter uma inteligência de auto comando?!

Runa da escola de adivinhação e matiz da escola de consistência.

E Kai sorriu mais ainda. Tinha certeza de que aquela informação não deveria ser dada, mas foi. Ao que parecia, o QR ainda tinha alguns ajustes a serem feitos, e ele notou isso desde o momento em que começou a bombardear a IV de perguntas e conversa fiada.

– Escola da adivinhação e matiz de consistência, é... – Balbuciou, sorrindo maliciosamente.




***



Horas se passaram até que finalmente Kai se sentou, na cadeira, satisfeito. Tinha criado várias runas com fortalecimento avançado. Também conseguiu alterar algumas configurações do QR ao adentrar mais fundo em seu sistema. Era de fácil uso.

Bastaria um pensamento e uma runa apareceria. Era só um pensamento e um selo ou matiz iria pairar na sua frente, esperando para ser usado.

Por fim ele olhou com felicidade para o QR, observando as runas criadas a partir de escolas diferentes. Se um Mestre rúnico visse isso, morreria instantaneamente. Pior, mataria ele instantaneamente.

Então ele franziu a testa, encarando o anel. Era hora de pôr em prática o que viera fazendo havia horas.

– Milton, ativar selo de proteção espacial.

Eu não concordei com esse nome!

– O selo, Milton.

A janela pulsou um vermelho vivo e, em seguida, um círculo cheio de linhas perpendiculares dentro surgiu, vibrando em tons laranja e escarlate. Kai deu um passo para dentro e, em seguida, se sentou.

– Agora quero que, ao meu sinal, você ative as runas de proteção, fortalecimento e supressão. Ao meu sinal!

Kai fechou os olhos, inserindo chi no anel. De repente este começou a sugar sua energia desenfreadamente. Kai retirara o colar.

Após longos cinco minutos, Kai já estava quase sem energia, então abriu os olhos, suando frio e cerrou os dentes.

– AGORA!

O Quadro Rúnico brilhou e, junto dele, o selo de proteção espacial.

Kai notou as runas sendo inseridas no anel, e seu chi sendo retesado aos poucos. Quanto a runa de supressão se ativou, o chi tornou a ser sugado. Kai abriu os olhos, aturdido.

– Agora ative o selo protetivo da quinta escola de proteção!

Então o anel parou de sugar sua energia. Kai soltou um bufo quando o selo de proteção espacial se desfez e ele caiu no chão, suado e ofegante.

Será que tinha conseguido?! Faltava uma coisa.

– Milton, ative a runa da Evolução Contínua.

Ativando runa de Evolução Contínua.

Uma runa pulsou na janela do QR. Kai ergueu o dedo e pegou-o. Gravado sobre a pedra cristalina havia o a imagem de uma serpente que mordia a própria cauda. Anfeidrol ou, como Kai gostou de chamar: Ouroboros.  

Ele apertou levemente a superfície da pedra. Esta se despedaçou em pequenos pedaços e em um pozinho brilhante. No meio da mão de Kai, pulsava o símbolo, ardente e vibrante.

Kai manuseou com suavidade o símbolo e o inseriu na superfície do anel. Um forte faixo de luz quase cegou Kai. Quando a luz se apagou, ele teve sua mente sugada pelo anel e tudo girou.

Parecia que estava descendo por um túnel fundo, estreito e alucinante. Quando sua cabeça se assentou e ele foi capaz de se livrar da tontura, arregalou os olhos de surpresa.

Ele estava parado num local extremamente branco e amplo, imenso.

Seja bem-vindo ao Anel de Armazenamento Tridimensional, criador sênior. O senhor possui a opção de me nomear. Como pretende continuar?!

Kai sorriu maliciosamente. Então realmente funcionara.



Comentários